Luz Negra I - Oculta escrita por Beatriz Christie


Capítulo 27
Capítulo 27 - Quando Demônios Choram


Notas iniciais do capítulo

Música do cap: http://www.rainymood.com/watch?v=3rnxlW5TrBs



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Eu encarava Enzo sem preocupar-me com mais nada. Mentiras eram tudo que haviam nos ligado um ao outro, nada além disso. A chuva caía e as gotas escorriam de meu cabelo, passando por meu olhar feroz, fazendo o contorno em meu nariz. Minha boca estava aberta, graças a adrenalina minha respiração era ofegante. Durante todo o tempo ele não se moveu, até mesmo parecia ter medo de mim, o que eu sabia que não era verdade, pois há segundos atrás me mostrara uma pequena parte de seu poder oculto por atrás da aparência de bom moço. Eu havia dado á ele até mesmo as memórias de minha mãe, havia visto em Enzo um protetor. Ledo engano.
–- Quem é Ele? - sibilei, referindo-se ás palavras de Úrsula onde ela sempre citava "Ele", ou "Dele". Obviamente havia alguém no controle de tudo que estava me ocorrendo. Ele prosseguiu em silêncio, ainda ajoelhado na terra. - Diga! - gritei raivosa, fazendo-o encara-me.
–- Da mesma maneira que onde há luz, há sombra - Enzo levantou-se e caminhou em minha direção. Senti vontade de correr, mas permaneci alí. Eu não fugiria mais, não sem respostas. - Se você acredita no bem - ele prosseguiu - É obrigada a acreditar no mau.
Nos encarávamos diretamente, devido a diferença de altura a cabeça de Enzo estava baixa e a minha erguida.
–- O mau do qual você se refere já foi expulso deste mundo há muito tempo! - respondi, erguendo mais ainda o queixo - Você deveria ler melhor a bíblia que está ao lado do seu travesseiro.
Enzo deu um sorriso torto e sarcástico.
–- Tsc, tsc, tsc... – ele balançou a cabeça - Ele foi expulso do paraíso. - então, olhou-me nos olhos novamente - Estamos muito longe do paraíso agora. Você não acha?
Senti meu estômago doer e engoli a seco. As gotas que escorriam do rosto de Enzo pingavam diretamente no meu.
–- Não importa! - gritei – O que quer que vocês planejem, não irá se concretizar.
Tentei ser firme, mas eu nem se quer tinha convicções disso. Eu parecia tão indefesa diante destas ameaças demoníacas, esse pensamento me causava mais raiva ainda. Estar indefesa era uma posição da qual eu me envergonhava.
–- Já está acontecendo, Mellany. – ele gritou. – Não importa o que você faça. – havia uma carga pesada de emoção em suas palavras, um tipo de mágoa – Não podemos fugir, não de nós mesmos.
Suas palavras me levaram de volta para o dia anterior, onde tia Deborah havia me dito quase as mesmas frases.
–- Não! – virei-me de costas – Eu não faço parte disso!
Deixei-o para trás, partindo entre as árvores, ainda em tempo de ouvir Enzo gritar ao que poderia ser “Você é isso.
Corri em disparada pela floresta, sem olhar para trás. Algo quente escorria de meus olhos misturando-se e ficando invisível entre as gotas da chuva que me castigava. Encontrei um banco abandonado há muito tempo que um dia deveria ter feito parte da decoração do parque florestal. Ele estava cheio de lodo e raiz também descansavam ali. Sentei-me e apoiei a cabeça nos joelhos “Eu...”, a angústia tomou conta de mim, “Eu não sou como eles...”. Balancei a cabeça em negação. Sempre imaginei que não havia dor maior do que perder quem se ama, mas naquele momento descobri que dor pior é perder a si mesma.

Fiquei ali um tempo, provavelmente fazendo parte do ambiente, como uma escultura melancólica em meio ao que um dia fora belo. Até que comecei a ouvir vozes chamando pelo meu nome. Olhei em volta assustada, temendo que estivessem perseguindo-me novamente. Minha mente estava tão perdida que nem se quer notei quando Daniel aproximou-se de mim. Assim que ele tocou meu braço dei um grito e tentei levantar-me.
–- Ela está aqui! – ele gritou, então abaixou meus braços – O que aconteceu, Mellany?!
Vi Luna aproximar-se de nós com uma lanterna. Ela abraçou-me.
–- Eu sabia que estava acontecendo alguma coisa! - ela largou a lanterna no chão – Daniel, por favor, pegue a Mel e vá para a garagem.
Daniel estava de olhos arregalados e simplesmente assentiu. Aproximou-se de mim e encaixou um braço por trás de minhas costas, então ergueu-me e saímos do parque florestal Krahan.
–- Não podemos deixar alguém a vir nesse estado... – Luna afirmou quando nos aproximávamos de minha casa.

Daniel retirou o casaco de seu terno e deu-o á Luna que lhe agradeceu com um sorriso breve.
–- Quando terminarmos aqui – Daniel entortou a boca – Acho muito bom alguém me explicar muito bem o que está acontecendo.
Luna e eu nos entreolhamos, qual desculpa inventaríamos?
Coloquei o casaco por cima do vestido que ficou totalmente encoberto. Funcionou perfeitamente, pois assim não o veriam no estado imundo em que se encontrava. Mas, ainda havia todo o resto de meu corpo. Ambos olhavam-me da cabeça aos pés e não pareciam gostar do que viam.
–- Esperem aqui. – Luna ordenou antes de afastar-se de nós e partir rumo á casa.

Mesmo um pouco longe, eu conseguia ver que já não havia mais ninguém onde fora a pista de dança.
–- Quanto tempo se passou? – indaguei- Todos já devem ter ido embora...
Senti um alívio, seria melhor assim, pois teria menos olhos encarando-me no estado em que eu me encontrava.
–- Não, estão todos lá dentro. – Daniel explicou, acabando com meu alívio – Você desapareceu por uns 40 minutos, nesse meio tempo essa chuva louca pegou todos nós de jeito.
–- E o toldo? – perguntei ao recordar-me daquela imensa estrutura nos fundos.
–- A chuva era de vento e estava muito forte. Estamos enrolando todos que perguntam de você. – Daniel deu de ombros – Agora estão lá esperando você para cantar o parabéns.
Ai meu Deus, o parabéns ainda não havia acontecido! Ou seja, a festa estava longe de terminar. O dia que antes eu não quisera que terminasse agora havia se tornado parte de meu tormento.

Luna retornou segurando uma tolha, um par de sapatos e um vestido lilás. Esgueiramos-nos como ratos até a garagem. Ela pediu para que Daniel se retirasse e após retirar o vestido destruído e secar-me, coloquei o vestido que Luna havia trazido para mim. Era bonito e fluido como o dela, num tom púrpura. Como era minha cor favorita eu deveria tê-lo adorado, mas não estava realmente me importando.
–- Mellany – Luna disse, calmamente enquanto sentava-se o capô do carro de meu pai e observava-me calçar os sapatos – Foram eles, não foram?
–- Ele... – novas lágrimas surgiram quando tentei contar-lhe. – Enzo é um deles.
Luna encarou-me chocada.
–- Mas, então por que tudo aquilo? Eu sabia que ele não era normal, ele ajudou você, não foi?
–- Era tudo um teatro! – falei com escárnio – Tudo! Ele estava mancomunado com ela.
–- Ela quem?
–- Tenho muito para lhe contar, mas, infeliz ou felizmente, ainda tenho velas para soprar.

Terminei de arrumar e limpar-me, então entrei de volta na casa. Todos estavam conversando e a vida seguira normal enquanto minha alma era roubada, senti um pouco de raiva de ver como a vida deles parecia despreocupada, mas não era culpa deles. Rick veio em minha direção.
–- Mellany onde você estava?
Sendo sugada por um ser maligno.
–- Fui trocar de vestido, derrubaram bebida no outro. – respondi – Aproveitei para tomar um banho.
–- Eu sinto muito, mas recebi uma ligação e você terá de soprar as velas logo. Tenho de estar em Greenville logo pela manhã, então viajarei agora. Eu sinto muito filha..
Rick desculpou-se incontáveis vezes, até mesmo depois de eu ter soprado as velas e todos terem partido deixando para trás nossa casa com um cenário pós festa. Meus amigos agradeceram e disseram pareciam animados com a festa, alguns me perguntavam por que estava tão abatida. Minha resposta era simples, “Estou cansada, dancei muito”, seguida por um sorriso ensaiado.
–- Sinto muito, novamente. – Rick disse, antes de ir. – Tem muita comida na geladeira, voltarei segunda feira.
Finalmente todos se foram e só restamos eu, Abby, Daniel, Luna e Andrew.
Daniel e Andrew despediram-se de mim, mas para minha surpresa Luna não fez o mesmo.
–- Vou ficar. – ela disse, decidia – Ao menos essa noite.
Não relutei, simplesmente assenti.
Luna decidiu dormir com Abby que estava com medo dos trovões, ambas caíram no sono rapidamente. Andei algumas vezes pela casa á procura de algo ou alguém que pudesse fazer mal á nós e fechei todas as janelas ou portas. Eu estava cansada mentalmente, mas me físico era agitado. Eram muitas informações, muitos acontecimentos, coisas demais para deixar-me dormir. Vesti minha camisola e deitei-me na esperança de descansar e quem sabe acordar e descobrir que tudo fora um sonho. Virei-me de um lado para o outro na cama durante vários minutos até que senti seu perfume, agora tão facilmente reconhecível que se misturava com o cheiro de terra molhada. Ele vinha da sacada onde as cortinas brancas balançavam-se com a ventania. Levantei-me da cama e caminhei lentamente até a porta da sacada.
Enzo estava sentado no parapeito de minha sacada, com um braço apoiado na perna dobrada, cabeça baixa. A chuva escorria por seu corpo, ainda sem a camisa que ele atirara á mim na floresta. Ele parecia uma estátua, um ser sobrenatural.
–- Você... – murmurei. Ele apenas ergueu os olhos e me encarou com um olhar de gato traiçoeiro. – É maligno, não é? – perguntei.
–- Depende do que você considera maligno. – ele disse.
–- Você é um demônio, não é?! Um anjo caído, um filho das sombras. Como você queira chamar. – Falei. Meu coração batia tão rápido que eu podia ouvi-lo saltar em meu peito.
Enzo balançou a cabeça e soltou uma risadinha irônica.
–- Não. – Senti um breve alívio, mas então ele prosseguiu. – Eu nunca fui um anjo.
Senti os cabelos de minha nuca arrepiarem-se junto com todo meu corpo. Dei alguns passos para trás, para dentro do quarto. Tudo parecia estar em câmera lenta, exceto pela chuva pesada que não parava. Enzo não se moveu um milésimo enquanto observava-me afastar-me dele. Sem tirar os olhos dele, fechei a porta de vidro rapidamente. Meu corpo todo estava quente, eu podia sentir a adrenalina correndo em minhas veias, mas, ao mesmo tempo me senti congelada de pavor. Abri a boca para mandá-lo embora, porém minha voz não saía. Ficamos ali parados por segundos nos encarando. Eu, em completo choque enquanto ele não desviava os olhos dos meus. Lentamente, Enzo desceu do parapeito de minha sacada e andou em direção a porta de vidro.
–- Afaste-se!- ordenei aos berros. Meu cérebro mandava-me correr, mas não pude. Permaneci parada com a mão erguida encostada no vidro da porta fechada.
Enzo, como eu havia esperado, não dera a mínima para minha ordem. Ele aproximou-se e encostou a testa no vidro.
–- Você me transformou em um homem fraco. – ele disse, de olhos fechados. Os cabelos encharcados grudados no vidro. Percebi que com a aproximação de Enzo, minha mão encostada na porta agora estava na direção de seu peito esquerdo. Ele olhou para a mesma direção que eu. Soltou um suspiro. – Você tem uma força que me prende, me paralisa completamente. – Ele disse rispidamente, fazendo voar algumas gotas de água que escorriam pelo seu rosto, então lançou-me um olhar furioso. - Você me fez ter medo de morrer!
Ele bateu uma vez a cabeça no vidro, o que me fez dar um salto e dar mas passos para trás. Enzo então, colocou as duas mãos no vidro. Elas foram deslizando lentamente. Um trovão ecoou lá fora iluminando sua silhueta em minha porta. Seus braços estavam erguidos, a cabeça baixa encostada no vidro. Uma posição de rendição.



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Notas finais do capítulo

Revelaçõeeees, uepaaa e eu vou dormir tarde de novo! Tenho prova de física, desejem-me sorte :c