Luz Negra I - Oculta escrita por Beatriz Christie


Capítulo 16
Capítulo 16 - Peixes e Rendas em Oakland




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Após ficarmos alguns minutos esperando do lado de fora, finalmente abriram-se os portões do colégio de Abby.
–- Mel!- ela veio correndo assim que nos avistou. - Olha o que eu fiz!
Abby entregou-me um peixe feito de garrafa pet. Ele fora pintado de várias cores; os olhos colados, um tanto tortos, lhe davam um ar estrábico meio cômico.
–- Que lindo! - respondi.
–- Já tem o Bonecão da Neve lá, qual será o nome desse? - Rick perguntou entre risos, enquanto caminhávamos rumo ao carro.
–- Peixe, ué! - Abby respondeu simplesmente.
–- Nossa, bem original. - respondi. Eu e Rick rimos, enquanto Abby parecia mais interessada em seu novo peixe, o Peixe.
–- Papai - Abby falou, enquanto dávamos a volta na estrada. - Aonde vamos?
–- Esqueceu? Hoje vamos comprar as coisas para o aniversário. Divertiu-se tanto que se esqueceu de tudo, né?! - Rick brincou.
–- Papai, eu não quero ir. - respondeu ela.
–- O que foi?- Perguntei. - Como foi a aula hoje?
–- Foi legal. Mas, a tia Hana disse que tooodos os peixes tem que ir à água se não ele não vive... - ela disse, inconformada - e o Peixe, é um peixe!
–- Minha nossa, temos que fazer algo. Não é Pai? - perguntei, forçando uma voz séria.
–- Ah... Sim! Com certeza! - Ele respondeu. Rick parecia um tanto perdido.
–- Não seja por isso! - Virei-me e encarei Abby de perto. - O que essa tal de "tia Hana" não lhe contou, é que se colocar água dentro, ele também vive!
–- É verdade? - Abby perguntou, animada.
–- Claro! Dê-me aqui o Peixe. - estendi minha mão e Abby colocou o Peixe cautelosamente ali.
Então, peguei minha garrafa d'água que estava na mochila e despejei todo o conteúdo dentro do Peixe. - Viu? Agora está tudo bem.
–- Viu Peixe! Você vai ficar bonzinho aqui, a gente vai cuidar de você... - Abby abraçou sua garrafa, e o sorriso costumeiro estava devolta ao seu rosto acompanhado das bochechinhas coradas. Era engraçado entrar nesse mundo das crianças novamente, onde algo simples como uma garrafa, que é um nada para os adultos, pode ter tanto valor.
Pude ver pelo retrovisor que Rick estava sorrindo enquanto dirigia.
****


Imaginei que iríamos ao centro da cidade de Roseburg, mas a paisagem lá fora foi ficando cada vez mais alaranjada com a chegada do entardecer.
–- Pai? Agora eu quem pergunto, onde estamos indo? - perguntei.
–- Oakland. - ele respondeu. - Acabamos de chegar.
Rick estacionou o carro em frente a uma loja muito fina. Quando lhe perguntei, ele contou-me que já havia marcado uma hora na tal loja, que se chamava Danny & Jean. Obviamente eu nunca havia chego perto desse tipo de loja, afinal, apesar de vivermos bem com minha mãe, nossa vida não tinha nem um pouco de luxo.
–- Como assim? - perguntei, enquanto admirava o lustre reluzente que estava pendurado no teto da loja. - Isso tudo é muito... Chique. Achei que fosse uma festa mais simples.
Foi então que uma vendedora com longos cabelos louros, presos em um rabo de cavalo escorrido e simples, que usava um tom de batom muito forte e terninho rosado nos abordou, antes que Rick pudesse me responder.
–- Bem vindo a Danny & Jean, senhor. - ela disse, dando um sorriso largo e ensaiado. Ela deu uma bela olhada em meu pai, então disse: - O senhor está na agenda, ou veio buscar uma encomenda?
–- Tenho hora marcada com a Jean. - ele disse, casualmente. - Diga-lhe que o Rick chegou e que trouxe minha filha, como havíamos combinado.
Finalmente, ela reparou em mim. Olhou-me dos pés a cabeça. Passando de minhas sapatilhas pretas, para a calça jeans simples e o moletom largo. Parecia que eu podia ler seus pensamentos.
–- Sim, senhor. Meu nome é Rebecca. Pode me seguir.
Todos a seguimos, com meu pai andando na frente, ele parecia conhecer bem o local. Enquanto caminhávamos, me dei conta de que não havia vestidos expostos na loja. Não havia nada além de quadros, um balcão, manequins nuas e uma mesa. Pela entrada e pela recepção, imaginar-se-ia que a loja era consideravelmente pequena, mas conforme íamos andando, percebi que era maior do que eu imaginava.
–- Por que não há roupas expostas na loja? - perguntei á Rebecca, por impulso.
–- Loja? - Rebecca perguntou, com desdém. Então, abaixou o tom de voz ao aproximar-se de mim. -- Querida, isso não é uma simples loja. É o atelier de Danny & Jean. Não é qualquer um, se é que você me entende. - ela sorriu.
–- Verdade, quem sabe trabalhando muito, um dia você compre algo aqui. – dei um sorriso tão forçado quanto o dela.
Finalmente, chegamos à sala reservada. Nela havia um sofá e duas poltronas, um provador, vários espelhos, manequins e um tapete enorme vermelho no centro.
Esperamos alguns minutos, até que aquela figura bizarra adentrasse o cômodo.
–- Ora, OLÁ! – ela disse, abrindo os braços e caminhando rapidamente com seu vestido estampado e esvoaçante, indo em direção á Rick. Ela o abraçou fortemente.
–- Olá Jean, você não mudou nada. – ele disse.
–- Ah sim, claro. Belíssima como sempre!- Jean sorriu.
Ela tinha um cabelo roxo crespo, preso de forma irregular. Tudo nela era exagerado, mas de alguma forma, tudo se encaixava bem. Jean era extravagante e o que tinha de divertida, tinha de exigente. Ela não era jovem, no começo, até me perguntei se era realmente uma mulher.
–- Crianças lindas, lindas! – ela disse, agarrando nossas cabeças e beijando-as. – Essa é a cara do pai, olha Rick! – Jean apertou as bochechas de Abby. – Mas essa não. Você, você tem os cabelos de sua mãe. – ela passou a mão em minha cabeça.
–- Minha mãe tinha cabelos negros. – respondi, confusa.
–- É Jean, acho que você está ficando com falhas na memória. – Rick falou.
–- Ah, sim, claro! Verdade, verdade. É o excesso de chá verde. Dizem que emagrece, então tomo muito. - Ela falava tudo muito rápido, as vezes era até incompreensível. – E você flor, você toma chá verde? – Antes que eu abrisse a boca, ela respondeu – Ah não, não toma. Você já é magra. Meio molinha, só falta exercitar, né! – Ela me deu uma tapa na bunda.
Olhei atônita para Rick.
–- Bom, mas vai ficar ótimo no vestido que fiz pra você! – Ela disse, contente. Então, estralou os dedos e Rebecca apareceu. – Ô “minina”, traz o vestido que está na sala três.
–- Mas nós já o embalamos, senhora. – Rebecca respondeu.
–- Traz logo Criatura. – Jean agitou as mãos e Rebecca desapareceu no corredor.
Jean virou-se para nós novamente, com um sorriso largo que evidenciava suas rugas.
– Senta, senta. Podem sentar-se, a Criatura já vai trazer seu vestido. – Ela acendeu um cigarro. -- Então Coração, você está como? Namorando, ou só dando umas beliscadinhas por aí? – ela sentou-se.
–- Estou como sempre, e muito bem. – Rick respondeu.
–- Oh coitadinho, tão sozinho. Eu lembro quando a L-I-A-N-E - Ela soletrou o nome de minha mãe mais baixo – Deixou você. Você veio ser meu contador, e agora virou esse homenzarrão. Ai! Que orgulho! – ela agitou a cabeça, deixando uns cachos se soltarem.
–- Sim, lhe agradeço muito por tudo. Mas, elas sabem soletrar, Jean.
Jean colocou a mão na boca, como uma criança que havia falado o que não deveria.
Rebecca, ou “a Criatura”, chegou e começou a desempacotar o vestido. Então, colocou-o no manequim.
–- E aí, o que achou?- Jean perguntou, enquanto soprava a fumaça.
Aquele era o vestido mais lindo que eu já havia visto. Coberto por renda e com um leve volume. Terminava um palmo acima de meus joelhos.
–- Ele é o vestido mais perfeito que eu já vi. Digo, perfeito pra mim. – respondi, ainda admirando o vestido.
–- E deveria mesmo! Foi feito pra você. Seu pai me disse que você gostava de renda, mais rendado do que isso impossível! Uma beleza, não é? Anda Bebê, vai provar. Preciso ver você nele se não eu MORRO.

Entrei no provador, e uma ajudante muito calada, com cabelos curtos e negros seguiu-me para me ajudar. Era estranho e desconfortável ficar nua na frente de uma estranha. Eu nunca fizera isso antes, mas pelo visto os ricos o faziam com frequência, pensei, pois ela agiu com naturalidade e fechou o zíper que havia nas costas do vestido sem dizer uma palavra.

Saí do provador, Jean e Rick pararam de conversar abruptamente e viraram-se para me ver. Andei rumo ao grande espelho.
–- Nossa. Nem... Nem eu me reconheço assim.
Jean aproximou-se de mim e prendeu meu cabelo para que eu pudesse ver os detalhes das costas. Era simplesmente lindo. Havia uma fenda bem no meio de minhas costas, onde não havia renda e minha pele ficava á mostra.
–- Perfeito, claro. Jean nunca erra, Meu Bem. Combinou perfeitamente com o tom do seu cabelo. Não acha Ricardo, querido?

–- Muito bonito. – Rick aproximou-se. – Bonita até demais. Sinto que isso me trará problemas. – ele riu.
Jean riu também, então todas as auxiliares riram como se fossem ser mortas caso não rissem.
–- Ora querido, mulheres bonitas só são um problema se você as desejar e não forem suas. – ela piscou. – E essa é sua mesmo que não queira. – ela riu de sua própria piada.
–- Sim, por isso mesmo. Caso alguém olhe demais para esta fenda, terá de se ver comigo!
Todos riram novamente e a conversa se seguiu. Enquanto eu, na verdade mal ouvia o que eles estavam dizendo. Estava ocupada demais, tentando conhecer melhor aquela desconhecida que me encarava no espelho com seu belo vestido e olhos negros.


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Notas finais do capítulo

Desculpem não ter respondido os comentários, esses dias foram muito corridos MESMO. Estou lendo todos e vou responde-los assim que puder. Beijos ♥