Talvez Seja Mesmo Uma História De Amor escrita por Anne Diogo


Capítulo 2
Capitulo 2 - Dr. Mierzwiak Zetkin


Notas iniciais do capítulo

Esse capitulo será mais longo. Peço que prestem atenção em cada detalhe dessa história, em cada capitulo, pois no final, tudo será encaixável !
Beijos ;*



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Durante todo trajeto até a passagem das Petites-Écuries, onde ficava o escritório de seu psicanalista, lá estava aquele enorme e vintage aparelho preto e anguloso apertado contra seu peito. Esse bairro tinha uma característica peculiar que lhe agradava, como o bairro onde trabalhava ele possuía grandes quantidades de passagens que davam chances de escapar da movimentação de algumas ruas. Estava lá o cantinho dele, no empoleirado terceiro andar do prédio, na quina do pátio. Mesmo visitando há anos esse consultório, só agora se perguntou o porque o nome era “Lacuna Inc.”, mas não aprofundou seus pensamentos pois havia uma lacuna mais importante para ele resolver, a lacuna chamada Clementine, não necessariamente lacuna mas uma interrogação.

Era uma construção típica parisiense, modelo antigo, fachada cor cru com ricos detalhes, na sacada parapeito de ferro negro também rico em detalhes, mas suas grandes janelas e portas vermelhas que davam certo charme ao local. Vergile adentrou as portas e se direcionou as escadas, na sua coleção de manias e fobias existia mais essa, claustrofobia, não suportava elevadores, mesmo esse sendo daqueles modelos antigos, abertos. Raramente entrava em elevadores e quando acontecia este deveria possuir um espelho e não estar cheio, ele só admitia dividir o elevador com no máximo duas pessoas.

Chegando ao terceiro andar, virou à esquerda e direcionou-se para a sala do Doutor Zetkin, Sala 301. Na sala de espera havia uma jovem (com calça e paletó pretos, os cabelos formando um belo e ruivo rabo de cavalo), última paciente do dia, folheava uma revista que tinha como enunciado principal “QUE TIPO DE AMANTE VOCÊ É? FAÇA NOSSO TESTE!” Estava assustada e apreensiva, tanto em relação ao assunto de sua revista quanto àquele homem maluco que dividia a sala com ela e estava abraçado a uma secretaria eletrônica velha. Mesmo assim não largou sua revista, ao contrario, escondeu-se com ela. A porta do consultório abriu e o doutor a chamou, apenas viu-se sua mão, grande e branca. Dr. Zetkin era um homem já “coroa”, aparentemente possuía entre 40 e 45 anos de idade, cabelos grisalhos com um corte clássico para seu cabelo ondulado, sempre de jaleco branco, possuía seu charme, alto, nem magro, nem gordo, bastante simpático, mas o Vergile não apreciava nada disso.

Enquanto esperava Virgile, cantarolava o ultimo jingle que ouviu na agencia. A trilha sonora do consumismo, a melodia da publicidade, o acalmou apesar de apenas falar sobre, iogurte e seus benefícios para a saúde. Costumava antes de entrar no consultório fazer um roteiro de seus problemas, repassando as angústias do momento, relacionava os assuntos abordados, sempre se preparava como se estivesse indo para um debate, preparava argumentos para uma retórica infalível e respostas bastante afiadas, para possível réplica. Mas dessa vez não possuía nada, estava surpreendido e não sabia o que perguntar muito menos as respostas, então preferia abster-se de usar o cérebro. Depois de vinte minutos, dez repetições do jingle e várias batidas de pé, a jovem saiu com uma caixa organizadora preta, achou estranho, porém pensou ser um novo método de terapia, se distraiu e depois se importou mais com sua “caixa preta” e chegou a conclusão que nada estava fazendo sentido mesmo, então dane-se uma mulher está saindo do consultório com uma grande caixa organizadora.

– Olá, doutor.

– Oi, não me lembrou de nenhuma sessão para hoje.

– Er...

– Entre, verei na minha agenda – ele o interrompeu.

Pôs a mão em seu ombro e o convidou para entrar, Virgile não admitia essas proximidades de outras pessoas, apenas do doutor e de alguns amigos muito próximos, como Armelle, ele era bastante distante das pessoas, é o do tipo que chamariam de impessoal ou tímido.

O consultório era bastante tranquilizador, aconchegante e vintage, tons de marrom e vermelho eram a característica da decoração. Sentado em frente aquela grande mesa de madeira cor mogno, Virgile, observava seu médico analisar aquela grande agenda preta, tentou ler, mas não conseguia focar nada, parecia que sua vista estava embaçada.

– Não, não temos sessão hoje. O que o traz aqui Virgile?

Seu psicanalista era seu apoio, para ele era o ser neutro e estável do universo, nem amigo, nem inimigo, nem humano, apenas psicanalista, a única verdade absoluta que poderia existir e era dele que iria vir todas as respostas, inclusive essa.

– Acabo de ter um acidente – disse ele de forma dramática

– Ah. Que tipo de acidente? – replicou o doutor

– Um acidente com a realidade.

Mais do que qualquer provedor de dor física, a realidade é a grande provedora de feridas, danos e sofrimento, e ele agora estava sendo vitima desta. Virgile estava em surto, pôs a secretária sobre a mesa, alternado a sua geografia, coisa que ia contra as regras, mas Virgile nunca as respeitava. Ele deveria se deitar, e não sentar, no divã vermelho, não podia afetar a geografia do consultório, mas não o fazia. O doutor via isso como um sintoma e ele sabia disso, a verdade é que para o Virgile (e o Dr. Zetkin também) tudo era um sintoma, até mesmo a respiração seria um.

Com seu habitual rosto nada expressivo ele solta um “Hum”. Mas Virgile era entendido das nuanças de sua falta de expressão. Havia o neutro curioso, o neutro frio, neutro tranquilizador e o neutro “você esqueceu-se de me pagar”, todos eles expressados por apenas “Hums” e “Ahs”. Virgile em seu desespero desligou o abajur que ficava na mesa e ligou a secretaria eletrônica, (sim, todo esse “sintoma” estava parando na ficha de Virgile, por intermédio da caneta do doutor) apertou o botão de leitura e eis a voz dela.

– Hum, essa mulher o deixou, é isso que te traz aqui?

– Não exatamente.

– Então, o que o traz?

– Isso, - disse apontando para a secretaria eletrônica - mas ela não me deixou, não exatamente...

– Ela diz claramente, você que não quer aceitar. Virgile, sei que o tér... – O psicanalista foi interrompido pela indignação e os gritos dele

– Doutor, eu nem a conheço, como posso terminar com ela, se não me lembro de termos tido nada.

O doutor custou acreditar no que ele dizia, achou que ele estava se defendendo de um possível ataque a sua ferida sentimental, afinal de contas, ele conhecia a história desastrosa de sua vida amorosa mais do que ninguém e acreditava que ele foi mesmo deixado e independente do motivo da mulher, ela havia toda a razão, já que se tratava do Virgile! Mas dessa vez ele estava com razão e mais feliz por contradizê-lo.

– Não existe término porque não houve começo, não sei quem é essa pessoa, mas ela sabe quem eu sou e só não sabe que não é minha namorada.

– E como você se sente sobre isso? Ou melhor, interpreta isso?

– Não sei, acho que não quero interpretar. Apenas saber que tipo de loucura é essa.

– Hum... Isso já é um bom começo

Virgile naquele consultório se sentia como em um confessionário, então ele abria-se sem medos.

– Recuso acreditar que é um engano, ELA DISSE MEU NOME, que porra de nome é VIRGILE, que amada mãe em seu juízo perfeito daria um nome desses à um filho? Se é que é nome masculino. - bufou

– Um trote, talvez... – falou respondendo a sua própria pergunta

– E porque uma mulher desconhecida te passaria tal trote?

No meio da elaboração de uma resposta ao doutor, o celular de Virgile toca, por conta de seu apavoramento e distração esqueceu-se de desliga-lo. E chegando ao ponto auge de desrespeito às regras das consultas, decidiu atende-lo. Era Valentina, uma velha amiga.

– Tina, não posso falar agora, estou no médico. Não se preocupe esta tudo bem, é apenas a análise. O que? Eu lhe telefono.

Enfim, desligou. Nada estava bem, apenas ficava a olhar aquela decoração vintage e tentar achar sentido em sua vida. Suas mãos estavam úmidas assim como seu corpo, ofegava de desespero assim dificultando sua respiração, sua saliva parecia algo denso e difícil de ser engolido. Sentia se menos no mundo, parecia que estava desaparecendo após um forte impacto invisível.

– Era Tina, Valentina. Já lhe falei dela?

– Sim, faz parte da sua famosa lista de mulheres na qual você era apaixonado e viraram suas amigas. – Esse evento na vida do Virgile parecia rotina, toda amiga dele já fora sua paixonite.

– Ela acaba de saber que “Clementine me deixou”. - faz gesto com as mãos imitando aspas – E me convidou para um jantar de reconforto.

– Você tem certeza que nunca conheceu alguma Clementine? – Depois de ser quase fuzilado pelos olhos semicerrados de Vergile, o doutor sugere – Vá ao jantar, talvez isso alimente a verdade.

Virgile se encaminhou para a porta, enquanto andava até ela o tempo parecia inacabável, dando a ele a chance de se recordar da tal Clementine. Já havia meses desde o acontecido, numa festa na casa de Mary, que acontecia toda semana. Era sempre uma festa entorpecedora que possuía um alto nível sonoro que desinibia qualquer um, ate mesmo ele, mas não acreditava nem, lembrava-se de algo muito excêntrico. Lembrava que tinha bebido um pouco, Tina o puxava para lhe apresentar uma garota, seria a tal da Clementine, mas não se lembrava do rosto ou nada relacionado a ela, era como se fosse um borrão em sua memória, apenas se lembrava de que algo em seu cabelo lhe chamou bastante a atenção, mas não sabia o que era. Antes de sair contou de seu flashback ao doutor.

– Você talvez a tenha beijado e ela se equivocou.

– Não faz meu tipo, sou daqueles que trocam apenas aperto de mãos de um braço de distancia com mulheres. Principalmente quando estou acompanhado do álcool. Será que flertei com ela e isso nos levou à um caso amoroso sem eu perceber?

– Sou seu psicanalista e sei que você não é louco.

– Isso foi só para me acalmar?

– Não, você me paga pela minha objetividade e estou usando-a agora.

O seu celular tocou novamente, o doutor deu de ombros. Era Nelly, contava que Valentina havia contado sobre a ruptura. No meio de seu telefonema com Nelly o celular bipa indicando outra chamada, era Tina de novo. Ele terminou as duas ligações dizendo que ligava mais tarde enquanto olhava Dr. Zetkin fazer mais anotações, então ele decidiu voltar a sentar..

Tenso, Virgile desabafou.

– Não estou me sentindo muito bem – sentia-se nauseado

– Então descanse

– Descansar não resolve nada, talvez esse jantar sim.

– Nada se resolve.

Na mente de Virgile, o doutor Zetkin achava que com o tempo ele entenderia as coisas, mas na verdade o doutor estava preocupado, querendo saber como isso aconteceu, aquilo não era para estar acontecendo, nunca aconteceu aquilo. Virgile interrompeu os pensamentos e as anotações do psicanalista dizendo:

– Não sei se tem a ver, mas tenho tido umas tonturas nos últimos tempos.Eu me sinto nauseado.

Ele adorava sintomas, a doença sempre fora um refugio privilegiado, quando de sentia fora de controle, mas dessa vez era tudo mundo real e talvez fosse esse impacto com a realidade que o deixara mais desesperado.

– Você adora uma doença, não é mesmo?

– Só quero saber se estou bem, qualquer sintoma pode ser fatal.

– Serio?! – o doutor revirou os olhos

– Sendo precavido, poderia me prescrever alguns exames?

– Se é assim que você deseja, não vejo problemas...

Com sua habilidade bastante inútil de ler de ponta-cabeça, no formulário de exames Virgile pode ler, “TOMOGRAFIA”.

– Uma tomografia?! – disse ele arregalando os olhos e saltando de sua cadeira

– Não se preocupe.

Sim, “Não se preocupe” em qualquer idioma é a frase mais preocupante. Virgile olhou pela janela e a escuridão fazia parte da paisagem. Não queria ir embora, queria ficar ali, naquele QG (quartel general). O doutor abriu a porta e ele sai por ela como entrou, abraçado à sua secretaria eletrônica. Saiu e seguiu por caminhos movimentados, coisa que não gostava de fazer, naquele momento o que ele mais queria era se perder na multidão com medo de estar sofrendo em um sonho maluco e sumindo do mundo. Qualquer manifestação de vida era bastante valiosa.


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Notas finais do capítulo

Capitulo 2 finalizado...
Hum, sera que Clementine é mesmo real? O que o doutor sabe que o preocupou? O que não deveria estar acontecendo? Será que Tina pode ajuda-lo?
Fique ligado nos próximos capitulos:D



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