Eyes On Fire escrita por Amy Moon


Capítulo 24
Capítulo 24 – Vida que segue {Castiel}




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/305111/chapter/24

Meu humor oscilava entre necessidade dela e um pouco de raiva dela, porque de certa forma, poderia ter aproveitado meu tempo melhor. Poderia ter aproveitado aqueles dois anos melhor.
Na segunda-feira da outra semana, fui até a antiga casa de Nee. Estava totalmente igual, e até onde eu sabia, os novos moradores eram bem simples e não tinham muito dinheiro no momento para reformar. Encarei a casa por muito tempo, que chegou até parecer doentio. 
Exatamente todos os dias, na mesma hora – quando o crepúsculo começava a iluminar a casa – eu ia lá para encarar a casa mais uma vez.
Num dia desses, alguém começou a notar minha obsessão pela casa. Eu estava em pé, com as mãos no bolso, encarando-a, quando senti alguém me cutucar timidamente, como se não esperasse que eu virasse o corpo.
Uma bela moça, com o cabelo castanho escuro nos ombros apareceu no meu campo de visão. Era magra como uma modelo, tinha uma boca avermelhada e vestia um simples jeans surrado acompanhado de uma blusa branca.
- Olá. – disse amistosa.
- Oi. – arrastei a palavra quando a pronunciei.
- Tudo bem com você? – ela pareceu dez vezes mais preocupada. Não com o fato de eu ser um marginal, e sim com meu estado.
- Bom... Eu acho que estou bem.
- Não está. – ela se dirigiu até a porta, destrancando-a – Eu sei que eu não deveria fazer isto, mas... Você quer entrar?
Mordi os lábios para não hesitar. Queria muito entrar e só eu mesmo sabia o quanto eu queria.
Queria aprofundar mais minhas lembranças dentro daquela casa.
Aceitei com um maneio de cabeça.
Os móveis continuavam os mesmos, tudo continuava a mesma coisa. Alguns porta-retratos ocuparam o lugar onde dona Anne guardava as taças de cristal; a televisão não estava lá; e a cozinha recebeu uma geladeira amarela que nada combinava.
Sentei a mesa, assistindo a moça preparar o café. Serviu-se e depois serviu a mim sentando comigo.
- Então... Qual é o seu nome? Você fala?
Beberiquei um pouco de café antes de responder:
- Castiel Hanson.
- Auria Matervus. É um prazer conhece-lo Castiel.
Não disse nada. Apenas a esperei falar.
- Você sempre é caladão assim mesmo? – brincou.
Tomei todo o meu café e me servi novamente.
- Não, não.
- O que faz da vida?
- Faculdade. – disse inosso.
- Eu também. – sua voz e seu tom eram vivaz, alegre, totalmente oposto ao meu.
O silêncio seguiu-me. Somente o pequeno barulho da mosca presa na janela era audível.
Incomodada com o barulho, Auria foi até a janela soltar a mosca.
- Faço arquitetura. – disse ela enquanto soltava a mosca.
Voltou à atenção a mim, escorando os braços sobre a pia.
- Meu pai e eu nos mudamos para cá há pouco tempo.
- Eu sei – hesitei exaltando a voz – Tudo bem, eu... Já passei tempo demais aqui. Obrigado pelo café.
Saí da cozinha e me dirigi até a porta. Conhecia a casa o suficiente para não ser guiado por Auria. Fui andando sem olhar para trás, com a certeza de que Auria acompanhou-me pelos olhos até eu sumir de seu campo de visão.
***
No dia seguinte voltei novamente como sempre fiz nas últimas quatro semanas.
Voltei a encarar a casa e sentei nos degraus. Auria apareceu minutos depois com a mesma roupa.
Levantei e liberei a passagem para ela entrar. Sorriu para mim e entrou com um senhor. Minutos depois ressurgiu, e levantei novamente.
- Desculpa. Por favor, me desculpa pelo incômodo. Eu devo estar atrapalhando e você deve pensar que sou um doente.
- Não precisa se desculpar. Na verdade gostei de ter aparecido. Gostei de você e seu jeito calado. Sei que não o conheço bem, mas... Adoraria conhecer.
- Eu também. – arrastei as palavras.
Ela pediu para que eu a esperasse na sala, enquanto ela dava atenção para o senhor. Não sabia o que ela fazia, mas era dedicada no quer que fosse. Ela o acompanhou até a porta e ele já estava melhor para andar.
Voltou a atenção a mim:
- Sr. Theo. Ele vive sozinho e de vez em quando precisa de ajuda... Então Castiel, me fale mais sobre você...
Sorri pela primeira vez depois da separação.
- Me chamo Castiel Hanson Jimmy; faço faculdade de arquitetura; e trabalho numa oficina de carros junto com Nathaniel.
- Nathaniel? – perguntou sem o menor interesse de conhecê-lo.
- Um amigo do colegial.
- Pelo visto a amizade de vocês deve ser bem forte não?
- Como sabe disso? – perguntei curioso.
- Eu pressinto essas coisas. Assim como pressenti que encontraria pessoas legais como você.
- Eu não sou legal, Auria.
- Me chame de Rain. - ela desapareceu na cozinha.
Esperei ela voltar para negar a chama-la pelo apelido. Porém, enquanto ela pegava algo na cozinha, desisti de chama-la pelo nome, porque eu fazia a mesma coisa com Nee. E a última coisa de que eu precisava era lembrar ela.
Auria reapareceu munida de duas latas de refrigerante guaraná.
- Desculpe. – ela parou no meio do caminho. Após ver minha expressão de confuso, seguiu em frente me dando uma das latinhas. Sentou-se.
- Que foi? – perguntei gentilmente, algo que eu não fazia há algumas semanas. Na verdade, sem Nee eu tinha virado um monstro.
- É que eu não bebo. Tenho certeza que pensou que isso era cerveja. – disse ela enquanto abria sua latinha.
- Fique tranquila. Estou tentando parar de beber. – beberiquei um pouco.
Ela arregalou os olhos:
- Você bebe?
Sorri. Que saudade de sorris espontaneamente, sem forçar. Ultimamente eu estava fingindo sorrir demais, chegava a me doer por dentro. Nee mal sabia o buraco que fez em mim.
Parei de pensar demais e voltei à conversa:
- Eu? A princípio não. Comecei há quatro semanas.
- Sem querer me meter demais na sua vida, mas, porque uma pessoa que não bebe começa a beber? Eu nunca entendi isso. Se você nunca bebeu é porque não gosta não é? Porque passou a gostar?
- Porque a bebida foi a única amiga que me ajudou a enfrentar as mágoas.
- Não tem amigos?
Limpei a garganta e bebi um pouco antes de responder:
- Tenho, e muitos. Porém todos eles me forçam a sair dessa (como se fosse fácil) e me lembram muito ela.
Auria não perguntou sobre Nee; e eu também torci por dentro para que ela não perguntasse. Na frase não havia palavras-chave que geram assuntos tirando o nome de Nee; então eu já deveria saber que o silêncio dominaria o local novamente como no dia anterior.
Quebrei.
- Agora sua vez Auria.
Sorriu. Como ela mesma disse, adorava falar dela mesma. Ela morava somente com o pai, que era descendente do interior e até tinha sotaque. Passou toda sua infância cuidando de cavalos e há três anos estava em Virgínia. Seu pai estava construindo um vitral artesanal.
Por falar no pai dela. Sr. Tim, ele tinha chegado quando ela falava dele. Sorriu para mim e cumprimentou-me.
- Pai... Este é Castiel.
Levantei-me para dar um aperto de mão.
- Castiel... Este é papai. Tim. – ela continuou a apresentação.
- Tim, soube que está construindo um vitral artesanal, posso ver? – caramba, o que estava acontecendo comigo?
Apesar de o meu cabelo vermelho ser estranho, Tim simpatizou comigo, e me levou cheio de satisfação para me mostrar o vitral. 
Entramos no porão mal iluminado e lá estava o vitral. Era realmente tão lindo como Auria descreveu. Havia um desenho abstrato, o mais colorido possível sem cores primárias na sua forma original, e sim em tons diferente.
Fiquei com Tim o resto da noite falando sobre os vitrais artesanais, sobre minha vida em Virgínia, sobre Auria... Sobre tudo.
Sabe quando uma porta se fecha para você e outra imediatamente abre? Pois é. Meu tempo com Nee fechou, e em pouco tempo percebi que meu tempo com Auria só estava começando.
Apesar de eu ainda gostar de Nee, Auria era uma garota perfeita, como todos imaginam que uma princesa de um conto de fadas seria. Mas esse fato dela ser perfeita, nunca me cativou por completo. Tudo que ela tinha de mim era admiração.
Dias como aqueles agora se repetiam facilmente. Auria era a única pessoa que eu conseguia conversar por mais de três horas. E esse mais novo fato começou a intrigar algumas pessoas. Como Lysandre e Nathaniel. Meus antigos amigos. Essa “picuinha” só crescia e me distanciava dos dois e aproximava os dois também. Até que um dia, explodiu:
- Bom dia Castiel. – disse Nath na maior ironia.
Ele estava tentando dar a partida num carro de algum cliente que eu não sabia o nome. Ultimamente eu não sabia o nome de cliente algum, mal ficava na oficina e só tinha tempo para Auria.
- Bom dia, Nath. – sequer olhei na cara dele. Qualquer indireta para dizer que eu mal trabalhava era motivo de briga pra mim.
Nathaniel desviou o olhar do carro para mim. Lavou as mãos na pequena torneira que ficava nos fundos da oficina, e depois ressurgiu com um pano nos ombros.
- Pelo visto você e a... Auria estão se dando bem hein.
- É, estamos nos dando bem sim. – hesitei chateado.
- Se dão tão bem, que você até esquece-se de trabalhar não é? Achei incrível como você conseguiu esquecer a mulher da sua vida tão rápido.
Eu me exaltei. Fazia exatamente dois meses que alguém não tocava no nome de Nee ou falava sobre ela, mesmo sem pronunciar seu nome. Passei a mão no cabelo e respirei fundo.
- Aposto que Nee também me esqueceu. – minha voz saiu extremamente tremida mostrando que eu não tinha forças para falar sobre ela.
- Eu acho que não. Lysandre liga para ela toda semana e não foi isso que ela disse sobre você. Acho que ela não conseguiu achar outra pessoa para colocar em seu lugar.
Então Nathaniel achava que Auria ocupava o lugar de Nee? Ele estava enganado.
Eu estava num estado de pura fraqueza, então tudo que era aparentemente ofensivo, era motivo para um soco.
Cambaleou até bater contra o carro que ele estava concertando. Isso foi o suficiente para que Nathaniel e eu parássemos de nos falar; e consequentemente, por algum motivo, parei de visitar Auria também. Ficar sozinho parecia-me a melhor opção. Depois disso Lysandre mudou-se para a casa dos seus pais recém-falecidos.
Após algumas semanas sem Nathaniel, apareci na oficina. Entreguei alguns papéis e pedi pra ele assinar. Nathaniel leu com muita cautela e pareceu ler mais de três vezes o terceiro parágrafo.
- Você vai vender sua parte na oficina?
Engoli seco. Vender minha parte da oficina foi tão difícil quanto deixar Nee para trás.
- Só queria que você soubesse e oficializasse isto. – apontei para o papel.
- Castiel... Você levou três anos para transformar um sonho em realidade, e agora quer acabar com tudo isto só com um papel?!
- Só acho que você irá cuidar disto melhor que eu. – minha voz continuava sem vida.
- Sei que você não precisa desse dinheiro tão rápido, sei que é bobagem vender sua parte. Por isso, não vou deixar que você estrague sua vida! – ele amassou o papel, em seguida rasgando-o.
- Não seja infantil Nathaniel. Vou vender minha parte e ponto final. – minha voz não encontrou forças para exaltar-se.
- Não estou sendo infantil. Apenas vou impedir-lhe de fazer algo que não é preciso. Se quer vender a oficina pra nunca mais olhar na minha cara, é em vão. Não vou abandonar você, meu amigo. Perdoo-te pelo soco.
Fiz que sim com a cabeça e quase choramingando o abracei. Naquele momento desisti de vender a oficina e tocamos ela pra frente mais quatro anos, até eu decidir que o que eu queria era ser arquiteto, já que tinha completado a faculdade.
Alguns meses depois, vendi meu Dodge, mudando minha vida completamente para sempre.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Eyes On Fire" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.