Luz Negra I - Oculta escrita por Beatriz Christie


Capítulo 15
Capítulo 15 - Perdoe-me Babaca




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   Tentei ao máximo manter uma expressão serena. Provavelmente Enzo nem se quer estava lembrado do bolo, aquilo fora apenas uma cortesia á uma cliente em potencial, um simples jogo de marketing.

  Meu colega, Ben, estava sentado atrás de mim. Ele inclinou-se para frente e sussurrou:
-- Agora virou aula de literatura? - referindo-se ao texto de Shakespeare que Enzo recitara.
-- Pelo visto, as garotas gostam. – respondi enquanto ria.
-- Quanto tempo, heim?! Não te vi durante as férias.
-- É verdade, é muitas coisas aconteceram... – respondi.
Olhei Enzo, ele estava sentado fazendo a chamada. Levantou o olhar e encarou Ben, que falava comigo.
-- Eu não deveria ter deixado pra me inscrever em algum curso na última hora, assim teria conseguido entrar no xadrez! Pra qual você ia? – Ben perguntou.
-- Eu queria esse mesmo, mas não sabia que... - Enquanto respondia Ben, fui interrompida pela vibração de meu celular.

  Pensei em não atender, mas poderia ser Abby tendo problemas na nova escola. Retirei-o do bolso o mais disfarçadamente possível, logo vi que não era uma ligação, mas sim uma mensagem. Luna enviou-me:

  
    "Conseguiu mudar ou já tá na aula do estranhão? Responda-me assim q puder. Byeee"


           Assim que terminei de ler olhei para o lado e vi um par de pés parado ao lado de minha carteira. Fui erguendo o olhar, passando do sapato social para a calça jeans, então da camisa branca para o paletó azul escuro. Até dar de cara com Enzo.
-- Não é permitido o uso de celulares em sala de aula. – ele ergueu a mão. – Depois você pode tê-lo de volta. – Claro que isso iria acontecer, afinal, estamos falando da minha vida.
Desliguei o celular e coloquei-o em sua mão. Ele guardou meu celular no bolso e prosseguiu com a aula. “E se ele ler aquela mensagem? E se ele ler todas as mensagens?” pensei. Eu e Luna costumávamos conversar sobre tudo pelo celular, inclusive coisas íntimas. Pensar nisso fez-me encolher na cadeira. Que vergonha...
          Passamos o resto da aula sem nos olhar. Ele ficou de costas quase o tempo todo, enquanto eu copiava sua matéria e só levantava o olhar para ver o que ele havia escrito. De vez em quando eu e Ben trocávamos algumas palavras, sobre como fora nossas férias e coisas desse tipo. Em vários momentos, Enzo nos olhava com uma expressão indecifrável.
-- Meu aniversário é amanhã e vai rolar uma festinha, era pra ser surpresa, mas a minha irmã menor não é muito boa com segredos. – Eu ri – Se quiser, é só aparecer. Pode levar Tori também.
Tori era a irmã mais velha de Ben.
-- E você, ainda está namorando o Andrew?- Ele perguntou.
-- Sim. – respondi simplesmente.
Ben deu um sorriso meio forçado, não acho que essa tenha sido a resposta que ele esperava ouvir.
          As duas horas restantes passaram rápido enquanto Enzo estava compenetrado em nos explicar sobre como a culinária era vista pelo mundo. Ele nos contou sobre suas viagens, sobre como rodou o mundo em busca de sabores únicos.
-- Todo país tem sua culinária e sua cultura. – ele explicou – Eu fui da Itália á China e nenhum país mistura essas duas coisas tão profundamente quanto os indianos.

         Era interessante ver como Enzo falava com tanta paixão sobre temperos, enquanto tratava com tanta frieza aquelas várias garotas babando em cima dele.
-- Gostando tanto de comida, como você consegue se manter assim, com esse corpo? – Uma garota perguntou. Era vergonhoso ver a forma como as mulheres se atiram nos homens hoje em dia. Não que eu ache que só os homens devam tomar atitudes, mas se oferecer numa bandeja nunca foi muito meu gênero.
-- Você pode comer de tudo, o problema é que vocês adolescentes... – A garota ergueu um pouco a cabeça, pelo visto ser chamada de adolescente a fez sentir inferior. De fato, o tom de Enzo deu essa conotação. - Gostam de coisas como batata frita, e comem uma montanha disso. Não conhecem a culinária “rica”.
A garota não falou mais nada, provavelmente constrangida por não receber a resposta que esperava.

         Todo esse papo sobre comida já estava me cansando um pouco. Percebi que além de cozinhar mal, eu não gostava muito desse assunto.  Qualquer um que olhasse a forma como as garotas olhavam Enzo com atenção, imaginaria que estavam interessadas na matéria. Mas, eu sabia que a única matéria que elas queriam era Enzologia. Enfim, o sinal tocou e todos se levantaram e iam saindo da sala, enquanto eu guardava minhas coisas, já que fora uma das poucas que copiou a matéria.
-- Então, eu vou falar com a Tori e te ligo depois, ok? –  perguntou Ben, enquanto passava por mim. Fiz que sim com a cabeça, ele acenou e saiu da sala.
Quando olhei para a mesa de Enzo, ele não estava mais lá. Olhei envolta, e só haviam mais alguns alunos na sala. “Droga, meu celular!”, pensei. Apressei-me até a porta e olhei pelo corredor. Nem sinal dele. Até que avistei o paletó azul escuro afastando-se entre os outros casacos.
-- Com licença. – tentei correr, mas a densa massa de pessoas não me deixava passar. Fui esquivando-me, enquanto alguns que eram empurrados me olhavam feio. – Ei! – Chamei, assim que consegui aproximar-me dele. – Você poderia, por favor, me devolver o celular agora? – Ele prosseguiu sem olhar para trás. Então, puxei a manga de seu paletó. – Enzo?
O homem virou-se bruscamente e olhou-me confuso. Aquele não era ele. Droga!
-- Desculpe, me confundi de pessoa. – O homem puxou seu braço de volta.   
Voltei a andar pelo corredor, calmamente dessa vez. Já que não iria conseguir meu celular de volta, eu precisava ao menos pedir a carona á Luna. Decidi passar pela sala de ginástica, quem sabe ela estivesse por lá. Enquanto caminhava pelo estacionamento, rumo ao prédio três, ao longe avistei o carro preto e brilhante de meu pai. O que ele estava fazendo aqui? Conforme me aproximava, vi que ele estava conversando com alguém. Então, finalmente vi que era Enzo. Como ele chegara ali tão rápido? Assim que me viu, Rick acenou para mim. “Hey, eu vim te buscar!” Ergui os cantos da boca em um sorriso meio forçado e levantei a sobrancelha.
-- É, estou vendo. – respondi, então nós três ficamos em silêncio. – Bom, vamos?
-- Seu professor estava me falando sobre como você usa o celular e conversa em classe. – Rick cruzou os braços, ele não estava realmente bravo, mas falou como se tivesse me pego no flagra.
-- Meu telefone tocou, achei que era Abby, mas era só uma mensagem. – expliquei.
-- Isso não explica os assuntos intermináveis com Ben Milan.- Enzo falou, olhando para o meu pai enquanto também cruzava os braços. Rick me lançou um olhar de repreensão.
Mas que droga estava acontecendo?! Olhei com raiva para Enzo, quem ele pensava que era? Só por que virou um professor, isso não lhe dava motivos para intrometer-se em minha vida, ainda mais dizer com quem eu deveria falar ou não.
Enzo se esforçou e segurou um sorriso. Ele estava achando aquilo tudo muito divertido.
-- Eu fui a única que copiou a matéria enquanto todos na sala estavam conversando. Não é minha culpa se o professor não prende a atenção dos alunos. – olhei triunfante para Enzo.
-- Mellany! – Rick repreendeu-me.
-- Todos me pareceram bem compenetrados na matéria. – Enzo disse.
“Ah claro, SUPER interessadas na culinária indiana.” pensei, sarcástica.
-- Que comportamento é esse? Desculpe-se com seu professor. – meu pai disse. Olhei-o incrédula. -- Ou se desculpa, ou fica sem o celular.

Estava claro que Enzo estava me punindo simplesmente por conversar com Ben. Como meu primeiro dia de aula foi terminar comigo pedindo desculpas á esse... Esse...
-- Babaca. – murmurei. Então, respirei fundo e dei o sorriso mais falso que consegui. – Desculpe-me professor. Isso não acontecerá novamente.
-- Tenho certeza que não, de qualquer forma. – Ele deu um sorriso irônico.
-- Quer uma carona professor? – Rick perguntou. “Ah por favor... Por hoje já não foi suficiente?”, pensei.
-- Não, muito obrigado Senhor Vidalgo. Eu vou com a minha moto, ela está logo ali. Foi um prazer. – Eles se despediram.
            Eu e Rick entramos no carro e finalmente recebi meu celular de volta.
-- O que deu em você? – meu pai perguntou. – Sorte sua esse rapaz ser tão educado e compreensivo.
-- Em mim? Nada! Eu quem não entendo o que deu nele. – respondi – E o que o senhor está fazendo aqui?
-- Como é seu aniversário depois de amanhã, você vai precisar de uma roupa para a festa. Imaginei que gostaria de ir á cidade comigo escolher algo. Na verdade, Abby quem deu a ideia. Então, decidi fazer uma surpresa.
-- Então aquilo tudo de reunião era só cena? – Descobri de onde tirei o dom de ser convincente.
-- Na verdade, não. Mas eu dei uma escapada. – Rick deu um sorriso sem graça, estava claro que essa “escapada” não era algo simples.
-- Pai, não precisava fazer isso. Eu agradeço muito, mas não quero que tenha problemas no trabalho.
-- Imagine, já passo muito tempo lá. Eles terão de aprender a sobreviver sem mim.
Dei um sorriso. Rick estava se esforçando de verdade para fazer tudo certo.
Peguei no braço de Rick, antes que ele desse partida com o carro.
-- Você está sendo um bom pai. – falei.
Não éramos pai e filha do tipo melosos, então aquela frase era o suficiente para o ambiente ficar fraternal por pelo menos uns 30 anos.
 
         Enquanto conversávamos rumo á escola de Abby, percebi que ficar no carro a sós e conversar com meu pai era cada vez menos desconfortável.


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Notas finais do capítulo

Como sempre, muito obrigada por todos os comentários. Adoro ver como vocês estão atentos aos detalhes da estória *-* Beijos ♥