Lua Azul escrita por Mr Ferazza


Capítulo 15
XIV. COMEMORAÇÕES (COM UMA AMOSTRA GRÁTIS...)


Notas iniciais do capítulo

Demorei bastante para postar esse.... Bem todos conhecem velho bloqueio. Bem, não tive tempo de revisar, mas acho que os erros de digitação de sempre devem estar um pouco menos frequentes, já que estou tomando mais cuidado... Quem sabe. Gostaria de agradecer à Letícia Volturi Riddle Malfoy, Twilighter Salvatore e Lia pelas recomendações mais recentes. Muito obrigado. Adoro vocês. Muito bem... Vamos ao capítulo.



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XIV. COMEMORAÇÕES (COM UMA AMOSTRA GRÁTIS DA RUÍNA IMINENTE)

Alec

Eu ainda não havia pensado seriamente me como seria difícil me dar conta do que eu estava me dando agora.

Parecia uma piada de muito mau gosto que eu tivesse atendido o meu desejo de saber de tudo o que papai nos escondia... Quase que a tempo de desejar o contrário. Pelos relatos de Lael, obviamente — porque ele ainda não sabia de nada — não tínhamos nada a temer... As pessoas supersticiosas eram somente isso: Supersticiosas. E tinham medo demais do desconhecido para que pudessem realmente fazer alguma coisa contra ele... No entanto, talvez, tivessem certeza de que tudo aquilo não passava de paranoia e de pua coincidência — palavra favorita de Jane. É claro que eu não entendia o porquê dela gostar tanto dessa palavra... Agora, analisando mealho um futuro possível, podia ter alguma ideia do motivo de sua obstinação.

Mas eu estava perdendo o fio de meu raciocínio... As histórias e registros de Lael eram mais importantes do que as análises que eu fazia e da Jane — que ela já sabia, é claro. — E se ele as pessoas não o tivessem notado com mais evidência exatamente porque ele não sabia de nada? Certa vez alguém disse a mim e a Jane — Noah ou papai... Eu não tinha muita certeza; tudo aquilo era confuso demais — que, quanto mais consciência alguém tem de seus “dons”, mais proeminentes seus dons se tronam.

Talvez, se ele não soubesse o que ele mesmo possuía, as pessoas ao seu redor também não perceberiam... E então, ali, deitado em minha cama quente, morrendo de vontade de dormir — mas não com sono —, eu tinha uma revelação um tanto pesarosa para Jane — que ressoava suavemente enquanto dormia — e para mim.

Tínhamos plena consciência de nossos dons — Contra sua vontade, Jane concluíra, por um excesso de evidências que provavam isso, que a história dos dons não era invenção minha. — Isso fazia, aparentemente, com que eles se tornassem mais evidentes; No mês passado, Jane colocara em seu pensamento consciente o fato de que ela tinha dons... Talvez fosse só o que estava faltando para que eles se tornassem mais evidentes do que já eram.

Tentei eliminar esse pensamento. Durante todo o mês não tinha havido nada de estranho para que alguém pudesse colocar a culpa em nós. E isso era novidade. Essa conversa de consciência dos dons não devia passar de bobagem. Era isso. Havíamos procurado nas anotações de Lael e nada estava escrito.

É claro que eu não tinha lido o resto do diário em que outras pessoas além de Lael haviam escrito. E isso havia acontecido mais por receio do que eu iria encontrar do que por qualquer outra coisa. Não era covardia ou medo. Era somente cautela; eu não ia querer ficar sabendo de coisas que não devia... Poderia não ser o momento certo.

Tudo bem! Eu não poderia enganar a mim mesmo. Tinha, sim, medo por aquela história da consciência. Se soubéssemos demais sobre nós mesmos, talvez acabássemos sendo caçados como animais indefesos fugindo de um predador incrivelmente forte, incansável e supersticioso... Argh! Porque eu não conseguia me livrar desses pensamentos idiotas?

Levantei-me da cama e fui beber água. Quando retornei, percebi que aqueles pensamentos ainda ocupavam o lugar onde o sono deveria estar... Eu deveria dormir, mas não tinha sono. Nada conseguia me livrar daquelas ideias malucas e paranoicas! Talvez, se eu mergulhasse minha cabeça num balde d’água essa ansiedade e temos iriam embora.

Não precisei de nada disso, afinal. Logo um bocejo irrompia por minha boca fechada; tentei reprimi-lo, mas não deu certo.

Acomodei-me na cama para dormir. Amanhã seria um grande dia.

Jane foi acordada com um coro — de papai e mamãe — de “parabéns pra você”. Eu, por consequência, fui acordado também.

Papai e mamãe estavam à soleira da porta. O braço direito de meu pai apoiado levemente no ombro de mamãe, que tinha em suas mãos um bolo em forma de um crescente de massa assada, coberto com mel que de derramava vagarosamente para a bandeja de prata.

Jane se acordou e ficou ereta na cama no mesmo instante que eu, as mãos arrumando os cabelos atrás da orelha. Um sorriso tímido se espalhando por seus lábios enquanto ela tomava conhecimento da data

— Mas é tudo isso? — Perguntou ela, mesmo sabendo “o que era aquilo”.

— Hoje é dia 27 de janeiro... Parabéns, querida. — disse mamãe. Seus olhos azuis marejados com as lágrimas que brotavam.

—Felix Dies Natalis — Papai falou e eu reconheci imediatamente que ele falava em Latim.

— Obrigada — disse Jane.

Papai colocou a mão no bolso de sua roupa e tirou de lá uma coisa pequena e dourada. Aliás, eram duas coisas pequenas e douradas. Ele estendeu os brincos em sua mão, a palma voltada para cima na direção de Jane.

Jane estendeu a mão para ele também e papai deixou cair os brincos dourados em sua palma pálida. Os minúsculos brincos de ouro refulgiram à luz do Sol quando esta os tocou; tinham formas estranhas como números 8 na horizontal.

Eu ergui uma sobrancelha, confuso demais e tentando descobrir o que significavam. Papai viu minha expressão e explicou:

— São amuletos que simbolizam o infinito, oque era facilmente dispensável, porque o ouro, em si, já simboliza o eterno, a imortalidade e a vida eterna. Embora essa simbologia tenha tido mais significado no Egito antigo, acredito que ainda sirva para demonstrar meus votos de felicidade.

Jane baixou os olhos, de meu pai para os brincos de ouro, examinando-os com cuidado entre os dedos. O metal da eternidade refulgiu de novo à luz certa quando Jane os aproximou mais um pouco de seus olhos.

Jane sorriu de novo e disse:

— Obrigada, pai. — ela falou, levantando-se da cama e, dando-lhe um beijo na bochecha, de leve, o abraçou com as mãos fechadas em punho para não deixar cair seu presente. — Vamos, me ajude a colocar.

Ele soltou o abraço de Jane gentilmente.

O intuito de um presente era que ele, de alguma forma, canalizasse coisas boas para quem o ganhasse. Por outro lado, quem presenteia deve ser alguém próximo e que nos deseje coisas boas.

Papai se afastou de Jane quando colocou os brincos, admirando em perspectiva seus novos presentes.

— Ah, os brincos são presentes de sua mãe, aliás. — Disse ele. Jane pulou da cama para o chão e correu para abraçar nossa mãe.

Ela batia na altura da caixa torácica de mamãe, mas o abraço conseguiu ser transmitido, mesmo que ela estivesse com as mãos ocupadas segurando o bolo de Jane.

— E esse é o meu presente. — papai disse, estendendo para Jane uma forma que era meio disforme à luz ofuscante que ele refletia; também era feito de ouro. Ele segurou o objeto pela corrente, entre os dedos, e ele oscilou, suspenso.

Eu identifiquei o objeto quando a luz refletida demasiadamente desapareceu; pendendo pela corrente de ouro, estava um pequeno relicário redondo, também de ouro. Parecia pesado e, ainda que não estivesse sob a luz, refulgia um pouco.

Jane estendeu as mãos e papai deixou cair nelas o pequeno medalhão redondo e eu pude ver uma videira entalhada em volta do círculo externo.

— Abra — disse ele.

Jane demorou um pouco para conseguir abrir seu presente. Quando o fez, vi que havia algo escrito dentro e, do outro lado, aninhada no espaço relativamente grande para uma pedra preciosa, havia uma linda pedra azul com alguns tons de dourado irrompendo na superfície em padrões irregulares.

Ela também examinou detidamente esse presente.

— O que significa essa inscrição? Não acho que seja latim... — Jane deixou sua voz minguar quando aquilo lhe trouxe à lembrança algo de que ela não queria se lembrar. Não hoje.

— É francês e significa “Mais do que minha própria vida”. E quanto à pedra... Bem, é Lápis Lazuli e está ligada à mente e à força e equilíbrio dela. Pode significar poder — papai disse a última palavra de forma rápida — e está ligada à proteção. No Egito era considerada sagrada.

Jane ficou sem palavras por um minuto e depois disse a papai pela segunda vez:

— Obrigada — disse, abraçando-o de novo.

Depois disso Jane fez o pedido para o fogo no pavio da vela. Mamãe guardou a vela acesa — pois se Jane a apagasse, de nada serviria seus pedidos.

O dia, por uma enorme surpresa, se passou normalmente. Nada daquela conversa que, antes, eu teria ficado ansioso; agora que eu sabia o que poderia significar, no entanto, eu estava fervorosamente de acordo em deixar o assunto para trás. Não queria pensar naquilo mais do que devia. Jane, por coincidência — ou talvez a coincidência fosse eu não querer falar naquilo —, tampouco queria falar sobre aquilo. Então era a primeira vez, em muito tempo, nós concordávamos com alguma coisa a respeito de nós mesmos. Era perigoso demais — tudo de que tínhamos certeza.

No outro dia seria meu aniversário — Jane e eu, embora fôssemos gêmeos, havíamos nascido em dias diferentes.

Eu nunca havia entendido o porquê de celebrar dois aniversários, praticamente colados, em dias separados, mas papai nos dizia que não trazia sorte se o fogo estivesse representando e canalizando as vontades e desejos de duas pessoas simultaneamente. A noite também não era o momento adequado para celebrar um — nesse caso, dois — nascimento.

O anel que que havia ganhado de meu pai tinha mais ou menos uma pedra igual à do relicário que Jane havia ganhado na véspera, com o mesmo tamanho, a mesma cor e a mesma inscrição na parte interna do aro do anel de ouro: “Mais que minha própria vida”. Mamãe havia me dado um corrente. O pingente, também de ouro, tinha o símbolo do infinito.

Quando perguntei a meus pais o porquê de tantos presentes, mamãe me respondeu.

— Treze anos é uma idade importante, filho. — Disse ela. Depois me lançou um sorriso e afagou meus cabelos.


Parecia algo incrivelmente surreal que tudo estivesse correndo de uma forma normal. As pessoas pareciam ter esquecido tudo o que, antes, as deixavam com medo ou até mesmo com raiva. Seria somente coincidência que somente depois da morte de Noah pudéssemos ter alguma paz? Podia parecer loucura, mas era assim que eu me sentia. Ninguém mais nos olhava como se fôssemos aberrações ou alguma coisa parecia.


Ironia aera o fato de alguém nos ter dito que, depois que adquiríssemos consciência de nossos dons, as coisas só ficariam mais difíceis. Ou talvez fosse exatamente por esse motivo. Talvez as pessoas tenham sabido — pela enorme boca de Noah — que não era bom que nos dessem motivos para ficarmos irritados.

Mas tudo podia ser somente imaginação de minha cabeça. Era óbvio que os olhares estranhos tinham abrandado um pouco, mas isso não mudava o fato de que as pessoas sabiam de alguma coisa a nosso respeito.

Jane poderia dizer que a paz, a tranquilidade e a falta de medo, muito presentes nessas últimas semanas do inverno, me incomodavam um pouco. E talvez fosse; a verdade era que eu me incomodava, sim, com toda essa tranquilidade. De maneira alguma eu queria ter novamente aquelas experiências, traumáticas, para meu psicológico, mas não era uma paz que eu pudesse sentir em todo o meu ser. Parecia algo tenso demais, na verdade. Tenso a ponto de fazer com que as pessoas se calassem para evitar conflitos. Era a tensão que me incomodava, não a paz. No entanto, Jane parecia não sentir isso tanto quanto eu. Na verdade, ela era obtusa demais para perceber algo assim.

Tudo bem, talvez eu a subestimasse, mas não era possível que ela nunca concordasse com nada do que eu dissesse. Não era necessidade de me reafirmar. Como não conseguia convencê-la, resolvi guardar minhas conclusões para mim mesmo.

Certa noite eu lia, sob a luz tênue da vela em meu quarto, o diário velho que papai nos entregara há alguns meses. Surpreendente era o quanto aquele diário estava servindo para alguma coisa. Em um sentido geral, era de uma ajuda incrível — se você estivesse procurando por absolutamente nada. Tudo o que havia escrito ali já era de conhecimento meu.

Jane havia folheado o diário, se frustrado com o que encontrara — ou com o que não encontrara — e quase rasgado. “Qual o sentido dessa velharia idiota?”, Havia indagado ela, mais para si mesma do que para quem quer que a estivesse ouvindo.

De fato, o diário não respondia a muita coisa. Questionamentos frustrados — tais como os nossos — eram o que, na maioria das vezes, compunham as páginas do diário. As informações novas eram tão pouco relevantes que não valiam a pena serem analisadas. As informações relevantes não eram exatamente... Novas.

Nossas descobertas não estavam indo muito bem, e, por mais que fosse certo descobrir mais sobre nós mesmos, não queríamos. Esperança inútil. Não era exatamente verdade, mas tudo parecia acontecer ao contrário do que desejávamos e, embora eu estivesse tentando lembrar a mim mesmo de que nada havia acontecido por vários ciclos, não conseguia espantar de minha cabeça a sensação de que algo realmente mau estava caminho.

O fato de não saber o que era só me deixava mais tenso à medida que as semanas se passavam e nenhum de nós dois encontrava nada. Então, ficamos surpresos em encontrar algo, especialmente quando não estávamos procurando nada.

— Ah, isso não serve para nada! — disse Jane, frustrada de novo e jogando o diário na parede, que fez um ruído baixo e caiu aberto, com a capa preta e velha voltada para cima. — Diga-me o porquê de papai ter-nos entregue essa porcaria! Ainda se servisse para alguma coisa... Mas acho que é capaz de não queimar, se o jogarmos no fogo. — Jane estava realmente muito brava, como era sua tendência quando se zangava. Aquela atitude era, no mínimo, estranha; é claro que eu já me acostumara com o fato de Jane aceitar a realidade de sermos quem somos, mas ainda assim... Aquela determinação em encontrar respostas era quase obstinada.

— Acalme-se, Jane... Se não encontramos ainda, duvido que haja algo que precisemos saber... — eu disse, mas minha voz pareceu minguar quando a sua ficou mais alta do que a minha, para me fazer calar a boca.

— Ou talvez todos tenham problemas em dizer a verdade — ela estava quase gritando; sua voz era severa de uma forma que eu nunca pensei que Jane poderia falar, seu tom era tão inflexível que eu podia acreditar realmente nela... E talvez ela estivesse certa. Não seria a primeira omissão que enfrentaríamos.

Eu arqueei uma sobrancelha e depois dei de ombros... Fosse como fosse, não nos ajudaria nada saber de algo que não vivenciaríamos. Talvez como fonte de informação, precaução, mas isso era o máximo que teríamos.

Tudo bem, eu tinha de admitir que aquilo fosse algo grande a se saber, relevante. Seria, sim, de muita ajuda.

— Certo. — eu disse, tentando aclamá-la. Os ataques de loucura e raiva haviam diminuído muito, mas, às vezes, ela ficava com raiva demais para segurar as palavras dentro dela, principalmente quando essa raiva era fruto da frustração por não encontrar nenhuma informação útil. — Mas tente se acalmar... Sabe que coisas ruins podem acontecer se você perder o controle.

Jane bufou ao ouvir aquilo

— Obrigada por me lembrar — disse ela, com sarcasmo.

— Pensei que tivesse aceitado esse fato — lembrei a ela.

— O fato de eu ter aceitado não significa que eu morra de vontade de ficar sendo lembrada disso a cada segundo. Na verdade, pode-se dizer que estou mais resignada do que qualquer outra coisa.

Estranho. Jane, assim como eu, não era de ficar falando no que ela sentia. Principalmente se não fosse algo bom; eu sabia que estar resignada não era uma coisa boa para ela, então me surpreendi quando ela falou aquilo.

— Desculpe — murmurei.

— O que vai fazer? — perguntou Jane quando eu levantei da cadeira para pegar o diário que ela havia arremessado do outro lado da cozinha.

Eu a ignorei e peguei o diário do chão. Eu estava fechando-o para guarda-lo longe das mãos instáveis de Jane quando alguma coisa em suas páginas amareladas atraiu minha atenção.

No canto de uma das páginas, no final do diário, estava uma inscrição em preto — como o restante do diário —; a letra era miúda e meio espremida entre os parágrafos regulares e legíveis. Aproximei os olhos da página para tentar ler o que estava escrito, mas a letra era realmente muito pequena que quase fez doer meus olhos.

A inscrição — que era quase um parágrafo inteiro — ocupava praticamente toda a margem direita de uma daquelas últimas páginas do diário. Mesmo que eu me esforçasse e chegasse perto o bastante para ver a poeira na página, era muito confuso. Ocorreu-me, então, que o intuito era exatamente esse: dificultar a leitura ou impedi-la. Não fazia sentido; se alguém não queria que algo fosse descoberto, por que escrever?

— Alec? — chamou Jane, retirando-me de meu momento de concentração.

Eu virei a cabeça em sua direção.

—Sim?

— Ah, não era nada. Pensei que estivesse comendo o diário. — ela observou.

— Rá. — eu ri só uma vez. — Muito engraçadinha. Você também estaria quase engolindo o diário se estivesse tentando decifrar uma caligrafia mais ilegível do que hieróglifo com erros de ortografia.

Jane riu.

— Essa foi boa. Melhor que a minha, pelo menos — ela disse e depois, com minhas palavras melhor assentadas em sua mente, arqueou uma sobrancelha, examinando cuidadosamente minha expressão que ela descreveria como pragmática. O que, na verdade, era confusa.

— No que está pensando? — perguntou-me depois de alguns segundos em silêncio e com a sobrancelha arqueada.

Comprimi os lábios em uma linha fina, pensando sobre o que estava pensando.

— Na verdade, em nada.

Jane arqueou — se é que era possível — a sobrancelha ainda mais enquanto compreendia minhas palavras.

— O que foi? — repliquei.

— Nada... É que você nunca não está pensando em nada. — ela disse e sua frase enrolada, no início, soou estranha em meus ouvidos.

— Estou confuso... Por que alguém escreveria um parágrafo apertado ao lado de outro parágrafo, sendo que, na outra face da página, há um enorme espaço em branco e mais uma folha intacta ao lado? — eu disse, estendendo o diário para que ela conferisse o que eu dizia.

Jane tentou conter o riso, sem sucesso algum.

— Qual é a graça? — perguntei.

— Nada... Às vezes você se preocupa demais.

— Como se você não fosse tão paranoica quanto eu — observei.

— Tem razão... Mas é só um parágrafo pequeno. O que, de tão importante, poderia estar escrito em duas linhas espremidas no canto de uma página amarelada?

O que poderia haver? O que poderia não haver? A verdade era que, muito provavelmente, eu não tinha ideia e não poderia responder à pergunta retórica de Jane. Assim, apenas dei de ombros, concordando silenciosamente com o que ela havia dito.

— Talvez tenha razão — disse. — Mas, ainda assim, isso não estaria aqui se não fosse importante. Aliás, é o que mais me intriga, sabe? Tem uma folha e meia em branco que poderia ser usada, mas o parágrafo está apertado entre outro parágrafo e a extremidade da folha... — meu comentário se perdeu no silêncio enquanto ela constatava o que já devia saber; era bem provável que ela também tivesse pensado nisso.

Seus olhos se abriram um pouco mais e ela me fitou com suas íris de um azul profundo, idênticas as minhas.

— Isso... Faz sentido!

— É claro que faz. A não ser, é claro, que as páginas do final tenham sido adicionadas depois... O que eu divido muito. A cor e a textura das páginas são iguais a todas as outras.

Jane assentiu a baixou os olhos para examinar o diário mais de perto. Enquanto seus olhos se detinham no emaranhado de letras e rabiscos quase ilegíveis, seu rosto fazia expressões cômicas; eu tinha certeza que fiz as mesmas caretas enquanto estive tentando decifrar aquilo.

— Alec, feche a Janela, por favor. — pediu ela, sem desgrudar os olhos do diário.

— Por quê?

— A luz reflete nas páginas e deixa meus olhos cansados... — ela não terminou e voltou tentar ler.

— Obrigada — murmurou ela depois que a luz diminuiu.

Como era dia, ainda havia luz suficiente para que pudéssemos enxergar sem dificuldade.

— Alguma coisa? — perguntei depois de alguns segundos em silêncio.

Jane me ignorou por um instante e depois ergueu a cabeça para me fitar; sua expressão não era de frustração. Algo na disposição da boca me dizia que ela estava mais satisfeita do que queria deixar transparecer para mim.

— Definitivamente, sim — ela disse. — Mas só consegui descobrir algumas palavras. O restante está muito mais confuso. — Jane estendeu o diário para mim, para que eu mesmo pudesse ler o que estava escrito.

Aproximei meu rosto do diário e, com algum esforço, consegui realmente encontrar sentido em algumas palavras do início.

“Não deveria... subestimado. A ignorância... Minha família se foi, meus amigos pereceram...”.

Aquelas pequenas frases entrecortadas eram tudo o que eu conseguia entender. Não era uma ótima dica, mas o suficiente para que pudesse conseguir entender a mensagem.

— Até onde conseguiu ler? — perguntei a Jane, que me fitava em uma expectativa injustificada.

— Subestimado — citou.

Isso, pelo menos, explicava o porquê de Jane não estar tendo um ataque. A última frase do parágrafo parecia que havia se fundido com o tecido de meu cérebro, espalhando-se por todas as terminações nervosas enquanto eu processava mais detalhadamente aquele pequeno trecho.

Eu tinha certeza de que, se não estivesse sentado, agora estaria prostrado de joelhos; nada teria me feito ficar em pé. A notícia me era terrível e eu sabia que, se eu não tivesse perdido, há muito, a capacidade de respirar e houvesse, assim, ar em meus pulmões, eu estaria gritando, pedindo por ajuda.

Mas aquela não era a hora de ter um ataque de pânico. Jane não sabia o que eu havia acabado de ler e, para sua sanidade, era melhor que ficasse dessa forma. Talvez eu tivesse interpretado errado. Talvez não quisesse dizer o que eu pensava que queria dizer... Não. Eu estava sendo um tolo. Não havia outra interpretação para o que eu acabara de ler. Poderia haver, sim, outra forma de escrever aquilo, mas eu duvidava que houvesse outra forma de interpretar.

O pânico era muito maior do que quando eu havia percebido que Jane e eu estávamos em perigo. Talvez já estivéssemos tão conformados — tendo sabido disso há muito — que a notícia não seria surpresa alguma.

Mas nosso pai e nossa mãe era algo que eu nunca poderia ter imaginado. Nunca.

As palavras se repetiram em minha mente de novo, como se para me lembrar do que estava por vir. É claro que a catástrofe iminente não deixaria de mandar lembranças por mais de alguns meses. O prazo que tínhamos para ficar mais ou menos em paz com nossa situação havia acabado. As palavras que selavam o futuro — próximo ou não — se repetiram mais uma vez em minha mente.

Minha família se foi, meus amigos pereceram.









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Notas finais do capítulo

Reviews? Aceito, também, dos leitores fantasmas. Obrigado por acompanharem. Vou tentar não demorar muito para postar o próximo, mas não posso garantir nada. Por favor, tenham paciência comigo. Obrigado de novo.



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