Will You Remember? escrita por cmatta


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Ultimo capitulo do ano! Feliz ano novo pra quem ler aqui < 3 A cada comentário, Neil ganha mais uma semana de vida, vamo vamo vamo < 3 q
Espaçamentos arrumados. Valeu pelo toque, CAD :3



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/305146/chapter/3

Mathew não demorou muito a voltar para casa depois da terceira visita que fizera à casa dos Collins. E por mais um dia Neil faltara às aulas, emendando essas curtas férias com o final de semana, quando fez uma visita ou outra ao hospital, como era de costume desde que descobrira a doença.

Passou o final de semana trancado em seu quarto, com medo que Helen lhe pegasse tentando fugir para a casa do amigo Michael. Variava seu tempo entre dormir e jogar videogames, talvez ler alguma coisa, mas logo desistia. A janela de seu quarto tinha sempre uma fresta aberta espantando o típico ambiente tabaqueado.

Mas foi domingo à noite, depois de uma longa tarde bem perdida de sono bem, que Matt decidiu tentar sair do quarto. Não foi preciso abrir a porta, já soube o que acontecia em sua sala. Bufou voltando para a cama, reclamando e se perguntando do porquê de sua mãe não poder levar homens à lugares mais apropriados.



Segunda teve a sorte de ter a mãe no quarto por toda a manhã. Pôde finalmente enrolar antes de sair de casa. Tentou não fazer muito barulho até se enfiar no elevador. Qualquer cuidado era pouco com aquela mulher. Saía pela portaria do prédio quando bateu o olhar na pequena figura sentada na beirada da calçada. Os cotovelos sobre os joelhos e a enorme bolsa pendurada no ombro direito; seu olhar parecia meio longe dentre as nuvens escuras que cobriam o céu naquela manhã.

– Leslie – chamou, atraindo a atenção da garota, que logo se levantou – O que faz aqui?

– Mathew... – ficou algum tempo encarando o garoto, como se nada tivesse a dizer – Ah, é. Matt, o Neil. Eu não consegui falar com ele o fim de semana todo. Sabe o que...

– Como assim?

– Eu liguei lá, ninguém atendia.

O garoto mexeu nos cabelos, bagunçando o que ainda estava razoavelmente ajeitado. Soltou o ar com força. Qual parte do “se cuida” Neil não entendeu? Agora se perguntava o que mais teria acontecido dessa vez. Gritou internamente para sua mente parar de viajar. Mas era como se não pudesse controlar, mesmo sem saber o mínimo sobre a doença, conseguia pensar nas piores hipóteses.

Leslie permaneceu parada, os olhos fixos no ruivo. Chamou-o uma, duas vezes. Ele então disparou a andar, sem uma direção certa. Ela o seguia com seus passos curtos e rápidos, até chama-lo com uma voz muito mais alta. Ela mesma começava a se afundar em uma atmosfera de preocupação que Matt parecia emanar.

Cessaram os passos de Mathew, para alívio da garota. Ele agora murmurava para si coisas inteligíveis e rapidamente, dando passadas de um lado a outro.

– Leslie, já tentou ligar pro Simon? Sei que tem o número dele. – perguntou, parando finalmente.

– Ah... Não...

Ela parecia um tanto confusa, mas ainda assim retirou do bolso de seus jeans seu celular. Levou um tempo rodando por sua agenda telefônica até achar o número de Simon. Foi logo entregando ao garoto, que rapidamente pressionou o botão verde e voltou às passadas nervosas, ritmadas com cada tuu da chamada. Leslie tentava segui-lo novamente, mas ele parou repentinamente. Simon atendeu.

–Simon!

– Hã? Mathew? Como que...

– Aconteceu alguma coisa? – sua voz deu uma leve tremida, enquanto esperava que recebesse um “não” como resposta.

– Você não devia estar na escola? Olha lá, rapaz.

– Simon – tentou manter seu tom o mais estável possível – O que aconteceu com o Neil?

– Não foi nada. Ele teve que fazer um outro exame – suspirou. Sua voz mudou, como se sorrisse – Agora vai pra aula, tá?

– Mas...

– Se quiser, te pego e você vem aqui depois da aula.

Matt concordou e desligaram. Respirou fundo e devolveu o telefone à menina, agradecendo. Talvez fosse coisa de sua cabeça, mas não conseguia acreditar em Simon. Neil estivera no hospital na semana anterior fazendo muitos outros exames, ele sabia. Não havia por que voltar menos de uma semana depois sem um motivo.

– Matt... – Leslie o chamou, passado metade do trajeto até o colégio. – O que o Neil tem? – não obteve resposta, então insistiu – Você sabe muito bem quem aqui se importa mais com ele, Mathew. Já chega de fingir que gosta dele. Ele não precisa disso. Você nunca nem falou direito com ele, por que...

– Leslie, chega! – interrompeu-a com a voz forte, olhando para o chão.

Acelerou os passos. Tinha que se afastar daquela garota antes que lhe partisse a cara – esqueceria até que se tratava de uma garota toda delicada, como ela era. Aquelas palavras o atingiram em cheio. Não podia negar nada do que ela dissera, e era isso o que, subconscientemente, mais lhe irritava. O fato de não estar em primeiro na vida de Neil. Só queria encontrar Michael agora. Descontar sua raiva nele e depois receber o troco por isso.

Mas o que realmente fez ao encontrar o amigo foi cumprimenta-lo, logo depois afundou a cabeça entre os livros e caiu no sono. As aulas passavam cada vez mais lentas ao longo do dia. Michael puxava algum assunto ou outro e Matt respondia como um reflexo, mal sabia direito o que falava. Também não pensava em muita coisa. Mal tocara em seu videogame. A visita de Leslie esta manhã acabara com a vontade de fazer qualquer coisa, não sabia bem o porquê.

– Mike. – chamou-o finalmente, após um dia silencioso.

– Que foi?

Tinham uma aula vaga e estavam passando o tempo no pátio. Assim como a parte da frente do prédio, algumas árvores rodeavam a área. Alguns pares de mesas compridas feitas de pedras com banquetas de mesmo material limitavam a área verde da área de esportes, onde havia uma quadra de basquete e uma de futebol. O resto dos garotos estava jogando e as meninas se dividiam: algumas permaneciam sentadas em seus grupinhos conversando com aquelas vozes agudas irritantes, outras iam jogar vôlei.

Michael estava sentado sobre uma das mesas, os pés apoiados sobre um dos bancos. Mathew sentado ao lado dos pés do loiro, rodando seu videogame entre as mãos.

– O que você acha de irmos para aquele campo do outro lado da cidade? – perguntou com o olhar distante.

– A gente não vai lá há anos, Matt – disse erguendo uma sobrancelha, surpreso com a proposta.

– Justamente.

Michael ficou em silêncio por um tempo, somente encarando o amigo. Ele tinha uma feição séria, mas havia algo diferente. Ele reiniciava um jogo como o habitual, mas Michael não o via ali.

– Tá. Ainda devo ter as velhas coisas de meu pai lá em casa. – respondeu, vendo uma ponta de animação no ruivo – Quanto tempo pretende passar lá?

– Uma noite é o suficiente – sorriu, abaixando seus velhos goggles e cobrindo seus olhos verdes. As lentes de seus óculos refletiam as luzes brilhantes de seu jogo. Michael viu, finalmente, o antigo brilho voltar a seu lugar, e sorriu como resposta.



E como combinado, lá estava o velho carro grafite de Simon Collins parado em frente à escola. Acenou para Michael despedindo-se. Ele hesitou em retrucar, mas acabou deixando-o ir sem tentar impedir. Já sabia que era inútil. Assim, seguiu junto a um grupo de garotos que, vez ou outra, saiam para algum lugar juntos.

A pequena viagem foi silenciosa até o hospital. Simon arriscou perguntar como tinha sido o dia de Matt, mas recebeu um “normal” em volta. No meio do trajeto, ligou o rádio e uma música dos anos 70 invadiu o veículo, fazendo Simon encolher os ombros de vergonha e um riso curto fugir de Mathew, que estava até o momento atento à janela ao seu lado.

Mas quando o enorme prédio do hospital parou ao seu lado, Mathew quase pulou do carro – só não o fez porque acabaria se perdendo mais cedo ou mais tarde, e isso não seria bom. Quando percebeu, já estava parado na porta do quarto de Neil. De repente esqueceu até o que foi fazer ali. Mas novamente viu-se sendo puxado para dentro. Viu Neil deitado naquela cama gigante, com fios saindo de seu braço e chegando a uma bolsa pendurada sobre um suporte metálico. Um arrepio lhe percorreu o corpo.

– Parece que ele dormiu – Simon anunciou, arrancando Mathew de seu mundo – Já que ele tem companhia, eu vou dar uma passada no trabalho.

Matt assentiu. Simon recolheu suas coisas e se despediu, fazendo o favor de bagunçar totalmente o cabelo do filho antes de sair.

Deu alguns passos curtos em direção da cama. Hesitou e retornou todos eles. Estava se sentindo um completo idiota ali. Do outro lado da cama, havia um pequeno sofá – uma almofada enorme e um cobertor entregavam as noites que Simon dormira ali. Foi até ele e se sentou. Ficava estrategicamente próxima da cama, podia bem observar o rosto pálido do garoto sem que criasse um clima estranho. Ficou lá sentado. Ora sua concentração estava no seu videogame, ora focava no menino na cama. Começou a se perguntar no que diria quando ele acordasse, mas ao mesmo tempo, essa soneca longa demais começava a afligi-lo.

Um remexer nos fofos travesseiros fez Mathew erguer rapidamente o olhar. Neil passou as costas da mão nos olhos rapidamente, antes de dobrar levemente a cama para ficar sentado. Virou para o sofá esperando ver seu pai, mas não escondeu a surpresa ao ver o garoto sentado ali, encarando-o. Abriu levemente a boca para perguntar, mas não foi preciso.

– Simon foi passar no trabalho – avisou. Neil respondeu com um aceno da cabeça – Pretende protelar o trabalho de formatura até quando, hein?

– Disseram que amanhã eu fico livre disso aqui – olhou para o saquinho pendurado que chegava ao fim – daí você pode passar lá em casa pra gente... Recomeçar.

– Claro, você ficou brincando com o papel lá, rasgou tudo. – brincou – Como vai o tratamento? Sabe...

– Ah... Bom, eles tentam.

Um silêncio maçante caiu sobre aquele quarto. As palavras de mais cedo voltaram a rodar sua cabeça. “Mathew. Já chega de fingir que gosta dele. Ele não precisa disso”. Xingou a garota em voz baixa, mas foi o suficiente para Neil descer o olhar até ele.

– Faz um tempo que não falo com a Leslie – Neil comentou, ignorando totalmente o acontecido.

– Ela passou em casa hoje te procurando – disse desinteressado.

Neil abriu um breve sorriso. E como uma facada, o fato de Neil sorrir por causa da garota atravessou seu peito. Depois de tanto pensar, Mathew começou a achar que talvez estivesse entendendo. “Você sabe muito bem quem aqui se importa mais com ele”, repetiu mentalmente, se perdendo em meio a tantas coisas em uma cabeça só.

Entre longos momentos silenciosos, algumas palavras eram trocadas. Desde escola, até o que planejavam fazer daqui alguns dias. Neil percebeu o pequeno desconforto em tocar Leslie nos assuntos, então evitou ao máximo fazê-lo; mas nas poucas vezes que fez, viu Matt fechar a cara por alguns segundos. Mathew, por sua vez, tentou não falar sobre a doença de Neil. Ele mesmo se sentia mal ao pensar nisso.

– Como o Michael está lidando com você andando demais comigo? – Neil perguntou a ponto de começar a rir.

– Até que ele está indo bem – riu – Até agora ele não te atacou, já é um começo.

Neil foi obrigado a concordar. Antes que respondesse, uma enfermeira baixinha entrou no quarto após duas batidas leves na porta. Carregava uma bandejinha prata com uma seringa. Com os cumprimentos básicos ao entrar, repousou a bandeja sobre a mesa ao lado da cama.

– Como se sente? – perguntou com uma voz suave.

– Melhor do que os outros dias.

Com um sorriso digno de elogios, a mulher pendurou um pequeno saco de soro e conectou-o à veia do garoto.

– Tem uma pequena dose de anestésico aqui, mas ainda vou precisar injetar diretamente – disse já pegando a seringa – Daqui a pouco venho lhe buscar para o mielograma – terminou enfiando a agulha da seringa a uma das entradas da armação já presa na veia de Neil. Mathew assistia àquilo com um pouco de atenção, tentando imaginar o que seria mielograma, mas a mulher cortou-lhe os pensamentos quando se virou para ele – Quando ele adormecer, pode me chamar? Estarei no balcão logo ali no corredor – sorriu novamente.

– Claro – correspondeu o gesto, fechando levemente os olhos. Quando ela se retirou, voltou o olhar a Neil – O que é isso?

– O que?

– Mielalgumacoisa.

– Ah, mielograma – Matt balançou a cabeça – Eles aspiram a medula e analisam as células.

A conversa seguiu seu rumo como momentos atrás, mas a voz e raciocínio de Neil ficavam cada vez mais lentos. Quando suas pálpebras passaram a pesar, Neil disse à Mathew que mandaria alguma mensagem pelo pai no dia seguinte, que não iria ainda para a escola. E por fim, poucos minutos depois, adormeceu dando aquela imagem agoniante, porém bela para os olhos de Matt, que se permitiu admira-lo por algum tempo, antes de se levantar pronto para sair. Já estava na porta quando retornou seus passos até a cama. Seus olhos percorreram todo o rosto de Neil antes de um suspiro fugir-lhe os lábios. Sua mão seguiu até os cabelos claros do menino, num leve afago desceu até seu rosto.

– Ah, Neil... – sussurrou – Por que isso foi acontecer, hein? Por que logo agora? Como tenho sorte. – lamentou. Permaneceu alguns segundos em silêncio, não acreditando direito no que estava prestes a dizer – Eu queria estar no seu lugar agora. Você que estaria na escola assistindo às aulas, nem notaria minha ausência. Mas quem se fode mais uma vez sou eu. Não se permita perder, Neil. Você tem que voltar a irritar o Mike. Ele também precisa de você – sua voz subiu alguns tons, crente que assim o garoto o ouviria – Todos precisam de você. Neil. Eu preciso de você.

Pela primeira vez, tinha consciência do que estava fazendo. Sem hesitar nem se assustar com suas próprias ações, Mathew largou-o depois de dar uma leve bagunçada em seus cachos. E como disse à enfermeira, avisou-a assim que saiu do quarto. Despediu-se dela antes de descer pelo elevador e encontrar uma chuva forte do lado de fora. Reclamando, correu para o primeiro ponto de ônibus que encontrou.



Vestido com roupas totalmente brancas – camuflado em um corredor comprido de paredes, teto, piso e luzes brancas sem nem uma porta sequer –, Neil parecia procurar o fim daquela passagem infinita. Quanto mais se aumentava a quantidade de passadas que se aceleravam, as paredes iam recebendo uma tonalidade amarelada. Logo descobriu a fonte da cor. O fim. Uma parede de luz que brilhava tão forte quanto o Sol num dia de verão. O garoto teve de encobrir seus olhos com os braços. Temeu os próximos passos, mas seguiu. Atravessou a parede que mais parecia uma camada de gelatina. Encontrou-se em uma câmara escura. A luz atrás de si sumiu. Estava ele só rodeado do mais puro breu. Ouviu um lamento baixo, inaudível vindo de um dos cantos da câmara. Tentou andar em direção ao som, mas a escuridão era demais. “Tem alguém aqui?”, ele perguntou para o nada, sem uma resposta. Usando as mãos como guias, tentou encontrar algum objeto a se apoiar, uma parede guia. Nada. Nada, até encontrar uma maçaneta. Abriu-a. Uma nova luminosidade machucou-lhe a visão. Demorou a se acostumar, mas logo conseguiu puxar a imagem de árvores. Bancos. Quadras. Não foi difícil se lembrar da parte de trás de sua escola. Barulho. Vozes. Risos. Mathew. Leslie. O garoto saltou pela porta, os passos apressados até o casal, crendo que essa seria a ultima esperança. “Mathew”, chamou uma vez. “Leslie!... Ei, Matt!”, insistiu, mas inútil. Sua cabeça começou a doer. Tudo à sua volta rodava, menos os dois garotos à sua frente, que insistiam em ficar sob sua visão. Não conseguia entender o que eles diziam muito menos compreender porque faziam o que faziam. Mathews voltava a tê-la entre os braços que um dia Neil teve a sorte de sentir. Continuou chamando-os, sua voz sumindo mais a cada instante...

– Não! – gritou.

Simon pulou do sofá enquanto Neil murmurava ainda dormindo.

– Neil! – chamou apressado – Neil, acorda! – sacudiu o garoto levemente, que, aos poucos, parecia retomar a consciência. Quando ele finalmente abriu os olhos marejados, Simon não conteve uma risadinha. Neil só o olhou feio, sem entender nada – Sonho ruim?

Neil balançou a cabeça. Quanto tempo teria ficado apagado? Encaminhou sua mão ao peito; uma dor se alojava ali e não era da doença. Puxou o celular do pai que ficava ao lado da cama e procurou o relógio. Já era bem tarde. Daqui algumas horas todos estariam levantando de suas camas para ir à escola. Suspirou, tentando assim jogar fora todas as imagens de seu sonho.

Simon mostrou-lhe a bandeja que lhe deixaram para o jantar e ordenou que comesse. E assim o fez. Quem sabe se enchendo-se de comida consiga suprir o vazio que nascera durante o sono?



Bebendo o chocolate quente em frente à televisão, já vestido para a aula, Michael acompanhava os passos de sua mãe correndo de um lado do apartamento ao outro. Pensou em perguntar o que ela procurava, mas deixou-a. Quando finalmente Louise pareceu encontrar o que queria, jogou-se ao sofá ao lado do filho, fazendo-o quase derramar o líquido quente. Ela riu antes de parar e refletir por alguns instantes. Sua expressão séria voltou.

– Você sabe do Neil, Mike? – perguntou, sem encarar bem o filho.

– O que tem? Por que todos decidiram dar super atenção pra ele agora? – perguntou, virando o chocolate na boca logo em seguida.

– Michael... – hesitou – O Neil está doente, não sabia?

Michael parou a bebida antes de engoli-la, deixando-a queimar boa parte de sua língua antes de ela seguir o caminho inicial. Isso explicaria muita coisa. Mathew não estava andando com Neil porque gostava dele, não é? Era por pena..., pensou, desejando que fosse mesmo isso. Balançou a cabeça negativamente para a mãe, que soltou o ar de maneira preocupada. Teria feito mal em contar?



O dia na escola estava sendo o mais normal possível. Ou tentavam. Michael tentava não transparecer o fato de saber sobre Neil. Mathew fazia o mesmo. Assim como Leslie parecia encará-los ainda mais esta manhã. Apesar disso, as conversas fluíam normalmente. As aulas eram tão entediantes quanto sempre. Até Will entrar na sala e bater aquele livro de gramática grosso em sua mesa de madeira.

– Muito bem – iniciou quase gritando – Quero saber como andam os trabalhos para a formatura. Como sabem, as provas já estão aí – um silêncio pairou sobre a classe – Preciso lembrar que vale nota essa brincadeira?

Um leve murmúrio rondou a classe. Will bufou. Os dedos subiram e passaram a massagear suas têmporas.

– Façam a lição, então – mandou, sentando-se em sua cadeira.

Poucos minutos se passaram quando a velha senhora bateu na porta da sala, fazendo Will virar-se bruscamente para ela, quase jogando o livro em sua direção. A mulher estremeceu. Com uma voz baixa disse que precisava de Mathew Hunt.

– Você adora atrapalhar minha aula, Muriel – respondeu ríspido – Vai, Hunt. Some da minha sala.

Meio confuso, Mathew obedeceu. A mulher, com sua voz monótona de sempre, avisou-lhe de que um telefonema o esperava na coordenação. Seguido dela, Mathew foi até onde lhe fora indicado. Ela apertou alguns botões no aparelho e deu-o para o garoto.

– Oh, olá, Matt! – cumprimentou a voz animada do outro lado da linha – O Neil vai fal... – foi interrompido com um ruído que lembrou para Matt a voz de Neil. Simon riu em seguida, dando uma tossida, como se isso fizesse sua fala anterior se apagar – Neil pediu que lhe avisasse que hoje à tarde ele já vai estar em casa. Ele me disse que vocês tinham destruído todo o trabalho que fizeram da última vez e com todos os problemas no meio não conseguiram refazer, né?

– Ah, é. Quer que eu passe na sua casa mais tarde? Eu levo materiais novos. O professor cobrou isso agora, ia tentar ligar aí depois da aula...

– Tudo bem, tudo bem. Se eu não estiver no portão na hora da saída, pode ir direto lá em casa.

Concordando, Matt desligou o telefone e despediu-se de Muriel com um sorriso largo. Pensou bem antes de voltar para a sala, mas tinha conhecimento das consequências caso matasse aulas de Will.

E assim retornou à sua rotina monótona de aula seguida de aula sendo gasta sobre seu bom e velho gameboy color – um clássico, que exigia um assopro ou outro no cartucho enquanto o professor escrevia na lousa.

Um dos professores parecia ter adoecido nessa semana, para felicidade de grande parte da escola. E como sempre, sentados nas mesas do pátio, Mathew tinha um Nintendo DS sendo habilmente manuseado; Michael estava deitado na mesa, o casaco lhe cobrindo os olhos.

– Maaaatt – chamou a voz abafada pelo moletom.

– O queeeee?

– Quando você quer ir?

– Onde?

– Acampar.

Mathew pausou o jogo e fitou Michael ainda sob a peça de roupa. Sua voz num leve falhar. Desde a morte de Franz, era possível contar nos dedos as vezes em que voltaram àquele lugar. E todas as vezes que o fizeram, Michael se fechava, mesmo que por poucos segundos. Matt puxou o casaco do rosto de Mike, que abriu um pequeno sorriso torto, antes de se sentar e xingar o amigo, pegando de volta o que lhe pertencia.

– Quando? – perguntou novamente, dobrando as pernas sobre a mesa.

– Sexta à tarde? Porque aí dá pra passar sábado já lá no lugar de sempre – Michael mudou seu olhar para algo mais fosco, como se retendo qualquer vestígio de emoções que aquilo lhe despertava, mas por fim balançou a cabeça em concordância – Amanhã eu vou para sua casa juntar as coisas, beleza?

Voltando sua atenção para o jogo, Matt afundou-se em sua mente novamente. O amigo voltou a deitar na mesa, cobrindo o rosto. Pretendia dormir, quando um grupo de garotos de outra classe se aproximou, puxando conversa.



Olhou em volta enquanto dava um leve aceno para Michael, que sumia rua abaixo. Nenhum sinal de Simon e seu carro escuro pela rua do colégio. Retirou do bolso seu maço de cigarros quase no fim. Puxou um levando-o já a boca, quando ouviu uma buzina alta que lhe chamou a atenção. Cuspiu o cigarro no chão e correu em direção do carro.

Sorriu ao ver Neil sentado no banco da frente segurando alguns rolos de papel. Ele estava com o rosto completamente pálido e seu olhar um tanto cansado, mas quando viu Matt se aproximar do carro, não conseguiu impedir seus músculos de demonstrar um breve momento de alegria. Ou alívio. Ou os dois.

– Oi, oi. Eu já estava indo pra lá – disse quando sentou no banco de trás – Saíram do hospital agora?

– É. Alguém enrolou demais pra acordar, hoje – disse, virando o olhar para Neil.

– É, tive que esperar até as 15h pra chamar o médico pro quarto, porque alguém estava apagado no sofá – retrucou.

Simon não fez sua tréplica. Largou uma risada e mexeu no cabelo, tentando esconder qualquer vestígio que mostrasse que esteve dormindo até momentos atrás. Mathew riu abafado enquanto jogava o maço de cigarros dentro de algum bolso de sua mochila.



– O que você vai fazer depois que se formar? – Mathew perguntou, enquanto pintavam enormes letras em uma faixa que montaram habilmente com a combinação de várias cartolinas.

– Não sei – respondeu tentando não tremer a mão que movimentava um pincel com tinta preta – Talvez eu tente entrar numa faculdade – fez uma pequena pausa. Sua voz encolheu depois que se lembrou de alguns detalhes – talvez eu espere por um tempo... Não dá pra pensar muito nessas coisas agora...

Os músculos de Mathew se tencionaram por breves segundos. Incrível como sempre chegavam nesse ponto e ele sempre se sentia mal pensando nisso.

– Pensa em fazer o que? – perguntou tentando mudar de assunto.

Neil ficou pensativo por um tempo.

– Mecatrônica. – percebendo o silêncio que viria a seguir, prosseguiu – Você vai fazer alguma coisa com jogos, imagino.

– Tenho isso em mente – disse com um tom luxuoso, enquanto erguia o queixo e empinava o nariz.

Neil riu baixo – borrando também o traço quase perfeito que tinha feito até o momento. Resmungou baixo, mergulhando seu pincel no pote de tinta preta.

– Estraguei.

Sem dizer nada, Mathew se esticou até a área em que Neil trabalhava. Com o pincel já molhado com a tinta de mesma cor, usou de sua humilde habilidade em artes e com uma mistura degradê e traços leves, conseguiu fazer um efeito esfumaçado, como se fosse a sombra da letra. Voltou à sua posição original, estalando os dedos.

– Agora é só fazer isso em tudo, ninguém vai perceber.

– Deixo essa tarefa com você – respondeu voltando a fazer seus traços simples.

Matt aceitou a tarefa. E demoraram mais uma ou duas horas só nessa de pintar letras nessa faixa. Pararam finalmente para admirar o trabalho de uma tarde inteira. Sentaram-se no sofá, soltando um suspiro aliviado. Menos uma coisa.

– Ei Neil, tem alguma coisa marcada no final de semana? – perguntou com sua cabeça jogada no encosto do sofá, olhos fechados.

– Até o momento, não. Por quê?

– Não quer ir acampar com a gente?

– “A gente”?

– Mike e eu. A gente sai na sexta à tarde, passar o fim de semana num bosque.

– Ah... Vejo com meu pai, então.

Mathew pulou de animação. Já começara a planejar como seria seu final de semana. Queria fazer tudo o mais perfeito possível, tanto para Mike quanto para Neil, que iria para lá pela primeira vez. Mas toda sua ansiedade para a viagem sumira quando Neil o lembrou do trabalho que tinham que terminar. Reclamando, voltou junto ao garoto para o bolo de papeis, tentando criar mais algo que lhe dessem algum crédito.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Will You Remember?" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.