A pequena casa popular cercada por várias outras de variados tamanhos parecia se destacar. Mas não, não era pela beleza ou simplicidade.

Era pela música.

— Mitsue! – Um homem em seus 33 anos de idade acabara de limpar seu velho piano.

Era um Brasted London de cor marrom que seu pai havia lhe dado há tempos.

O homem desvia a atenção do piano quando ouve o barulho da porta ser aberta e fechada. Para sua alegria uma garota com apenas doze anos, cabelos longos, escuros e belos olhos prateados, correu em sua direção com um sorriso largo cobrindo a face. Seus braços se agarraram a cintura do pai enquanto o olhava - o olhar radiante.

— Papai! O senhor vai tocar comigo hoje?! – Perguntou com a animação costumeira.

Ele se abaixou até ficar na altura da linda mocinha e lhe tocou a cabeça com um sorriso.

— Só se você me tocar aquela música que lhe ensinei antes. Você conseguiu aprender?

— Sim! – Sorriu novamente, desta vez ansiosa.

Ela saiu da frente do seu pai e correu até a banqueta marrom do piano, sentando-se com um pouco de dificuldade por ainda ser pequena. Seu pai levantou a tampa do piano revelando as teclas de marfim.

A garota virou a cabeça para o pai, já sentada e com as mãos juntas em seu colo.

— Posso começar papai?

— Quando quiser, querida – Disse com um sorriso, posicionado logo atrás dela.

A garotinha alegre de minutos atrás de repente tomou uma postura calma, o pequeno rosto focado apenas no instrumento a sua frente tal como seu pai lhe ensinou. Então suavemente tirou as mãos do colo, estendendo os dedos infantis pouco acima das teclas. Em menos de um instante a música se iniciou.

Um sorriso brotou dos lábios do homem assim que reconheceu a melodia que dançava em seus ouvidos: Tempo di menuetto, de Beethoven em G maior. Com certeza uma linda melodia.

A garotinha de doze anos se metamorfoseara em uma verdadeira pianista enquanto tocava com seus dedos gordinhos a música, a expressão suave e a atenção completamente voltada a ela. Era inevitável o orgulho que o homem sentiu ao vê-la tão linda no piano.

De modo silencioso, uma bela mulher de cabelos ondulados e negro-azulados entra na sala com uma bandeja com bolo e suco. Ela coloca a bandeja na mesa próxima a ela e anda até o marido, sem tirar os olhos de sua garotinha. O homem passa um dos braços pela cintura delicada da mulher e aproxima os lábios de sua orelha.

— É maravilhosa, não é? – Murmurou.

A mulher sorriu, movendo os olhos escuros para o marido.

— Se continuar assim, será tão talentosa quanto o pai

Ele abriu outro sorriso, depositando um beijo na testa da mulher antes de voltar a olhar para a garota que agora encerrava a música com os dedos saltitantes antes de tocar os dois últimos acordes e parar.

O homem retirou o braço de sua mulher e começou a bater palmas para a filha, que ao ouvi-las pareceu despertar para a realidade. Lembrando-se do que seu pai lhe disse desde a primeira lição de piano ela saiu da banqueta, e, com as duas mãos juntas, se curvou para os pais sem conseguir esconder um sorriso de alegria.

— Parabéns minha filha! – A mãe foi até ela e abraçou a garota que havia acabado de levantar de volta – Você conseguiu de novo, como esperado! – Completou, apertando mais o abraço entre as duas antes de solta-la.

— Mãe, o papai me ensinou muitas músicas ultimamente! – Falou com mais animação que antes.

O pai se aproximou dela e tocou seu ombro.

— Querida, provavelmente eu lhe ensinei todas as músicas que eu sei, inclusive a que tocarei hoje à noite.

A mulher pareceu se lembrar de algo importante quando ele disse aquilo e de pronto se levantou, fazendo um rosto autoritário ao dizer:

— É mesmo Ichirou! Sua apresentação é as dez horas e já são... – Ela olhou o relógio de pulso e arregalou os olhos – Meu Deus... Já são quase oito horas! – A mulher se apressou até a mesa onde colocou o lanche dos dois e colocou o suco e o prato de bolo da filha na mesinha ao lado do piano – Querida, coma seu lanche que logo te buscarei para que tome um banho – Ela se virou para o marido com ar mais autoritário ainda e ele engoliu em seco – E você, venha comigo! Já devia estar se arrumando há muito tempo!

— Calma Miwa... Não precisamos de tanta pressa assim – O marido tocou seus ombros na tentativa de acalmar a sua mulher.

Mitsue foi até seu pai e puxou sua camisa dele com um beicinho de chateação – Papai... Você disse que tocaria comigo hoje.

O homem virou o rosto para a garota e abriu um meio sorriso.

— Eu sei disso e vamos tocar juntos...

— Não mesmo, para se atrasar mais?! Só depois que você estiver pronto que poderá tocar numa tecla sequer – Miwa pegou o braço do marido e o puxou em direção a porta.

Mitsue acompanhou eles com um rosto contrariado e parou assim que Miwa se virou para ela - seu pai esperando do lado de fora.

— Coma logo minha querida, prometo que mais tarde você tocará com seu pai, tudo bem?

A garota fez um muxoxo e abaixou o rosto.

— Tudo bem mamãe...

Quando sua mãe estava prestes a consolá-la Ichirou ressurge na porta, interrompendo-a com uma das mãos. Ele dobra seus joelhos em direção a filha chateada, tocando o rosto dela e erguendo-o até a altura do seu.

— Mitsue, eu prometo que assim que eu terminar minha apresentação passaremos a noite inteira tocando até chegar a hora de dormir – Falou com uma voz macia de consolo.

O rosto da garota pareceu melhorar e um sorriso leve surgiu.

— Você promete mesmo que voltará para tocar comigo papai? Não vai quebrar a promessa?

Ele pegou as mãozinhas da menina e as beijou, uma por vez, e a olhou no fundo dos olhos antes de dizer com firmeza:

— Eu prometo que voltarei Mitsue, por nós dois.

E assim, depois que todos estavam prontos, Ichirou foi para a apresentação antes da família para organizar as coisas no teatro. Contudo, para a nossa garotinha, depois daquela noite seu pai não seria capaz de cumprir sua promessa.

Ele não voltaria para casa.