Break Of Dead escrita por Write Style


Capítulo 14
(V 2) | Capítulo 7 - Hope




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A porta fez-me o corpo estremecer e quase que me acordou a alma. Mas foi quando olhei para lá e vi os longos cabelos de Emily… não, de Allison… os da Allison são negros e os da Emily ruivos. A faca caiu instintivamente para baixo e lancei-a para longe. Aquilo acordou-me de alguma maneira, ela estar ali novamente com ar de quem não cumpre as regras, seguida por Anthony, também sempre a olhar para a porta desconfiado.

– Bruce? O que estás a fazer? – Disse a voz feminina.

“Eu não posso morrer.” – Convenci-me. – “Não agora… tenho de ajudar os meus amigos!” – Nada… nada… O que estão vocês a fazer aqui? – Perguntei-lhes, quando a rapariga parecia estar mais interessada em procurar feridas em mim.

– Eles trouxeram andantes. Tu… conseguiste? – Questionou-me surpreendida.

– Porque não haveria de conseguir? – Ainda me doía o corpo. Mas tinha de me forçar a levantar. O que me terá passado pela cabeça perder a esperança na vida? Ter ido quase longe demais só aumentava o meu ódio por aquele Sebastian e Harold…

– Até agora todos morreram assim que eles trouxeram os andantes. – Foi Anthony que respondeu. – Eu tinha-lhe dito, mas ela não acreditava que tivesses escapado a tudo o que o Harold fez contigo.

– Eu quero tirar-te daqui. – Olhei-a nos olhos, surpreendido. Ela parecia estar a falar a sério.

– Queres? Mas mesmo á tempo atrás disseste…

– Eu… não posso mais permitir que isto continue. Já passaram pessoas demais pelas minhas mãos que depois foram chacinadas por eles. Não… posso permitir que eles continuem a matar pessoas só porque estão naquilo que eles dizem ser a sua área. Eu nunca aprovei… mas tinha medo, tenho medo… e não podia revoltar-me. Mas existes tu e o asilo e aqueles que são teus amigos. O Sebastian diz que são muitos e vocês não são como eles, eu quero ficar convosco… - Ela falava muito apressadamente e eu via que estava nervosa. Agarrei-lhe a mão para que se acalmasse.

– Está tudo bem, eu compreendo. Isso quer dizer que conseguimos fugir daqui a tempo de chegar ao asilo antes deles?

– Se sairés hoje, sim. – Entretanto, olhei para Anthony.

– E porque está ele aqui?

– Eu também não aprovo muito do que o Suspiro da Noite faz por ai. Mas acolheram-me enquanto grupo e eu não tinha mais nada que isto. – Respondeu-me ele, mas Allison continuou.

– O Anthony é o meu melhor amigo nesta comunidade de assassinos e ele não é como os outros. Conhecemo-nos quase quando eu cheguei e secretamente pensei que um dia fugiria com ele para longe daqui… E agora é a altura perfeita, muitos dos homens daqui estão no terreno e a comunidade em si tem menos gente.

– É arriscado, mas existem menos guardas a patrulhar que nunca. – Concluiu ele, continuando atento á porta e acabando por a fechar depois. – E o Sebastian vai partir dentro de minutos, ele quer chegar lá rapidamente, mas acho que vai estabelecer um acampamento pelo caminho, repousar e depois continuar pela manhã.

– Então… não temos tempo a perder… - Levantei-me com todas as minhas forças. Estava cansado e dorido, mas isso não me impediria agora. A minha força de vontade fala mais alto. Quase cai, mas apoiei-me à parede e rejeitei a ajuda de Allison. – Como é que me vão ajudar?

– Nós… não podemos desaparecer daqui assim do nada… - Ela estava nervosa e foi ele que teve de continuar.

– Sabemos uma ruela onde quase nunca à guarda. É por lá que te vamos fazer sair. Quando lá chegar-mos pensamos no resto.

– Onde está o Harold? – Aquela minha pergunta apanhou-os desprevenidos.

– O Harold? Para quê? – Questionou-me a rapariga.

– Responde-me! Onde ele está? Isso fica perto da ruela?

– A casa onde ele fica está a alguns metros da ruela. Pera lá Bruce, não estás a pensar lá fazer uma visita. – Anthony pareceu ler-me os pensamentos. Aquele cabrão iria pagar por tudo o que me fez passar… Todos os malditos Suspiro da Noite iriam pagar, mesmo que eu não os conhecesse… Todos menos aqueles dois, que mostraram ter coração. Sem eles estaria perdido sem sombra para dúvidas.

– Estou.

– Não, por favor. – Allison agarrou-me o ombro, para me impedir ir para a frente. – Eu sei o que ele te fez, eu estive presente em situações vezes demais para não compreender. O ódio é grande Bruce… mas por favor não deixes que a vingança te impeça de fugir. Estas é uma oportunidade de ouro que não teremos tão rapidamente e teremos tempo até de ajudar os teus amigos no asilo. Por favor…

Aquela voz… Á muito que não ouvia Emily falar… mas ela não era Emily! Porque será que eu a confundo sempre? Estarei paranóico? Ou a maneira de ser daquela rapariga de cabelos negros e a sua forma de falar, me fazia relembrar o que em tempos era o meu dia-a-dia? Não poderia arriscar… Ela tinha razão, toda a razão e por momentos deixei que a raiva me limpasse os miolos do que realmente importa: Marcus, Dennis, Marie, Brian (Se estiver vivo…), Chris, Liza… todos.

– Tens razão. Tirem-me daqui…

***

Anthony seguiu sempre em frente para conseguir localizar onde poderia haver guarda naquela noite. Quando voltou nem falou, gesticulando apenas o avançar com os lábios e mexendo as mãos para a frente e para trás, de maneira a que o seguisse.

A noite já estava escura, mas os meus olhos não tinham tido muita luz nos últimos dias. Dizendo a verdade desde o jantar no quarto da família Jordan que a luz artificial voltou a desaparecer para mim, logo a minha visão poderia estar a necessitar novamente de se adaptar, mas levou muito pouco tempo para que conseguisse contemplar a faixa de rodagem e os contornos das casas.

Encostei-me a um carro com Allison assim que ele voltou a partir à vista de possíveis perigos. A rapariga mantinha uma respiração bastante ofegante pelo que eu ouvia e isso só me indicava que ela continuava nervosa com isto tudo. Poderia dizer-lhe algo como “vai correr tudo bem” ou “quando chegares ao asilo terás como que uma nova vida”, mas não sei porque isso nem me convencia a mim. Só voltando lá é que sentia a esperança novamente. A minha vida agora era apenas um fio a caminho de um futuro incerto, por mais triste que soe.

– Não se mexam. – A voz foi-se aproximando, mas ainda estava distante assim que se começou a ouvir. – O Greg está p´ra ali. Temos de escolher outra rua.

– Mas as outras também têm guarda esqueceste-te. Esta, mesmo assim, é a menos vigiada. – Comentou a médica.

– Tens razão. Tenho de o distrair enquanto vocês passam.

– Qu…eres que eu o faça? – Claro que Allison não passava nem uma única vez a imagem que queria realmente fazer aquilo.

– De´xa comigo miúda. Ainda te saltava o coração pela boca. – Mesmo na noite ela corou. – Vou meter conversa e assim que ele estiver centrado em mim, arranjem maneira de passarem sem ele estar a ver.

– Ok. – Respondi, acenando. Parecia a melhor coisa a fazer. E assim ele partiu, mas desta vez com a besta nas mãos a caminhar ruidosamente com as botas, como alguém normal a andar pelas ruas faria. Não demorou muito a que a lanterna que Greg tinha se apontasse para o seu corpo. Nesse momento, comecei a ver por onde poderíamos ir.

– Hey. – Anthony acenou-lhe enquanto se aproximava do capô do carro onde o mulato de mais ou menos 30 anos se sentava.

– Olá… que fazes tu aqui?

– Olha a merda… queres ver que nem posso andar pela rua?

– Sempre te tive como mais caseiro. – Enquanto a conversa entre eles se mantinha, espreitei a primeira vez devagar para fazer o ponto da situação. Naquele momento Anthony estava a fazer um esforço para que o homem se virasse completamente contrário a nós, mas só conseguiu que ele ficasse de lado para nós, o que já ajudava algo. Fiz sinal para Allison, ao indicar-lhe que teríamos de chegar à parede de uma das casas mais à frente, perigosamente perto de serem descobertos pelo guarda, mas a única hipótese de continuar pelo caminho que tinham planeado para a fuga.

Primeiro fomos quase a rastejar, até que com o apoio das mãos me levantei e fiquei numa postura baixa a andar no meio do nada, sem que qualquer objecto impedisse descobrir que estávamos a passar por ali. Ao menos era de noite e a única fonte de luz era uma fogueira feita por Greg, perto dele e do carro, com o intuito de o aquecer decerto. Eu podia ser o aleijado e cansado do grupo, mas cheguei à parede bem antes da rapariga médica. Ela andava mais lentamente e com a luz do luar eu podia ver bem o seu rosto assustado. Fiz-lhe movimentos com as mãos de maneira a apressá-la.

– Não deixaste aquela tua amiga voltar a ajudar o prisioneiro pois não? O Harold deixou o miserável para morrer, não podemos agora andar por ai a desobedecer a ele. – Comentou Greg, quando Allison ainda estava a meio caminho no canteiro de flores da moradia mais perto.

– Ele não é líder nenhum… - Ouvi a voz de Anthony retorquir. – Mas não me meterei nesses assuntos.

Nesse mesmo momento ela caiu, ou desequilibrou-se, ou o raio que o parta e a queda produziu um suave batuque em relva. Mesmo do fundo a espreitar do meu esconderijo, vi como o guarda se mostrou interessado no som.

– Ouviste? – Disse e eu vi a arma que possuía em mãos levantar.

– Ouvir? Eu não ouvi nada. – Deveria ser mais que óbvio que o saloio estava a mentir de propósito. – Não me digas que agora também imaginas coisas?!

– Cala-te! Eu sei que ouvi algo a cair! – O mulato saltou do capô. – Deve ser um mordedor qualquer que se aproximou da nossa área. – Anthony parou a sua caminhada a meio.

– Importaste que seja eu a tratar disto? Estou a necessitar de prática…

– Também eu! Tu ao menos ainda mexes o cu até lá fora de vez em quando, eu contento-me a passar noites a olhar para o céu estrelado e a pensar em mamas de mulheres que nunca mais aparecem! – Riu-se, mas Anthony insistiu.

– Vá cala-te masé. – Avançou e eu esperava que Greg não o seguisse. Ao menos nisso estava certo.

Baixei-me pois o homem poderia estar agora a olhar na direcção deles mas mesmo sentado continuei a dizer como Allison prosseguir. Mandei-a continuar deitada e rastejar tanto quanto conseguia. Ao mesmo tempo o seu amigo retirava a besta das costas e preparava uma seta. Não poderia esperar mais e assim, o mais baixo que pude avancei novamente na escuridão para perto dela, fazendo-a avançar e ficando eu pelo caminho. Não tive mais escolha que anunciar ao Anthony onde estava. Era um plano arriscado, mas não tínhamos mais hipóteses.

– Grr. – Tentei produzir o som o melhor que pude, colocando as mãos em cone na boca para que fosse mais longe. Tinha ouvido zombies a mais para não saber como eles “comunicavam”. – Grrra. – O meu coração batia a mil. E se Anthony pensasse mesmo que eu era um deles? Acabaria eu com uma seta na cabeça? Respirei fundo, engoli em seco e mais uma vez grunhi.

Ouvi o engenho a disparar e prendi a respiração nesse meio segundo. A seta passou mesmo de raspão pela minha cabeça. Olhei para cima e vi que Anthony olhava-me nos olhos e tinha percebido. O tiro foi propositado. Abanou a cabeça como se me mandasse embora e depois pegou a seta pregada no chão, regressando para perto do carro e de Greg.

– Então? – Enquanto me levantava ligeiramente e ia com a maior rapidez possível para o lado de Allison na parede mais próxima, o mulato continuava interessado no barulho e na confirmação do mesmo.

– Era um comedor mesmo. Já não nos temos de preocupar com ele. – Não avançou todo o caminho. – Eu vou dar uma rusga por aquele lado e ver se existe mais algum por ali. Mantem a guarda aqui para o caso de aparecer algum.

– Ok. – Quanto áquilo pareceu não levantar objecções. Até ofereceu a Anthony uma lanterna para ele ir. Claro que a usou durante o tempo suficiente para lhe sair da vista. Continuar com a luz ligada alertaria as outras pessoas para a nossa presença em fuga.

Conseguimos avançar dois quarteirões e sem dar por isso, tinha finalmente chegado a um fim de estrada, como que um beco sem saída. Anthony mexia-se na escuridão, ao retirar algo da mala que trazia às costas e coloca-la nas minhas mãos. Demorei meio minuto a perceber que o material que estava a carregar era a minha Desert Eagle.

– Pensei que gostarias de a ter de volta.

– Obrigado. – Sussurrei em respostas, enquanto ele já estava a dar-me indicações ao apontar para a frente, incluindo a lanterna de Greg nos objectos que me deu para sobreviver lá fora. – Saltas a cerca aqui e corres alguns metros para a frente. Abandonas logo o acampamento. Não ligues a lanterna perto daqui, eles podem ver a luz.

>>Se eu for vou chamar muitas as atenções e eles podem logo vir atrás de nós. Não vão directamente para o asilo. Eu vou descer tal como vocês e apanho-vos pelo caminho. Amanhã pela tarde estou com vocês e nesse mesmo dia chegamos lá, talvez antes mesmo do Sebastian. Allison, tu vais já com ele, como podes ter percebido.

– O quê? – Parecia atrapalhada. – Mas o plano era eu sair depois contigo!

– Quanto mais penso nisso, mais vejo que é muito mais arriscado que este novo plano. Além do mais, o Bruce está ferido, tens de o ajudar se ele necessitar de algum cuidado. – Anthony agarrou-a pelos ombros com as mãos. – Acredita em mim e esperem por mim. Eu estarei a caminho pela manhã, depois de eles darem pela vossa falta. Posso arranjar uma desculpa, como sair para vos procurar, pois eles acreditam em mim.

– Eu sei… - Mas dava para ver que ela não queria.

– Allison. – Tive de me esforçar por dizer. – O que ele diz é verdade… Eles viriam logo atrás de nós se os três saíssemos, ainda para mais depois do falso zombie desta noite. Existe uma maior probabilidade de nos apanharem sem vocês dois mais conhecidos desaparecessem do nada. Assim eles podem demorar mais tempo a perceber. – A rapariga pensou por algum tempo, quando finalmente acenou.

– Promete. – Respondeu, olhando o colega.

– Prometo. Agora vão antes que sejam apanhados. – Deram um abraço e depois eu segui em frente para a cerca, de maneira a passa-la. Doía-me bastante os músculos, mas consegui passa-la e até ajudar a médica a faze-lo depois.

***

Afastarmo-nos não foi a parte difícil. Como eles tinham dito o campo aberto e as zonas não-urbanas estavam de regresso, mas em noite corrida, eu sentia uma certa dificuldade em perceber onde metia os pés. Foi por isso que quando uma pedra se meteu no meu caminho, tropecei e quase cai, não estivesse Allison à minha frente para tentar suportar o meu peso.

– Desculpa… - Assim que voltei a sentir o equilíbrio, afastei-me do corpo dela. Aproveitei para olhar em redor. Só árvores. – Estamos longe?

– Penso… que sim. – Tal como receava ela pouco sabia do caminho que estávamos a seguir. Parei de andar para recuperar ar, mas também para falar com ela. – Não avancemos mais. Podemos perder a direcção e o Anthony nunca mais nos encontra.

– Então, vamos ficar aqui? – Respondeu ela, dando uma vista de olhos, insegura.

– É tudo o que temos por hoje. Mas já á algum tempo que não tenho um local bom para pernoitar, não vou estranhar. – Pensando agora bem acho que nunca tive uma noite ao relento como aquela. Havia sempre um carro, uma casa abandonada ou um asilo para me proteger das dentadas esfomeadas da infecção que se espalhara por todo o lado, mas neste momento tudo o que eu e Alisson temos é um chão de ervas rasteiras e uma noite de lua cheia numa clareira que colocava calafrios em qualquer um. Antes poderíamos imaginar criaturas fantásticas e mitos urbanos a saírem daquelas árvores em nosso redor, mas não era isso me metia mais medo, pelo contrário era algo muito mais real. Em tempos se me contassem que a qualquer momento um zombie iria sair dali para nos atacar e talvez comer, eu tinha-me rido e dormido como uma pedra. Hoje não me parecia algo tão sensato a fazer.

– Quando o Anthony e os outros saem para explorar estas florestas, geralmente encontram menos de dois andantes… Eles não andam muito por aqui, mas… - Eu sabia que ela continuava a temer bastante estar ali aquela noite, mas não poderíamos aumentar ainda mais a nossa distância do perímetro do meu grupo inimigo, ou o saloio não nos encontraria nem que corresse toda Centreville.

– Eu sei, não podemos distrair-nos. Posso ficar de guarda enquanto dormes um pouco. – Ela olhou-me sem se mexer ou expressar. – Confias em mim certo? – Devido à sua reacção, cheguei a pensar que ela não estava plenamente confiante em mim e na minha pessoa.

– N… não! Bruce, for favor… eu sei que… és uma boa pessoa. – Atrapalhada, aproximou-se de mim. – Mas eu não quero dormir. Sabes… com os Suspiro da Noite, eu nunca tive alguém com quem conversar… para além do Anthony claro! – Desviou o olhar. – Mas ele sempre esteve na mesma situação que eu. Necessito de falar com alguém… de fora, compreendes? Alguém que tenha passado por outras experiências, mas ao mesmo tempo alguém que compreenda aquilo que eu sinto.

– E tu achas que eu sou essa pessoa?

– Desde a primeira vez que te vi e que falaste comigo. – Respondeu ela, voltando a olhar-me.

E ai os nosso olhares cruzaram-se mais que apenas segundos. A mim pareceram-me minutos. Ao fim de algum tempo a minha boca mexeu-se como que se quisesse sair daquela estranha situação.

– Muito bem. Também não tenho assim tanto sono. – Mentira. Estava a morrer por umas horas de sono bem descansadas para me recompor de tudo o que passei naquela cela e naquela maldita cadeira. De qualquer forma, não podia negar o que Allison me pedia… Ou pelo menos… eu não lhe queria negar isso. – Vamos falar.

Sentei-me no chão, com a Desert Eagle bem perto das pernas, sem nunca perder de vista o fim da clareira e o que poderia aparecer por detrás daqueles arvoredos negros. A rapariga fez o mesmo, cruzando as pernas e ficando frente a frente comigo. Estava cansado física e mentalmente, mas aquele tempo fez-me mesmo muito bem. Partilhar os sentimentos com Allison foi a melhor coisa que pude cumprir desde que me afastei dos meus amigos, porque voltei a sentir que tinha alguém, mesmo que recentemente conhecida. Falamos primeiro das nossas perdas, das saudades de casa e dos empregos, de como a comida sabia bem de manhã ao pequeno-almoço, ou das noites mal dormidas com direito a uma pequena ceia. E quando a conhecia melhor, mais percebia que Allison tinha passado quase o mesmo que eu, exceptuando a situação de que eu conseguira ficar com alguém minimamente conhecido, como os meus alunos de condução e ela perdera tudo o que para si era o mundo normal.

Viajou bastante em pouco tempo, tal como eu e sentia-se vulnerável neste mundo, como se não tivesse controlo. Isso era uma das coisas que também mais me assustava.

– Sinto-me… perdida. – Suspirou de cabeça baixo, enquanto passava a mão sobre o cabelo negro. – Já não conheço nada, perdi a rotina e eu sempre tive uma. Agora os dias parecem eternidades e nada normais, como se de um dia para o outro, fossemos outras pessoas. Já alguma vez tiveste de matar alguém Bruce? – A pergunta apanhou-me desprevenido, mas acho que demonstrei estar à altura e não me atrapalhei.

– Sim, infelizmente sim. Chamava-se Claire e tinha uma filha que cuidava, depois de isto tudo acontecer. A filha morreu pouco depois de eu a conhecer e a mãe perdeu-se e perdeu a razão para viver. Tentou suicidar-se no asilo e caiu de um andar alto, mas sofreu bastante e não morreu. Eu… tive de acabar com a sua miséria, antes que ela se tornasse um deles, sabes? Foi uma necessidade… eu pelo menos vejo como isso, mas já nem sei se isso é bom ou mau. Não penso que o Sebastian e o Harold sejam as únicas pessoas com um pensamento maléfico por ai. Nós apenas ainda não os conhecemos, mas quem sabe, por ai fora, tal como nós, pessoas estejam a sobreviver e a adaptar-se, de uma forma ou de outra.

– Sim, também já pensei nisso. É assustador pensar que já não existem… regras para seguir, que todos podem fazer o que querem. Eu… já tive de matar… - Não demonstrei muitos os meus sentimentos, pois não sabia as circunstâncias. De qualquer forma mortes já não são consideradas crimes, mas sim algo mais importante, sobrevivência.

– Nem vou perguntar o quanto difícil foi.

– O problema está ai, foi fácil demais. – Os olhos brilhantes mesmo ao escuro davam um relance do seu aspecto em cristal. - Foi mais uma das vítimas do Harold… Quando ainda tinha alguns produtos médicos, ele obrigou-me a usar um tipo de veneno usado em pequenas quantidades para fazer terapêutica numa pessoa, mas… tive de usar doses exageradas. Ele… não me deixou sair dali até que a agulha já nem tivesse uma gota de veneno e depois… depois... – Começou a chorar e soluçar e eu dei-lhe alguns segundos, até que me arrastei cheio de dores para a confortar. Passei-lhe o braço por cima do pescoço e tentei passar-lhe alguma segurança com a minha força. – Fiquei a assistir à sua agonia até morrer e voltar. Por favor Bruce, tens de levar-me contigo! Eu sei que vocês não são como os Suspiro da Noite, eu sei! Necessito de voltar a encontrar alguma humanidade. – Tão sensível e delicada, como Emily. Começava a pensar se não estaria a ficar cego e todo este tempo tivesse estado com a minha noiva.

– Allison, olha para mim. – E ela olhou, com os olhos em lágrimas. Tinha-a conhecido á cerca de dois dias, mas foram os dois mais longos da minha vida- Parecia que a conhecia desde sempre. – Eu estou aqui, nós estamos aqui. Nós vamos chegar ao asilo e prometo que voltarás a ter toda a humanidade que ainda seja possível neste mundo.

E mais uma vez os nossos olhares cruzaram-se e prolongaram-se, aproximando-se.

– Obri…gado. – As nossas faces estavam cada vez mais próximas e eu vi Emily novamente, mas desta vez à minha frente, com os seus lábios a milímetros de se cruzarem com os meus. O beijo foi prolongado e cheio de fogo, tal como os cabelos ruivos dela, ou negros… nada interessava.

Senti a mão dela a deslizar sobre a minha virilha, mas não me importei, estava cego de paixão, a pedir por amor e carinho. Umas vezes sabia que era Allison e não a Emily que eu perdera á meses, mas mesmo assim isso não me impediu de a despir e sentir algo duro nas calças. Não sei se foi o tempo que estive privado daquelas sensações, ou apenas a excitação de conseguir imaginar que aquela era mesmo a minha noiva que eu segurava nos braços, mas foi uma noite inesquecível.

E quando terminámos, tudo o que lhe consegui dizer entre o último beijo ofegante foi:

– Obrigado por me devolveres alguma esperança.

Ela adormeceu do cansaço pouco depois, mas eu não. A noite até que estava agradável e mesmo que algo fria, o calor dos nossos corpos mantiveram-nos quentes por algum tempo. Levantei-me ainda completamente nu e afastei-me de Allison devagar para não a acordar. Mesmo assustada pareceu conseguir arranjar algum conforto naquele chão, por debaixo daquele manto que trouxera na mochila.

Procurei os boxers na confusão da roupa e vestiu-os, procurando depois o resto das minhas desgastadas roupas para as colocar no lugar. O resto da escuridão passei ora entre as sombras das árvores, á procura de movimento de zombies, ora pegados nos cabelos pretos da médica. E do nada pareceu amanhecer cedo demais. Eu pedia para que aquela noite nunca chegasse ao fim, pois o amanhecer fazia-me voltar a encarar a verdade do mundo. Mas ao fim de algum tempo o sol apareceu no horizonte e a clareira foi iluminada aos poucos com alguma luz quente.

A realidade voltou a mim, como uma pedra que cai de chapão na água de um rio. Não o que aconteceu entre mim e Allison, isso de alguma maneira deixou-me um estado mental mais optimista, mas sim a situação em que nos encontrávamos. Os mordedores, a quase extinção humana, ou algo muito próximo a isso, os Suspiro da Noite, o asilo e todos os que lá corriam perigo. Enquanto estive com a médica, tudo isso desapareceu e agora a minha cabeça voltava para ir buscar essas dolorosas lembranças. Não quero ser egoísta, mas preferia milhões de vezes mais continuar na ignorância, como se de nada soubesse, como se tudo estivesse bem. Mas não o podia fazer. Se não fosse por mim, pelo menos pelo meu grupo.

Até que a rapariga finalmente acordasse, coloquei-me com a arma em mão e espreitei vezes sem contas para as aberturas na floresta que davam àquela clareira. O meu estado mental do dia anterior deixou-me com pouca percepção que se Sebastian viesse por ali, seria bastante fácil encontrar-nos quando não fizemos esforço nenhum por nos escondermos. Para mais nem ligamos aos zombies por um tempo, o que foi outro erro burro e irracional. Bem, o que posso fazer? Estou esgotado com tanta correria, tortura e pessoas idiotas…

– Já acordaste? – Allison estava a levantar-se e a bocejar.

– Não cheguei a dormir grande coisa. – Confirmei-lhe, quando dava meia volta e a encarava.

– Desculpa aquilo de ontem…

– Mas o que à para desculpar Allison? – Não conseguia entender o quanto ela se sentia culpada ou atrapalhada para tudo. E também não sei dizer o porque de não me importar nem um pouco com isso. – Ambos necessitávamos de alguém… penso que está mais que obvio.

– Pois… Mas… - Calou-se quando soou algo parecido como folhas a serem esmagadas debaixo dos pés. Vinha de este e eu fiz um movimento no sentido contrário para que nos abrigássemos na outra ponta daquela floresta de árvores. E mesmo com tantas dores e ferimentos, tive de fazer um esforço para correr.

Podia ser qualquer coisa, mas o que mais temia que aparecesse entre as folhagem não era um zombie… Suspiros davam-me agora tanto mais medo que isso, se é que me entendem.


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