Will You Remember? escrita por cmatta


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

"Acelera, mulher, acelera" - pessoa aleatória que lia a fic há algum tempo. Dito isso, me fizeram encerrar esse capítulo dessa forma... Espero não ter sido muito grande e/ou cansativo.



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Um armário totalmente revirado e um corredor coberto por mochilas, sacos de dormir e demais objetos necessários para um camping foi o que resultou de uma tarde na casa dos Cook, na companhia de Mathew. Era véspera da pequena viagem que fariam para uma floresta na beirada da estrada que levava para a capital – lugar onde Franz e James costumavam ir durante sua adolescência e, posteriormente, passaram a levar seus filhos também. Não deixavam de ir em nenhum ano, até o acidente. 

- Vou pegar esses sacos de frio, beleza? – Mathew avisou, dobrando o primeiro que encontrou.

- Certo, certo – concordou balançando a mão enquanto caçava uma barraca dentro do armário. Virou o olhar brevemente em direção ao amigo, que separava mais dois sacos de dormir – Matt.

- Quê?

- Pra quê três sacos?

- Ah... Mike, eu meio que... – fez uma pausa e posicionou o saco que dobrava em frente ao corpo, esperando que algo lhe atingisse nos próximos minutos – chamei o... Neil – forçou uma risada, abaixando rapidamente a cabeça entre os braços.

Michael largou uma sacola que caiu com um baque agudo no chão. Mathew sentiu o desânimo de Mike tomar o ambiente. A inspiração funda e a expiração forte do loiro foram as únicas coisas ouvidas até ele sair com passadas pesadas em direção à sala.

- Mike – chamou, já o seguindo após largar tudo ao chão – Michael, por favor.

- Você não entende, né? – perguntou largando uma curta risada sarcástica.

Matt encarou o amigo sem entender direito o que ele queria. Voltou para o meio das coisas. Ainda tinha muito o que arrumar.

O resto dessa tarde foi silencioso, para total incômodo de Mathew. De repente ele sentiu que tudo estava se tornando uma total bagunça; já não conseguia entender a cabeça de Michael e isso sim o incomodava mais do que qualquer coisa. E foi entre seus devaneios caóticos enquanto montava uma das mochilas que pareceu ter entendido. Possivelmente não, mas por hora, essa ideia era válida. Agora era tentar resolver isso.

Grande dia, Mathew pensou sem muita animação quando o sol e vento invadiram seu quarto pela janela escancarada. Espreguiçando-se, levantou e tirou seu agasalho que usava para dormir, substituindo-o por uma camiseta e o casaco listrado antigo que sempre usava.

A mochila que usaria para acampar estava jogada ao lado da cama. Até chegou a se perguntar se levaria ou não material escolar. Obviamente opinou em não fazê-lo. Com a mochila nas costas, um maço de cigarros novo em um bolso e seu videogame no outro, partiu direto para o prédio de Michael.

- Mãe. Mãe. Não. Mãe, deixa isso.

Louise, como qualquer mãe que tenha um filho que estava prestes a se meter em uma floresta com o amigo, estava enchendo sua mochila de coisas provavelmente bem inúteis, como uma concha de sopa ou o secador de cabelo de Mike.

- Mas Michael, entenda. Isso tudo pode ser útil!

- Louise, uma extensão de cinco metros definitivamente não vai ser útil na floresta. 

- Você pode usar de corda – emburrou-se.

- Ah, é, claro. Pra quê estou levando aquele monte de barbante mesmo, né?

- Não fale assim comigo, rapazinho – jogou na direção do garoto a concha que tinha em mãos, mas Michael desviou, fazendo-a cair no chão com um baque metálico alto.

Antes que eles iniciassem mais uma briguinha digna de irmãos, apesar de suas posições não serem bem essas, o interfone tocou.                 “O menino do cabelo vermelho está aqui fora”, o porteiro sempre dizia. Ligava para os Cook por mera casualidade, porque Mathew, de tanto passar seu tempo por lá, virou quase que um morador.

Michael riu na cara da mãe, em mais uma de suas implicações, que fora rapidamente respondida com um gesto mal educado vindo da mulher, que largou um suspiro de alívio bem alto quando o menino cruzou a porta. Mas antes que ele entrasse no elevador, fez questão de gritar para que ele tomasse cuidado e se divertisse.

Mathew admirava essa relação que a família Cook tinha. Eles eram bem mais que uma família. Ele chegava até a invejar o amigo. Ele adorava Louise tanto quanto o filho dela, via-a como sua mãe.

Jogando algumas peças de roupa na mochila da escola, Neil tentava conter a ansiedade. Essa era a primeira vez que viajaria sem ser com Simon – e não é como se não aproveitasse a viagem com seu pai. Ele tentava imaginar como seriam as coisas por lá e o que teria de fazer. Não queria de maneira alguma ser um peso para os outros dois e por um momento imaginou se Mathew seria tão super protetor quanto seu pai, porque se fosse, Michael com certeza descontaria, mais cedo ou mais tarde.

Simon bateu na porta do quarto do filho, carregando um pequeno pote vermelho.

- Neil, biscoitos! – disse animado, estendendo o recipiente. Neil sorriu torto e balançou a cabeça. Simon se aproximou do menino e pousou uma de suas mãos em seu ombro – Tenha cuidado, ouviu? – Neil assentiu – Diga pro Matt que se alguma acontecer, eu pedi que ele te trouxesse de volta na hora.

- Tá. Eu sei me cuidar, pai. – sua voz saiu baixa. Tantos cuidados assim o deixavam desconfortável.

- Eu sei. Você está bem crescido agora – bagunçava o cabelo de Neil enquanto falava – Quase da altura de seu magnífico pai! – riu. Neil o acompanhou – Imagine se sua mãe estivesse aqui agora, o que ela diria? “Menino, pegue um casaco agora! Vai, pega um kit de primeiros socorros. Um não, pegue logo uns três!!” – o garoto virou o rosto, fechando a mochila depois de guardar o pote que Simon trouxera.

Despediu-se do pai e, assim que colocou o pé na calçada, ouviu uma voz aguda gritando-lhe o nome alguns metros à esquerda. Seu olhar se virou lentamente para encontrar a visão de Leslie correndo, com suas marias-chiquinhas balançando como loucas.

- Neil! – sua respiração estava pesada. Talvez estivesse correndo mais do que aguentava – Como que você está? Faz muito tempo que não te vejo na escola, fiquei preocupada.

- Ah, não... Tudo bem. Foi só uma gripe... Coisa simples.

- Sei. Então que bom que está melhor agora, né? Mathew parecia realmente preocupado no outro dia, achei que fosse algo mais grave.

Neil não soube direito o que responder. Buscou qualquer coisa, até uma mudança drástica do assunto, comentando em como o tempo havia esfriado de repente, mas não fez nada do que pensou.

- Só estava preocupado com a nota do trabalho que a gente não tinha terminado – disse sério, apesar de desejar que esse não fosse o único motivo.

- Não sabia que ele precisava de nota.

 - E não precisa.

Caminharam em silêncio grande parte do percurso. O céu já escurecia logo pela manhã, acusando uma chuva forte nas próximas horas, o que preocupava Neil um pouco – vez ou outra ele olhava para cima, esperando que as nuvens se dissipassem e, obviamente, Leslie observava todos seus movimentos. Eles dois não eram grandes amigos, mas também não se eram indiferentes. Leslie estimava por Neil e ele, por sua vez, permitia que ela se aproximasse – o que fazia com muitos poucos.

- Como vai seu trabalho com o Michael?

- Ele não tem um bom gosto musical – reclamou – Mas não tenho nada mais o que reclamar. Ele fez uma lista de artistas interessante, acho que dá pra usar alguns. A gente vai sair pra ver os CDs semana que vem. Ir para o centro e tudo mais. E vocês? Mathew e você, como estão? Já tem bastante coisa?

- Ah, uma faixa que eu estraguei... Mas Matt arrumou.

- Sei. Ele desenha muito bem – sorriu de canto quando se lembrou – Uma vez ele fez um desenho de mim... Acho que tenho ele aqui na bolsa – disse já puxando-a para frente do corpo e fuçando sua pasta. Retirou uma sulfite que tinha um desenho de seu rosto tão perfeito que não parecia ter sido feito por um aluno de colegial.

Neil olhou para os lados. Não conseguiu encarar o desenho por muito tempo. Uma ponta de ciúmes apertou-lhe o peito – e lhe corou o rosto quando teve consciência do sentimento. E seu rosto ficou ainda mais vermelho quando Leslie reparou.

- Você está vermelho, Neil. Você está bem? Será que é feb... 

- Não. Tudo bem – interrompeu-a enquanto ela guiava a mão para seu rosto.

Esse dia passou incrivelmente mais lento para todos os três garotos. Durante toda a aula, Michael trocava alguns olhares desagradáveis com Neil. Ainda não conseguia acreditar que aquele menino acompanharia o amigo e ele para uma coisa que antes era somente deles dois. E bem nesse dia.

Já Mathew parecia mais animado. No intervalo, até arriscou jogar uma partida de basquete com os meninos que sempre o chamavam e ele nunca ia. Michael ficou do lado de fora da quadra, nas mesmas mesas de sempre. Outros garotos de outras salas estavam na mesma mesa. Não importava o quanto ele era grosso, o quanto ele xingasse, Michael ainda atraía muitas pessoas dessa escola, que ele não fazia muita questão. Vez ou outra ficava com alguma garota ou ia jogar com os outros, nada muito sério.

Acompanhava suas jogadas com os olhos fixos. Não ousou desviar seus olhos azuis da figura ruiva por momento algum. Não até uma coisa pequena aparecer no canto da quadra. Michael lançou um olhar mortal na direção de Neil, que o notou rapidamente e desviou sua rota – Leslie o chamava dentro do prédio. Depois disso, só virou-se de costas à quadra depois que ouviu murmúrios sobre o jeito como encarava Matt dos garotos de sua mesa – o que lhe fez corar descaradamente e se levantar bruscamente, não sem antes lançar alguns xingamentos afiados a seus amigos.

Foi nesse mesmo intervalo em que as duplas pareciam estar se dividindo que Leslie largou Neil e foi atrás de Michael – avistou-o quando ele se afastava do grupo de garotos. Seus passos deram uma leve acelerada. Poucos metros dele, chamou-lhe uma, duas, três vezes, mas ele parecia ignorá-la totalmente. E com a desculpa de querer tratar de assuntos escolares, passou os últimos minutos livres junto com o menino.

- Minha mãe deixou os sacos de dormir na portaria – Michael avisou os outros dois enquanto eles atravessavam lentamente os corredores da escola – A gente passa lá, pega um ônibus, passa em algum lugar pra comer e vai direto, ouviram? Sem corpo mole, Mathew.

Matt puxava sua mochila pela alça enquanto ela era arrastada no chão. Neil caminhava um passo atrás do ruivo, fazendo certa força para aguentar o peso de sua mochila. Não entendia como Michael conseguia carregar tudo em um ombro só. Abriu a boca para comentar sobre o peso, mas guardou para si. Afinal, ele quem trouxera todos os livros e cadernos e as coisas para sair com eles.

Fizeram tudo que tinham no cronograma imaginário. Fora de ordem, mas fizeram. Após passarem no prédio de Michael e cada um pendurar seu saco de dormir em suas devidas mochilas, andaram algumas quadras, chegando a um bar arrumadinho. Duas quadras dali, o ponto de onde saía o ônibus que os levaria até seu destino.

E foi enquanto esperavam o veículo que Neil começou a se sentir desconfortável, largando sua mochila no chão. Matt chegou a lhe perguntar se estava tudo bem, e ele somente assentiu e voltou-a aos ombros. Passou a acompanhar com os olhos a fumaça que saía do cigarro que Mathew acabara de acender. Michael encostou-se no poste e puxou seu celular do bolso. Os ônibus nunca demoravam tanto a passar e isso já lhe irritava.

- Matt, apaga essa merda.

- Acabei de acender – protestou já atento a seu videogame.

- Então se afasta.

Reclamando, largou o cigarro no chão e apagou-o com a sola da bota. O sol já começava a descer quando o ônibus freou bruscamente, largando aquela fumaça poluída. Era meio de tarde em um dos primeiros pontos da trajetória desse veículo, então a quantidade de pessoas ali dentro não era muito significativa. Mathew foi o primeiro a entrar, largando as moedas no cobrador e seguindo reto ao último banco – único onde mais de três pessoas conseguiam sentar juntas sem se matarem. Sentou-se uma antes da janela e Michael meteu-se ao lado, deixando a janela para Neil.

A viagem iria levar cerca de uma a duas horas e os três passaram o tempo cada um à sua maneira. Neil ora olhava para o lado de fora, ora ouvia os outros dois conversando. Quando Mathew não jogava, conversava com Michael sobre as outras viagens que fizeram e o dia que tentaram levar Louise com eles. E quando não conversava, Michael dormia.

Uma hora e meia de estrada e o ônibus deu uma brecada, acordando da pior forma possível um Michael que dormia em uma posição nem um pouco confortável. Neil praticamente voou no banco da frente, se não fosse Matt puxando-lhe pelo casaco fino que usava. Agradeceu em voz baixa. Michael foi outro que, se não possuísse bons reflexos, voaria corredor à frente. O veículo passou alguns minutos parado. O motorista desceu para mexer no motor, provavelmente.

 Lançando xingamentos ao motorista, Mike se levantou, puxando sua mochila. Mathew estranhou.

- Tá indo aonde?

- A gente não tá muito longe da trilha. Se for esperar até o velho arrumar essa lata, vai escurecer. Vai ser mais rápido se a gente for andando.

Matt deu uma breve olhada em Neil antes de concordar com a ideia. Puxou sua mochila e fez o mesmo, seguido do outro garoto à janela. Desceram sob os olhares dos poucos que ocupavam algum banco lá, outro cá – maioria eram velhos fazendeiros que passavam finais de semana em suas terras entre uma cidade e outra. Ouviram do velho motorista alguma reclamação que foi rapidamente ignorada.

Segundo Michael, a distância não parecia ser tão longa quanto realmente era. O que seriam alguns minutos, tornou-se longa meia hora – isso atingindo metade do percurso. Demoraram porque Neil estava andando devagar demais, e ele tinha consciência disso. Michael passos à frente. Neil praticamente se arrastando. Mathew tentando acompanhar o ritmo lento de Neil. E Mike teve de se segurar ao máximo para não ter uma explosão ali naquele momento. Preferia não ter que fazer isso em momento algum nessa viagem, não nessa floresta, na montanha.

- Muito peso? – Mathew perguntou finalmente. Neil somente afirmou com um balançar leve da cabeça – Vai, me dá alguma coisa pra eu levar.

Neil hesitou, mas tirou logo dois livros – química e álgebra – de dentro da mochila e passou para Matt assim que sentiu o olhar de Michael. O ruivo fez algum comentário sobre os materiais e os jogou em sua própria mochila. Porém nem isso pareceu lhes acelerar. Quando adentraram a trilha, a respiração de Neil pesava, para agonia de Matt. Em uma das partes, obrigou-o a lhe entregar a mochila, pois já aparentava não aguentar mais do que alguns passos com todo aquele peso nos ombros.

- Vamos parar, Mike – pediu – Tem uma clareira aqui perto. E já está escurecendo, a gente não vai chegar lá em cima nunca.

- Melhor – concordou – Vamos montar acampamento logo, então.

Seguindo mais alguns metros pela trilha principal, viraram entre duas enormes árvores corpulentas, seguindo dentre outras parecidas, até um pequeno campo livre aparecer no meio de tudo. Michael jogou num canto o saco com a barraca velha que usavam há anos e colocou sua mochila em um canto oposto. Matt começou a tirar o pano e as varetas, quando Michael lhe chamou a atenção.

- Vai lá pegar gravetos, Matt – pediu.

- Beleza.

- Não se afasta muito. Da ultima vez você se perdeu – reclamou, esticando uma das varetas da barraca.

Rindo, Mathew partiu por entre árvores no sentido oposto ao que vieram. Neil sentou junto às mochilas, esperando que aparecesse algo em que ele pudesse ajudar. Imaginou que isso não aconteceria. Michael iniciou o trabalho de montar a barraca quando se lembrou da presença do outro, mas não fez muita questão.

- O que você espera ganhar com isso? – perguntou ríspido, sem encarar Neil. – Acha mesmo que vai conseguir virar amiguinho dele de repente? Que é só sair invadindo a vida dos outros assim? Que o Matt vai passar a te adorar só por que vocês se veem pra fazer um trabalho?

Neil permaneceu quieto. Não lhe encarava, mas absorvia suas palavras bem até demais. Não havia o que responder ali, sabia que tudo que ele viesse a dizer a seguir era total verdade e bem próximo do que ele mesmo já vinha pensando. Ou se convencendo.

- É só ter um prazo de vida que todo mundo passa a te amar – cuspiu as palavras, arrancando uma expressão de surpresa do menino ao canto. Então ele sabe, Neil pensou. Mike virou-se para ele, segurando uma outra vareta dobrada – Você não vai arrancar nada de mim, nem um pouco de pena. Nem pena, nem o Matt. – pontuou. – Depois que você morrer, já era, Neil. Ninguém vai se lembrar de você.

Neil abriu a boca para retrucar, o som não saiu e Michael se irritou. A vareta voou na direção do menino, passando a cinco centímetros de seu rosto.

- Se quer me atingir, não use o Matt pra isso. Ele é bem melhor que eu e você juntos. Se sua intenção é entrar na vida dele pra deixa-lo depois, eu juro que te mato antes – disse sério, seus olhos em contato aos foscos do outro – Tô cansado de você ter tudo, Collins. Sai logo da porra das nossas vidas, me devolve tudo que me tirou... Melhor: Vê se faz alguma coisa útil e morre logo, merda – Virou sua atenção novamente à barraca – Joga essa vareta aqui e some de perto de mim.

Neil levantou e saiu a passos largos na mesma direção de Matt, chutando a vareta para mais longe, ouvindo um xingamento atrás de si.

Apesar de o sol estar ainda no céu, as copas das árvores deixavam tudo abaixo delas alguns tons mais escuros, um canto ou outro com um filete de luz. Um ambiente completamente novo para o garoto e, com a sorte que tem, essa seria sua primeira e última vez do que poderia ter sido um bom passeio com os amigos. Com a exceção do “amigos”, estaria tudo certo. A cada passo que dava, olhava para trás certificando-se de que Michael sumira de sua vista. Quando já estava a uma distância que considerava segura, despencou no chão, se recostando numa das árvores. Ficou lá sentado. Alcançou um graveto fino e começou a traçar aleatoriamente na terra úmida próxima às raízes.

Sua cabeça deu uma viajada. A ideia de que Mathew estaria com ele por pena fazia seu peito doer inexplicavelmente. “Ele é bem melhor que eu e você juntos”, lembrou-se. Então se a coisa for dessa maneira, começou a pensar, poderia acontecer de Matt não acompanhar Neil por piedade apenas. Seguindo esse pensamento, Matt se importaria verdadeiramente com ele. Isso fez a dor piorar. Em ambos os casos, Michael estava certo. Ele tinha de sair da vida de Matt logo, para o bem de ambos.

Neil teria ido mais além, se gotas finas e geladas não tivessem começado a cair. Aquilo lhe fez erguer a cabeça em reflexo. O céu já não estava mais tão claro – das duas uma: ou Neil passou horas sentado e já escureceu, ou cairia uma chuva muito, muito forte. Ele rezou para que fosse a primeira. Levantou-se e procurou seguir o caminho que fizera na ida, mas por alguma razão as árvores pareceram ter dado uma misturada entre elas. A chuva permaneceu fina por muitos minutos, o que deu tempo para Neil se perder cada vez mais. Pensou em gritar por Matt, mas imaginou que ele já estaria no acampamento agora. Ele andou tontamente por metros, parou quando estava cercado por um grande número de árvores altas, vistosas e de troncos largos e a chuva pareceu ter diminuído por alguns instantes. Quando escolheu um sentido a seguir, ouviu um “Neil!”. Talvez fosse coisa de sua cabeça. Posicionou o pé além da raiz de uma árvore. “NEIL!”, ficou mais alto. Virou o tronco para o sentido da voz e viu um pontinho vermelho vindo em sua direção. Mas aí já era tarde. Seu pé prendeu entre uma raiz e outra, num poço de lama grossa. Neil se segurou no tronco da árvore enquanto forçava o pé a se soltar, ouvindo os passos de Mathew se aproximando muito atrás de si. A chuva que cessara, voltou agora com a força que prometia, porém contida. E nessa mistura de água, lama e o esforço de se soltar fez com que Neil se desequilibrasse. Não teria problema, se ali não fosse o pico de um barranco de alguns metros que daria em um lago. Muitos arbustos, árvores de menor porte e lama. Muita lama. Foi isso que Neil enfrentou em sua longa queda que não durou mais que cinco segundos. Enquanto caía, ouviu a voz de Matt se desesperar e ficar para trás, como uma breve lembrança de algo que mal aconteceu. Já estava com seu centro de gravidade estabilizado. Os braços foram proteger o rosto da água que começava a cair com mais força, fazendo seu trabalho de limpar a lama das roupas de Neil.

Correndo mais do que conseguia, largando sua lenha no meio do caminho – também já não tinha tanta utilidade, uma vez que tinha se molhado –, Mathew pulou os galhos e gravetos e qualquer outro empecilho em seu caminho. De novo, sua cabeça pessimista funcionou mais do que deveria. Ele sabia do desnível que tinha ali. Tentou alertar o garoto, inutilmente. Talvez se tivesse feito um uso de um método que exigisse menos da telepatia, quem sabe conseguiria avisá-lo. Mas no momento, lamentar as merdas feitas não lhe ajudaria a manter sua sanidade. A cena imaginária de Neil caído no mato, os pulsos zerados e o pulmão parado fez com que os pés de Matt seguissem por conta própria. Não entendeu bem como, mas se viu caindo em direção a um arbusto, seu pé direito virou, tombando seu corpo para o lado oposto, em busca de equilíbrio. Mathew se levantou rapidamente, largando um gemido de dor ao pisar com o pé que lhe causou a queda, quase a repetindo, se não fossem seus reflexos. Tentando ignorar a dor ao máximo, partiu barranco abaixo mancando, até avistar Neil deitado, apoiando-se em um dos cotovelos, tentando se levantar.

Matt deixou-se ceder à dor quando chegou ao lado do outro garoto, jogando-se no chão. Neil já tinha voltado a se deitar, cobrindo o rosto com ambos os braços, tentando inutilmente manter seu rosto longe da água que escorregava entre as folhagens das poucas árvores dali – e talvez da ideia de apanhar de Michael também. Mas seus braços moveram-se para longe dos olhos quando deixou de sentir a chuva. Mathew estava agora debruçado sobre parte de seu corpo, segurando o cabelo para trás com uma mão enquanto se apoiava com a outra, protegendo-o, ou tentando, do mau tempo.

Neil permitiu que seus músculos relaxassem, quando há segundos atrás se preparavam para apanhar. E junto com o corpo, seus olhos relaxaram por conta própria, e talvez até demais. Começou a ver tudo embaçado. A vertigem começando a pegá-lo. Tentou fixar a visão em algum ponto – grudou-se aos lábios de Matt que pareciam chama-lo, mas em sua situação não conseguia ter certeza de nada. “Neil”, a voz foi ficando mais alta. “Vamos, levanta...” – Matt largou seu cabelo de qualquer jeito e tentou encaixar seus braços à cintura do outro, tentando ergue-lo. Parou quando um grunhido de dor o fez se lembrar de sua perna e o quanto aquilo doía. “Continua aqui, Neil. Apaga não” – pediu, dando uma breve olhada ao redor, ainda segurando o garoto. Quando voltou os olhos ao Neil, ele tinha os dedos presos em seu casaco, tentando usa-lo como apoio e ajuda-lo na tarefa de levantarem-se, mesmo que ele estivesse a ponto de perder a consciência. Os próximos movimentos foram pura impulsividade do ruivo. Sua mão subiu pelas costas, até os cabelos de Neil, empurrando suavemente um rosto de encontro ao outro. Com os lábios colados, foi-se formando lentamente um breve e delicado beijo, que fez com que Neil adquirisse uma tonalidade rosa que chegava a ser engraçada com o contraste de seu rosto pálido.

- Matt... – Neil chamou com a voz tão baixa que mal pôde ser ouvida, e um tom entre indagação e alerta. Forçou-se a manter os olhos abertos para se levantar, mas quando já estavam os dois de pé, tudo à volta de Neil rodou, seu rosto corado empalideceu mais do que o normal e caiu sobre o ombro de Mathew, que tentou não forçar seu pé direito.

Um farfalhar nas folhas pouco atrás de Mathew chamou-lhe a atenção e o fez girar o tronco em sua direção.


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