Luana POV's

- Larissa! - Gritei no meio do aeroporto lotado e abracei minha amiga que não via há tempos. E daí que as pessoas pararam para olhar a cena? E daí que ela tinha jogado todas as malas no chão e isso estava atrapalhando a passagem das pessoas? Nada disso importava.

- Que saudades Lu! - Ela disse e pude sentir seu rosto ficando molhado no meu pescoço, e isso só serviu para que eu soltasse algumas lágrimas de saudades também - Mas isso é tão injusto! - Ela falou indignada quando nos soltamos do abraço para recolher as malas do chão - Por que eu sempre tenho de ser a mais baixinha? - Ela perguntou fazendo um bico muito fofo e eu só pude rir: Lari sempre ficava aborrecida por ser a menor de nós três.

Conheci Larissa bem depois do episódio da guerra de lama no jardim de infância; Ela morava numa cidade de nome muito complicado, que até hoje eu não consigo falar, ou lembrar, e seus pais haviam sido transferidos para cá. Ela entrou no colégio nos últimos meses de aula, mas acho que isso não fez muita diferença, já que naquela idade a escola servia mais como uma creche do que como uma instituição de ensino.

- Oi Larissa - Harry saiu de sabe-se lá onde e Lari abriu um sorriso ao vê-lo - Como vai nossa modelo preferida? - Haz perguntou enquanto Lari estava agarrada em seu pescoço.

Nunca tive ciúmes de Larissa e Harry, porque nunca tive motivos. Lari parecia ter aquele conhecimento que Harry e eu fomos desprovidos, de nós já estarmos juntos.

- Hey, essas malas estão pesadas! Larissa o que você carrega aqui? Não sabia que modelos precisavam de tudo isso... E mais, não conte nada a Haz sem mim, também quero saber de sua aventura nas passarelas - Atrapalhei o que identifiquei sendo Larissa tomando ar para se lançar num detalhado relato de todo esse tempo em que esteve fora e os dois me olharam como se tivessem esquecido de algo muito importante - O que foi?

- Bem, Haz não te contou? - Ela perguntou olhando confusa para Harry.

- Eu tinha me esquecido... - Harry passou as mãos pelo cabelos e seus olhos pediam desculpas. Lari sacudiu a cabeça.

- Sabia que não podia confiar uma informação dessas a você. Mas enfim, acho que é até melhor, assim posso ver a reação dela - Eles conversavam como se eu não estivesse ali, então precisei assoviar para que a atenção voltasse ao ponto principal da conversa: do que eles estavam falando - Desculpa Lu.

- Tudo bem, quero dizer, tudo vai ficar bem se vocês me contarem o que está acontecendo - Falei e a esse ponto já estávamos fora do aeroporto com Haz carregando duas das malas, eu tentando levar uma mochila e Larissa carregando mais uma mala enorme de rodinhas.

- Como eu passei esses três anos concentrada no início da minha carreira, meus produtores falaram que eu poderia tirar de sete a nove meses de folga, afinal eu já estava bem estável nessa vida e...

- Espera, quer dizer que, você vai passar nove meses aqui? - Interrompi ela pela terceira vez em menos de vinte minutos, e tinha certeza de que ela estaria zangada, se não estivesse feliz com minha reação - Não brinca! - Abracei ela.

- Estou falando sério! Por isso de todas essas malas - Ela se virou para Haz - Sabe, acho que não estou mais aborrecida por você ter esquecido de contar à ela, foi bom ver sua reação - Eu revirei os olhos enquanto chamávamos um táxi.

- Às ordens - Harry bateu uma continência muito mal feita, que fez todos nós darmos uma risada - Mas então Larissa, já tem lugar para ficar? - Ele perguntou e foi ajudar ao motorista do táxi a por as coisas de Lar no porta malas.

- Sim, na antiga casa de meus pais. Acredita que ele ainda não venderam? - Ela respondeu e entramos no carro.

Os pais de Lari voltaram para a cidade de nome complicado um pouco antes de eu completar dezesseis anos. Eles nunca venderam a casa, e acho que Lari não sabia dessa fato até agora.

Nos dia em que eles estavam de mudança eu perguntei se nos veríamos mais vezes e eles responderam "Não sabemos querida. Larissa está longe agora e aqui não é mais um lar para nós sem ela. mas quem sabe um dia. Essa casa ficará intocada até lá". E assim foi. Eles nunca mais visitaram essa cidade, mas mantinham contato comigo, que era como uma outra filha para eles.

- Ele me fizeram jurar que iria lá assim que desse e mandaram eu te arrastar junto se fosse preciso - Larissa encostou a cabeça em meu ombro e eu apoiei minha cabeça na sua. Se estivéssemos como uma casquinha de soverte na mão e os pés balançando em cima de uma árvore, estaríamos com doze anos novamente.

- Não vai precisar de tanto. Sinto saudades deles, mas depois que tudo aconteceu... Bem, você sabe da história - Eu suspirei e Haz apertou minha mão demonstrando que estava lá comigo. Ele também foi muito afetado nisso tudo.

É estranho pensar dessa forma. Aquilo tudo doeu de uma forma indescritível em mim - e ainda dói- porque significou a perda de tudo aquilo que eu conhecia e amava; a perda da minha família, da minha identidade. E como se não bastasse, ainda teve como consequência a perda de quem eu amava, do meu melhor amigo, a perda de Harry. Isso havia deixado muitas cicatrizes em mim.

Mas o estranho é pensar que essas cicatrizes são semelhantes em Harry. Um pouco antes, quando tínhamos treze anos, ele presenciou a separação de sua família. Sua mãe havia se mudado e seu pai ficara com sua guarda, e isso havia isso difícil. Eu sei, porque estava lá com ele, sempre estive. Doeu em mim também. E anos mais tarde, o incêndio aconteceu e eu fui embora.

Repensando nisso, posso enxergar como fui egoísta; como pude deixar Harry aqui desse jeito? Por mais que precisasse de um tempo para assimilar as coisas, não poderia tê-lo deixado.

- Luana, falando nisso, quando é que você vai até sua casa? - Larissa levantou a cabeça e apoiou a minha em seu ombro. Harry se recostou na janela, ainda segurando minha mão.

- Não sei Larissa, mas não sinto como se lá fosse minha casa sabe. Parece errado pensar assim sem eles aqui - Ela afagou minha cabeça e notei que não insistira mais nisso, bom, pelo menos até estarmos sozinhas.

- Chegamos, querem ajuda para retirar as malas? - O motorista, que aparentava ter uns cinquenta anos, de cabelos ralos e grisalhos e óculos com lentes bem grossas, se manisfestou.

- Não precisa, eu vou continuar a corrida daqui, por favor - Larissa respondeu e eu ergui uma sombrancelha.

- Tem certeza? - Harry perguntou.

- Absoluta, é melhor eu ir logo ajeitando algumas coisas enquanto ainda tenho disposição para isso, senão a preguiça domina e eu nunca terminarei. Mais tarde eu passo aqui pode ser? - Ela disse e eu respondi com um "claro que sim" animado e lhe dei um forte abraço. Harry beijou sua testa e saímos do táxi.

Quando o carro dobou a esquina acenamos e Haz passou o braço pela minha cintura para que entrássemos em casa.

- Você está bem? - Foi a primeira coisa que ele disse.

- Estou, isso foi bem mais tranquilo do que achei que seria - Respondi e dei-lhe um selinho - Ainda tem biscoito da Dona Madalena? - Perguntei e ele revirou os olhos.

- Tem, mas eu não estava me referindo ao reencontro com Larissa quando perguntei se você estava bem. Eu quis saber sobre aquilo que ela disse no carro - Haz falou calmante e eu compreendi - Percebi que você ficou mal, e bem, não me surpreendi. Quer conversar sobre isso?

- Eu não sei como falar sobre isso Harry - Respondi baixo - Meus pensamentos estão fervilhando e eu não sei se conseguiria coloca-los em ordem - Sacudi as mãos frustadas e encarei seus olhos, que estavam num tom mais escuro de verde do que o normal.

- Tenta - Uma palavra.

Uma palavra havia conseguido me fazer desabafar.

Harry sentou comigo no sofá bege e apenas ficou em silêncio enquanto eu tentava por meus pensamentos em palavras. Ia fazer dois anos que eu estava guardando tudo aquilo comigo, incapaz de conseguir falar sobre isso com alguém. Sem ter alguém para falar sobre isso: minha tia estava passando pelo luto assim como eu, e naquela época eu apenas ficava num canto olhando para o nada, mas pensando em tudo.

Passou bastante tempo até que eu terminasse, e estava com lágrimas nos olhos pela segunda vez no dia, mas dessa vez não era de felicidade: eram lágrimas de tristeza, ressentimento, frustração. Tristeza por tudo, pela perda. Ressentimento por ter deixado Harry num doa atos que eu percebi ser de puro egoísmo de minha parte. Frustração por haver a possibilidade de não ter sido um acidente e agora eu estar perdida sem saber o que sentir.

- Luana, não foi egoísmo de sua parte ter ido - Haz tentava inutilmente me convencer disso, mas quando eu colocava algo na cabeça, era difícil me fazer mudar de ideia.

- Harry, como eu pude ter te deixado aqui, sentindo toda aquela culpa? Como eu vou embora e nem pergunto como você se sentiria com relação a isso?

- Luana, agora não adianta pensar nisso. Já passou ok? Precisamos nos concentrar no que está acontecendo agora - Ele afagou minha cabeça, e mesmo sem perceber, me deixando com um dilema.

"Precisamos nos concentrar no que está acontecendo agora". Harry havia dito na inocência, sem saber que isso chamaria mais atenção em mim do que todo o restante da frase. Eu estou confusa, e acho que isso está se tornando normal de uns tempos para cá, porém não quero mais estar confusa. Quero tomar decisões, as certas. Quero ter certeza de que estou fazendo agora.

Devo ou não insistir nessa história de investigação? Se sim, por onde começar? Se sim, será que vou ser forte para suportar o que vier a ser descoberto? Ou será melhor deixar as coisas do jeito que estão? Sem remexer em nenhum passado, em nenhuma ferida, sem causas novas dores?