Screaming escrita por caiquedelbuono


Capítulo 15
Apenas o começo.




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Se Logan não reconhecesse aquele ambiente de cor e salteado, ele poderia dizer que estava perdido e cegado pela escuridão avassaladora. Com as mãos esticadas frente ao corpo e utilizando o tato como sua única referência, ele deu alguns passos para frente e tocou no sofá que ficava repousado bem no meio da sala de estar. O toque pareceu despertar algo, pois ele ouviu um barulho ensurdecedor, como se milhões de abelhas estivessem zunindo ao mesmo tempo, todas enfurecidas. Uma onda de luz apossou-se do ambiente e ele finalmente conseguiu enxergar tudo com clareza.

Preferiu não fazê-lo. A cena que presenciou não era de seu agrado. Havia centenas de zumbis antropomórficos, com seus rostos cinzentos sujos de sangue, os olhos tão negros quanto a noite mais escura que pudesse imaginar. Eles estavam alinhados lado a lado, formando fileiras e mais fileiras que não pareciam ter fim. Um exército digno de uma guerra, todos eles esbanjando deleite através dos túneis sem fim que marcavam seus rostos podres. À frente de todos estava um zumbi que Logan não precisou fazer nenhum esforço para reconhecê-lo imediatamente.

Virando a cabeça para olhar para o outro lado do ambiente, viu várias pessoas que ele amava. Algumas estavam chorando, desesperadas. Outras, gritando e mostrando estarem com ódio. Outras, ainda, se abraçavam e trocavam sussurros que Logan não conseguia ouvir. Mel estava lá, com alguma coisa prateada que ele não conseguia enxergar com precisão presa às suas costas. Ela parecia liderar o grupo que estava desse lado. Helena, Sophia, Tommy e Kelsey também estavam presentes, parecendo estranhamente desesperados, como se pudessem ter um colapso nervoso a qualquer momento. Logan também conseguiu enxergar Ian, desprotegido e desamparado. Mary vinha ao fundo, entrando no ambiente, correndo desesperada, gritando alguma coisa que ele não conseguiu entender.

Em uma fração de segundos tudo se transformou em uma eterna balbúrdia. As imagens sumiram de seu campo de visão e tudo o que ele enxergou foram chamas ardentes, labaredas incandescentes queimando tudo ao seu redor. Sentiu a temperatura subir vários graus e ele conseguia ouvir gritos desesperados. Pessoas chamando pelo seu nome. Berros ensurdecedores. Sangue espirrando em seu rosto. Corpos de pessoas derretendo bem a sua frente. Cinzas caindo aos seus pés. Choros, vozes metálicas, caos, desespero.

De repente, tudo sumiu. A única coisa que conseguiu enxergar foi uma escuridão vazia e etérea. Lá dentro, ele enxergou alguém caído. Um corpo que lhe era muito familiar, mas não conseguia identificá-lo. Luzes negras dançavam ao redor dele e arrastaram-no para longe, fora de seu campo de visão. Logan queria correr até o corpo e tentar reconhecê-lo, mas estava paralisado. Suas pernas não o obedeciam. Sozinho no escuro, ele conseguiu ouvir uma voz rouca e opressora sussurrando dentro de sua mente:

A morte é inevitável para todos. Até mesmo para aqueles que você ama.

Logan acordou gritando e suando. Olhou para o chão, desesperado ao pensar que fosse encontrar algum corpo morto ali, mas a única coisa que viu foi o ladrilho brilhoso. Respirou fundo e percebeu que tinha sido só um pesadelo. Mais devastador do que qualquer outro que já tivera, mas mesmo assim mais um para sua coleção.

O dia era terça-feira. O horário ele ainda não sabia, mas provavelmente devia ser bem cedo porque o quarto ainda estava ligeiramente escuro e ele conseguia ouvir os roncos incessantes de Ian. Pelo visto, o garoto tinha desistido da ideia de mudar de dormitório ou talvez Mary simplesmente não tivesse aprovado a ideia. Bem, ele só podia comemorar mentalmente. Se Ian saísse de lá, teria que ficar sozinho no quarto, já que Tommy não passava nenhum segundo de sua vida dentro do ambiente e parecia ter outro lugar mais agradável para dormir. A solidão não era atraente com o colégio preso a uma dominação sobrenatural.

Nos minutos que se seguiram, Logan levantou da cama, tomou um banho quente para espantar sua insatisfação por ter tido um sonho como aquele, colocou uma roupa apresentável e saiu do dormitório, descendo as escadas lentamente. Não estava com pressa para começar um dia inteirinho de aulas chatas e desnecessárias.

O sol tinha acabado de nascer, ele notara quando olhou para as janelas do corredor. Os feixes ainda estavam fracos o suficiente para serem confundidos com os raios prateados da lua. O estômago de Logan roncou e ele percebeu que não conseguia se alimentar decentemente desde a festa. Estava com vontade de comer uma fatia de bolo de chocolate e tomar uma xícara de café quente e amargo.

Quando ele alcançou o último lance de escadas e chegou ao térreo do colégio, sua mente começou a girar. Ali estava algo que ele não queria ver nos primeiros instantes da manhã. Duas poças de sangue seco bem ao pé da escada. Não havia muito sinal de bagunça, apenas alguns respingos de sangue na parede, no corrimão e nos dois degraus mais próximos ao chão. Parecia que a vítima tinha tentado fugir subindo as escadas, mas o zumbi que a atacou provavelmente fora mais rápido e impedira que concretizasse a fuga.

Imediatamente começou a pensar no sonho. Enxergou novamente os corpos derretendo-se ao entrar em contato com fogo ardente. Nunca ia parar de ser assombrado por isso. Seria para sempre a testemunha dos eventos ardilosos que acontecia naquele maldito internato. Parecia obra do destino. Por que era sempre ele? Por que ele não podia simplesmente ter um pouco de paz? O que ele tinha feito para merecer tudo aquilo?

Não queria ficar mais ali. Queria esquecer todos esses incidentes, mas ele não pôde nem ao menos pensar em fazer isso quando olhou para a parede do outro lado do corredor e enxergou letras sangrentas novamente estampadas. O maldito S estava lá novamente, mas havia outra letra ao seu lado. Um P feito às pressas.

Dois zumbis. Duas poças de sangue. Duas vítimas.

O desespero que se abateu em Logan foi mais do que desconcertante. Sheeva tinha começado a agir e levara Pierre junto. Ele agora também fazia parte do lado sobrenatural e seus princípios humanos realmente não existiam mais. Se havia mais duas vítimas naquele colégio, dentro de alguns dias também haveria mais dois zumbis. O exército estava sendo montado. Quatro zumbis já faziam parte dele, mas provavelmente ficaria do tamanho do que vira em seu sonho.

Agora ele entendia. Havia visto a guerra. Os zumbis antropomórficos contra os estudantes de Shavely. Vira o caos, a desordem, as chamas consumindo tudo. Desesperado, ele abandonou o ambiente. Correu o mais rápido que pôde. Fugiu do seu próprio medo, do sangue, das letras ameaçadoras, das vozes que sussurravam em sua mente.

Quando Logan estava contornando um dos corredores que levava à cantina do colégio, ele esbarrou em alguém. Sentiu o impacto das peles atritando e ele parou de correr. Olhou para frente e a menina loira tinha perdido o equilíbrio, mas não caiu ao chão. Parecia mais forte do que antes, mais determinada.

— Sophia... — ele sussurrou. Só tinha se dado conta agora de quantas saudades estava sentindo dela. Estava tentando ao máximo evitar encontrar com ela. Não queria olhar em seus olhos e ver a tristeza que ele deixara nela. Por mais que Ian tivesse lhe alertado a ir atrás dela e tentar consertar toda a bagunça, ele não sabia por onde começar e não sabia as palavras que deveria dizer depois de tanta dor causada.

— Depois de destruir meu coração, também vai querer destruir o meu corpo todo? — ela disse, com muita amargura em sua voz — Por que está sempre correndo pelos corredores do colégio?

Logan suspirou e tentou engolir a tristeza que estava subindo à garganta.

— Desculpe. Não queria machucá-la. É que eu acabei de ver sangue bem ao pé da escada que leva ao segundo andar.

Sophia simplesmente olhou para ele, sem o menor interesse e sem parecer chocada ou desesperada por haver sangue novamente no colégio.

— Hum. Que pena que não era o seu.

Ela simplesmente revirou os olhos e bateu nos ombros de Logan, passando por ele. O garoto foi mais rápido do que ela pensou que seria, e segurou em seu cotovelo, puxando-a para que ela pudesse olhar em seus olhos. Não a deixaria ir sem pelo menos tentar conversar.

— Falar comigo desse jeito não vai resolver as coisas. — entoou Logan, olhando seriamente para ela. — Pelo menos se esforce um pouco para termos uma conversa decente.

— Solte-me antes. Está me machucando.

Logan soltou o braço de Sophia e ela o puxou para trás. Afagou o cotovelo com força, como se estivesse tentando desinfetá-lo. Olhou para Logan e elevou uma sobrancelha.

— Ouça o que eu tenho a dizer. — ele disse — Entenda tudo o que aconteceu sob o meu ponto de vista. Se depois disso você não quiser mais olhar para a minha cara, tudo bem. Não irei forçá-la a nada. Só quero que saiba da verdade.

Sophia acenou com a cabeça.

— Vá em frente.

Logan despejou tudo o que estava sentindo. Disse que não tinha a intenção de beijar Ian, que ele estava bêbado e que tinha lhe agarrado à força. Contou que o beijo não durou mais do que dez segundos, que ele não tinha nem ao menos aberto a boca. Disse que amava Sophia, que ela não deveria sentir ciúme de Ian, um adolescente com sentimentos confusos dentro de si. Disse que mais ninguém no mundo se compararia a ela, que ele amava todas as coisas que ela fazia, que a vida seria muito sem graça se ele não pudesse tê-la ao seu lado.

Quando terminou de falar, Sophia começou a rir.

— Você se engana ao achar que é só porque Ian o beijou à força. Isso foi só a gota d’água para que eu decidisse que você não vale mais a pena. E não me venha com esse papo de que você me ama e que sua vida seria sem graça sem mim, porque eu sei muito bem que isso não é verdade. — ela fez uma pausa que demorou alguns segundos para se encerrar — Tudo começou a ficar diferente desde que Mel chegou a esse colégio.

Logan suspirou. Não podia acreditar que ela ainda sentisse ciúme de Mel.

— Sophia, você está ficando paranoica! Eu não tenho nada com Mel, você precisa entender isso.

Sophia cruzou os braços e seu olhar ficou raivoso. Ela poderia matá-lo caso tivesse visão de calor.

— Ah, não? Então por que você trocou todos os seus amigos para ficar com ela? Por que você toma café da manhã com ela? Por que você vai ao quarto dela estudar?

— Porque ela é a única que pode nos ajudar a derrotar esses malditos zumbis antropomórficos! — ele gritou — Ela é uma caçadora de zumbis e já os enfrentou no passado. Ela sabe todas as artimanhas necessárias e está nos ajudando. Ela salvou Helena da morte, você sabia? Acho que você se esqueceu de que estamos novamente sendo atacados.

Com a notícia, os olhos de Sophia arregalaram-se.

— Salvou Helena da morte? Como assim?

— Então ela não contou a você? A responsável por ter enviado aquele bilhete ameaçador no dormitório de vocês foi Fanny, como suspeitávamos. Ela se transformou em Sheeva, sua verdadeira forma sobrenatural, e atacou Helena na noite da festa, dentro da cantina do colégio. Mel invadiu momentos antes de Sheeva perfurar o peito de Helena com suas garras afiadas. Ela conseguiu decepar a mão da zumbi jogando-lhe um pedaço de pano em chamas. Se não fosse por ela, nossa amiga estaria morta.

Sophia ficou visivelmente perturbada. A pele de seu rosto ficou mais pálida do que já era e engoliu em seco diversas vezes.

— Eu... Ela não me disse nada. Não tivemos tempo de conversar. Aliás, nossa última conversa foi perturbadora.

Logan aproximou-se de Sophia e tocou na pele fina de seu rosto. Era tão macia que parecia ser feita de seda. Olhou no fundo de seus olhos lacrimejantes e tentou captar algum sinal do que estava sentindo. A única coisa que via era indiferença e logo atrás, uma muralha que ela construíra para que não pudesse transbordar os sentimentos internos e ocultos.

— Sophia, me perdoe. — ele acariciou o rosto dela.

Ela deu um passo para trás e a mão de Logan rapidamente caiu ao ar, balançando como se estivesse sem vida ao lado de seu corpo.

— Não me toque.

Ele insistiu ainda mais.

— Lembra que você me disse que deveríamos ficar todos juntos para enfrentarmos os perigos que estão por vir? Eles não são poucos. As poças de sangue que vi no corredor indicam que mais zumbis se juntarão a Sheeva.

Sophia olhou para ele com desdém.

— Isso foi antes da sua traição. Não há mais como ficarmos todos juntos, Logan. Você beijou outro garoto, Helena e Tommy se odeiam e ela está irritada comigo porque eu estou tentando andar com os meus próprios pés, tentando mudar o jeito sonso que sempre fez parte do meu eu interior. Eu sei que estamos sendo atacados, que o perigo está nos rondando, mas acabou. Agora é cada um por si.

Logan sentiu a linha tênue que ainda os unia se rompendo. Tudo estava ruindo. As amizades já não mais existiam, não havia mais aquela união de outrora. Não se importavam mais em proteger uns aos outros, só tinham tempo de pensar em suas próprias dores internas. Queria tanto que tudo voltasse a ser como era antes. Antes da morte dos pais. Quando ele não estudava em Shavely, quando ele não conhecia Sophia e quando ele não fazia ideia que zumbis eram reais. Aquela vida jamais voltaria, seria para sempre as lembranças de um passado que já estava morto e enterrado.

Sophia já estava virando o corpo para ir embora. Ela deu alguns passos, mas parou quando ouviu a voz de Logan:

— Sophia, por favor. Me dê mais uma chance.

Ela virou o corpo e ele viu que estava com os olhos vermelhos. A força que fazia para não chorar era perceptível, embora ela aparentemente desejasse esconder isso com todas as suas forças.

— Cada um por si. — ela repetiu, com a voz embargada — As chances de todos se esgotaram. Este é o fim.

— Você sabe que não é o fim! — a voz dele estava inundada por súplica e desespero — Não deveria desistir de tudo assim tão fácil.

Ela sorriu amargamente.

— A única coisa da qual estou desistindo é de você. Meu coração pode sangrar até que não reste uma única gota de sangue dentro dele, mas pelo menos eu saberei que terei deixado no passado tudo o que me corroeu por dentro. — ela fez uma pausa tão terrível que Logan desejou que ela já tivesse ido embora — Eu sei que vamos enfrentar uma guerra e estou disposta a encarar tudo sozinha. Já você... Tem Mel para protegê-lo e Ian para beijá-lo. Suponho que esteja no lado mais equilibrado da balança.

— Mel vai proteger a todos nós! — Logan gritou. Sophia já tinha voltado a andar e já estava se transformando em um pontinho ao longe — Você vai agradecê-la no final quando perceber que sem ela não teremos chance alguma!

Não sabia se ela tinha escutado alguma coisa de suas últimas palavras, mas ele arfou quando terminou de falar. Encostou-se à parede do corredor e deixou que seu cérebro finalmente assimilasse o que tinha acabado de acontecer.

Eu a deixei ir. Estou perdendo tudo o que eu mais amo.

Uma lágrima escorreu de seus olhos quando percebeu que sua vida tinha se transformado em um vazio completo. Estava abandonado, sozinho, testemunha de incidentes macabros, atormentado por pesadelos onde existiam sangue, fogo, gritos e mortes. Estava cansado de problemas e mais cansado ainda de sempre ser o responsável por destruir tudo aquilo que estimava. O choro que tomou conta de sua alma foi devastador.


A escuridão do lado de fora estava sendo afetada pela grande lua cheia, que era responsável por trazer imensos raios prateados. Nos arredores do pomar de Shavely, estava acontecendo uma agitação que com toda a certeza não poderia ser ouvida ou percebida do lado de dentro.

Sheeva e Pierre estavam sorrindo em deleite. Ainda havia alguns resquícios de sangue vermelho na boca podre do recém-zumbi, mas Sheeva não podia estar mais satisfeita. O treinamento que impôs a Pierre surtiu efeito positivo logo no primeiro dia e ele tinha aprendido lições valiosas no que dizia respeito a atacar pessoas desprevenidas, a utilizar de artifícios ardilosos para convencê-las de que o ataque seria prazeroso no final das contas e a deixar sua assinatura sanguinária na cena do crime.

Os dois adolescentes amarrados sob a copa da árvore bem a frente deles eram a prova viva disso. Um garoto de arrepiados cabelos ruivos, com algumas sardas enfeitando a pele do rosto. Uma garota de longos cabelos negros e sedosos, pequena e frágil, como se fosse feita de vidro e pudesse quebrar ao mínimo toque. Ambas as bocas estavam amordaçadas e eles se debatiam desesperadamente, tentando se livrar das cordas grossas que os prendiam.

Sheeva deu um passo a frente e olhou para Pierre. Apenas acenou com a cabeça em direção a menina. O zumbi deu um sorriso terrível e começou a andar na direção dela. Agachou quando ficou a apenas alguns centímetros de distância e arrancou a mordaça de sua boca. Assustada, ela imediatamente começou a gritar.

— Cale a boca! — gritou Pierre com a sua voz metálica e grossa, ao mesmo tempo em que deu um tapa no rosto da garota. Ela parou de gritar e uma lágrima grossa escapou do canto de um dos olhos.

— O que é você? — sua voz estava embargada — O que quer de mim? O que está acontecendo?

Pierre esticou a mão e começou a acariciar o rosto da garota. Suas expressões físicas começaram a se transformar e ela ajeitou as sobrancelhas de um modo que expressava repulsa.

— Não se preocupe, querida. Em breve, você terá todas as respostas que está procurando.

As mãos podres e ossudas ficaram mais alguns segundos em contato com o rosto dela e logo em seguida ele se levantou e deu alguns passos para trás, voltando a sua posição original. Quando o fez, percebeu que Sheeva também tinha arrancado a mordaça do garoto amarrado, mas ele não tinha gritado e nem dito uma palavra sequer. Parecia completamente hipnotizado e impressionado com a situação a qual se encontrava.

— Olá, meus mais novos amigos. Zoey — disse Sheeva, apontando a mão decepada para a menina de cabelos negros. — James — sorriu para o garoto, enquanto esticava ambos os braços como se estivesse pronta para abraçar alguém — Sejam bem-vindos ao mundo da dor e da destruição.

A voz de Zoey voltou a inundar o ambiente.

— Não somos seus amigos.

— Ah, mas é claro que não são. A transformação ainda nem começou. O sangue que ainda corre nas veias de vocês está apenas iniciando o processo de escurecimento e engrossamento. Ainda vai levar alguns poucos dias para que vocês possam ser iguais a nós. Aí sim poderemos ser grandes amigos.

Sheeva olhou para Pierre e ele estava contemplando o rosto de Zoey. Ela se lembrava com precisão do prazer que viu nos olhos negros do zumbi quando enfiou os dentes pontiagudos no pescoço daquela garota. O primeiro ataque é inesquecível.

— Transformação? Ser iguais a vocês? — perguntou James — O que está querendo insinuar?

Sheeva deu uma risada irônica.

— Vou lhes contar uma pequena história e pedirei para que prestem muita atenção porque eu não estarei disposta a repeti-la. — ela fez uma pausa como se estivesse tentando criar coragem para contar alguma coisa a alguém — Pierre e eu somos zumbis antropomórficos. Somos criaturas sanguinárias que vivem pelas florestas caçando coisas empapadas em uma boa dose de sangue para nos alimentarmos. Poderíamos estar vivendo nossas vidas em paz, sem incomodar ninguém, se a raça de vocês não tivesse nos incomodado primeiro. A questão é que estou montando um exército de zumbis, já que grande parte do meu bando se reduziu depois de um incêndio provocado pelos de vocês. Pierre também era fraco, covarde e humano assim como vocês dois. Agora ele é forte e indestrutível assim como eu e ele ficou desse jeito depois que eu o mordi. E se vocês tiverem o mínimo de inteligência, não será muito difícil de concluir o que acontecerá amanhã ou depois.

O silêncio que se formou depois que Sheeva terminou de falar foi aterrorizante. Os dois meninos amarrados se entreolharam e a zumbi percebeu alguma coisa de diferente naqueles olhares. Um tom de desistência? Convencimento? Estavam finalmente cedendo ao fato de que a transformação seria inevitável?

— Já que agora somos do seu bando, por que então nos mantém amarrados? — perguntou Zoey.

— Ainda são humanos. Não merecem estar ao nosso lado nas mesmas condições. E, se me permite dizer, será melhor e mais rápido se vocês permanecerem amarrados durante a transformação. Pierre ficou solto e quase foi levado à loucura porque ele sempre queria fugir. A transformação dele levou uns bons quatro dias. Se tivermos sorte, amanhã durante a noite vocês já estarão totalmente transformados.

— Por que você nos escolheu? — a voz de James parecia realmente curiosa, como se ele fosse uma criança de cinco anos perguntando por que as folhas das árvores caem no outono — Quero dizer, com tantos adolescentes em Shavely, você poderia ter escolhido qualquer outro.

Sheeva fingiu um olhar magoado.

— É triste quando você acorda um dia e simplesmente vai para algum lugar errado, no horário errado. As coincidências dessa vida são sempre incríveis, não acham?

— O que você espera que façamos? — Zoey parecia furiosa agora.

— Curtam a transformação. Vocês são apenas o começo. Amanhã Pierre e eu transformaremos mais pessoas e quando estiverem prontos, será a vez de vocês. Quero que se sintam honrados por serem os primeiros zumbis a pertencerem ao bando de Sheeva.

Quando Sheeva olhou para os olhos daqueles adolescentes, percebeu que um brilho negro começou a reluzir. Ela só não sabia se era por causa da transformação ou se era devido ao fato de estarem começando a ficar satisfeitos e encantados com a ideia.


Alguns pássaros já cantavam e Sophia ainda estava rolando na cama, virando o corpo freneticamente de um lado para o outro. O cobertor cobria parcialmente seu corpo: os pés e a cabeça para fora, sentindo o ar frio que entrava pela janela entreaberta. Não gostava de dormir com ela inteiramente fechada, já que os raios prateados da lua lhe traziam paz e serenidade durante o sono.

Os acontecimentos dos últimos dias estavam borbulhando dentro de sua mente como um caldeirão em ebulição. Tanta coisa havia acontecido e ela estava envolvida em tantos assuntos. Não conseguia parar de pensar se Logan também estava sofrendo de insônia, se o cérebro dele também estava processando os mesmos pensamentos que o dela. Agora, depois de ter terminado o relacionamento com ele, não sabia se tinha feito a coisa certa. A máscara de indiferença que tinha vestido se desfizera completamente e, no interior daquele quarto escuro e silencioso, ela ainda era a boa e velha Sophia.

Quando ela se convenceu de que não conseguiria dormir de jeito nenhum, ela retirou o cobertor de cima de seu corpo e colocou os pés descalços sobre o chão gelado. A cama de Fanny estava vazia, perfeitamente arrumada e ela se sentiu perturbada ao se lembrar de que a garota era realmente um zumbi antropomórfico. Era aterrorizante saber que dividira o quarto por alguns dias com aquela criatura, que tinha conversado com ela e que fora gentil e educada. Não condizia em nada com o que ela realmente era.

Estava totalmente de pé agora e olhou para cima, para a cama de Helena. A garota ruiva estava dormindo profundamente, com o cobertor lhe cobrindo até a cabeça. Sophia sentiu o coração latejando e sentiu tanto pelo o que tinha acontecido na última vez em que conversara com ela. Helena nunca entenderia que sua relação com Kelsey não era uma amizade de vários anos. Era apenas algo que ela aprendera a gostar e Sophia não tinha culpa alguma que ambas as meninas não se davam bem. Não poderia ficar evitando pessoas que Helena não gostava, exatamente porque ela sabia que a ruiva não faria o mesmo se estivesse em seu lugar.

Nunca se esqueça de que antes de tudo ir à ruína, eu estava aqui ao seu lado, te alertando.

Ela sentiu os olhos arderem, mas respirou fundo e não permitiu que eles se umedecessem. Não iniciaria o dia chorando.

Nostálgica, Sophia foi até a janela e a abriu completamente. Subiu na cama de Fanny e sentou-se no parapeito. Lá fora, o céu estava totalmente negro e a brisa fria da madrugada eriçava os pelos louros de seu braço. Olhar assim aquela escuridão era gratificante, ainda mais quando estava se sentindo tão sozinha. Ela suspirou. Estava perdendo tudo que ela levara uma eternidade para construir. Não tinha mais um namorado, não tinha mais uma melhor amiga, não tinha mais esperanças de que as coisas pudessem voltar a se assemelhar ao que eram no ano passado. Também tinha o cheiro de ataques sobrenaturais no ar. Helena já tinha sido uma das vítimas e ela temia que pudesse ser a próxima, porque o quer que fosse que os zumbis estivessem planejando, não iam deixar um ataque malsucedido sem nenhuma consequência desastrosa.

Sophia notou uma agitação lá embaixo, há vários metros de distância. Ela desviou o olhar para as árvores do pomar do colégio, bem lá na frente. Devido ao silêncio excessivo, ela podia jurar que conseguia ouvir folhas secas sendo amassadas pelos passos de alguém. Ela forçou os olhos e com a ajuda da palidez lunar, viu alguns pontos se mexendo, bem entre algumas árvores específicas. Com o coração acelerado, ela tentou prestar atenção nos detalhes daquela cena. Não conseguia enxergar o que era e nem entender o que estava acontecendo, mas ela sabia que tinham algumas pessoas reunidas ali. Mas o que algumas pessoas, em sã consciência, fariam reunidas no pomar de Shavely no meio da madrugada sendo que zumbis antropomórficos poderiam atacar a qualquer momento?

A mente deu um estalo. A consciência redobrou dentro de seu cérebro e ela percebeu que quase ninguém acreditava que os zumbis pudessem ser criaturas reais. Ninguém sabia que os ataques poderiam acontecer, mas ela sabia que tudo aquilo não era uma peça da sua cabeça. O perigo era real e estava mais perto do que ela poderia imaginar.

Rapidamente, ela fechou a janela e seu corpo caiu sobre a cama de Fanny. Estava agitada, com a pulsação alterada, quase a mil. Não dava mais para esperar. Mesmo estando sem o apoio das pessoas que ela mais amava, tinha que tomar uma atitude. Não podia esperar o horror vir lhe tirar o sono. Se ela estava aprendendo uma coisa com a aproximação de Kelsey, é que não poderia ficar escondida em um quarto escuro lamentando pelo pior. Tinha que agir.


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