POV. Misha McKenna

Coloquei uma pedra no estilingue e mirei em um coelho. Ele estava na mira. Estiquei o elástico e arrumei a direção.

Soltei a pedra e ela foi direto na cabeça do animal. Sorri.

Corri até ele, peguei-o nos braços e estava levantando do chão quando escutei passos não muito longe de onde eu estava.

Dei alguns passos para trás e vi de relance algo branco por entre a folhagem densa da floresta. Imaginei ser o uniforme de um Pacificador, então, o mais silenciosamente que pude, saí de lá, em direção à minha casa.

Depois que perdi minha mãe em um incêndio, onde minha antiga casa foi carbonizada, tive que morar na floresta dali em diante. Não que eu ache ruim, não acho, mas é que sempre que eu saio pra cidade (coisa que eu tenho que fazer todo ano, por causa da Colheita), eu vejo as pessoas por ali me olhando com desprezo e tudo mais.

Não as culpo. Acho que, na cabecinha miúda delas, essas pessoas têm um motivo. Se você pensar bem, minha mãe não era uma mulher bem vista no Distrito 3, e meu pai era um Pacificador. Pacificadores, geralmente, não são muito bem recebidos por conterrâneos... E eu fugi pra floresta assim que minha casa pegou fogo.

Se elas gostam de me ver uma vez por ano? Provavelmente não.

Entrei em “casa” (uma cabana de madeira, que existe no meio da floresta) e deixei o coelho no armário embaixo da pia. Tirei minha jaqueta e coloquei minha roupa mais chique.

Meu pijama.

Não, mentira. Coloquei uma blusa verde e uma saia branca (pelo menos eu tentava deixá-la branca) que eu comprei no Distrito ano retrasado e passei uma água em minha bota preta de couro.

Blusa, saia e bota de couro? Não, não é a roupa mais chique do mundo, mas é a única que eu tenho.

Estou aceitando doações.

Bateram na porta e eu a abri.

– A Colheita já vai começar. – O Pacificador disse.

– Tá, já to indo. – Falei.

Saímos da minha casa e ele me escoltou até a cidade.

Assim que coloquei os pés no centro do Distrito 3, comecei a sentir os olhares de reprovação em cima de mim.

Esse era o pior dia do ano inteiro. Pois, além de arriscar minha vida, eu ainda tinha que aguentar todas aquelas pessoas me julgando por algo que aconteceu sem que fosse minha culpa.

– Qual seu nome? – Um homem com cara de cansaço perguntou.

– Misha McKenna. – Respondi. Ele colheu meu sangue e eu fui até a ala das garotas.

Uiara estava fazendo suas típicas piadas sem graça, tentando fazer o tempo passar.

O vídeo passou inteiro e, assim que terminou, ela sorriu.

– Todos tão entusiasmados como eu? – Ela perguntou, sorrindo de orelha à orelha. Literalmente. Sua boca havia sido modificada na Capital. Parecia ter sido rasgada. Seu sorriso mostrava absolutamente todos os dentes de sua boca e quase tocavam na orelha.

Uiara era a mulher mais ridícula de toda a Capital, tenho certeza. E olha que para ser a mais feia da Capital inteira... Precisa de muito.

– Esse ano nós passamos de casa em casa... – E ela começou a falar que o Distrito ia escolher seus tributos.

Não sabia se chorava ou sorria. Com todo aquele desprezo que as pessoas guardavam especialmente para mim, tinha certeza que várias nem pararam para pensar. Apenas disseram meu nome e de qualquer outro garoto do Distrito.

– Então, para representar o Distrito 3 nos Jogos Vorazes, eu chamo aqui em cima... Misha McKenna! – Ela anunciou.

De esguelha, vi algumas garotas sorrindo. Elas não estavam sorrindo de alívio. Elas estavam sorrindo porque (talvez) finalmente se veriam longe de mim.

Subi no palco e olhei para o pessoal do Distrito.

“Parabéns. Conseguiram o que queriam.” Pensei. “Bando de idiotas”

– Vamos para nossos meninos. – Uiara disse, me forçando a abandonar minhas ameaças mentais contra a população. Ela abriu um envelope roxo e sorriu (ou melhor, assustou a todos os bebês presentes). – Nosso tributo masculino para o Massacre Quartenário será... Arejay Howe!

Um garoto muito alto, parecendo ter 18 anos, com uma barba rala e os cabelos longos e encaracolados caindo sobre os ombros subiu no palco também.

– Esses são nossos tributos do Distrito 3! - Uiara disse, levantando nossas mãos, depois que nos cumprimentamos. – E que a sorte esteja sempre à seu favor!

Assim que entramos no edifício, Alejay olhou para mim com seus olhos castanhos e perguntou:

– A sorte está do seu lado?