Screaming escrita por caiquedelbuono


Capítulo 10
Pesadelos gritantes.




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Já era noite e Logan estava dentro do dormitório, sentado no parapeito da janela aberta e observando o horizonte escuro, ao longe. Estava a metros de distância do chão lá embaixo e olhar lhe causava certa vertigem — preferia fitar as montanhas escondidas atrás do grande véu de escuridão. Elas eram vastas e indiscutivelmente distantes, exatamente do mesmo modo que os pensamentos do garoto.

Tudo estava acontecendo rápido demais. As aulas haviam regressado a menos de uma semana e ele não podia acreditar em como tudo estava conturbado e confuso. Não podia crer em como as coisas ruins não precisavam de muito tempo para se alastrar como pragas destrutivas. Podia fazer uma lista maior do que a quantidade de estrelas no céu, mas o que mais estava lhe preocupando era que vidas corriam perigo. Não só o bilhete que fora deixado no quarto de Sophia e Helena provava isso, mas também o ar carregado que preenchia o colégio inteiro. Logan devia ter percebido isso antes. Agora, fungando profundamente, ele podia sentir o cheiro de podridão. O mesmo cheiro que ele sempre sentiu quando Kofuf estava por perto.

Apalpou o bolso dos jeans e sentiu o pedaço de papel ali. Havia ficado com ele depois que saíra do dormitório das meninas. Dissera que o mostraria a Tommy, mas também queria mostrá-lo a Mel e elas não sabiam disso. Ele era o único que sabia que a garota tinha conhecimento da existência dos zumbis. Ele estava interessado no que ela teria a dizer sobre a ameaça. E sobre a suspeita gritante de que o zumbi pudesse ser Fanny. Sim, não pensara desse modo quando estava no quarto conversando com as garotas. Helena havia levantado a possibilidade de Fanny ter deixado aquele bilhete lá antes de sair do quarto — provavelmente por ela ser a única pessoa que tinha acesso exclusivo ao espaço, não pensando que ela fosse um zumbi metamorfoseado em uma garota que era apenas mais uma vítima da criatura sobrenatural sanguinária. Helena estava apenas pensando em Fanny e com certeza não tinha pensado nos motivos que ela teria para estar ameaçando-os de morte. Provavelmente nenhum, mas se ela fosse um zumbi, teria motivos de sobra.

Um clique na porta fez Logan interromper os pensamentos. Ele olhou para trás e encontrou Tommy, que tinha erguido a mão para acender o interruptor. Quando percebeu que o quarto já estava banhado em luz suficiente, ele deu de ombros e adentrou no cômodo, não percebendo Logan sentado no parapeito. O garoto pulou sobre a cama de Ian, que ficava logo abaixo da janela, e pigarreou quando aterrissou no chão, centímetros a frente de Tommy. Ele apenas franziu o cenho.

— De onde você surgiu? — perguntou Tommy, a voz mais grave que o usual — Pensei que estava sozinho no quarto.

— Eu estava sentado no parapeito da janela. — Logan deu de ombros — Não me surpreendo por você não ter notado a minha presença. Ultimamente, acho que você não vem percebendo nenhuma que não seja a própria.

Tommy não respondeu, mas o olhar que lançou a Logan foi corrosivo. Ele passou por Logan e abriu o armário, de onde pegou uma mochila preta depois de revirar algumas coisas. Jogou-a sobre a cama de cima do beliche e subiu nela, sem nem precisar utilizar da escadinha. Tommy era alto o suficiente para conseguir impulsionar o corpo na cama de Logan e esticar uma das pernas para que pudesse subir. Retirou um livro de dentro da mochila e começou a lê-lo, como se ele estivesse sozinho no quarto. Como se Logan não estivesse ali, olhando para o amigo com várias perguntas ocultas em seus olhos.

— Você está tão diferente. — disse Logan, aproximando-se o suficiente para perceber o peito de Tommy subindo e descendo à medida que respirava — O que aconteceu com você?

— Nada, Logan. — disse ele, sem retirar os olhos do livro — Apenas aprendi a parar de ser idiota.

Ele sabia que não deveria tocar no assunto e que provavelmente o melhor a se fazer era deixar Tommy em paz com sua leitura. Porém, havia coisas que ele precisava saber. Coisas sobre um passado que ele estava envolvido. Afinal, ele fazia parte do quarteto enfraquecido e aquela ameaça também estava direcionada a ele.

Apesar disso, ele começou a falar sobre outra coisa.

— Já parou para pensar que talvez não haja certos ou errados? Eu sei que você está sofrendo, mas você talvez não devesse punir alguém que se importa com você e que também está sofrendo. Você alguma vez já viu Helena chorar? Alguma vez já a viu demonstrando qualquer sinal de fraqueza? O afastamento de vocês está mostrando um lado de Helena que nenhum de nós gostou de conhecer. Tenho certeza de que você também não gostaria.

Tommy abaixou o livro e seus olhos verdes estavam intensos e brilhantes. Pôde ver algo diferente neles, algo que realmente indicava que ele se importava. Porém, sumiu em um piscar de olhos. Tão rapidamente que Logan pensou que não tinha visto nada.

— Logan, eu não quero falar sobre isso. — ele vociferou — Por favor.

Logan suspirou e assentiu com a cabeça. Também não queria falar. Havia algo mais importante em mente.

— Tudo bem. Talvez seja melhor que você lide com isso sozinho. — ele fez uma pausa e tomou coragem antes de dizer qualquer coisa — Enfim, há algo que preciso que saiba. — Logan começou a descrever todos os acontecimentos daquela semana: o sangue e a bagunça no corredor, a crise de insônia generalizada daquela noite, suas desconfianças da existência de mais um zumbi infiltrado no colégio, a possibilidade de uma vingança contra a morte de Kofuf, o bilhete intimador que fora encontrado no quarto das meninas e a forte suspeita de que Fanny pudesse estar envolvida nisso.

Tommy, por um momento, não disse nada. Apenas piscou os olhos repetidas vezes e fechou-os. Viu o movimento por trás de suas pálpebras, como se estivesse presenciando várias imagens oníricas, que só eram possíveis de se enxergar no mundo dos sonhos. Quando voltou a abri-los, eles eram tristes e enigmáticos.

— Zumbis? De novo? — ele bufou — Será que nunca teremos paz?

— Venho me perguntando isso há dias...

— Por que você me contou isso? — perguntou Tommy, agora com raiva em seu tom de voz. Logan não pôde deixar de notar que ele se assemelhava à Kelsey quando estava prestes a disparar um xingamento ofensivo e sarcástico. O pensamento o arrepiou por completo e só aí percebeu o quão distante estava o amigo — Não entendo o que você quer que eu faça em relação a isso.

Por um momento, Logan apenas conseguiu arregalar os olhos.

— Você ouviu o que eu disse sobre o bilhete. Estava ameaçando quatro pessoas. Fomos nós que destruímos Kofuf. Fomos nós que pesquisamos horas a fio até encontrarmos a única maneira capaz de fazer com que os malditos zumbis sucumbam. Fomos nós que enfrentamos as ameaças malignas. Fomos nós que o vimos arrancar a vida de várias pessoas inocentes, pessoas que eram nossos amigos. É a nós que o bando dele vai querer vingança. Nós quatro matamos um zumbi e agora eles farão com que paguemos por isso.

Incrivelmente, Tommy lançou a cabeça para trás e começou a rir. O livro saiu do aperto de suas mãos e tombou em meio aos lençóis da cama.

— É aí que você se engana. Foi você quem matou Kofuf. Eu estava lá. Eu vi. Você disse que queria ter as honras. Se tiver alguém a quem o bando pode querer vingança, esse alguém é você. Eu não tenho nada a ver com isso.

— Você também está envolvido! — a voz de Logan se elevou um pouco — Você lutou para que ele fosse aniquilado. Você viu o sangue de Helena jorrando dos braços dela quando ele a arranhou. Você foi conosco atrás de Sophia quando ele a capturou. Como pode dizer que não tem nada a ver com isso?

Tommy revirou os olhos.

— Você é tão sentimental, Logan. Não vê que não existe mais quarteto fantástico e nem nada disso? Não vê que essa é a hora em que cada um deve seguir em frente sozinho? Se tiver um zumbi no colégio, eu sinto muito, mas será cada um por si.

Logan queria gritar com Tommy, queria chacoalhar os ombros dele até que ele pudesse acordar, até que ele pudesse sair desse corpo que não era do amigo que Logan gostava. Tommy estava completamente envolto por uma armadura de rancor. Estava segurando um escudo contra as próprias amizades, contra os próprios sentimentos. Tudo por causa do término de um relacionamento.

— Isso não é verdade. Não pode desistir de tudo o que já construímos aqui dentro porque seu relacionamento com Helena chegou ao fim. Sua vida também corre perigo!

— Aí está uma boa oportunidade para eu me entregar à loucura. — ele disse, parecendo satisfeito consigo mesmo — Aliás, se você está tão preocupado com vidas, deveria abrir sua mente e parar de pensar como se o colégio inteiro fosse formado apenas por mim, você, Sophia e Helena. Você sempre pensou assim, não foi? Será que não foi por esse motivo que Brian, Ashley e Janeth tiveram que morrer?

Tommy não precisou dizer mais nada. Logan se manteve em um silêncio profundo até que ele ficasse resoluto a sair do quarto e abandonar aquele garoto que não era mais o amigo que conhecia.



Dormir fora algo quase impossível para Logan. Imagens horrendas atormentaram sua mente durante o breve período de sono. Viu vários corpos mortos ao chão, todos ensanguentados e com o peito aberto. Todas as feridas jorravam sangue, como um chafariz horripilante. O cheiro de carnificina era insuportável e suas narinas ardiam, implorando para respirar um ar que fosse puro. Ele tentava se afastar, mas uma força impedia que o fizesse. Suas pernas estavam paralisadas.

Morte.

Uma voz sussurrava. Apesar de Logan reconhecer que era feminina, era metálica e arrepiante, como se saísse da boca da criatura mais terrível que sua mente era capaz de imaginar.

Sangue.

Logan queria tapar os ouvidos, queria esquecer, queria sair daquele abatedouro que ele não sabia onde se localizava. Apenas queria encontrar a luz. Queria ver os amigos, queria poder dizer a eles que tudo isso não passava de um pesadelo. Mas aquilo era mentira.

Destruição.

A voz não parava de sussurrar. Logan olhou para cima e viu flashes de luzes correndo sobre seus olhos. Pensou que fossem anjos que o tirariam daquele pesadelo, mas apenas conseguiu enxergar algo amorfo quando as luzes cessaram. As massas escuras estavam se modelando e formando rostos que Logan já tinha visto. Rostos que sorriam, que pareciam terrivelmente satisfeitos.

Dor.

A voz saiu da boca de um dos rostos. Era Brian, que estava olhando com olhos vorazes para Logan. Do mesmo modo que ele o olhava quando ainda era vivo. Quando ainda era apaixonado por Sophia e sentia raiva de Logan por achar que, na época, ele também fosse.

Desespero.

Foi a vez do outro rosto falar. Ashley estava sorrindo e os olhos esbanjavam ingenuidade. Quão inocente ela fora em toda essa história? De todas as mortes, a dela foi a mais dolorosa para Logan. Uma garota que tentou avisá-los, que descobrira a ameaça da pior maneira possível. Talvez nada disso estivesse acontecendo se ele tivesse dado ouvidos a ela.

Gritos.

Foi a vez de Janeth sussurrar. O último dos rostos olhava para Logan com piedade. Logan aprendera a gostar da diretora maluca que lhe aplicava punições rígidas por simplesmente achar que ele tinha matado o único filho dela. O filho que ela precisou desprezar durante tantos anos e que nunca teve a chance de saber a verdade. Ambos morreram com aquele segredo enterrado dentro deles. Logan nunca se sentiu tão culpado.

Ninguém nunca está a salvo.

Ele acordou todo suado, com as roupas grudando e o coração acelerado. As últimas palavras de Tommy na noite passada o deixara impressionado. O sentimento de culpa era lancinante e mais do que nunca ele estava decidido a fazer as coisas diferentes dessa vez. Se Tommy não queria participar, se não queria abrir os olhos para enxergar que fazia parte de tudo aquilo tanto quantos os outros, já não era mais problema de Logan. Não iria cometer o mesmo erro duas vezes.

Levantou da cama rapidamente, enquanto Ian e Tommy ainda roncavam e dormiam profundamente. Observou que os raios de sol tentavam ultrapassar a janela intransponível e escutou que os pássaros cantavam uma melodia agradável de ouvir. Provavelmente ainda era bem cedo e mesmo que pudesse usufruir da manhã de sábado para descansar, ele não queria voltar a dormir e ter novamente pesadelos sobre morte, sangue e podridão.

Depois de vinte minutos, Logan tinha tomado banho e trocado de roupa. Colocou o bilhete dentro do bolso da calça e abandonou o dormitório, sem olhar para os dois garotos que ainda sonhavam com coisas provavelmente agradáveis.

Lá fora estava mais agitado do que ele poderia imaginar. Vários alunos estavam saindo do dormitório com mochilas nas costas. Todos pareciam relaxados e descansados. Andavam em grupos de duas ou três pessoas e estavam extasiados demais para prestarem atenção no pobre garoto que observava a tudo parado. Eles sorriam e alguns deles falavam ao celular.

Estão voltando para casa.

Logan sempre se esquecia de que nem todos eles eram órfãos. Alguns tinham uma família e estavam em Shavely simplesmente por serem a ovelha negra. Por terem traços em suas personalidades que não se encaixavam aos modos familiares, mas isso não queria dizer que não quisessem vê-la. Talvez fosse bom para todos eles se pudessem ver a família nos finais de semana, mas sabia que para a maioria era praticamente impossível.

Foi exatamente por isso que ele não viu o rosto de nenhum conhecido. Era por isso que Tommy e Ian ainda continuavam dormindo, que Sophia e Helena também não estavam ali, sorrindo e cantarolando canções porque iam para a casa. Eles já estavam dentro da própria casa.

Suspirando, Logan continuou seu trajeto em direção a lugar nenhum. Ele não sabia o que faria naquela manhã, não tinha nada em mente. Aliás, estava preparado para o dia ser um completo tédio. Pensou em ir até a sala da tia. Conversar com ela sempre o fazia se sentir melhor, mas rapidamente lembrou que Mary devia estar atarefada com os preparativos da festa de hoje à noite. Mesmo sendo algo simples, ela tinha que planejar tudo. Tinha que manter os alunos afastados da parte externa em que a festa seria realizada, ainda tinha que fazer a fogueira, selecionar as músicas, preparar centenas de espetinhos de marshmallow e dar à festa toda a pinta de um verdadeiro luau.

Logan já estava no andar de baixo, quando encontrou alguém sentado no sofá da sala de estar. O coração deu um pulo e ele correu para encontrar Mel, que estava lendo um livro grosso e de capa enegrecida. Sabia que o que mais queria desde a hora que levantara era encontrá-la para mostrar o bilhete e ter algum tipo de orientação sobre o que pudesse fazer. Nunca, nem em um milhão de anos, saberia explicar o motivo de Mel lhe transmitir tanta confiança.

— Estou começando a achar que você nunca dorme. — disse Logan em um tom gentil quando sentou ao lado de Mel no sofá. — Sempre que a encontro ainda é de manhã.

Mel olhou para cima e sorriu quando encontrou o olhar de Logan. O garoto espiou para ver o título do livro que ela estava lendo: Segredos sobrenaturais. Não deixou de se perguntar se ela estava lendo em uma tentativa de pensar no que fazer sobre os zumbis antropomórficos ou se aquele livro era apenas um romance com um título coincidente.

— Oi, Logan. — a voz dela estava calma e tranquila, do jeito que sempre esteve — É que costumo ir dormir cedo. Tipo, antes das onze da noite. E sempre acabo acordando assim que o sol nasce. Acho poético demais abrir a janela do quarto e ver o sol desabrochando atrás de uma montanha.

Mel era tão ligada aos fatos simples da vida. Isso era uma dádiva que ela devia honrar com toda sua existência.

— Eu não durmo por motivos mais trágicos. — ele lamentou — Tive um pesadelo com mortes e sangue.

A garota fechou o livro e o repousou no braço do sofá. Olhou para Logan e ele percebeu que a mão dela fez um mínimo movimento para tocar a dele. Entretanto, ela não saiu do lugar.

— Eu entendo. Isso é bastante comum com tudo o que está lhe assombrando. Criaturas sobrenaturais trazem consigo pesadelos gritantes.

Logan suspirou e desejou que nada daquilo fosse real. Entretanto, ele precisava manter a garota a par de mais um avanço dos zumbis na corrida que disputavam com a vida de todos eles. Apalpou o bolso da calça e retirou o bilhete que estava dobrado em vários pedaços.

— Preciso lhe mostrar uma coisa. — ele disse, quase envergonhado. Mel estava parada, com os olhos interessados, apenas ouvindo. Logan esticou a mão e lhe entregou o pedaço de papel — Helena e Sophia encontraram isso no dormitório delas. Interpretamos como uma ameaça, mas o que você acha?

Mel desdobrou o papel como se fosse uma especialista observando uma joia falsa. Observou as letras coladas estrategicamente a ponto de formarem as frases que amedrontaram Logan. Os olhos dela passavam pelo papel várias vezes, como se ela estivesse relendo a mensagem e tentando ver algum significado nela.

Malditos. — ela sibilou. Havia raiva em seu tom de voz. — Se essa mensagem foi encontrada no quarto das garotas, creio que elas saibam da existência dos antropomórficos. Quantos mais sabem, Logan?

O garoto engoliu em seco.

— Bem, elas, Tommy e... o resto do colégio que não são novatos. Não sabíamos o que fazer quando Kofuf estava infiltrado — explicou Logan — e achamos prudente que todo mundo ficasse sabendo da existência dos zumbis. Seria melhor pensar em alguma coisa caso todos soubessem do perigo que os rondavam. E também não achávamos justos eles não ficarem sabendo de que a vida deles também corria perigo.

— E eles acreditaram em vocês? — Mel parecia entretida.

Logan suspirou fundo e lembrou-se do olhar acusatório de desconfiança que mais da metade dos alunos lhe transferiram. Como se ele e os amigos fossem lunáticos.

— A maioria, não. Acharam que estávamos ficando loucos e sem noção alguma dos fatos. Acharam que tantas mortes de inocentes estavam alterando nossa mente, mas nunca pararam para pensar que nenhum deles foi realmente morto por algum motivo relevante. Isso é tão frustrante!

— Pelo o que você me disse, apenas você, Sophia, Helena e Tommy realmente viram o zumbi. Quanto aos outros... vamos torcer para que eles sejam céticos o suficiente a ponto de só acreditarem naquilo que realmente veem.

Logan olhou com curiosidade para Mel, que ainda segurava o papel nas mãos. Os dedos dela não estavam trêmulos.

— Por que você quer que poucas pessoas saibam da existência dos zumbis?

— Esses zumbis merecem a destruição, Logan. Merecem ser queimados e reduzidos a nada mais do que inúmeros grãos de cinzas. — a voz de Mel era um poço de rancor e mágoa. Logan ficou curioso para saber o motivo de tanto ódio, mas ele não se atreveu a perguntar — Quanto menos pessoas souberem, menos alarde haverá sobre a notícia. Imagina o que aconteceria se isso saísse dos confins do colégio? Imagina se um aluno vê um zumbi e conta para a família quando for encontrá-la no final de semana? Não queremos um escândalo. Queremos apenas o término da raça.

Logan assentiu com a cabeça, apenas concordando.

— Você ainda não me disse o que acha sobre o bilhete.

Mel coçou o queixo e olhou novamente para a folha de papel. As órbitas dos olhos traçavam o mesmo movimento de antes: andando da esquerda para direita, atendo-se a todos os detalhes que poderiam existir naquele pedaço de sulfite.

— Palavras enigmáticas e com traços matemáticos. — disse Mel, reflexiva — Sim, é uma ameaça. Muito inteligente da parte do zumbi. Eles gostam mesmo de usar recursos humanos em todas as suas ameaças. — ela revirou os olhos — Você tem alguma suspeita?

Sim, ele tinha. Mas eram apenas suspeitas. Não tinha nenhuma prova concreta para sair falando que Fanny tinha deixado aquela ameaça no quarto das meninas para apavorar todo mundo. Entretanto, era a única arma que tinha nas mãos e estava disposto a usá-la a qualquer custo para eliminar o zumbi e dissipar a fumaça negra que pairava na cabeça de todos.

— Fanny... Ela divide o dormitório com Helena e Sophia. Seria muito conveniente para ela ter deixado o bilhete ali.

Mel anuiu com a cabeça.

— E você me disse também que ela foi uma das garotas com crise de insônia na noite em que os indícios do sangue no corredor foram apagados. — quando Logan balançou a cabeça, Mel deu um gritinho de aprovação — Bem, parece que agora temos um ponto de partida.

— O que faremos, então? — perguntou Logan, com a voz aflita o bastante para ele parecer uma criança com medo do bicho-papão.

— O mais óbvio de tudo seria que o zumbi atacasse na festa de hoje à noite, você não acha? É uma boa oportunidade. Todo mundo distraído, dançando, comendo marshmallow como se suas vidas dependessem disso. Ficarei de olho em Fanny. Vou seguir os passos dela durante a festa e ficarei alerta para se caso ela tente alguma coisa.

Logan estava começando a entrar em pânico. Não estava tão seguro assim em acreditar que Fanny era um zumbi antropomórfico metamorfoseado. Sempre a achara estranha, mas ela era uma pessoa tão bonita. Não faria sentido se, do nada, ela se revelasse como algo repugnante e mais mal cheiroso que um corpo em estado de putrefação. Também havia Kelsey... Também estivera na lista de garotas que tiveram insônia. Será que ela não estava afastando Tommy do grupo de amizades para depois poder matá-lo com as próprias mãos? Será que a ameaça não indicava que Tommy estava prestes a morrer? Mas, então, por que ela deixaria o bilhete no quarto das meninas? Para apavorar Helena? Para confundir todo mundo?

Não. Mel também tinha sofrido insônia e nem por isso era uma zumbi disfarçada. Não podia tomar isso como indício de nada. Tudo havia sido uma grande coincidência. Havia o S estampado no quadro de avisos. A maldita letra ensanguentada que o fizera pensar que Sophia, a própria namorada, pudesse ter algo a ver com aquilo. Entretanto, a letra S também não tinha nada a ver com Fanny. Nem com Kelsey. De repente, todos os indícios que tinham não serviam para absolutamente nada. Nada se encaixava.

— Vai ficar tudo bem. — ele ouviu a voz de Mel — Seja quem for que está nos aterrorizando, vai ser pego. É para isso que estou aqui.



Helena estava em frente ao guarda-roupa aberto, olhando para a imensa pilha de roupas que escondia dentro do objeto. Sophia estava ao seu lado e ela não parava de resmungar.

— O que você acha desse? — ela retirou um vestido vermelho, com algumas rendinhas nas pequenas mangas que chegavam a cobrir apenas os seus ombros. Colocou-o frente ao corpo e Helena logo concluiu que ele seria mais um dentre os dez vestidos que já estavam jogados sobre a cama.

— Formal demais. — ela disse, pegando uma calça jeans qualquer e uma camiseta roxa sem mangas — É apenas um luau idiota em um lugar idiota com pessoas idiotas. Talvez você devesse ir com uma roupa normal. Você sabe: jeans, camiseta, tênis de corrida.

Sophia bufou e arremessou o vestido sobre a cama. Olhou para o guarda-roupa e não havia mais nada ali que fosse digno de se vestir para ir a uma festa.

— Ai, que droga. Eu odeio não ter nenhuma peça de roupa decente.

A ruiva deu um gritinho de satisfação e olhou para Sophia com um sorriso no rosto.

— E Helena vence novamente! — quando percebeu que Sophia fez uma careta, ela deu um leve tapinha no ombro da garota — Vamos, apresse-se. Pegue o jeans e a camiseta e vá para o banheiro se trocar.

Sophia praticamente se arrastou até o guarda-roupa para pegar uma roupa básica que usaria para ir a qualquer lugar que não fosse uma festa.

Um clique na porta do banheiro e Fanny saiu de lá. Por um momento, Helena tinha se esquecido da presença da garota. Era estranho se acostumar ao fato de que dividiam o dormitório com ela. Mais estranho ainda, era o fato de ela estar completamente amigável nas últimas 24 horas. Helena não queria ter que desconfiar de Fanny e queria poder acreditar que a única coisa que ela queria era ser amiga da garota, mas a possibilidade de ela ter deixado o bilhete no quarto era muito conveniente a ela. Sempre desconfiava que ela escondesse algum segredo, algo que ela jamais poderia compartilhar com ninguém e era isso que a deixava com o pé atrás sempre que Fanny tentava algum tipo de aproximação. Mas no momento ela não via nenhum motivo que não fosse a própria falta de conhecimento para se afastar de Fanny.

Ela estava bonita. Fizera algo no cabelo que o deixara levemente ondulado, semelhante ao cabelo de Helena, descartando o fato dos fios de Fanny possuir a cor castanha. A maquiagem era surpreendente e destacava a pele pálida e livre de qualquer imperfeição. Os lábios estavam vermelhos e volumosos. Usava um vestido em um tom de azul tão claro quanto um céu de manhã. O tecido descia como uma cachoeira até os seus pés, roçando os sapatos de salto alto.

— Você está linda. — disse Sophia, olhando boquiaberta para Fanny.

Ela apenas deu um sorriso e curvou levemente o corpo no que parecia uma reverência.

— Obrigada. Ouvi vocês dizerem algo a respeito sobre jeans e camisetas. Tem certeza que não querem nenhuma das minhas roupas emprestadas? Aposto que ficariam impecáveis em vocês.

Helena tentou se imaginar usando qualquer uma das roupas de Fanny e a imagem desfez-se tão rapidamente quanto se criou. Era impossível de imaginar.

— Estamos bem nos nossos trajes mundanos. — disse ela, enquanto Sophia assentia com a cabeça e ia em direção ao banheiro.

Fez-se um silêncio profundo quando Helena e Fanny ficaram sozinhas. A ruiva focalizou nos olhos de Fanny, tentando ver se eles mudariam de cor novamente. Não conseguia esquecer o fato de que às vezes eles se mostravam mais escuros, mas agora pareciam ter o tom castanho claro de sempre. Ambas trocaram um sorriso tenso, até que Sophia saiu do banheiro e Helena tomou o seu lugar, colocando as roupas básicas que sempre cobriram o seu corpo.

Depois de alguns minutos, as três garotas estavam descendo as escadas do terceiro andar, indo em direção à parte externa do colégio. Era ridículo estar ao lado de Fanny enquanto usava aquelas roupas tão corriqueiras. Ela parecia uma princesa, enquanto Helena e Sophia se aproximavam de plebeias que não tinham lugar na realeza.

A noite já estava alta e deveriam ser quase dez horas. Ao longe, Helena podia ouvir um leve barulho de música, o que indicava que a festa já começara. Ela não estava tão animada. Apenas estava indo porque encontrar com pessoas parecia ser mais animado do que ficar a noite trancada no quarto, pensando em besteira. Olhou para Fanny e lembrou-se novamente do bilhete. Pensou naqueles dentes brancos e brilhantes se transformando em amarelados e podres, ganhando saliências e adquirindo pontas afiadas, sedentos para rasgar pele humana.

Ela afastou o pensamento. Apesar de tudo, Fanny não era uma má pessoa. Helena tinha que parar com a mania de acusar pessoas sem ter prova nenhuma. Era apenas um indício, o qual ela não podia deixar passar despercebido, mas ainda assim apenas um indício.

Depois de vários lances de escadas e vários corredores, finalmente chegaram à parte externa. Tiveram que ultrapassar a quadra de esportes para então encontrarem o que havia sido reservado para a tal festa. Sophia exprimiu um grito e ela rapidamente correu para o meio da multidão, misturando-se aos vários rostos que não eram assim tão conhecidos para Helena. Fanny ainda estava ao seu lado, olhando para tudo atentamente, demonstrando grande interesse.

Não era tão incrível assim. Havia uma grande fogueira no centro do espaço, as chamas crepitando a uma altura de uns bons dois metros. As toras de lenhas eram grossas e compridas e havia dezenas delas. Algumas pessoas já estavam sentadas em volta dela, parecendo nostálgicas, com espetinhos de marshmallow enfiados em meio às labaredas. Mais ao lado, havia várias mesas unidas uma ao lado da outra, com vários quitutes repousados. E, ao fundo, havia o grande pomar de Shavely, completamente envolvido por sombras de escuridão. Estudantes utilizando roupas de garçom e uma gravata borboleta presa ao colarinho da camiseta transitavam a todo instante, segurando bandejas e oferecendo drinques às pessoas de algo que parecia ser ponche. Havia uma pista de dança afastada alguns metros da fogueira em que várias pessoas estavam dançando de uma forma diferente. Não do jeito que dançavam em festas com músicas eletrônicas. Estavam balançando os braços e a cintura de um jeito esquisito, que Helena nunca tinha visto na vida.

Ela adentrou na festa, com Fanny andando do seu lado esquerdo. Quando passaram ao lado da fogueira, a garota fez uma careta e contornou Helena, ficando do seu lado direito. Franziu o rosto para Fanny.

— Não gosto de fogueiras. — ela explicou — Sempre tenho a sensação de que alguém vai me empurrar para o meio das chamas.

Helena apenas deu de ombros. Pelo visto, a única coisa que parecia interessante de se fazer naquela pseudo-festa era comer. Não estava vendo mais Sophia, nem Logan e muito menos Tommy, que provavelmente deveria estar em um canto se esfregando com Kelsey. Não pense nele, instruiu a si mesma. Ela respirou fundo e se dirigiu às mesas, pensando em pegar alguma coisa para forrar o estômago.

Quando chegou mais perto, percebeu que não havia nada além de varetas de madeira completamente recheadas com uma massa branca que só podia ser marshmallow. Suspirando, ela pegou um das varetas e foi se sentar junto às outras pessoas que estavam ao redor da fogueira. Fanny havia desaparecido e Helena rapidamente concluiu que ela resolvera se adentrar em meio à multidão.

Quando se sentou, percebeu que havia um garoto contando uma história de terror. Ele falava sobre as férias que passara na antiga casa dos avós, que era afastada da cidade e dentro das propriedades de uma chácara onde duas pessoas haviam sido assassinadas. Segundo ele, seus espíritos vagavam em meio aos cômodos e amedrontavam quem quer que estivesse tentando dormir em um dos quartos. Ele narrou que certa noite algo puxou o seu pé enquanto dormia e o arrastou até o lado de fora da casa, lançando-o com força para o exterior. Enquanto as outras pessoas ficavam boquiabertas, Helena apenas bocejou.

Quando o marshmallow já estava assado o suficiente, ela o levou à boca. Tinha um gosto bom e desfazia-se à medida que ia o saboreando. Tentou olhar por entre as chamas da fogueira para ver se encontrava algum rosto conhecido, mas não viu ninguém com quem já houvesse trocado mais do que cinco palavras. Pensou ter enxergado Tommy do outro lado, algo negro reluzindo em meio ao fogo que ardia, mas era só um menino metido que tinha fama de pegador.

Quando a vareta já estava praticamente vazia e ela estava pensando em voltar para o quarto, ouviu alguém chamando o seu nome. Ela arremessou o palito de madeira dentro das labaredas e levantou-se rapidamente, virando o corpo para trás. Viu Fanny fazendo um gesto com a mão que indicava que deveria ir até ela.

Quando o fez, percebeu que Fanny parecia tão entediada quanto ela.

— Meu Deus, você está quente! — disse Fanny — Fogueiras realmente não são legais.

Helena falou pela primeira vez com Fanny como se ela não fosse uma menina estranha.

— Você está achando essa festa tão chata quanto eu? — perguntou, revirando os olhos.

— Positivo! Eu estava lhe chamando porque queria ir para algum lugar mais legal. Só que todo mundo está parecendo se divertir nessa porcaria que alguém teve a audácia de chamar de festa. Bem, você é a única que não está.

Helena ainda estava insegura. Não sabia se podia confiar em Fanny. Mas talvez aquela fosse a chance de descobrir de uma vez por todas se a garota era aquilo que pensava. Talvez sua eterna implicância com Fanny estivesse transformando-se em paranoia. E se ela fosse realmente legal? E se ela quisesse ser mesmo sua amiga? E também, se fosse ela a responsável por aquele bilhete, teria outro momento tão bom quanto este para descobrir? Se juntar ao inimigo sempre é a melhor maneira de pegá-lo. Isso se Fanny realmente fosse uma inimiga... E, além do mais, o que ela tinha a perder? Sua vida estava ruindo depois do término com Tommy, e ela mesma estava se mostrando algo que jamais pensou que poderia deixar escapar do seu mais profundo estado de espírito. Ela estava pronta para o que desse ou viesse.

— O que você me sugere? — ela perguntou, animada.

Fanny deu um sorriso e puxou fortemente a mão de Helena.

— Apenas venha comigo.

Helena assentiu e quando olhou para trás, em uma rápida fração de segundos, viu que olhos negros a observavam à distância.


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