Luz Negra I - Oculta escrita por Beatriz Christie


Capítulo 28
Capítulo 28 - Cidade de Cinzas




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Eu não entendia, mesmo após tantas descobertas repentinas sobre um mundo até então oculto para as pessoas comuns, eu não entendia o que se passava na mente e coração de Enzo. Assim que nascemos somos enviados em pequenas missões pessoais, como aprender a andar e falar, então vem a leitura e outros desafios. Até que chega naquele ponto onde todos nós paramos e nos damos conta; você pode aprender qualquer coisa, menos a entender o coração de alguém, ainda mais alguém como ele.
Permaneci imóvel enquanto Enzo abria a porta, fazendo minha camisola esvoaçar. Ele aproximou-se de mim e pegou minha mão gentilmente com suas mãos molhadas e geladas.
–- Venha, vou lhe mostrar tudo. – ele puxou-me e saímos de meu quarto.
Fiquei com medo, mas me deixei levar. Se eu queria revelações, aparentemente chegara a hora de tê-las. Acabamos no corredor, então ele fez menção de abrir a porta do quarto de meu pai. O que ele queria ali? Enzo soltou minha mão e usou as suas para empurrar a porta com força. Flocos de neve flutuaram levemente para dentro do corredor. Pude sentir uma lufada de vento que fazia meus cabelos balançarem, mas não senti frio. Assim que a porta fora completamente aberta, pude entender a dificuldade de Enzo para abri-la, o cenário ali dentro era de uma nevasca. Observei boquiaberta a cidade que aparecia por trás do breu. Aquilo era claramente um sonho, mas mesmo assim o medo tomou conta de mim. Era fantástico demais.
–- Venha. – ele ergueu a mão para mim. – Não sentirá frio, nem eles nos verão.
Dei alguns passos receosos e lentamente adentrei o cenário, que então descobri ser uma cidade aparentemente deserta. Estava escuro e as ruas eram iluminadas por grandes postes de ferro com luzes amareladas. O sino de uma igreja ao longe soou assustando-me, Enzo pegou minha mão novamente e sussurrou “Agora.”
–- Vamos. – ele disse, com urgência.
Ele correu, fazendo-me segui-lo. Meus pés descalços esmagavam a neve que cobria aquelas ruas formadas por pedras grades. Ele corria apressadamente, enquanto me esforçava para acompanha-lo, meus olhos eram atentos em volta. Fumaça saía da chaminé de pequenas casas de pedra, mas não havia ninguém perambulando pelas ruas escuras. Era como uma cidade de rochas e breu.
Enfim, Enzo parou abruptamente sua corrida, permanecendo parado com o rosto erguido, encarando os vitrais da grande igreja. Era uma igreja bonita, mas um tanto assustadora naquele ambiente escuro e morto. Uma voz alta veio de dentro da igreja, quebrando o silêncio. Sem dizer nada, ele seguiu adiante subindo os degraus e abrindo a imensa porta de madeira escura. Lá dentro, pude ver fileiras de cabeças de pessoas que assistiam ao que imaginei ser uma missa, elas não notaram nossas presença, nem se quer fizeram menção de virarem-se para nos encarar.
–- Il peccato è qui oggi! – uma voz gritou no fundo da igreja, fazendo-me saltar.
Era um senhor, muito velho que usava uma batina. Obviamente o padre.
“O pecado está aqui hoje.” Enzo aproximou-se de meu ouvido e traduziu suas palavras.
–- Gli animali morti, colture essiccate, e anche questa bufera. – o padre prosseguiu, caminhando lentamente enquanto fazia seu discurso caloroso.
“Animais mortos, plantações secas, e até mesmo esta nevasca.” – Enzo prosseguiu traduzindo suas falas para mim. “Temos sido amaldiçoados, temos sido punidos! Nossa cidade está infestada pelo maligno!”
Suas palavras e o ódio em sua voz faziam-me tremer. Até que ele suavizou sua expressão antes de pronunciar a última frase, que Enzo tratou de traduzir para mim.

“ Mas, O Piedoso nos deu uma segunda chance. É por isso que devemos dar nossas crianças á ele, para que possa purificar nossa cidade novamente.” – Enzo pronunciava cada palavra rispidamente, sua expressão de desgosto era cada vez mais aparente. As próximas cenas fizeram-me ter um nó na garganta. Após mais algumas palavras do discurso daquele padre que para mim era cada vez mais sombrio, as mulheres presentes levantaram-se dos bancos de madeira. Algumas choravam e abraçavam seus filhos, enquanto outras mantinham uma expressão dura enquanto levavam suas crianças pela mão em direção ao padre. A maioria das mulheres e homens negou-se a dar seus filhos, enquanto eram incentivados por outros que lhes diziam algo que não pude compreender. Uma mulher gritava enquanto via seu marido levar o bebê e deixá-lo nos braços de uma das várias freiras que apareceram de repente. Aos poucos elas preencheram a igreja e ao invés de pedir, passaram a tomar as crianças. A voz do padre que prosseguia com seu discurso se tornara infernal misturada aos gritos das mães e choros das crianças. “Madre!” o grito ensurdecedor de um garotinho trouxe lágrimas aos meus olhos, então Enzo puxou-me pela mão. Passávamos por entre aquela multidão de desesperados como fantasmas da noite. Nenhum deles nos via ou sentia, enquanto seguíamos para uma porta lateral que estava entreaberta. Aproximamo-nos dela em tempo de ver uma mulher com uma criança no colo fugir, passando despercebida pela multidão. Ela correu pela neve em direção ás arvores enquanto era seguida por nós, sem ter ideia disso é, claro.

Prosseguimos seguindo-a enquanto ela corria com dificuldade e segurava fortemente a criança que estava embrulhada em uma manta branca como a neve que caía naquela noite. A mulher tinha cabelos loiros e usava roupas grossas para o frio. Ela parou de correr quando um homem alto surgiu á sua frente.
–- Per favore... – ele sussurrou enquanto o homem aproximou-se dela.
A pele negra brilhante, seu sorriso largo e frio destacava-se mesmo estando somente sob a luz da lua. Ele aproximou-se dela e colocou a mão no ombro da mulher que chorava e tremia enquanto sussurrava preces. Assim que vi o anel em seu dedo o reconheci, o pavor tomou conta de mim. Aquele era o mesmo homem que segurou-me pelo pulso na casa de tia Deborah.
Olhei para Enzo que encarava o chão, enquanto meu desespero imenso de salvá-la só crescia. Fiquei impotente, observando aflita quando o homem retirou a criança dos braços da mãe e segurou-a em um braço só como um saco de batatas. Então, como num passe de mágica, o homem sussurrou uma palavra e tocou no ombro da mulher novamente. Em um piscar de olhos a mulher foi consumida por chamas que apossaram-se de seu corpo. Ela jogou-se no chão, rolando na tentativa de parar as chamas.
–- Não! – gritei.
Corri em sua direção, mas minhas mãos não tocavam seu corpo, ou minha voz alcançava seus ouvidos. Era uma cena desesperadora, tal ponto que o choro não saía e minhas pernas fraquejaram. Permaneci caída ao lado do corpo que se desintegrou em segundos diante de meus olhos. Olhei para o lado, o homem já não estava mais ali com a criança, virei a cabeça e pude vê-lo afastando-se daquela cena brutal, caminhando lentamente pela neve. Apenas o barulho de suas botas ecoava ao redor. Levantei-me e dei alguns passos apressados atrás dele, até dar de cara com aquele rostinho. O garotinho, recém-roubado dos braços de sua mãe, chorava baixo enquanto era carregado pelo homem. Seus olhos verdes e inocentes encontraram os meus então desviaram rapidamente. Ele não me vira naquele momento, mas aquele segundo fora o bastante para reconhecê-lo.
Depois de eles desapareceram em meio as árvores, ouvi passos na neve atrás de mim.
–- Aquele era você... Não era? – perguntei, ainda de costas.

Não obtive respostas, então virei-me para encará-lo. Enzo fitava o chão, até que levantou o rosto e me encarou com aqueles olhos, os mesmos olhos do garoto, então apenas assentiu.

Caminhamos lentamente, até Enzo voltar a falar.
–- Eu tinha 4 anos. Neste dia fui levado junto a todos os outros garotos da nossa pequena cidade para Cazã, na Rússia. Cresci ouvindo histórias sobre o grande dia, ouvindo histórias sobre como devíamos nos sentir honrados por estarmos ali. Ouvindo que éramos os filhos da promessa. – ele sorriu tristemente – Treinávamos dia e noite. Havia dias em que alguns “irmãos” não voltavam. Nos diziam que eles haviam partido em missões, mas era mentira – ele parou alguns segundos – eles eram mortos. Sacrificados.
Imaginei aquelas pobres crianças sendo levadas por aquele ser maligno disfarçado de padre e pelas “freiras”.
–- E as meninas? Haviam garotinhas na igreja naquela noite.
–- Todas as mães foram convocadas a levarem seus filhos á igreja naquela noite. Era uma cidade pequena e muito religiosa. – ele haviam parado de caminhar quando chegamos as margens de um lago – Após levarem todos os garotos, eles atearam fogo na vila. Era uma cidade minúscula, só foi descoberto muito tempo depois. Saiu em poucos jornais italianos da época, mas não se preocuparam muito em descobrir quem foi.
Senti um arrepio ou recordar–me dos gritos na igreja.
–- Quem? – perguntei – Quem fez isso com vocês?
–- Os Alexandrinos. Há outro mundo dentro do que você conhece, onde batalhas silenciosas são travadas há anos. Muitos morreram, muitos mataram para poder estar lá, no grande dia. – ele mirava o horizonte – Há um livro perdido. Um livro com inscrições poderosas, capazes de transformar um homem em um Deus.
–- Ninguém pode ser Deus. – interferi.
–- Sim, não esse Deus. – ele assentiu - Mas, um Deus reverso, um Deus da destruição. Os maiores clãs deste mundo oculto têm se preparado há centenas de anos para o nascimento daquele que pode ler as escrituras. – ele virou o rosto para encarar-me. Depois de um breve momento, Enzo prosseguiu em tom de tristeza – Mellany, esse alguém é você.


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Notas finais do capítulo

Desculpas mil, sei que demorei. É que eu tava meio tristinha esses dias... Cosas de la vita ^^" Beijos, espero que gostem! ♥

Ahh, e quem quiser pode acompanhar minha nova estória (:
É um romance e é BEM mais curto, só pra quando eu já tiver postado nessa daqui.
O nome é Circus Equador: Um Espetáculo de Amor *-*
http://fanfiction.com.br/historia/343109/Circus_Equador_Um_Espetaculo_De_Amor/