Líquida - Os Renascidos. escrita por Amortecência


Capítulo 2
I - Bring Me To Life.


Notas iniciais do capítulo

Esse cap ficou meio chatinho, mas é só para explicar a vida dela e tal. Daqui pra frente vai ficar bem melhor. Bjus p tus ♥



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“How can you see into my eyes

Like open doors

Leading you down into my core

Where I've become so numb?

Without a soul;

My spirit's sleeping somewhere cold,

Until you find it there and lead it back home.”

A música que ela tanto gostava começou a tocar. A voz celestial de Amy Lee finalmente a despertou. Esse era o único modo.

Evelyn levantou-se e lentamente caminhou até o banheiro ao lado de seu minúsculo quarto. Escovou os dentes e os cabelos, e só aí teve coragem de se olhar no espelho. Havia muito tempo que prometera isso a si mesma. Odiava-se de manhã, mal se sentia viva.

Permitiu-se gastar alguns minutos se olhando no espelho. Seus cabelos eram muito negros, como uma noite sem luar e sem estrelas. Seus olhos eram indecisos: uma hora estavam cinzentos; na outra azul; ou até mesmo verdes. Dependia da iluminação do local. Seus lábios eram tão vermelhos que parecia que ela usava batom, como sangue. E sua pele era muito clara, pálida.

Pegou o lápis de olho no armário acima da pia e passou exageradamente em cima e em baixo dos olhos, agora cinzentos, como sempre fazia nas frias manhãs de Londres.

Depois de colocar um moletom cinza, uma calça jeans e um All Star surrado, desceu para o café da manhã em “família”. Antes de descer as escadas, imaginou como seus “pais” estariam. Era um hábito que tinha. Provavelmente, sua “mãe” estaria tratando de Arthur enquanto seu “pai” fazia caretas para ajudar a mulher a tratar do menino mimado.

E, obviamente, ela estava certa.

— Olá rei Arthur — disse.

— Já disse para não chamá-lo assim — repreendeu-a Nora Campbell. Sua mãe adotiva.

Pensou no motivo de ela fazer isso. Qualquer um pensaria que era um apelido carinhoso, mas ela já dissera em uma das suas muitas brigas à Nora que o chamava assim porque ele reinava na casa, mandava em todos.

— Só estou falando a verdade, Nora — replicou.

— Também já disse para não me chamar de Nora. Eu sou sua mãe!

— Não, minha mãe se chama Vivian Thibault. Ou se chamava...

— Ah, não. Eu não acredito. Você está falando novamente sobre aqueles sonhos em que você vê sua “antiga família”? — disse ela, exasperada. — Eu já te disse Evelyn, você foi encontrada inconsciente, apenas murmurando sobre homens e mulheres de preto que tiraram uma tal de Melody de você. Depois foi mandada à adoção e nós já te adotamos, você não passou nem duas semanas lá. — E ao ver uma lagrima descendo pela bochecha da menina, deixando um rastro preto para trás por causa da maquiagem, disse e um tom mais dócil: — Nós já te amamos desde o primeiro instante em que a vimos. Por isso a adotamos tão rápido.

A garota apenas balançou a cabeça, em um gesto de que compreendia. Ela não queria contar a verdade. Não queria contar que, na verdade, estava chorando pela dolorosa lembrança de perder sua irmã, seu tesouro mais precioso.

Ela se recompôs rapidamente. Não era de ficar chorando. Era forte, a vida sempre lhe cobrara isso. Levantou-se da mesa, pegou sua mochila e saiu, sem dar atenção aos gritos da mãe dizendo que ainda estava cedo para ir à escola e perguntando se ela não ia terminar o café.

***

Depois de vagar por um tempo, Evelyn se deu conta de que era realmente muito cedo para a escola. A primeira aula começava às 9h00, e ainda era 8h15. Sua madrasta era fanática por organização, por isso ela tinha que acordar às 7h30 da manhã, quando podia acordar bem mais tarde.

Ela encostou-se ao muro da escola e pegou um dos muitos livros que havia na sua mochila, sorteando. Olhou para a capa e leu: A Menina Que Roubava Livros. Era o seu favorito. O que era difícil de dizer, pois já lera tantos livros. Era sua maior paixão. Estava sempre com o nariz enterrado em seu maior refúgio, tentando se esconder da tragédia que era sua vida.

De qualquer modo, ela se identificava com a personagem principal: Lisel Meminger. Talvez fosse a montanha russa de emoções que era a vida da garota, talvez fosse as perdas que ela teve, Evelyn não sabia. Ou talvez fosse porque de ambas os irmãos lhes foram tirados.

— Ei, Eve. Tudo bem? O que faz na escola tão cedo? — Uma voz fez a menina sair de sua tão concentrada leitura assustada. Ela encarou o rosto de Daniel.

— Ah, é você. Oi Dan — disse ela, em tom de aborrecimento.

— Hã, deixa eu adivinhar. Problemas com sua mãe? — perguntou ele, enquanto se sentava ao lado da menina.

— Ela não é minha mãe! — respondeu ela, irritada tanto pelo fato de ele dizer que Nora era sua mãe quanto por perceber que ele a conhecia tão bem.

— É, isso responde tudo.

Ela suspirou e enterrou o nariz no livro novamente.

— Você sabe que eu posso te ajudar. Eu sou seu melhor amigo.

Era verdade. Daniel sempre fora aquele que ajudou Evelyn, mas ela era dura e fria demais para admitir.

Ela olhou nos olhos verdes do garoto, emoldurados por um óculos fundo-de-garrafa e disse:

— O melhor jeito de você me ajudar, é me deixando em paz — e saiu andando, passando pelo portão da escola que já se abria.

***

— Senhorita Campbell? — disse uma voz fanha, tirando Evelyn de seus devaneios.

Ela encarou o professor narigudo, calvo e barrigudo, Sr. Quintanilha, o professor de inglês. Percebeu que todos os alunos da sala também a encaravam, como se esperassem alguma coisa. Evelyn odiava inglês. Era uma de suas muitas contradições: amava ler e escrever; odiava estudar inglês.

— Sim? — Respondeu ela.

— Vou repetir a pergunta, mais uma vez! — disse ele, severo. — “Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente.” Quem disse essa frase?

Era uma pergunta simples, Evelyn sabia a resposta. Shakespeare foi que disse isso. Mas não queria parecer uma nerd, então apenas deu de ombros e disse, provocativa:

— Você vai perguntar logo para mim? Eu tenho cara de quem sabe, por acaso?

Na mesma hora, Sr. Quintanilha ficou vermelho feito um pimentão e apontou para a porta, gritando “Diretoria!”.

— Afetado — disse a menina, em alto e bom tom ao passar por ele.

***

— Sabe senhorita Campbell, — Evelyn revirou os olhos, odiava seu sobrenome — você vem nos causando muito problemas ultimamente.

— Legal — foi o que ela se limitou a responder.

— Bem, eu não acho isso legal, não é um bom exemplo para os menorzinhos, entende? — Ela encarou os olhos castanhos do diretor. Então ele continuou: — Já vi você fumando pelos corredores, suas notas estão péssimas, você nem se dá o trabalho de fazer a prova, todas ficam em branco. Várias pessoas já apareceram te acusando de roubo e você não devolve mais os livros da biblioteca. O que está acontecendo, mocinha?

— Me desculpe Sr. Castillo, mas é o meu jeito, nasci assim, eu não vou mudar — então, simplesmente saiu.

— Expulsa! — gritou o homem atrás dela.

— Graças a Deus! — foi sua resposta.

Ela saiu da escola e foi para a casa.

— O quê aconteceu? Foi dispensada mais cedo? — Vincent Campbell perguntou quando Evelyn bateu a porta da casa com força às 10h30, um horário em que ela ainda devia estar na escola.

— Não. Fui expulsa, mesmo — respondeu ela como se fosse a coisa mais normal do mundo.

A boca dele se abriu em um perfeito “O” antes de ele gritar por Nora e começar a dar um discurso sobre ele pagar uma escola cara só para eu não estudar e ainda ser expulsa.

— Eu estou cansada — a garota-problema murmurou antes de sair de novo, agora sem rumo.

Para qualquer lugar que ela fosse, estava alguém a julgando e a maltratando. Ela admitia que não havia sido muito boa nos últimos tempos, mas ela já tinha decidido: não ia mudar.

Aos treze anos, quando os pais adotivos a adotaram, ela era uma boa pessoa. Primeiro ela se regrediu, claro. Mas depois foi se soltando e mostrando seus diversos talentos, como ela era inteligente e amorosa, por exemplo.

Mas, há mais ou menos um ano, nasceu Arthur. Ela tinha apenas 14 anos e foi jogada de lado. Então os sonhos vieram. Não era algo comum, eram vívidos, como uma lembrança. No começo ela não prestou atenção, nem se lembrava depois que acordava.

Um dia veio um sonho que chamou sua atenção, ela via uma menina com cabelos cor de bronze e olhos castanhos calorosos, diferente dos dela. A menina segurava a mão de outra garotinha, tentando protegê-la de homens e mulheres, que não fizeram nada, apenas continuaram parados. Evelyn podia ver que eles falavam, mas não saía som. De repente a menina caiu sem respirar, enquanto a bebê se dissipava em névoa. Nesse instante um dor preencheu o peito de Evelyn e ela soube que aquela era ela e sua irmã. A irmã que havia perdido.

Desde então mais sonhos vieram e ela prestou atenção em todos. Eram cenas de sua família, no cotidiano. Evelyn percebia como era feliz, e mesmo tendo uma irmã tinha toda a atenção que precisava.

Os sonhos eram bons... enquanto ela sonhava com eles. Cada dia ela se levantava com vontade de continuar dormindo e sonhar mais. Ela se pegava a todo o momento comparando sua vida atual com uma que ela nem sabia se realmente existira. Mas nunca pensava muito nisso; a ideia de que Vivian Thibault, sua mãe, Christian Thibault, seu pai e Melody Thibault, sua irmã não existissem a dilacerava por dentro.

Ela passou a ficar mais amarga e fria a cada dia, com a perspectiva de como sua vida poderia ser melhor se aqueles homens não a tivessem matado, mudado sua aparência e levado sua família. E hoje ela lá estava ela, encostada em um muro de uma casa qualquer, fumando maconha. Ela se sentia morta, precisava de alguém a trouxesse de volta à vida.

Ela ouviu passos e pensou que devia ser algum outro delinquente como ela. Um drogado ou bêbado qualquer. Virando a esquina e dando de cara com ela estava um policial com uma arma em punho. Seus olhos pretos se fixaram no rosto dela e depois no cigarro em sua mão.

— Você vem comigo, menininha — anunciou ele em uma voz grossa. — Bem que eu senti cheiro de maconha.

***

— Senhor, esse é um dos melhores internatos de reabilitação que existe. E ela está sendo mandada para lá. Depois que falei sobre o caso dela eles a aceitaram imediatamente, são muito atenciosos — disse o policial a Vincent ao chegar à casa de Evelyn, depois de detê-la, interroga-la e, finalmente, concluir que ela só precisava de uns meses na reabilitação. Ele estendeu um panfleto para o pai adotivo da menina. — Ela entra amanhã, tem até às três da tarde para estar lá. É aqui pertinho, em Greenwich.

— Hã, obrigado. Entre Evelyn, vamos conversar — disse ele, com os dentes cerrados.

Evelyn se encaminhou para a porta, já havia se acostumado com a grosseria do pai, que chegava até a bater nela, às vezes. Mas o policial interceptou-a.

— Por favor, tenham paciência com ela. Muitos dos casos de vicio em drogas têm uma razão. E muitas vezes essa razão é maltrato dos pais. Ser rude não vai ajudar.

— Claro, não seremos rudes. Nunca somos — respondeu Vincent com um sorriso forçado.

A garota entrou, dando um sorriso agradecido ao policial, ele era um cara legal. Seu pai adotivo fechou a porta atrás deles.

Ela seguiu para escada, então ouviu um barulho como um estalo. Virou apenas para ver o homem com uma cinta de couro na mão. Ela deu um suspiro e caminhou até ele, não havia escapatória, ela já aprendera isso há muito tempo.



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Notas finais do capítulo

Reviews me aquecem o coração, então apareçam leitores fantasmas ou essa história vai morrer :(