E mais um dia começava, e aquele sol escaldante, que mais parecia feito para tostar minha pele, também estava de volta. Queria poder simplesmente voltar para a cama e dormir até anoitecer, e só então me levantar. Mas estudando em um internato, essa era a última coisa que eu poderia fazer. Eu não poderia fazer o que queria nem por um dia, a menos que estivesse doente, e muito doente. Ou convencesse as irmãs que eu estava doente o bastante para ser liberada de cada uma das aulas do dia. Nunca tivera essa sorte, e não tinha a manha da maioria de minhas colegas, que simplesmente pareciam adoecer bem nas provas, quando teriam de entregar algum trabalho ou fazer alguma apresentação. Muito providenciais mesmo as doenças das garotas. E eu realmente odiava isso. Era clara a mentira, e nem assim elas eram pegas. Como elas faziam isso...

-Rachel, acorde ou vamos nos atrasar para a aula da senhorita Aderly.

Mas acho que estou me adiantando. Sou Luna, estudo na Academia Clarion para Moças, e minha colega de quarto se chama Rachel. Ela não se encaixa aqui mais do que eu, e somos até que bastante parecidas uma com a outra, inclusive nas excentricidades. Sou ruiva, tenho olhos verdes e uma pele de marfim, além de ser uma garota pequena para a maioria dos padrões. Me acho pequena de mais, mas ao menos sou silenciosa, segundo Rachel. Mais pareço uma caçadora. Não que ela precise saber que realmente caçava quando era menor, com meu pai. Ou melhor, quando era mais nova.

Rachel é rica, e adora pintar. Ela poderia até ser a aluna mais popular daqui, não fossem as constantes rebeliões contra os padrões de comportamento pré-estabelecidos e os códigos de vestimenta rígidos. Mas nós duas sempre damos um jeito de os quebrar, mesmo que de maneira discreta. A diretora se cansa de chamar meu pai, e o dela, para conversas sobre comportamento e vestimentas. Eles dois parecem estar quase desistindo de nos transformar em damas da sociedade, ou ao menos o meu parece desistir. O pai dela é mais duro na queda.

-Temos mesmo que ir na aula daquela mocréia?

-Quer ser expulsa?

-Quero.

-Eu também, mas não vai ser ficando burras que vão nos tirar desse inferno. Vem, vamos para a aula. Podemos aprontar o tempo todo.

-Vou cobrar.

-Claro, claro.

Enquanto falava, tentava deixar meu cabelo de maneira apresentável, mas sabia que era uma batalha perdida. Ele era armado, era vermelho, e era completamente teimoso. Tanto quanto eu, ou quase. Eu não poderia deixar de aceitar que meu cabelo tinha tanta personalidade quanto eu, mas isso não me fazia gostar mais dessa notícia. Por fim, desisti e apenas prendi meus cabelos em um rabo de cavalo, algo aceitável para mim, mas não para a escola. Perfeito.

-Pronta?

-Quase. Calça riscada, ou saia de pregas?

-Calça.

O uniforme exigia saias de pregas para todas as alunas, mas nós duas não éramos as únicas que quebravam esse código de alguma maneira. Rachel vestia a saia, mas por cima da calça jeans completamente desenhada por ela mesma com caneta hidrocor. Eu usava a saia, mas com calça militar por baixo. E coturnos. Era muito mais confortável assim. Camiseta era livre, desde que de meia manga, e branca. Claro, com desenhos de caneta a dela, e com desenhos dela a minha. Não era difícil saber por que ela era a queridinha da professora de artes, enquanto eu mal passava de ano nessa matéria. E em todas as outras.

Saimos do quarto, indo diretamente para a sala das aulas de Gramática. Eu odiava essa matéria, era onde minha dislexia atrapalhava ainda mais. Eu nunca conseguia ler o quadro, ou o livro, ou o que quer que fosse que me pedissem. Eu e Rachel usávamos um código para falarmos. E apenas assim eu conseguia entender. Eram apenas gestos, e não palavras escritas. Dentro de uma semana começariam as férias de verão, e Rachel iria para um Acampamento, enquanto eu ficaria aqui, nessa escola, tendo aulas durante as férias. Basicamente, meu pai não queria ter que me aturar nem mesmo durante esse curto espaço de tempo, e a escola era o lugar perfeito para me deixar nesse meio tempo. Eu não poderia atrapalhar nada da sua vida.

A aula foi um pesadelo, como sempre sabia que seria assim que colocava os pés nesse lugar. Eu nunca teria paz nessa escola, ainda mais enquanto as professoras não desistissem de me transformar em uma dama da sociedade. Elas pareciam acreditar piamente que eu seria uma excelente senhorita dentro de pouco tempo. Mas claro que eu sabia que isso jamais aconteceria. A escola seria meu refugio de meu pai, mas seria uma prisão da mesma forma. Mesmo que uma prisão que eles achassem luxuosa, eu ainda chamaria de prisão. Queria ir para algum lugar onde pudesse chamar de lar, mas o único local assim era a fazenda, e meu pai não ia lá a anos. Desde seu segundo casamento...

A aula acabou, e não haveriam outras aulas até a noite, quando o baile seria obrigatório para todas as moças da Academia. Rachel dissera que alguns dos caras da festa seriam mais legais que os últimos, que alguns amigos dela também estaria entre os convidados, mas nem mesmo isso foi o bastante para me animar com a ideia de dançar. Eu não era desajeitada, mas também não gostava de dançar. Preferiria gastar meu tempo no pequeno bosque do colégio, onde ao menos teria paz por algum tempo.

Nessa noite até mesmo Rachel parecia querer se parecer mais... Senhorita. E queria que eu também me parecesse com uma, claro que contra a minha vontade, tive de concordar em me arrumar como uma boneca. E ela mesma fez minha maquiagem, e pasmem, até domou meus cachos. Me sentia quase bonita, não fosse a estranheza da situação. Eu não parecia eu mesma com aquelas roupas, e nem assim ela aceitava tirar aquela coisa de mim. Vestido... Eu nem me lembrava de ter um vestido em minha mala...

Por fim, desisti de discutir com ela e deixei que me vestisse como queria. Já que era para ser uma boneca, eu não agiria como uma em nenhum momento da noite. Eu não seria o que Rachel parecia querer, e muito menos o que todos dessa escola pareciam querer. Eu não era uma princesa, e nunca seria. Ponto. Bando de teimosos... Mas até mesmo agradeci a Rachel, ou quase isso, quando vi como todas as outras garotas estavam vestidas. Meu vestido verde esmeralda me parecia muito discreto agora, e até meus cabelos sumiam no meio de tantos penteados estranhamente perfeitos. E altos.

Garotas arrumadas para conquistar, era isso o que todas elas pareciam gritas. Mas eu não era uma delas, e estava procurando uma brecha para fugir de todo aquele lugar.