Resolvemos ir andando até uma praça próxima dali. No caminho fomos batendo papo.

L: e então me conte tudo.

G: não tenho o que contar.

L: mesmo?

G: mesmo. – respondeu me olhando com cara de desentendido.

L: bom, então me fale sobre a sua namorada, como
ela é, vocês ainda estão juntos? – não sei por que, mas a resposta que eu queria ouvir era não.

G: estamos.

L: legal, e como ela é, me fale sobre ela.

G: ela é bonita, e legal.

L: poxa descreveu muito bem. Qual o nome dela?

G: isso é segredo.

L: eu a conheço?

G: eu já te disse na carta que sim.

L: nossa quanto mistério com essa sua namorada.

G: combinamos que era melhor assim, namorarmos sem que ninguém soubesse.

L: aposto que deve ser uma daquelas fúteis da sala.

G: talvez... não adianta jogar verde que eu não vou dar nenhuma pistinha.

L: cachorro! – e dei um tapinha no braço dele de leve.

G: nossa, nem seu tapa dói mais.

L: vamos combinar uma coisa? Nunca mais fale isso.
Não gosto que fiquem me comparando com o meu antes e depois.

G: podia levar isso como um elogio.

L: mas não levo. Não por enquanto, ainda me magôo com tais comentários.

G: ta, parei!

L: e suas notas?

G: de novo?

L: é, já perguntei sobre isso. Ok, e o que estava fazendo ontem com seus amigos?

G: Bebendo!? – falou como se fosse óbvia a resposta.

L: só isso?

G: onde você quer chegar?

L: Gerard... – eu parei de andar e ele ficou me olhando esperando o que eu ia falar. – quando estive na sala da Alice ela me disse uma coisa e eu quero ouvir de você e eu espero que não minta.

G: já até imagino o que foi que ela disse.

L: você voltou pras drogas? – fui bem direta.

G: eu sabia!

L: fala Gerard. Você mentiu pra mim?

G: eu não voltei.

L: suas notas foram tudo abaixo de D, nada de A+ como me disse nas cartas.

G: eu menti sim, mas foi por uma boa causa.

L: boa causa? Que boa causa seria essa? Mentir pra mim pra eu ficar mais “tranqüila” – disse fazendo as aspas com as mãos.

G: não queria que voltasse por minha causa.

L: estou decepcionada com você.

G: eu não sei pra que você esquenta tanto com isso você nem é minha mãe.

L: mas sou sua amiga.

G: me esquece falou. – e se virou indo embora.

Não corri atrás dele. Uma hora ele acabaria voltando, eu acho.

No dia seguinte cheguei na sala de aula e Gerard estava no fundão sentado sozinho num canto com um casaco preto de capuz que escondia seu rosto. Eu não fui falar com ele e nem ele comigo. Deixei pra lá. Acho que essa raivinha dele ia durar por mais tempo que eu pensava.

P: bom turma, semana que vem é a prova, eu quero que vocês façam uma redação sobre como foi seu ano nesse intervalo e no nosso próximo tempo de aula gostaria que lessem aqui na frente. Podem sair. – disse o professor.

Aquele trabalho estava me matando, sentei no meu canto de sempre, os dos excluídos. Estava concentradíssima no trabalho, não tinha idéia do que escrever. Olhava pro papel em branco na minha frente e não consiga escrever nem ao menos o título. Foi quando alguém parou se debruçando na mesa fazendo-a balançar. Olhei pra pessoa que me olhava com um sorriso largo na boca. Eu voltei a me concentrar no papel que era melhor do que continuar olhando pra Haley que me olhava sorrindo falsamente.

H: oi Lola.

L: oi. – respondi sem olhar pra ela.

H: você não quer sentar com a gente. – perguntou apontando pra mesa em que ficavam as líderes de torcidas. Todas olhavam pra mim. – se quiser podemos conversar e eu posso te arrumar uma vaga no nosso time de torcida. E também tem o Jerry, ele está afim de você, ele é um gato... – dizia ela empolgadamente.

L: não obrigada eu preciso terminar essa redação. – eu disse cortando-a antes que ela ficasse ali falando sem parar. Me levantei e fui pro lado de fora de onde era o refeitório, ao ar livre. Vi que Gerard estava sentado embaixo de uma árvore. Ele escrevia algo num papel e estava só. Ele olhou pra mim depois abaixou a cabeça. Eu me sentei bem distante dele e comecei a escrever. Logo o sinal bateu e todos foram pras suas respectivas salas.

Keyla: e foi isso, meu ano foi super de bom e cheio de gatos.

P: obrigada Keyla por compartilhar conosco sua aventura. Agora Frank por favor.

F: isso é uma palhaçada, eu não escrevi essa porcaria de redação.

P: então queira se retirar da sala por favor.

F: vai ser um prazer – e ele se levantou e saiu.

P: bom, mais alguém quer se retirar? – e duas outras pessoas se retiraram. – vamos fazer diferente agora, ao invés de eu chamar a pessoa, alguém se habilita? – e eu levantei a mão. – muito bem Lola, pode ler sua redação.

Eu me levantei e fiquei no meio da sala, coisa que eu nunca tinha feito antes, pois morria de vergonha. Gerard me olhava nos olhos assim como todos os outros da turma me olhava ainda impressionados com a minha mudança.

L: bom, eu escrevi um poema que resume o que tive de melhor nesse ano: um amigo. O poema se chama A outra face.

O ódio dentro de mim se tornou outros sentimentos

Sentimentos esse que me fizeram mudar

Não te conhecia direito por isso te odiava

Quando me apresentou sua outra face descobri que te amava

Sentimentos esse que me trouxeram de volta ao mundo

Antes disso eu vivia num mundo obscuro

O temporal passou e depois dele veio o amor, a amizade, a alegria de viver

Por favor não me deixe, não consigo viver sem você

Sua presença é essencial na minha vida

Sem você não me curaria da ferida

Tudo o que eu quis sempre foi o melhor pra você

Me entenda quando tento fazer você ver

Eu sei que é difícil enxergar

Mas eu morro de medo de descobrir que você deixou de tentar

Gostei tanto quando fez que nosso mundo se encaixasse

Não quero te perder outra face

Não quero te perder nunca mais.

L: é só. – terminei e Gerard ainda me olhava nos olhos, deixei algumas lágrimas caírem e percebi que Gerard também tinha os olhos cheios de lágrimas.

P: obrigada Lola, eu adorei. Agora pode se sentar. Foi muito bom mesmo, como sempre.  Quem mais quer apresentar? Ninguém mais? Vou ter que chamar então, Gerard. – disse ele olhando pro fundo da sala.

Quando me virei Gerard estava guardando suas coisas na mochila. Ele se levantou e entregou uma folha ao professor e saiu da sala. O professor olhou pra folha que Gerard tinha lhe entregue e depois olhou pra mim. Não entendi o olhar pra mim. A aula continuou e mais pessoas se apresentavam. Quando acabaram as apresentações faltavam apenas dois minutos pra acabar a aula.

P: Bom pessoal, queria muito agradecer a todos pelas redações, ou pelo menos, a quase todos que entregaram. Eu queria dizer que gostei muito de ter dado aula a essa turma, foram ótimos alunos, nem todos, mas a maioria. Quero desejar a todos que façam uma ótima prova e dizer que a prova está bem fácil. É aquilo de sempre. Um texto e cinco perguntinhas sobre o texto mais dois exercícios. A prova vale dez mais um ponto do trabalho que eu passei na semana passada pra vocês em aula. Bom... – disse olhando pro relógio. -...falta só um minuto pra terminar a aula mesmo, então podem ir. Uma ótima semana e estudem pra prova que está fácil, é a chance de vocês passarem direto nessa matéria.

O pessoal saia da sala enquanto eu ainda arrumava minhas coisas na mochila.

L: tchau professor. – disse quando terminei de guardar minhas coisas e já colocava a mochila nas costas pronta pra zarpar dali.

P: espere Lola. – disse quando eu já estava saindo.

L: sim.

P: acho que isso é pra você. – disse ele me estendendo uma folha. Eu sem entender peguei a folha e olhei curiosa pra saber o que era. Na folha havia um desenho, um desenho meu só do rosto até os ombros. No canto da folha a assinatura de Gerard. Olhei pro professor como se perguntasse o que era aquilo. – foi isso que ele me entregou antes de sair de sala. – então era isso que ele fazia embaixo da árvore, ele estava desenhando um retrato meu.

L: valeu professor.

P: Lola, se quiser pode entregar o trabalho na semana que vem. Pegue com seus colegas o tema depois.

L: ta bom. Tchau. – e corri pra fora da sala.

Peguei um ônibus e soltei na casa de Gerard. Quem me atendeu foi o irmão dele que disse que ele esteve em casa, mas não estava mais, tinha saído fazia pouco tempo.