Sinal Positivo escrita por Milk


Capítulo 9
Capítulo VIII


Notas iniciais do capítulo

- Here we go again



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Pareceu-me uma eternidade, mas foi apenas quatro minutos: entorpeci. Quando acordei estava num lugar diferente, notei assim que bati o olho no teto, as lâmpadas eram diferentes, não ardiam os olhos. As paredes eram brancas, mas tinha armários com cruzes vermelhas ou apenas de vidro, deixando visível remédios, objetos e coisas de médico. Sim, eu estava no hospital. Olhei de um lado para o outro à procura de um relógio e nada. Era tudo tão branco e monótono como na clínica. Não sabia se me sentia triste por ainda estar viva ou por estar amarada, sim, eu estava com os braços, pernas e barrigas presos na maca por uma espécie de cinto, não sabia dizer, afinal, não estava enxergando, só sentindo a limitação de movimentos.

Consegui ouvir o som do meu coração. Estava batendo devagar. Minha boca estava seca e as cortinas eram tudo o que eu tinha para observar. Não entendia por que haviam dez argolas de um lado e treze do outro. Por que não podia estar simétrica?

Ninguém aparecia para me ver. Sentia fome, entretanto, não me importava caso eles não quisessem me trazer comida. Era bom. Sabia que tinha perdido sangue, sem comida não dava para regenerá-lo. E também, acho que bebês não sobrevivem sem nutrientes. Espero realmente que eles também sintam fome.

Mamãe apareceu seguida por uma enfermeira. Seus olhos estavam inchados e parecia ter vindo às pressas. Seu cabelo esncontrava-se desgrenhado e seus batons de cores fortes já não estavam em seus lábios finos, agora secos e pálidos. Ela não sentou-se na poltrona ao lado. Ficou me olhando. Ela estava sofrendo, eu sabia. Diferente de mim, mamãe era corajosa e não se escondia debaixo de expressões falsas, se ela estava sofrendo, deixava a mostra sua dor, o que não quer dizer que ela se deixasse aparentar vulnerável. Naquele momento ela estava tão rija quanto uma rocha. Era evidente que havia chorado muito, suas palpebras gritavam isso à todos, mas ali, na minha frente, manteu-se impassível. Ficou uns dez minutos analisando meu corpo com o olhar.

Meu joelho estava à mostra, possibilitando ela de ver cortes, ematomas e arranhões por toda aquela região. Nos pés, círculos vermelhos, bolhas cor de carne, queimaduras que só poderiam ser provocadas por um contado estendido com brasa ou um objeto quente. Não adiantava de nada dizer que eram respingos de óleo quente, mamãe não era idiota, ela sabia que eram marcas de cigarro. Nos meus braços não haviam queimaduras, entretando cortes e manchas rocheadas constavam desde o dorso da mão até os ombros.

Ela não via, mas minhas costas estavam arranhadas, alguns pontos na carne viva. Meu ex-psiquiatra a havia orientado para não deixar minhas unhas grandes, só que ela estava tão certa de que eu havia me curado, de que estava tudo bem, que deixou de lado alguns cuidados.

Virou as costas para sair, dizendo com a voz fraca. “Seu pai está voltando”. “Oba, doces!”, quis responder, mas sei que se tentasse, minha voz não sairia.

Tentaram me dar comida, mas neguei. Eu cospia ou ameaçava vomitar tudo, não viram outra alternativa senão me deixar no soro. Nem água eu aceitava, tentaram me dar duas vezes, cospi tudo. Ficava perguntando à enfermeira que horas eram e ela apenas me ignorava, não podia falar comigo, eu era suicida.

Por mais que mamãe tentasse esconder o que acontecia ela não conseguia. Meu lindo sogro era médico daquele hospital e minha passagem por ali estava tão emocionante que praticamente era o assunto do lugar. “A garota suicida”. Aquilo era um caso raro ali, numa cidade pequena, de jovens saudáveis, tanto da cabeça quanto do corpo. Talvez eu até virasse manchete! Caso isso acontecesse, mamãe teria um colapso.

Não tinha notícias de fora do quarto, apenas sobre as pessoas que vinha me ver, mamãe, Kushina e Naruto. Recusava ver todos, nem mamãe queria mais. Sabia que estava sendo difícil para ela, não queria torturá-la. Mas um dia resolvi deixar Naruto entrar. Assim que vi a maçaneta girando eu olhei para o lado e puxei o ar, sentindo meu nariz formigar.

Ouvi seus passos, a cadeira sendo puxada, o suspiro pesado.

-Danone. –Ele chamou. Assim que ouvi sua voz rouca falhada, apertei os olhos tentando segurar ao máximo a dor da culpa que senti. Assim como minha mãe, ele estava sofrendo. –Deixa eu ver seu rosto. –Obedeci envergonhada. –Senti medo de nunca mais poder ver seu rosto. –Daí não segurei, nem ele. –Quando ia me contar?

-Não ia.

-Eu lhe estenderia meus pulsos! –Aproximou-se de mim e segurou minha cabeça. As lácrimas caiam dos meus dutos como goteiras em um teto, incontidas, molhando o lençol barato que me cobria. –Precisa ficar viva.

-Naruto, você não entende… Eu…

-Sua mãe me disse tudo. –Uma lágrima desceu pelo seu rosto de anjo. –Ela me disse tudo. –Abaixei a cabeça envergonhada. –Doeu. Acho que doeu até mais do que quando descobri que minha irmã estava doente. –Confessou. –Acho que você está certa, eu não entendo. Como você pode ter perdido qualquer interesse pelo que tem?

-Coisas ruins acontecem…

-Eu sei. Vamos resolver tudo juntos. –Me abraçou mais forte. –Você é minha pequena, não vou deixá-la nunca mais. –Chorava. –Nunca mais.

E nessa troca de gotas salgadas, promessas e sofrimento mútuo passamos as duas horas que o hospital cedia para visitas abraçados. Ele me esquentava, fazia o trabalho que os lençois finos não davam conta. Nosso coração parecia conversar um com o outro, o dele batia através do seu peito, o meu pulsava em resposta. Luzes apagadas, ruídos no corredor, suspiros, respirações controladas. Beijos tão suaves que pareciam sopros de um dia agradável onde o céu não tem nuvens. Ele era quente e estava passando isso para mim. Seus olhos azuis, agora inchados pelo choro, pareciam refletir exatamente os meus com uma simetria incrível, era como olhar minha dor ali. Naquele momento, na cama minúscula do hospital senti que eu o amava de um jeito que mal cabia em mim. Não queria ver o azul dos seus olhos fosco por minha causa, não, isso nunca. Olhá-lo, tê-lo ali tão próximo, me trazia uma sensação semelhante a que senti quando segurei Aidou no colo assim que ele nasceu.

Eu senti que o que eu Naruto e eu criamos era sólido, era mais forte. Sinceramente, não acreditava em amor, em nada do tipo, mas ele simplesmente me chacoalhou de um pesadelo e colocou propósitos em mim. Aquilo era injusto, nem Aidou, meu irmãozinho conseguiu esse feito. Será que eu precisava mesmo daquela porção de remédios e terapias? Naruto parecia ser minha cura. Seus olhos, oh, aqueles olhos que matavam aos poucos qualquer vontade de me martirizar. Era como me afogar em um mar de esperança. Fazia-me querer estar ali para fazer parte.

Ele beijou minha testa e eu senti seus lábios carinhosos. Aquilo foi tortura. Foi demais. Tudo o que eu queria era esquecer o bebê e esqueci quando ele estava ali. Esqueci. Assim que ele pisou os pés para fora, o mundo voltou a ser real, não tinha Naruto para salvar-me dos meus pensamentos.

-Chame mamãe. –Pedi, implorei, supliquei para a enfermeira. Mamãe chegou no quarto preocupada. “Que foi?”, assim parecia por obrigação. Por favor mamãe, entre de novo e faça direito, eu preciso da sua ajuda. –Mamãe, precisamos sair da cidade. –Ela suavisou a expressão, disse que já estava pensando nisso. Novamente estávamos nós combinando nossa fuga. Ela ainda acreditava que eu era como um móvel fora de contexto com a sala, que você mudava de local para causar um efeito diferente, um ar de novidade, mas não. Eu não era um móvel. Ela podia me colocar na China, não teria uma impressão diferente de mim, infelizmente. Eu era um móvel mal colocado, sim, mas não mal colocado no mundo. É como se saí da minha mãe do jeito errado. Nada se encaixa, ou melhor, eu não me encaixo.

-Seu pai chega amanhã. Falaremos com ele.

-Não fará diferença sua opinião…

-Não fale assim. –Suspirou. –Sabe que ele se esforça.

-Claro! –Ironizei. –Fica o mais distante possível.

-É difícil para ele…

-E para mim? Sou seu depósito de exaustão, pecados, expectativas e culpas!

-Pare! –Exclamou. –Chega! Amanhã ele chegará e vamos decidir o que faremos. -Caminhou até a porta. -Que péssimo presente de natal resolver nos dar! –Bateu a porta.

Já estava na hora de dizer a frase que mais estava temendo nessas últimas semanas.

Saí do hospital dia vinte e três, com os pulsos enfaixados, dois quilos a menos, mais remédios para tomar, seguida de olhares feios e do meu pai. Ele estava mais magro e abatido, não disse nada para mim e evitava olhar as pessoas diretamente nos olhos. Dirigia para casa, mas parecia naõ prestar atenção no caminho como ele costumava fazer sempre que vinha para a cidade. Ele era caminhoneiro, vivia viajando, por todo o estado, às vezes por toda uma região do país. Voltava para casa a cada quinze dias ou mais. Ganhava bem, trazia coisas interessantes das estradas para mim e para Reira, minha irmã feia, como se presentes preenchessem o vazio que ele deixava. Talvez preenchessem o vazio de Reira que não sentia mesmo sua falta(papai partiu o coração de Reira e ela o desconsidera desde então, longa história, um dia lhe conto), mas o vazio que ele deixava em mim e em mamãe não dava para complementar.

Papai era um homem bom, mas fraco. Era egocêntrico, burro e severo. Ele fugia de mim, pois o fato de ter uma filha doente o fazia sofrer, por isso que ele arranjou esse emprego de caminhoneiro. Sentia-se seguro em nos deixar aqui, sozinhos, uma mulher, uma filha moça e duas crianças, achava que sua postura imponente e o dinheiro que nos mandava garantia tudo, toda esse egocentrismo o deixava cego para não perceber o que mamãe fazia com ele. Coitado. Nem sonha. Quando descobrir, se descobrir, é capaz de matar ela e todos os outros que deitaram-se no lado direto da sua cama.

Talvez ele me matasse por eu saber e não ter lhe contado. Espero que ele seja maturo o suficiente para entender que esses são assuntos de adulto e que não me dizem respeito. Que culpa tenho eu de ter flagrado mamãe inúmeras vezes com aqueles homens?

Ela diz que a culpa é minha mesmo. Se eu não fosse louca, papai não fugiria de nós e continuaríamos morando em nossa cidade, ele com seu emprego na faculdade e com seu lugar garantido entre as pernas magricelas de mamãe. É, talvez a culpa seja minha, mas consciência e o caráter são dela. Shizune me disse isso em uma das consultas. Sabe, eu sou o depósito dela. Esse é um fato. Não posso mudar. Pelo menos não até completar meus dezoito, só que sou um depósito cheio, não cabe mais nada, daí eu me corto, o sangue leva as cargas em excesso, a dor me distrai das lembranças e responsabilidade que ela, minha mãe, cismou em enfiar em mim mim guela abaixo.

É tudo muito injusto, mas você se conforma. Você se acostuma.

Eu amo minha mãe. Ela me dá serventia. Ela faz com que eu não me sinta inútil, afinal de contas.

Campainha. “Entre”, mamãe disse com a voz baixa, parecia meio envergonhada. “Sakura, Sasuke veio lhe visitar”. Não preciso dizer que meu coração falta subir para a boca sempre que ouço o nome dele, não é? Ele me dá uma sensação de medo, perigo… Em pensar que eu antes o recebia com o melhor dos meus sorriso. Eu sempre gostei de Sasuke. Ele era um bom amigo. Coloquei um casaco para tapar os curativos no braço e fui até a sala.

-Oi. –Disse forçando um sorriso.

-Eu vim ver como você está. –Disse desconcertado.

-Que gentil da sua parte! –Mamãe comentou. Às vezes tinha impressão de que ela queria dar para o Sasuke também de tanto que o paparicava. Do jeito que ele era galinha, bem provável que aceitasse.

-Estou bem. –Disse. Esperei que com isso ele se virasse e fosse embora, mas o infeliz ficou lá, olhando para os sapatos.

-Que bom. Ahm… Eu trouxe anotações das últimas aulas para você.

-Oh, muito obrigada Sasuke! –Mamãe agradeceu por mim. Será que ela adivinhou que eu não iria dizer “obrigada”? –Veja Sakura, tem gente que ainda insiste em você. –Que desnecessário. Aquela frase, que Shizune costumava classificar como “frases para incentivar suicidas a querer viver”, ficou na sala como o cheiro de um peido. Deixou todos constrangidos.

Como Sasuke parecia não querer ir embora, o convidei para ir ao meu quarto. Ele queria conversar, eu sabia. Será que escolheu uma solução.

Ao entrar no meu quarto, tranquei a porta enquanto ele abriu o caderno que trazia embaixo do braço e o sacudiu em cima da minha cama, deixando cair uma porção de notas de dinheiro.

-Que isso? –Perguntei cunfusa.

-Dinheiro.

-Isso eu sei, quero saber por que está o jogando na minha cama.

-Para o aborto. –Falávamos em um tom muito baixo, em sussurros, mas assim que ele pronunciou “aborto”, pareceu soar tão alto que agrediu meus ouvidos, bateu nas paredes e voltou aos meus ouvidos novamente com maior impacto.

Eu pensava em aborto como uma opção, mas vê-la como a solução, definitivamente, na minha frente, não… A primeira coisa que se passou na minha mente foi Aidou.


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Notas finais do capítulo

- Here we say goodbye