O Que É Amar? escrita por Hikari


Capítulo 8
Paradoxo.


Notas iniciais do capítulo

Ooi, gente. Consegui postar hoje, yay. o/
Espero que gostem... e desculpem-me se fiz alguma confusão.



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Tudo o que Rachel desejava era estar em órbita no espaço, no imenso e avassalador espaço e vácuo, sem ter de pensar, sem ter de respirar, sem ter de mover-se... Apenas a paz.

Algo que ela efetivamente pensava nunca mais encontrar.

–Por que você apenas não vai? Por que você não vai e nunca mais volta? –Annabeth berrou, braços esticados para trás, apontando para algo indesvendável, os olhos expressos toldados e incapazes de reverter a angústia que se inflara para cima dela; Percy suspirou, tentando desanuviar as coerências. Ele segurou os pulsos de Annie e tentou acalmá-la, mas não conseguiu refrear no leve toque áspero de sua voz.

–Você está ouvindo o que diz? Você realmente sabe o que está falando? Annabeth, acorde. Você sabe que não quer dizer isso. Você está paranoica.

–Não diga essas coisas para mim, Percy! –a loira desenlaçou as suas mãos bruscamente e arrebatou-se para trás. Rachel desejou obter um abafador de ouvidos do pé grande, ela recuou alguns passos, engolindo em seco, e sua cabeça virou-se repentinamente como se acompanhasse uma partida de tênis. O rapaz agitou a cabeça, desnorteado e perdendo o senso de direção novamente. As nuvens encobriram pela segunda vez seu modo de pensar.

–Não dizer o quê? É apenas a verdade, Annabeth, eu não posso mentir, certo? Não foi isso que você me ensinou? –o moreno retrucou, retorcendo a expressão como se sentisse dor. Alteou o tom de voz, e sentiu uma pressão fazê-lo continuar: -Aliás, por que você não compra uma mordaça para si mesma? Talvez dessa maneira você pare de resmungar tanto!

Rachel arregalou os olhos. Okay, aquilo não estava nada bem. Já ouvira muitas discussões em sua vida, mas nunca uma que já durara mais de três horas com o mesmo assunto. Ela pensava que poderia preferia ter o corpo gradualmente incorporado em sopa enquanto ela permanecia viva até o último segundo. A cada boca aberta uma frase mastigava-se em opressão e devoção a Hades. Seus ouvidos estalaram quando Annabeth preparou-se para revidar, e antes que pudesse, a ruiva andou alguns passos a frente e levantou os braços.

–Ei, ei, ei! Que tal uma pausa, huh? Um lanchinho? Intervalo do chá entre o bombardeio nuclear? Posso levá-los para dar uma volta, sabem. Pode ser uma sugestão agradável para vocês que...

–Rachel! –ambos viraram a cabeça ao mesmo tempo para fuzilá-la com os olhares flamejando da implacável fúria. A ruiva retesou-se e conteve sua vontade de pular dez metros para trás. Uma fração de segundos depois, os dois voltaram a atenção para o mesmo assunto anterior:

–Eu devia saber. –Annabeth aproximou-se do rapaz, que permanecia no mesmo lugar, os braços cruzados. Rachel empertigou-se e, caso houvesse orelhas felinas, elas se eriçariam, alertas. –Eu nunca deveria ter conhecido você a princípio. Não deveria ter ao menos cuidado de você, ou me preocupado da maneira como sempre faço. Você não merece. Não, porque tudo o que você sempre vai fazer é esquecer. Você sempre se esquece.

E antes que Percy possa ter a oportunidade de dizer algo, ela chegou tão próxima dele que era capaz do rapaz cercá-la com seus braços dentro de um abraço que poderia resolver tudo, mas não foi o que ele fez. Ele apenas ficou parado. Imóvel como uma rocha, inexpressivo como uma folha.

E foi aí que Annabeth deixou escapar. Ela deixou escapar aquelas palavras que poderiam mudá-la para sempre, caso...

–Eu nunca mais quero vê-lo, Percy. –as palavras vieram junto com lágrimas. Lágrimas confusas e frustradas. Ela desviou o olhar, direcionando-o para baixo. –Por favor. Se você ainda se importa... Eu não quero encontrá-lo de novo.

***

Silena escutou barulhos indistintos, longes e incapazes de entender. Podia sentir algo cobrindo-a, e o suor impregnado em sua testa. Deslizou sua mão por uma textura suave e de couro, e notou, ao mesmo tempo que percebia que ainda estava no passado, sua mão inteira e curada, completamente sã, como estava em seu sonho.

Seu sonho... Ou não será exatamente um? Ela sentia que aquilo houvera acontecido, que aquilo era verdade. Os pensamentos voltaram a encher sua mente, tornando-a menor e reduzida em sua perspectiva. Ainda lutava contra suas pálpebras pesadas que teimavam em se abrir. Era como um pesadelo, pulando em camadas por camadas até chegar a superfície e aspirar o ar que seus pulmões insistiam em puxar, seu sufoco desaparecendo para áreas escuras e soterradas.

Ao acordar ela não saberia dizer se isso fora melhor, ou pior. Certamente, era pior. Talvez ainda estivesse dormindo. Talvez não houvesse acordado ainda. Talvez estivesse em uma daquelas camadas de sonhos em que era mais complicado e complexo de fugir. Tinha uma forte convicção de que, se não fosse isso, iria desejar ardentemente que fosse.

Ao olhar em volta, descobriu-se não na casa de sua mãe – como esperava que fosse –, nem na casa de seu pai. Muito menos um hospital, algo que causou a ela um alívio instantâneo. Virou a cabeça e viu uma mesa de madeira refinada elegantemente talhada, estofada e com formas planas encobrindo a superfície almofadada, onde se encontrava uma garrafa. Estendendo o braço, ela agarrou o objeto e trouxe-o perto, levantando ligeiramente a cabeça para conseguir olhá-lo e apoiando-se nos cotovelos. O cobertor que estava sobre seu corpo deslizou enquanto ela erguia-se. Ao estudar o líquido atentamente, olhando-o e sentindo seu odor, soube imediatamente de sua identificação. Era o néctar dos deuses. Eles haviam-na dado. Sendo assim... eles já sabiam quem ela era? Ou será...

–Apolo? –murmurou rouca, notando pela primeira vez sua garganta seca e a dificuldade em liberar a voz. Silena pigarreou, tentando limpá-la e voltou a chamar, o timbre mais forte e alto. –Al?

Como não recebeu nenhuma resposta, ela virou a cabeça de um lado para o outro. Tinha certeza que ele estava por ali. Distraidamente, ela bebericou o néctar pelo canudinho que haviam ajeitado no topo da garrafa. “Será que ele estava muito apertado para ir ao banheiro?” pensou ela quase inconscientemente, e começou a analisar onde se encontrava. Havia dois outros sofás perto ao dela, e a mesa encontrava-se ao centro. Uma televisão prendia-se acima, em uma prateleira ao alto de uma enorme estante que estendia-se na parede a frente. Fotografias e retratos de lugares diversos adornavam todo o espaço livre, mas Silena não deu muita atenção a isso. A sala era espaçosa, e no canto haviam janelas com um breve estofado na beirada para onde poderia ir sentar-se para ler um livro, ou o que quer queira fazer, observando a paisagem afora, mas não era possível visualizar a própria paisagem no instante, pois uma janela escondia-a dela. O chão era forrado por um longo tapete felpudo que ela logo apressou-se a acomodar seus pés descalços, empurrando suas pernas para o lado e sentando-se, sentindo uma leve puxada na boca do estômago, que logo desapareceu. Uma de suas mãos voou para sua barriga onde ela não sentiu mais nenhum incômodo, “Al deve ter me curado” e com esse pensamento, um sorriso acompanhou-o. A pequenina, levantando-se, testou seu equilíbrio e ficou satisfeita ao descobrir que conseguia muito bem estabilizar-se no chão sem precisar de auxílio. Bebericou mais um pouco do néctar, experimento com atenção seu gosto e virou-se, concentrando sua atenção ao lugar onde se encontrava.

–Santa. Atena. –sussurrou encantada pausadamente em um fio de voz mínimo. Seus olhos estava bem abertos enquanto dirigia-se ao local a sua frente. De um lado, uma longa mesa acusticamente moderna alongava-se, com três cadeiras largas de cada lado e uma em cada extremidade. Ao lado, uma porta de vidro dava para uma sacada, de onde podia-se enxergar a neve encobrindo toda a cidade. Silena franziu a testa momentaneamente pensando em que estação estaria mas logo deixou esse pensamento de lado.

Havia uma bancada elegante separando a mesa da parte da cozinha, que ricamente estava atulhada de armários, uma pia, lavadora de pratos e uma geladeira sabiamente escondida na parede. Silena ficou surpresa pelos detalhes artísticos da arquitetura imposta ali, mesmo sendo apenas alguns móveis e algumas táticas de deixar a sala mais exótica, cada mínima curva e maneira que encaixaram os móveis a deixaram com olhos brilhando.

Mais para o lado, havia uma escada curta de alguns degraus que levavam para cima, para a parte da frente onde as pessoas entravam, sendo pela porta da garagem ou pela entrada habitual, e Silena apostava, ao andar lentamente passo por passo para o lado, que havia mais uma escada para cima, pois conseguia ver um degrau quando pôs-se apertada entre o armário. “De quem é...?” ela olhou para o lado e deu de cara com uma fotografia. A ruiva de antes a encarava com um sorriso aberto, fazendo um símbolo alegre de paz enquanto vestia uma roupa especialmente colorida por tintas frescas, com um quadro abstrato atrás dela. “Oh, sim. Rachel” lembrou-se Silena, comprimindo os lábios e expressando ligeira suspeita.

Onde ela estava? Queria conversar com ela. Precisava de algumas respostas.

Seguindo os ruídos escutados anteriormente, foi para o pé das escadas. Perto da que subia, havia uma seguindo para baixo. Silena apressou o passo, adiantando-se e descendo três degraus antes de parar novamente. Escutando atentamente, reconhecia as vozes. As vozes que berravam e incomodavam seus ouvidos, que trazia-lhe uma profunda sensação de terror e dor. Eram as vozes de seus pais; misturando-se, agitando-se e nitidamente zangadas. Não zangadas do tipo ‘eu dei brownies para os cavalos marinhos’, mas um zangado que Silena nunca esperava antes descobrir que existia.

Por que eles estavam gritando um com o outro? Por que eles diziam aquelas palavras horríveis um para o outro?

Silena hesitantemente, como se estivesse em um torpor e alguém a controlasse, moveu-se para frente. Passou pelas portas da lavanderia e desceu os últimos degraus da escada em caracol. Lá embaixo, havia outra sala. Outro sofá estava de frente a segunda grande TV que encontrara, uma poltrona se encontrava ao lado e no canto, bem abaixo a escada, havia um pufe marrom que poderia aguentar, pelo menos, três pessoas todas juntas. Havia um corredor deparando-se com o final das escadas, mas as vozes não vinham de lá. Andando automaticamente e roboticamente foi para uma próxima porta de vidro, dando fora para uma varanda em que continha uma banheira de água quente, desligada e posta de lado. Silena seguiu o olha para o centro, onde estavam seus pais, Percy e Annabeth, um de frente ao outro, berrando palavras em que Silena nunca quisera imaginar poder ouvir. Rachel olhava aterrorizado para ambos, tentando controlá-los, separá-los de alguma forma.

Silena estava com a mente repleta de pensamentos em turbilhões. Martelando em sua mente incessantemente e cruelmente. O que havia acontecido com aquele casal que Silena havia visto em sua inconsciência? Onde eles estavam? Aqueles não eram os pais que ela conhecia. Não poderia ser.

Mesmo que as vozes chegassem abafadas pela porta de vidro fechada, ela podia escutar as ameaças e resmungos. Sua mãe levantou as mãos, em forma de desistência e apontou para trás, como se indicasse algo, mas manteve os olhos fixos nos dele. E antes que pudesse escutar mais alguma palavra, Silena levantou os braços e levou as mãos para a cabeça, pressionando as palmas no ouvido, tentando tampar sua audição. De seus olhos, lágrimas fartas e sôfregas desceram-lhe pela face, que embaçavam sua visão e tornava tudo turvo e indistinto. Como se olhasse através de um reflexo na água agitado. Talvez fosse melhor assim, talvez assim poderia imaginá-los felizes, descansando juntos em uma tarde fria como essa. Que estariam à mesa, naquela longa mesa, tomando lado a lado um chocolate quente. E quando ela houvesse acordado, eles estariam ali para colocá-la em seus braços e desejar-lhe um bom dia. Como uma família. Como a família unida, todos juntos, nos quais ela só poderia aproveitar e ter em apenas alguns poucos dias. E que o tempo estava cruelmente dissecando e apagando.

Ela piscou algumas vezes para livrar as lágrimas do olhos e enquanto andava para trás, passo por passo, ela tropeçou, e seu peso recaiu totalmente para trás. Sem conseguir equilibrar-se de volta, Silena derramou-se no sofá com as pernas para cima e os braços debatendo-se para segurar-se em algo que não estava ali. Por fim, as vozes pararam. Ela soluçou, sentindo um aperto na garganta e uma dor estupenda cortá-la em frangalhos. Secou os olhos e deixou-se cair do sofá, sentindo-se fraca e frágil. Ergueu o olhar e notou Rachel encarando-a. As sobrancelhas erguidas e a boca escancarada, cheia de surpresa. Annabeth e Percy havia se virado para ela, e ambos estavam com feições abismadas nos rostos, em choque.

Silena levantou-se, os braços trêmulos e as pernas bambas. Em sua mente, uma frase enevoou-se para dentro dela. “Até em momentos difíceis? Iremos superar qualquer obstáculo, juntos?” Por que seu pai mentiria a ela? Por que sua mãe estava descumprindo da promessa? Por que sua mente zunia e parecia estar sendo retalhada por milhares de pontiagudos objetos?

“Apolo? Al? Você está aí?” Silena perguntou em sua mente, com uma esperança de ele poder respondê-la. Nada. “Por favor, eu sei que você está aí. Pode me dizer o que está acontecendo?”

A porta de vidro abriu-se. Ela caiu no sofá novamente, sentindo os membros pesados e exaustos. Seu rosto estava esquentado enquanto ela tentava reter o choro, e sua cabeça estava parecendo prestes a explodir. Não conseguia aguentar. Observou, acompanhando com os olhos e a cabeça, seus pais aproximarem-se dela, exasperados e preocupados. Seu pai, com os olhos alertas e aflitos, pegou-lhe a mão, apertando-a firmemente.

–Silena? Você está bem? –ele perguntou, passando uma de suas mãos pelo rosto da pequena, limpando as lágrimas que saiam sem controle sobre seu rosto. –Sinto muito. Não era para...

Silena soluçou, fungando avidamente. Percy umedeceu os lábios, fechando os olhos com força como se sentisse infligido por uma agonia incomparável. E assim que abriu, Silena pôde ver os olhos verde-mar atormentados, conturbados e desfocados. Apertou a mão do pai e abriu a boca para dizer algo, mas Annie logo se interpôs a ela, interrompendo-a a meio caminho da palavra escapar-lhe dos lábios. Ela aguardou, e Annie agarrara a mão livre de Silena. A garotinha olhou os dois, que tentavam desordenadamente explicar-lhe algo, mas ela não os compreendia. Não queria compreender. Ambos eram os pilares de sua vida, e com os dois em instabilidade e oscilação, era como se em sua vida não houvesse nada mais do que um vazio anormalmente arruinado e oblíquo. Os dois não podiam separar-se, não podiam. Por que eles discutiam daquele jeito? Por que falavam aquelas palavras um ao outro?

As vozes a Silena viam vagas e complexas. Percy ao lado de Annie, mantinha os olhos contemplando-a, notando cada ligeiro movimento que a garota fazia. E então, como um suspiro a beira da completa desolação, Silena sussurrou, com a voz fervorosa e calorosa tornando-se algo frio e amargurado:

–Por quê? –ela ergueu o olhar vago e tornou a olhar para a face desprovida de compreensão dos dois. –Por que vocês falaram palavras tão malvadas um para o outro? Por que vocês estão bravos? É por causa de mim? Eu posso consertar. Eu posso ajudar. Por favor. Parem. Não fazem mais isso... – um soluço conturbado fez sua voz sufocar e a sensação de estar entre a beira de um penhasco fê-la estremecer, ela sentiu a brisa cortante arranhando-a a pele, puxando-a para baixo. – Por favor. Deixe-me... deixe-me... ajudar. Não briguem... eu não gosto de vê-los brigarem... eu... eu...

Silena apertou a mão dos dois, tentando segurar-se. Annabeth houvera prendido a respiração, esbaforida e estupefata, Percy igualmente sem saber o que dizer, gaguejava palavras incoerentes e induzidas a um sentimento de ponderação. Estariam eles fazendo o certo? Será que realmente não tinham perdido algo? Por que ele e sua amada sabidinha brigavam, afinal? Não lembrava-se mais. Só se lembrava de uma enorme e desgastante ira apoderar-se dele, e tudo depois foi apenas o ódio trocado entre os dois, as palavras impensadas e indesejadas. Por que o mundo continuava com esse constante giro parvo? Não poderiam apenas parar por um segundo para poder pensar com clareza?

Annabeth abaixou a cabeça, acariciando o torso da mãozinha pequenina que cabia perfeitamente em sua palma. ‘Não. Está... está... não está certo. Não estou conseguindo...’ pensava, sem conseguir terminar. É claro, sentia sua mente gritando com ela. Não conseguiria... Não conseguia. Precisava dele. Precisava. Mas... o que a impedia, então?

Percy olhou para sua sabidinha, que não retribuiu o olhar, ainda o olhar perdido, sem poder organizar sua mente com o adequado equilíbrio. Por fim, Annabeth suspirou, cansada e sentindo-se inusitada. Rachel estava a algumas distância entre eles, sentindo-se deslocada e intrometida. Ela virou-se e fechou a porta, trancando-a, de costas a eles. Pousando a mão no vidro gélido imaginou que destino teria tido Apolo, o qual desaparecera desde quando saíra da cozinha antes de ela chegar a atender a porta com a surpresa nada bem vinda.

E então, Annabeth levantou-se. Ainda não olhando para Percy nos olhos, ela engoliu todas as incertezas, sentindo-se culpada, porém determinada, em continuar com a razão. Sabia que não deveria, mas algo a incentivava. Como uma mão invisível empurrando-a para um corredor sem saída.

–Eu... –começou e logo sacudiu a cabeça, mudando o rumo de suas palavras. –Venha, Silena. Eu vou levá-la para casa.

Silena sentiu seu coração gelar-se, e suas palavras endureceram-se no meio do caminho a sair, entalando-a com uma sensação terrivelmente assustadora de asfixia. Ela... ela não iria se reconciliar com seu pai? Suas palavras não bastaram? O que ela teria de fazer para juntá-los de volta?

A pequenina olhou para o pai, que abaixara o olhar e parara com espanto em suas circulares formas que traçava na palma de Silena. Seu corpo enrijeceu-se e os olhos tornaram-se um mar revoltoso e ondulante. Annabeth tentava não encará-lo, e Rachel firmava-se na porta, olhando para o céu com os olhos estreitados, como se tentasse encontrar algo que supostamente deveria estar ali.

Silena, hesitantemente, sentiu a leve pressão da mãe para fazê-la levantar-se. A garota ergueu-se, ao mesmo tempo que Percy o fazia. E Annabeth, enquanto contemplava Silena em sua ação, desviou o olhar e foi capaz de observar ambos ficarem de pé no momento exato, como se houvessem combinado anteriormente. Annabeth se viu sendo observada por dois pares de olhos comovidos e verdes, fixados em seus cinzas e turbulentos. Ela cerrou os seus olhos, obscurecendo sua visão e tornando-a sombria e com vários pontos fulgurantes dançando em sua mente. Porém, não a ajudava muita coisa quando esses pontos brilhantes fundiam-se e se transformavam na forma de Percy sorrindo, divertindo-a ou abraçando-a em momentos sensíveis.

Ela imediatamente voltou-se para a paisagem vivaz que a rodeava. Lembrava-se da noite anterior, quando Apolo houvera curado Silena e recusado a dizer-lhes o motivo pelo qual aparecera tão repentinamente na casa de Rachel (seria alguma reunião de ‘vítimas de déjà vu convulsivos’?), e de como terminara. Algo bobo fizera-lhe perder a cabeça e descontar em seu Cabeça de Alga, e agora, atingiram seu ápice e sabia que não desistiria tão fácil de sua decisão de não tê-lo mais por perto. Embora fosse algo doloroso de pensar, ela dizia a si mesmo que após um bom tempo acostumando-se sem ter ele sempre ao seu lado, iria começar a ficar fácil de esquecê-lo. Ou esperava que fosse. Mas agora não tinha mais tanta certeza assim.

Annie assentiu para Rachel, a que encarava-a agora com certa curiosidade da escolha que faria. E assim que Silena chegou-se junto a ela, Annabeth aproximou-se de Percy, antes de ir para a escada, e o rapaz agachou-se, ficando na altura da pequenina. Ele sorriu paternal e passando uma mão em seus cabelos louros, ele curvou-se e depositou um beijo na testa da garota, a qual estava com os olhos ardendo indomáveis. Quando ele voltou a se levantar, Annie estava com a postura baixa e rígida, como se estivesse preparando-se para uma batalha, e dando um passo a frente, pegando pela última vez a mão do seu Cabeça de Alga e entrelaçando frouxamente seus dedos nos dele, ela sussurrou baixinho e quase inaudível:

–Desculpe-me, Percy.

E assim, começou a andar, desenlaçando os seus dedos. Silena ao seu lado, protetoramente. Silena sentiu quando o toque do pai sumiu de sua pele, e sentiu-se desamparada e sem apoio em seus pés sem ele. Ele sempre esteve por perto, ao seu lado. Contudo, sua mãe estava ali, mantendo-a em equilíbrio. Mas isso não teria muito significado. Era como ter apenas a metade das páginas de um livro, ou apenas ter metade de uma música, ou uma metade de um lanche. Estava incompleta. E podia sentir que não era a única que sentia-se assim. Ela olhava por trás do ombro a cada segundo antes de eles fugirem do alcance de sua visão. Percy olhava-a ternamente, com um sorriso suave e melancólico no rosto tentando reconfortá-la. Rachel estava de braços cruzados, mandando-lhe um olhar incerto e que deixou a garota em alarme.

Ela sabia de algo.

E em fim, eles desapareceram de sua visão. Mas continuou olhando para trás, com a imagem de seu pai gravada em sua mente.

Elas subiram as escadas sem recitar uma palavra. E Silena, ao andar ao lado da mãe, segurando suas mãos e sentindo a pressão que Annabeth fazia em suas diminutas e frágeis, ela pode escutar um fungar quase indistinto, e um tremor nos ombros da loira. Silena, lentamente e disfarçadamente, olhou para cima, inclinando a cabeça para o lado e com um aperto no coração, o qual parecia estar formando um enorme e embaraçado nó dentro dela. Ela viu, com nitidez e sofrimento, Annabeth. E Annabeth Chase, sua heroína e protetora, forte e sábia, estava agora chorando baixo, dentro de si. Sua heroína havia perdido sua capa, e sua proteção que carregava.

Silena olhou uma última vez para a casa, onde de longe pôde enxergar Percy correndo para entrada, os olhos vidrados nas duas que moviam-se rapidamente a cada passo para mais distante dele. Ela poderia ter chamado sua mãe, poderia tentar juntá-los novamente. Mas ela não fez nada. Não conseguiu. Não sacudiu a mãe e apontou para seu pai a fim de mostrá-la que ele ainda estava lá. Ela sabia que Annie tinha conhecimento disso. Sabia, também, que se mesmo o tivesse feito, ela não a escutaria.

Percy estava curvado sobre si, respirando pesadamente. Silena havia visto algo nos olhos dele depois de ela ter se pronunciado. Conseguiu encontrar uma brecha da esperança voltar a brilhar em seu rosto. Algo que logo apagou-se quando Annabeth deu sua palavra.

O que estava acontecendo? Por que isso havia acontecido?

Tudo corria tão bem... há alguns instantes atrás seus pais estavam perfeitamente unidos. Nunca poderia passar por sua cabeça que eles iriam brigar naquele nível, ainda com ela por perto. Há algumas horas atrás, eles estavam reunindo-se, com ambas as forças, para ajudá-la. Para salvá-la. E agora estavam despedaçando-se... dispersando-se para caminhos diferentes.

Os seus dois mais valiosos e preciosos seres estavam ficando longe dela. E ela temia não poder encontrá-los novamente, nunca mais.

***

Pov. Percy.

Isso não podia estar acontecendo, não mesmo.

Relembrei das palavras que a minha sabidinha houvera falado para mim. Elas doíam, arrebentavam-me e puxavam-me para o fundo de um corrompido sistema giratório. Era como se estar acorrentado e amordaçado sem poder fazer nada, a não ser observar enquanto ela fugia e afastava-se de mim.

Eu odeio a minha vida. Ou pelo menos, a parte em que estou vivendo agora.

Está bem, não posso negar que passei por várias subjugações piores antes, claro. Mas isso? Nunca imaginei sequer que algo parecido aconteceria. E agora que aconteceu, era como se não estivesse se passando na vida real. Era como se fosse um terrível e lamentável pesadelo. Um pesadelo que meus movimentos saíam sem que eu perceba, e que meus atos não são mais meus. Era como se estivesse começando a me programar para a autodestruição, e meu timer não era tão bom assim.

Eu não quero me afastar dela. Não quero parar de encarar os seus olhos cinzentos. Não quero me ressaltar e não escutar mais sua voz me ensinando arquitetura e histórias da mitologia que mal eu sonhara ser verdade. Não quero restringir-me de segurar a sua mão que sempre entrelaçava seus dedos nos meus. E também não quero ser incapaz de visualizar seu sorriso e riso doce quando a faço rir. Não quero ser obrigado a me afastar da única quem sempre causa minhas entranhas se torcerem com aquele sentimento que vem se aprimorando mais e mais conforme o tempo se passa.

Não quero me afastar da minha Sabidinha.

Por que afinal dissera aquelas palavras? Por que havíamos começado a brigar, a princípio? Não era apenas como estar de frente a Ares, a raiva e ódio perverso que apodera-se de nós inconscientemente. Era diferente. Quase... suspeito. E mesmo assim, não conseguia desvendar o que era exatamente. Mal sabia se queria mesmo saber. Não importava, realmente, certo?

Tudo o que eu queria fazer era poder correr até Annabeth e fazê-la parar, desculpar-me e fazer de tudo para poder tê-la de volta ao meu lado. Como deveria ser. Pensando em tudo novamente, eu queria poder me jogar no Tártaro pelas palavras que se acometeram de mim. Havia mesmo sequer pensado naquelas frases?

–Desejo-lhe boa sorte, Percy. –Rachel a minha frente falou com voz mansa, entreguei-lhe o copo de água que sem notar havia carregado comigo até a porta da frente. Ela segurou-o e sorriu para mim, tentando me acalmar. O que, é óbvio, não aconteceu. Minha agitação era palpável no ar, era quase como se ela me agarrasse em seu abraço mortal. Estava definhando sem Annabeth ali.

Suspirei, sem escolhas a não ser voltar para casa. De qualquer jeito sabia que ela não me atenderia ou escutaria se voltasse para ela, se tentasse falar com ela. Ela não queria isso, ela dissera-me. E eu tinha de cumprir seu pedido, aceitá-lo. Por ela. Pelo menos, isso eu tinha de lhe dar.

E é aí que aquela frase vem a minha mente como mosquitos gigantescos picando minha perna: é quando você perde alguém, que realmente começa a pensar sobre sua importância. Sendo que já sabia o quão importante ela era para mim, e agora, parecia quase impossível e improvável não tê-la por perto como sempre aconteceu. Culpei-me por aquilo. Eu não devia ter permitido tudo iniciar-se.

Bom, o problema e item dessa questão é que já quase a houvera perdido. Estava caminhando sobre uma corda bamba em um fiapo de luz tênue para me guiar.

–Obrigado, Rachel. –respondi finalmente para a garota a minha frente, a qual assentiu, compassiva. Sinceramente, não sei como a sorte poderia me ajudar. Dei meia volta e caminhei para longe de uma das casas dela, a qual tinha um pressentimento de que nunca iria voltar.

Eu tinha de fazer algo.

Tinha de consegui-la de volta antes que seja tarde demais.


Pov. Apolo.



Senti novamente a pressão em minha palma, e pude recorrer a minhas últimas energias para filtrar a dor e mandar-lhe conforto. Uma dor irrompeu em meu peito, alastrando-se pelo organismo e desintegrando meus órgãos por meu próprio calor, porém, nunca por fim matando-me. Mordendo o interior de minhas bochechas, segurei-me até poder sentir o gosto azedo e acre de meu sangue escorrendo até meu paladar, e senti um pedaço de minha pele solta passear pela minha garganta, escuto uma agonizante e lamuriosa nota constante, e percebo ser minha voz. Sinto a desagradável sensação quando minha traqueia rompe, e sangue rompe pelos meus vasos. Detenho-me o mais rápido que posso, e por fim volto a morder o interior de minha bochecha curada e restituída da minha pele perdida e perambulante. Novamente intacta e novamente prestes a ser destruída. Minha cabeça tomba, meu queixo em meu peito, eu inapto de ter mais condições ou forças para erguê-lo mais uma vez. Escuto o soluço abafado ao meu lado, e não posso deixar de sentir-me aflito. Héstia sofria por mim. Ela sofria por toda nossa família alquebrada. Não era sua culpa... mas mesmo assim ela estava aqui. Por causa de mim. Por meus atos. Por minhas visões.


A dor novamente perpassou em meus ossos, e agarrando firmemente a sua mão que debatia-se e tentava escapar de meus dedos veementes, eu tomei sua parte da agonia. Ela não queria que eu a ajudasse, não queria ter de me ver deste jeito. E foi exatamente por isso que reunindo um pouco de minha força, levantei minha cabeça e puxei minha mão livre da corrente, enquanto a outra dependurava-se frouxamente no esmagador arco, meu pulso retalhado preso firme no objeto que revolvia minha pele. Um metal frio e sugador de minha força vital. Seria irônico se alguém visse dois deuses como nós em uma situação tão depravadora e desesperada como essa. Mas mesmo assim, não tínhamos muita escolha. Levantando meu braço pesado, aconcheguei minha palma no rosto deflagrado e trilhado pelas lágrimas tortuosas que escapavam dos olhos vazios e quase inexpressivos de Héstia. Nossa família estava destituindo-se, assim como ela estava se desmanchando-se. Com meu polegar, ergui seu queixo até ela poder fitar-me. Forneci-lhe um sorriso fraco, porém mais rígido e determinado que antes, e suspirei, tentando passar-lhe tranquilidade. Héstia fungou e me deu um meio-sorriso agradecido, e então deixei minha mão cair, segurando firme a corrente que nos mantinha presos fora do Tártaro, que encontrava-se abaixo de nossos pés, puxando-nos e mandando-nos as horríveis e lancinantes formas de dor, as quais eu residia apenas em mim. Não queria que ela tivesse de passar por isso. Não era justo, nem mesmo racional, deixá-la por sobre si todos os problemas. Considerando a respeito de que ela estava aqui por minha completa causa.

Como se pela milésima vez – e não duvidava se realmente fosse – lembrei-me do olhar de meu pai, suspeitoso e com um vestígio de desaprovação e desapontamento. Eles não entendiam, e teimavam em reagir de maneira imprudente e com ignorância. Como se não se passassem de meros governadores mortais. O que eles eram, o Presidente Snow? (Que meus raios de luz iluminem a cabeça de Haymitch). (N/A: The Hunger Games)

No fundo de minha mente, pude escutar alguém chamando-me, mas fui incapaz de responder. Atentei-me a não deslizar e manter a minha mão acorrentada ao redor da de Héstia, e fechei meus olhos. Algo salgado e quente descendo pelas minhas bochechas acordou-me alguns minutos depois, só para a dor excruciante e efervescente retornar, abalando a minha consciência porém mantendo-me acordado. Não sabia quanto tempo durou, mas mesmo assim parecia ter passado um tempo maior do que a última vez em que fui sujeito ao mesmo infortúnio. Escutei um som tilintante e com pânico eu abri os olhos e visualizei diretamente a corrente, com um dos aros que envolviam a rocha quebrando-se e dobrando-se, mas não rachando-se por completo. Rangi os dentes, e continuei a proteger Héstia, que estava com a expressão vagamente presente. Não chorava mais, e parecia contemplar algo em que eu não poderia ver. A corrente de ar repleta de garras cortantes cessou, e desabei para o lado, sentindo-me ser regenerado miseravelmente, como todas e tantas outras vezes. Era como se não quisesse mais isso. Mesmo se não pudesse ver a pequenina Silena crescida e acompanhar seus passos... não, era insuportável. Era preciso aguentar, eu sabia disso, não é? Não iria ser fraco agora. As coisas eram para ser assim, nada mais.

É como minha irmãzinha sempre diz. Temos que viver as consequências de sermos imortais. Um grande “Wooho”. Ártemis sábia como uma nobre coruja. (Viu só, Ateninha? Estou te elogiando!).

–A pior coisa de saber como tudo isso termina é que vou ter de escutar mais uma lição de moral da minha maninha. –suspirei, ofegando enquanto ajeitava mais uma vez minha mão nas correntes, tocando no arco avantajado que poderia nos mandar para junto ao meu avô moído. E essa não era uma dos meus tópicos da minha lista de “desejos”. Soltei um gemido ao sentir os tecidos reconstruindo-se e constituindo um novo organismo; pode parecer invariavelmente indolor, mas na realidade era como se mortais tivessem de cortar seu braço com uma serra elétrica.

A fim de melhorar minha posição (a qual não estava tendo um grande progresso) virei-me de bruços, superando uma dor estonteante que atravessou meu peito ao fazê-lo e fitei de olhos fixos aquele arco deformado. Como raios aquilo fora acontecer? Olhei para cima, pelo canto do olho, e notei que Héstia ainda não movera-se, os olhos deslocados e imprecisos em um rodopio na espiral perambulante de seus sonhos vagueadores; uma angústia fez-me afastar todos os pensamentos de estabilidade para o lado. Teria de mandar meu “Apolo Radiante” para o próprio Tártaro por um tempo, assim como minhas energias esgotando-se aos poucos. Não poderia voltar agora. Compreendia isso e teria de me conformar. Voltei o olhar para a corrente e para o arco trincado. Franzi a testa, desnorteado. Segundo Hermes, essas correntes que Hefesto fizera eram inquebráveis, e apenas ficaríamos com ela em nossa estadia infeliz no Submundo, onde meu querido tio deixaria suas mascotes, as “adoráveis” Fúrias, nos vigiando (não que precisássemos, é claro.). Apesar de não ter dito qual o tempo definido em que nos manteríamos seguros por essas bandas, supunha que ela seria mais adequada do que essa estava demonstrando ser. Puxei a corrente e notei o arco deslocando-se com singeleza e inocência. Maldita seja. Não queria ser engolido pela boca aberta do vazio em si. Eu era importante demais para isso (modéstia, a parte). Fechei os olhos e sacudi a cabeça, com firmeza. Não posso permitir-me pensar mais nisso.

Soltando por um breve período de tempo as mãos de Héstia, e evidenciando de imediato a oscilação de temperatura e a frieza dominar-me, apoiei minhas duas palmas no chão desgostoso e icei-me duramente para cima, sentando-me novamente e arrastando-me até sustentar minhas costas rígidas e tensas na pedra aguda e desolada. Peguei a mão de Héstia novamente, prendendo-a severamente e protetoramente em minhas palmas, enquanto usava minhas últimas forças para traspassar seu sofrimento a mim, e a cura da paz a ela.

Bom, ou teria feito isso, caso ela não se desviasse e retraísse a mão para longe. Fiquei encarando-a confuso, um pouco transtornado pelo seu súbito movimento de recusa. Eu já sabia que ela não queria que eu fizesse isso por ela – mas ela sabia que eu nunca aceitaria não fazê-lo. Curvei-me para frente e tentei agarrar sua mão novamente, ela deslocou-a pela segunda vez para longe de mim. Fechando minha expressão, tentei novamente segurá-la, dessa vez tentando apanhá-la de surpresa, mas é claro – eu não consegui. Ela divergiu sua mão a um alcance que não seria capaz de transcorrer, e por isso, olhei-a furioso.

–Ei! Não fuja de mim. Nosso “presentinho especial” pode chegar a qualquer momento.

Ela contraiu seu braço, trazendo-o para perto. Héstia abaixou a cabeça e driblou seu olhar para recair sobre o meu, espantosamente mais calmo e sereno. Empertiguei-me lentamente, fixando em suas mãos e me concentrando em um jeito de conseguir pegá-la sem que a própria percebesse, mas logicamente isso era algo improvável. Era como se eu fosse um pequeno animalzinho mirando sua presa, entretanto com a presa já pronta para rebater e superar o predador.

As correntes tiniram com um ruído bravio quando Héstia remexeu-se em seu canto, fechou os olhos repletos de equanimidade e abrisse-os um segundo depois, as íris mais flamejantes do que nunca, flagrando-me estendendo minhas mãos para a dela. Mas, como das últimas vezes, eu apenas agarrei o vazio. Olhei-a frustrado e com uma fresta da preocupação esvaindo-se para meu íntimo, enquanto eu lançava olhares para o buraco solitário em nossos pés.

E ela? Apenas me fitava divertida. Como se estivesse assistindo Hermes desenhar na cara de Dionísio, enquanto ele dormitava no meio de uma reunião. Ou quando Silena degustava das ensolaradas tardes no acampamento, adentrando no mar segurando com as mãozinhas pequenas o braço de Tyson, quando ele a visitava eventualmente. Será que ela estava se dando bem em seu trabalho? Ao dirigir meu olhar focalizado em Héstia, pude ver ela observando meus olhos com uma sede saciada. E não foi bem o que ela disse em seguida o que eu esperava.

–Vá. Você tem de ir. –Héstia murmurou silenciosamente, pintando um sorriso carinhoso nos lábios. Sua mente ainda estava dispersa, podia ver isso pelo modo como olhava para todos os cantos atenta a qualquer movimento, e de relance, enviava empreitadas visões para as Fúrias que rodeavam e contornavam nossa área. Arqueei a sobrancelha, assustado, sem saber o que responder e então ela repetiu, concentrando-se em mim: - Eu posso cuidar daqui por um tempo. Você tem de ajudá-la.

Abri a boca, mas não sabia o que responder. Ela sorriu afavelmente, e as suas flamas incendiaram minha mente, a minha fogueira extinta reacendeu-se, como uma esperança apagada, ela elevou-se, reconfortante e saudosa. Eu quase havia esquecido o sentimento em que o calor trazia. Quase esquecera de como aquelas chamas unindo-se e derramando-se dentro de mim fazia falta. Quase esquecera-me do que elas realmente significavam a mim.

–Vá, Apolo. Confie em mim. Você já deve saber: você é preciso em outro lugar.

Desviei meus olhos, abaixando minha cabeça. Inutilmente, pois ela logo levantou a mão livre e com seu dedo indicador empurrou delicadamente meu queixo para cima, obrigando-me a enxergar seus olhos hipnotizantes e reconciliadores. Engoli em seco, sabendo que não poderia discordar dela, ao menos argumentar contra. Era verdade. Claro que era. Mas eu não poderia deixá-la aqui sozinha, suportando o sofrimento de nós dois. Se eu pudesse me levar até lá, sem dúvida, algo que temos de reconsiderar.

–Ora, mas que machismo. Não ouse pensar uma coisa dessas, Apolo. –Héstia me surpreendeu ao recitar, estreitei os olhos, pensando se havia deixado minha linguagem corporal escapar algum vestígio e me denunciando de algo; era óbvio que estava. Héstia olhava-me vitoriosa e jocosa, e antes que pudesse retrucar, ela acrescentou: -Ficarei bem, e você sabe disso. Eu pressinto um rompimento crucial, e conheço que não pode deixar perder-se no espaço como muitos outros fazem. Ela não pode escapar pelos seus dedos, garoto. Ela pode unir o que nos falta.

Respirei fundo e ponderei. Odiava ter de admitir, mas ela estava certa. Rolei os olhos e ela deu uma risadinha. Meu trabalho estava me chamando, e tinha que comparecer. Não que eu não achasse a ideia de me reencontrar com a pequenina agradável; na realidade, era mais as difíceis palavras que teria de dizer a ela que me fazia relutar. Mandá-la para aquele mundo sozinha? Bom, é necessário, apesar de incomodante.

–Está pronto? –ela pergunta-me, escorregando sua mão palpitante em meu pulso, onde enrosca os dedos com maternidade. Dou um último lampejo em meu olhar para o escuro em meu lado e para as sibilantes Fúrias ao outro, encontro-me com Héstia em que tinha as expressões tensas e soube pelo que passava assim que notei o brilho em seu olhar aflito e fraco, quase inexistente. Não queria ter de fazer isso, mas permiti que as minhas dores passassem através dela, enquanto ela coletava minhas correntes e passavam ao redor de sua própria mão. Embora tudo o que acontecesse, ela continuou com os olhos incrustados nos meus, e um sorriso claro e nítido, e após alguns minutos indefinidos, sua expressão desanuviou-se, os olhos ganharam novamente aquele brilho inovador e pude relaxar. O sorriso alargou-se, aberto e severo ao mesmo tempo. –Não contenha-se aqui por minha causa.

Suspirei e inclinei-me para o lado, ligeiramente, contemplando enquanto as Fúrias rodeavam mais a frente. Pelo que parece, não nos dirigiam muita atenção, e eu aproveitei esse momento para girar meu corpo de volta a Héstia, com a expressão mais determinada do que antes. Ela assentiu para mim, enviando-me uma mensagem fácil de ser captada. Um pouco hesitante, eu aquiesci. Fechei meus olhos e criei a imagem de Silena em minha mente. Pude escutar sua voz dentro de minha cabeça, a voz fina e doce, o sussurro distante e angelical que chegava aos meus ouvidos como sinos marcando o início de um novo dia e o despertar dos raios solares. Inconscientemente, repuxei um sorriso torto e esqueci-me de onde me encontrava. Aquela energia que tinha reservado, mais a cedida de Héstia teriam de servir. Pelo menos, eu esperava.

E antes que pudesse pensar e ponderar sobre qualquer outra coisa, senti uma pressão em meu pulso e pude sentir a angústia do Último Olimpiano. Doía-me pensar que ela teria de suportar esse farto. A única coisa que me reconfortava, era que seria algo célere e comparavelmente, sem importância. Logo que estaríamos, certamente, livres em um momento desses não muito mais tarde.

Então tudo escureceu.


Casa de Annabeth.



Silena ajeitou-se no cobertor que pinicava sua pele. Não que o cobertor fosse de um tecido desconfortável ou penosamente de mal uso, estava apenas inquieta e impossivelmente desalentada. Sua mente não conseguia se acalmar. A cada minuto que se passava, seu coração parecia ter passadas mais decrepitadas e rachadas. Não conseguiria manter-se tranquila por mais tempo. Não podia.


Virou-se de bruços, deslizando a mão pelo lençol refrescante e limpo da cama arrumada e especialmente feita para ela. Silena acobertou suas mãos debaixo do travesseiro e afundou seu rosto no macio tecido, pressionando-o contra sua pele. Queria poder esquecer o que acontecera mais cedo. Queria que seu desejo de tudo voltar ao normal se realizasse. Mas é perceptível que não se realizaria; nem o seu normal estava vivenciando. E com certeza não era a sua realidade também, ao mesmo único instante em que se colapsava e fragmentava-se a sua realidade com a dela, também era. Queria ser capaz de deixar tudo bem e claro novamente, mas era quase impossível. Quase uma tarefa sem resoluções. Sua mente parecia querer explodir em um congelador, e seu íntimo estava comprimindo-a para cada vez parecer mais insignificante do que nunca poderia jamais sequer sonhar ser possível.

Era um pesadelo.

Uma lágrima salgada rolou pelo canto de seus olhos e depositaram-se no berço da barreira pomposa do objeto em sua cabeça. Lembrava-se das palavras do pai das lembranças mais cedo e concentrou-se naquela frase para não desvanecer. “Eu te amo, minha sabidinha”. Um sorriso formou-se novamente em seus lábios, e tão subitamente quanto surgiu, ele desapareceu. Desagregando-se por suas emoções pulverizadas, por seu coração apertado e por seu sentimento de sufoco, o qual não conseguir fugir ou correr.

Flashback On.

Silena escutou a porta bater com uma força inacreditável. Ela correu pelos degraus, seguindo sua mãe que disparara a frente com os olhos marejados e o rosto completamente enrubescido. Preocupada, ela notou quando Annie jogou algo no chão e desapareceu porta adentro de seu quarto, apagando sua silhueta, na qual ficou escondida pela porta obstruindo o caminho. Silena hesitou. A pequenina, com os dedos escorregando pela parede fria como uma pedra de gelo, aproximou-se. Como se aquele sólido fosse o que a equilibrasse. Como se fosse sua barra de ferro que a conduzia para frente. Que não a deixava cair quando suas pernas estavam fraquejando e sua mente despedaçando-se.

Silena chegou a porta onde sua mãe havia se trancado. Onde ela havia se ocultado. A garotinha levou uma das mãos para o peito, na área dolorida e desagradavelmente estraçalhada. Era como ter que aturar uma afiada navalha cravando-se em sua pele enquanto apenas a devastação seguia-se em seu destino. Podia sentir o sofrimento de sua mãe, como se fosse dela. Podia ousar aguentar as suas lágrimas, que apesar de ela escondê-las, ela conseguia ver, que ela conseguir sentir.

A pequenina repousou sua mão esquerda na porta do quarto, os dedos tocando brevemente a madeira. E então, ela retraiu-se, como se uma força elétrica a impedisse de prosseguir. Silena abaixou o olhar, incompreendida e inábil de sua força habitual. E quando seu olhar repousou no chão, foi capaz de enxergar a corrente que Annie havia atirado para longe. Ela agachou-se, perplexa e admirada. Esticando sua mãozinha para frente, ela agarrou o objeto, as lágrimas em seus olhos embaçando sua visão até tudo não ser mais do que um borrão colorido e indefinido. Uma bolha de possibilidades que foram para os ventos gritantes e desnorteados, sem rumo.

Aquele era seu pingente. O pingente em que por sempre pensara ser um presente do pai, que ele havia feito com Tyson para ela. Mas na realidade, soube naquela hora, era de sua mãe. Um legado, uma herança, na qual nem sabia possuir.

Uma coruja perfeitamente detalhada abria as asas para abrigar em suas sombras o símbolo característico de Poseidon, um tridente marítimo e azulado, contrastando o prateado singelo da ave pura e sábia. Instintivamente, ela levou sua mão ao tornozelo, onde normalmente carregaria sua preciosa arma. As asas de sua mãe, sua proteção, seus braços reconfortantes e hospitaleiros. Como se fossem sua casa.

Como nunca pensara naquilo antes? Por que seu pai nunca dissera de quem aquilo primeiramente havia pertencido?

Silena sentiu as gotas quentes, cordiais e ardentes lhe acariciar as faces transtornadas de puro e completo temor e ressentimento. Silena empertigou-se só para sentir suas forças esvaírem-se de seus membros, e suas pernas fraquejarem. Ela escorregou pelo batente da porta e ali ficou, segurando com conforto a corrente de sua mãe. A corrente que, ela tinha certeza disso, seu pai fizera a ela, sua Annie, carinhosamente e em especial. A pequenina, apoiou a cabeça na porta de madeira, escutando os soluços e os fungos de Annabeth. Seu choro doloroso e pungente, cruciante. E por ali, a pequenina garota chorou com ela. Chorou emudecida e agonizada. E assim, quando fechara os olhos, adormecera. As lágrimas tocando-lhe os olhos e seu rosto como um beijo lacrimoso de boa noite.

Flashback Off.

Silena acordara ao meio da madrugada, e desde então não conseguira voltar em seu progresso sonolento. A noite não embalara nos sonhos de antes, muito menos nas lembranças que queria ter. Foi apenas uma noite escura e fria, que enregelava seus ossos e seu interior como uma picada de uma cascavel.

Ainda podia sentir o choro miúdo de Annabeth que aos poucos foram calados. Já fazia um tempo desde quando ouvira o último lacrimejar da mãe. E fora a pior experiência pela qual já passara em sua vidinha ainda frágil e tênue. Ver sua mãe chorar, ter de ouvi-la pelos longos segundos mais demorados que já passara, era como se ter um de seus órgãos tomados de si. Era como se ter uma memória valiosa roubada. Era como se furtassem seu melhor e mais importante centro. O que talvez era o que realmente estivesse acontecendo.

Silena finalmente virou-se para encarar o teto assombrosamente escuro e sombrio. As luzes apagadas traziam uma sensação tenebrosa dentro de si. E para o seu maior receio, suas visões partiram-se. Um dia. Um dia em que poderia passar com tranquilidade e paz ao lado de seu pai e sua querida mãe foram lhe tirados a força, com um puxão brusco e mordaz. Não podia estar acontecendo isso. Não podia. Por que eles estariam brigando? Por coisas tão tolas e bobas enquanto ainda tinham uma vida e toda uma percepção para ainda aprender e reconhecer uns nos outros? Por que se concentrar em suas fraquezas enquanto podem minar em suas fortalezas e enriquecer o seu crescimento juntos? Por que não superar tudo unidos – como prometeram um para o outro algum tempo atrás?

Silena não tinha as respostas. E não conseguia encontrar nenhuma mesmo se procurasse com veemência e intensidade. Era como se não existisse uma certa alternativa para assinalar. Era como se... fosse nula.

Seus punhos cerraram-se com força e ferocidade. Não conseguia mais conter-se, não conseguiria mais guardar para si. Aquilo doía nela como jamais pensaria que teria de infringir-se. Era como mergulhar em um oceano profundo e vago. Onde nada existia, nada se encontrava, apenas tudo se perdia e a mantinha solitária. Os soluços escaparam de sua boca, e ela tampou-a com a mão, tentando reter-se. O seu corpo tremia, seus olhos derramavam gotas constantes e incessantes. Ela olhou para o relógio ao lado, onde marcava exatamente duas horas e meia da manhã. Não podia acordar sua mãe agora. Ela precisava de descanso, precisava de um tempo onde os sonhos a deixariam mais reflexiva e sana. Tinha de esfriar a mente, reconfortar o coração.

Tinha de voltar a ser a Annabeth em que Silena conhecia.

Apesar de seus esforços, de seus imensos e impossíveis esforços, ela não conseguiu parar. Os ombros chacoalhavam-se conforme os soluços se aprofundavam e a mente a engolia para um vazio inconsolável. Ela sentia-se insegura e com medo. Assustada, sobretudo. Não sabia o que fazer. Seus dois heróis oscilavam em seu cordão de guia. Como poderia caminhar, com os dois desestabilizados? Como poderia manter-se calma, se os seus mais preciosos bens eram arrancados de seu ser com uma exasperadora sede de vingança? Ela só queria tempo. Só queria ficar com eles por um tempo.

Fora ela que havia trazido toda aquela dor na vida de seus pais? Assim como quando ela nascera....

Annabeth lentamente abriu os olhos, piscando para acostumar-se a escuridão. Sua mente ainda pesava, e seu corpo estava destruído com os acontecimentos, tanto exteriormente quanto interiormente. Não conseguia manter suas angústias para dentro, e por isso não pôde deter quando as primeiras gotas vieram. Encolhida na cama debaixo, sua respiração saía lenta e difícil. Como se uma grande rocha a comprimisse. E nada ela podia fazer.

Flashback on.

“Entrou em casa, sem muita rota. O padecimento acumulado dentro de si começava a transbordar por entre ela. Queria poder manter-se forte para não influenciar a pequenina, mas de nada adiantara. Sua mente embaralhava-se e confundia-a. E antes que pudesse perceber, a sofreguidão, o cansaço e a ira irromperam dela como uma chama atiçada fervorosamente. Sentindo-se consumida, porém sem nada para poder estancar-se, ela atirou-se para frente, em direção ao seu quarto onde manteve-se bloqueada covardemente. Pode sentir quando ela, em meio a sua cegueira, arrancou o colar que seu Percy lhe dera, e o arremessara no chão, sem olhar para trás.

Jogou-se no chão, sem saber o que fazer. Nunca havia tido uma discussão como essa antes. Muito menos com Percy. Com seu Cabeça de Alga bobalhão e que ela amava. Como tudo poderia ter se decorrido? Mal ela sabia como tudo se iniciara. Mas agora não tinha mais volta. Havia dito para ele. Não queria o ver nunca mais. E ela havia dado a sua palavra. Não queria mais vê-lo. Embora ela não conseguiria, no entanto, também incriminá-lo novamente, uma vez que não tinha lembranças o suficiente para recordar-se o motivo de toda aquela bola enviesada de neve.

‘Então para quê continuar, Annie? Para quê?’ pensava consigo mesma. Mas não conseguia responder para si mesma. Não conseguia parar de recriminar-se por toda a sua estupidez. Mas agora não havia mais volta. Não havia retorno... ou será que haveria? Não. Estava desacreditada, abalada e quebrando-se. Não. Tinha que ter um momento de paz. Tinha que ter um momento sozinha, onde poderia refletir consigo mesma e raciocinar melhor.

Agradeceu silenciosamente pelo seu pai e sua família não estar em casa e recomeçou a chorar, sem se importar em limitar-se. Recordou-se de quando conhecera Percy pela primeira vez e de seu sorriso sonhador no rosto, lembrou-se de quando tivera de o observar enquanto eram menores, e de quando descobriu que o Cabeça de Alga babava em seu sono. Lembrou-se quando riu e perguntara-se como ele se comportaria no acampamento, e no que ele se tornaria. Recordou-se das aventuras que tiveram, tanto as conhecidas quanto as mais secretas, e não pôde deixar que as torrentes cada vez mais substanciais derramassem um peso e aflição nela. Não queria perder tudo aquilo. Não queria.

Mas já havia perdido.

Ela deixou-se tornar incapacitada. Não ligou para mais nada ao seu redor. Não ligou mais com seus planos de arquitetura pela frente. Não se importou com a ausência do calor do sol ou da monotonia e a repentina mudança do humor dos deuses. Ela simplesmente queria poder desaparecer, sumir de toda aquela dor, de toda aquela tristeza e vastidão sozinha.

Fechou os olhos com cautela, pensando em se embriagar na sonolência que não sentia. E então sua mão deslizou involuntariamente para seu colo, em seu pescoço, onde sua corrente era para estar. Mas não estava. O faixo noturno e ameno já adentrava pela sua janela aberta, que dava passagem a um vento gélido tremular a sua cortina quando levantou-se, sua visão um tanto nebulosa, cambaleando com a cabeça pesando toneladas. Annabeth sustentou-se na porta e com a outra mão agarrou a cabeça, que começara a martelar e latejar metodicamente.

Suspirou brevemente, interrompida por um fungo curto e uma olhada mortiça para a maçaneta. Agora que se acalmara, sentia-se arrependida por ter deixado Silena para fora. Mal pensara naquele momento, e enquanto engolia seus desastrosos pensamentos para dentro de si, começava a refletir como estava a pequenina. Havia visto a dor em sua expressão quando flagrou-a discutindo com Percy, e pôde notar seu profundo pesar refletido em seus olhos verdes intensos, que ela imaginava nunca mais poder encarar sem se lembrar do seu Cabeça de Alga.

Ela não devia ter deixado ela ter visto aquilo. Não deveria ter feito isso.

Deixando a mão cair até a maçaneta, ela abriu a porta devagar, inclinando a cabeça para frente a fim de visualizar o que se encontrava afora.

E obteve uma surpresa ao não encontrar ninguém a altura de seu olhar. Observou o corredor, mas ele estava vazio. Olhou para os lados, ninguém. E então, quando deu um passo a frente, assustou-se a quase tropeçar em um corpo deitado a poucas passos de sua bota, em que ela não havia ao menos retirado.

Recuou e planou o olhar até ele repousar com suavidade no corpinho encolhido de Silena, que recostava-se no batente da porta, as mãos cerradas juntas, escondendo algo no coração, e dos cantos dos olhos, sinais e marcas de uma tristeza absurda, na qual Annabeth não pôde compreender. Ela arqueou as sobrancelhas, espantada pela imagem que encontrara, e assim que absorveu o que acontecera por ali, sua expressão suavizou-se e tornou-se afável e terna.

Agachou-se, sentindo-se estranhamente nostálgica. Era como se seu tempo com a pequena estivesse diminuindo, e ela sentisse isso. E mesmo que não a conhecesse por tanto tempo quanto poderia, já não conseguiria imaginar os próximos dias sem a companhia dela para alegrá-la e diverti-la. Embora, na maioria desses momentos, ela estivesse com Percy ao seu lado.

Sacudiu a cabeça e aproximou-se do calor da pequenina. Deitando-se ao lado do corpinho, apoiou a cabeça nas palmas das mãos, que mantinham-se erguidas pelos cotovelos descansando no chão. Ela sorriu. Silena parecia pacífica e tranquila em seu sonho, assim como Annie desejava estar. Mas sabia que não conseguiria ter por um longo tempo caso continuasse assim.

Ela levou as pontas dos dedos na testa da garotinha, que franziu o cenho ao sentir algo tocando sua pele, mas logo acomodou-se e suspirou, relaxando, quando Annabeth tirou a franja bagunçada de frente de seus olhos fechados. Como se reconhecesse seu toque. Annie ficou contemplando-a por um bom tempo, até que lembrou-se de como ela se parecia com ela própria quando menor. Suas sobrancelhas curvaram-se para baixo e ela passou os dedos pelos cabelos levemente encaracolados da garotinha, fazendo-a abrir um sorriso minúsculo que Annabeth quase não foi capaz de enxergar.

Escapando do canto de seus olhos um flagelo úmido e salgado, ela cuidadosamente aconchega Silena em seus braços, ainda sonolenta, e levanta-se com um pouco de dificuldade, indo a caminho da cama e colocando-a carinhosamente no colchão arrumado, puxando as cobertas para cima de seu corpinho miúdo.

Curvando-se para frente, Annabeth plantou um beijo na testa de Silena, demorando-se ao passo de sua incompassível opressão ir afluindo-se para dentro dela a medida que a presença da garota acalmava-a a mente. E então, sussurrou para ela, desejando-lhe bons sonhos; enquanto ela própria não saberia dizer como conseguir um.”

Flashback off.

Com a imagem da garotinha enchendo-lhe os pensamentos, ela silenciou-se. As gotas já haviam secado de suas faces e de seus olhos que ardiam irritantemente. E foi na escuridão abrangente e no silêncio avassalador que ela escutou. Ruídos que conhecia muito bem, mas não esperava que viesse de quem ela sabia que estava vindo.

Annabeth, levantando-se lentamente, sentou-se, ainda tentando estabilizar-se em sua mentalidade refratária. Aquele sentimento excruciante de que alguém estaria rasgando sua pele retornou, mas dessa vez, não foi a briga a causa principal.

Fora sua pequenina. A princesinha.

Virando a cabeça temerosa, ela enxergou Silena. Um tanto menor quanto antes, e com os ombros sacudindo-se com violência, recolhida no que parecia uma posição de conforto e segurança, como se em sua volta houvesse uma bolha de proteção recobrindo sua forma pequenina. Sua voz fraca e tremula saía em soluços esparsos. Uma de suas mãos empunhando uma das extremidades do cobertor com força, amarrotando o tecido e transformando em um emaranhado os convidativos cobertores. Annie sobressaltou-se, um minuto paralisada pelo que estava vendo a sua frente. Empurrando as cobertas para longe de si, Annabeth sentiu o vento gélido e cortante passar seus dedos moribundos por sua pele exposta. Ela estremeceu e titubeou para erguer-se, onde trôpega e com a mente embaralhada pelos pensamentos confusos fê-la tropeçar cansada e ser obrigada a apoiar um dos joelhos no colchão novamente, equilibrando-se o melhor possível.

Assim que recompôs a postura, notou que o choro houvera parado, porém, assim que manteve-se o mais calada que podia, voltou a escutar os gritantes e abafados ruídos que estraçalhavam seu coração como centelhas de cacos de vidro arremessados para todos os lados, acertando-a e apunhalando-a bem no centro de seu ser.

Annie empertigou-se, e silenciosamente, sem tentar incomodar ou perturbar a garotinha, ela segurou a borda do cobertor e elevou-o, podendo assim abrir uma lacuna para onde ela poderia se esgueirar e se confortar. O que foi exatamente o que ela fez. Assim que puxou as cobertas até o queixo, um alívio acobertou-a como se a envolvesse por braços fortes e reconfortantes, tentando fazê-la relaxar. Sua cabeça tombou para o lado, e ela visualizou a pequenina retraída em seu canto, quase completamente enevoada pelo cobertor que a acometia até seus olhos, os quais estavam fechados e lacrimosos. Annabeth queria ajudá-la. Queria poder fazer alguma coisa. Girou seu corpo em sua direção, mas não sabia o próximo passo. Afinal de contas, não viera com um manual de como passar por situações intimidadoras como essa. No entanto, como ela poderia ajudar a pequenina se ao menos ela sentia-se determinada o bastante para confiar em si mesma de recitar as simples palavras certas? Tinha de servir como um exemplo. Não poderia dizer, portanto, que não refletiria sua melancolia incorrigível e impossível de ser curada em sua expressão transigente.

Será que a garotinha não havia percebido sua presença, ainda?

Quando estava prestes a aproximar-se vagarosamente dela, pensando que o que quer que deveria fazer viria em sua cabeça no momento certo, Silena virou-se repentinamente, torcendo o corpinho em sua direção a fim de examinar quem havia realizado o movimento ligeiro que ela captou com o canto dos olhos. Ao encará-la, Annie pode ter a breve e célere noção do que Silena se passava. Seu rosto estava contorcido e vermelho, os olhos cristalinos e agonizados, desejosos de alguma coisa, as mãos fechadas novamente em torno do objeto que Annabeth foi incapaz de coletar informações sobre. A loira empalideceu com a figura diante de sua visão, querendo tirar toda a tormenta de cima dela; porém estava tão imóvel quanto aparentava. A visão chocou-a mais do que ter milhares de aracnídeos em seu quarto, subindo pelos móveis, entrando pelas janelas e transtornando a passagem, formando um enorme e mórbido tapete felpudo e negro, muitas vezes não muito agradável de pisar em cima.

Silena alegrou-se, ao mesmo passo de que se incriminava e se tornava lamuriosamente encruada. Sentiu uma queimação subir-lhe pelas faces e estancar no fundo de seus olhos, onde acumulou-se uma grandiosidade de pequenos frutos de sua consternação. Comprimiu os lábios trêmulos para conter o choro. “Eu sou forte. Não posso ser frágil desse jeito! Tenho que lutar... como meu papai...” no fundo da consciência de Silena, ela refletiu e ponderou em milésimos de segundos, e no próximo instante, ela atirou-se nos braços da mãe, abraçando-a com firmeza e determinação, enterrando sua cabecinha na barrinha de Annabeth, e diminuindo até virar uma bolinha que Annie poderia facilmente alojar em seus braços. A loira levantou uma das sobrancelhas, sem a oportunidade de esperar o que houvera acontecido, e então abaixou os braços, passando a ponta dos dedos pelas costas da garotinha, para cima e para baixo, confortando-a enquanto ela nada dizia, ficava emudecida e entorpecida.

–Você... –as palavras de Annie foram morrendo conforme pensava na pergunta estúpida que estava quase fazendo. Então reformulou sua frase e inclinou a cabeça para baixo, para poder olhar a garotinha que agora não fazia um único barulho. –O que aconteceu, princesa?

Silena arrepiou-se, não pelo frio, ou por medo. Mas pelo que fora chamada. É claro, sua mãe bem que poderia tê-lo dito sem pensar, mas essa era a maneira como seu pai, na maioria das vezes, a acalentava. Queria responder-lhe, mas não conseguia. A voz lhe faltava, e a coragem também. E por esse motivo, permaneceu na cama, aquietando-se até finalmente poder suspirar inteiramente sem a sensação de estar sendo asfixiada. Acamada na cama, sentia-se confortável no calor dos braços da mãe, como sempre sonharia um dia poder ter a chance de experimentar. Conhecer como é o toque da sua guerreira, de como era poder estar perto dela. Apesar de nunca imaginar que tudo isso aconteceria passando por uma circunstância dessas.

E então, aquela pergunta afluiu para sua mente novamente.

–Annie? –Silena chama a loira brandamente, engolindo com empenho as dúvidas ou dificuldades. Precisava saber o que era aquilo. Precisava compreender o porquê tudo isso estava acontecendo. Talvez aquilo poderia ajudar. Talvez ela serviria de auxílio, afinal de contas. Ela havia matado a mãe, e agora ela queria salvá-la. Será que não era por isso que voltara? Queria poder reuni-la com seu pai, juntar novamente todas as peças fragmentadas e esbofeteadas. Será que poderia fazer isso?

–Sim, querida? –ela responde, e Silena sorri amavelmente, apenas um vislumbre do que poderia um dia ter se formado.

A cabeça da garotinha aparece para Annabeth vê-la, ela estava com os olhos cintilando, cheios de perseverança, ela puxa uma quantidade quase absurda de ar e a loira se prepara pelo que irá vir. E realmente teve, pois...

–O que é amar? –ela pergunta sem se perturbar, as bochechas infladas. Silena pensa, por um momento, que não conseguiria fazê-lo, mas orgulhou-se de quando as palavras saíram naturalmente pela sua boca. Ela prende a respiração, pelo que poderia ouvir a seguir. Mas novamente, descansa a cabeça nos braços de Annabeth que estavam ao seu lado.

Annabeth se surpreende com a pergunta. Fica surpresa por aquela menininha que havia cravado seu olhar verde-marítimo nos seus cinzentas nublados, perguntar isso. Ela estava despreparada, e os sentimentos confusos e desajeitados dentro de si não ajudavam em muita coisa, apenas para complicar um pouco mais a questão.

–O que é... amar? –ela repete, desnorteada, a testa franzindo-se lentamente conforme as palavras eram absorvidas em sua mente desorientada para qual palavra deveria usar dessa vez.

–Sim. O que significa isso? Como você sabe que está... amando? Como alguém pode saber que ama alguém? –a garota insiste deixando Annie mais assustada ainda, em um bom sentindo. Silena funga, levantando as mãos e limpando as gotículas menores da salgada água que teria despencado da parte inferior de seus olhos, ainda suspeitos a criar mais uma cachoeira para mais tarde, algo que Silena arduamente e ardentemente reprimiu.

“De onde aquela pergunta viera?” –era o que a loira pensava.

–Bom... –Annie se inquieta e começa a pensar no que poderia falar para a princesinha que ainda a encarava com os olhos enormes de curiosidade. –Amar é...

Mas não sabia o que responder. Ela conhecia a resposta, mas como traduzi-la para palavras? Como poder lhe dizer, relatar, tudo o que seu coração e mente sujeitavam a ela quando estava perto de Percy? Não... ele voltara para ela. Assim como ela tentara evitar. Ela fechou os olhos, sentindo-se ser amordaçada e arremessada com uma âncora para fora de um navio, caindo ardilosamente na água, e sufocando-se nas incertas águas cáusticas. Balançou a cabeça, tentando desacelerar o tempo para poder ponderar. Não... não. Não pode pensar nele, não agora.

–Você ama o Percy, não ama? –Annabeth arqueja, esbaforida. Lentamente, estreita os olhos, e se encontra com os verdes maresia que por um instante confundiu com os do Cabeça de Alga. Ela respirou fundo quando o rapaz lhe veio a mente, com o sorriso bobão de sempre e tirando-a das prisioneiras águas repletas de garras afiadas que se prendiam em sua roupa. Porém, sabe que poderia confiar nele. Bom, pelo menos sabia. Ela ama, ou, argh. Amava.

Uma dor afligiu seu peito, atingindo-a com crueldade. Não era para ela pensar desse jeito. Ela cerrou os olhos novamente, tentando conter o que viria.

–Você o ama. Ama-o de verdade. –Silena pronuncia, colocando com carinho a palma da mão nas bochechas da mãe, e quando a própria abre as pálpebras, se surpreende pela segunda vez quando se descobre com a garotinha sorrindo harmoniosamente para ela. Uma singela gotícula caía na cama, como o último vestígio de uma tempestade que se afastava, aos poucos. –Amar. Eu sei o que é isso.

Seu tom era de intensa tranquilidade, como se finalmente houvesse descoberto um grande mistério escondido a ela por muitos anos. Por fim, ela podia saber o que sentia. Por fim, podia saber o que eles sentiam. Havia visto o amor. Havia conseguido distingui-lo nos olhos de Annie quando ela semicerrou-os. E por fim, já sentira isso. Já sentira, e ainda sente. Ela ama seu pai, ama quando ele a faz rir quando está triste, ou quando a ensina os primeiros passos de batalha, ama de quando ele sorri para ela e fala sobre sua mãe, ou quando a coloca no colo e a conta histórias para dormir. E agora... ela sabia. Sabia também...

–Eu amo você, Annie. –ela abraça a mãe apertado, pensando na palavra que tanto queria dizer a ela. Que tanto queria usar em sua vida. E que não podia. Murmurando baixinho, ela deixou a palavra deslizar para fora: -e eu vou sentir sua falta, mamãe.

Annabeth não escuta a última frase, contudo, isso não é sinônimo de não ter entendido toda as suas palavras. A loira se espanta pela fala da garotinha e abre os olhos completamente, deixando com que o cinza de suas íris tornassem mais suaves e amenos. Ela abaixa o olhar e observa a garota abraçando-a, sentindo uma peculiar compaixão indescritível por ela, e um sentimento de pertence que ela tinha por Silena. Uma sensação de que, de alguma maneira, Silena era dela, de que sempre a conheceu e que sempre soube como ela se transformaria quando crescesse.

Um aperto acometeu seu coração, e ela retribuiu o abraço da filha.

–Eu também te amo, pequenina. –ela murmura, com doçura, pensando como os pais daquela garotinha tinham sorte de tê-la por perto. Mal Annabeth sabia, que ela era a sortuda.

Silena já sabia do que a mãe lhe contara, ela falara para ela em sua carta. E ela sentia que isso era verdade. Era isso que ela queria escutar de sua mãe, com sua própria voz. Levantando os olhos, ela pôde sentir um tom acusatório adquirir-se em seu timbre, como quando o seu pai repreende-a ao enfeitar com laços Quíron enquanto este dorme, juntamente com o companheiro dela, Peter, um filho de Apolo dois anos mais velho que ela.

–Eu nunca brigaria com você, Annie... nunca iria brigar assim com alguém que eu amo. Por que você e Percy estavam discutindo? –Silena sacudiu sua cabecinha na barriga da mãe, fechando os olhos lentamente. –Por favor... não fazem isso... por favor... vocês não podem deixar que eles te afetem. Vocês ainda podem mudar. Eu sei que são resistentes e fortes. Melhores do que eles pensam. –e depois de uma pausa, quando Annabeth ficara sem voz e seu rosto enrubescera de vergonha pelo que acontecera, a garotinha acrescentou: -Você brigaria comigo, Annabeth?

E antes que a loira pudesse responder, Silena já havia bocejado e adormecido. Sua respiração leve trazia baforadas curtas no corpo de sua mãe, que sentiu seu estômago embrulhar-se.

Ela devia ter mesmo falado aquelas coisas tão ríspidas para Percy?

Ela realmente nunca mais queria vê-lo?


Pov. Silena.



Eu não entendo os adultos. Não mesmo.


Uma hora eles parecem felizes e conciliados, como se nada pudesse bloquear as suas capacidades mentais, e como se nem mesmo se uma deusa roubasse-lhes a memória poderiam esquecer quem eles amam. E, de repente, eles estão lá, dizendo coisas más... ferozes e implacavelmente indistintos. Palavras e olhares que serviam como fortes golpes lancinantes e alucinatórias em meu peito. Como se eu fosse desaparecer para sempre.

Se eles se amavam... por que trocavam palavras tão impertinentes um contra o outro? Eu não consigo entender.

Após a conversa com minha mãe, eu fechei os olhos e não pude escutar o que ela respondera para mim. Sentia-me ao mesmo tempo realizada e feliz por ter aquela conversa com ela, uma paz reinando em minha mente perturbada por sua partida precoce, mas ao mesmo tempo sentia-me vítima de uma traição em campo de batalha, atingida por trás com uma flecha que lentamente chegava em meu coração, um sentimento acerado incrustando-se em mim.

Não sabia mais o que fazer. Eles não podiam estar separados. Não podem. Eles são meus pais... meus queridos papais que se amam.

Bem, porque amar é isso, não é? Eu pude ver com meus próprios olhos naquele místico sonho-lembrança que tive com meus pais, ou mesmo no curto tempo precioso que passei com eles. O encontro de suas visões tinham mensagens escondidas, que enviavam um para o outro secretamente, os rostos transparecendo o brilho fulgurante que ambos tinham ao se acharem, o afeto que eles tinham um pelo outro. Eles não podiam negar, ou mentir. Era nítido, e eu podia perceber. Era quase incongruente pensar sobre o que acontecera.

Mas... por que eu viera para cá? Por que eu tinha de ver tudo isso? Por que ninguém me avisara antes? Por que minha mãe tinha de se sacrificar para poder me ter? Como eu fora a única a ser escolhida para voltar? Por que eu tinha de conhecer minha mãe só para perdê-la, de novo? Por que...? Eram tantas perguntas...

–E nenhuma resposta para elas. Sim, Silena, infelizmente. Bom, mas eu te avisei, huh?

Levantei a cabeça que havia centrado para o chão, para os meus passos no oco de meu sono sem sonhos. E eu o vi. Já era tempo! Ele não havia me respondido quando lhe chamei, e nem senti-o naquele tempo curiosamente antagônico.

–Apolo! –exclamei, abrindo um sorriso que fez meus músculos doerem. Al arqueou a sobrancelha para o meu entusiasmo e lançou-me um sorriso torto com os olhos brilhando, dourados. Não pude resistir a vontade de correr até ele, parei a sua frente, tentando chegar a ponta dos pés para não parecer tão pequena a seu ver; mas, logicamente, isso não fez tanta diferença. Cruzei os braços e fiz um muxoxo, aborrecida. –Por que você demorou tanto para vir? Você sabe as respostas? Por que meus pais estão bravos? Eu fiz alguma coisa que não deveria? Porque eu fiz conforme você me mandou e...

–Ei, ei, ei! Espera aí, criança, não se apresse. –ele bagunçou meus cabelos, rindo brincalhão quando a minha expressão mal-humorada atenuou-se. Ele recuou alguns passos e apoiou-se em um dos joelhos, enquanto mantinha o outro a sua frente, com os pés plantados no chão, um dos braços pendendo entre eles. Ele tocou meu nariz, e eu apertei os olhos. Ele escondia algo. –E quanto a sua pergunta, ou melhor, suas perguntas, bom... você vai ter que descobri-las sozinha.

Suspirei, suavizando minha expressão retesada. Por que não me admirava? É claro que eu teria de descobri-las sozinhas... Meu ânimo cresceu um pouco a medida que uma esperança começou a chamejar em mim. Fitei seus olhos e inclinei a cabeça, os cantos de meus lábios repuxando-se em um sorriso amarelo.

–Bom... mas você vai me ajudar, certo? –tentei implorar, e pude perceber quando ele olhou-me tristemente.

–Sinto muito, pequenina, mas eu não vou estar mais tão presente aqui.

Meu coração pareceu, por um momento, ter parado de bater. Meus braços caíram ao meu lado e meus membros pareciam atordoados demais para me obedecerem. Minha boca boquiabriu-se e fiquei em meio a fios desalinhados.

–O quê? Por quê? –perguntei incrédula. Apolo ausente? Não poderia lidar com isso sozinha, não agora, pelo menos.

Apolo sacudiu a cabeça, recusando a responder. Dei um passo a frente e peguei a sua mão grande e normalmente calorosa, mas que agora estava tão fria como neve. Quase recuei ao toque, contudo mantive-me firme ainda pressionando os seus dedos.

–Fui eu? –deduzi e de seus olhos pareceram acender um farol indicando a afirmativa de minha pergunta que não precisava necessariamente de alguém para responder.

–Não! –protestou, tentando esconder de mim o que já sabia. –Não. Só alguns problemas familiares, nada demais...

Al fez um gesto indiferente com a mão em que eu não estava segurando, e permaneci sem recitar uma palavra. Era minha culpa. Esse ciclo incerto continuava a decorrer-se cedendo a minha insegurança. Eu havia matado minha mãe, eu causara problemas a Apolo e eu teria que consertá-los agora.

Eu não deveria ter nascido.

Não percebera como estava até então meu toque afastar-se do de Apolo, minha mão escorregou para o lado de meu corpo como um peso morto, e minha cabeça fora lentamente curvando-se para baixo, meus olhos fixos em meus pés enquanto a borda de meus olhos tornavam as imagens borradas e desorganizadas. Era isso, era por isso que Apolo me trouxera aqui.

–Por que você, Silena, está pensando dessa maneira? –volto-me para Al, que se torna sério e repreensivo. –Você é esperta, criança. Não deveria estar imaginando uma coisa dessas. Você realmente acha isso? Realmente acha que se você deixasse de existir as coisas seriam melhores?

Não respondo. Não abro a boca. Tenho medo de fazê-lo. Tenho medo de desapontá-lo ou deixá-lo decepcionado.

O problema, era que eu já havia deixado.

–Você não sabe porque eu a trouxe aqui. -a fisionomia dele fica dura e inexpressiva. Congelo em meu lugar, empalidecendo e imaginando a discussão de meus pais. De meus queridos pais. Viro minha face, para que ele não consiga ler meus olhos. Apolo respira fundo e solta o ar, frustrado. Levantando-se com o auxílio de suas mãos, ele me olha por cima, tendo de abaixar a cabeça e levantar a minha com seus dedos tangendo-se em meu queixo.

–Silena, o que você acha que aconteceria se você não existisse?

Estanco com a pergunta. O que eu acho? Eu acho que tudo seria melhor. Meus pais estariam bem, juntos e felizes, e poderiam conviver até o final de cada um vier no momento certo, na época certa.

A expressão taciturna de seu rosto acentuou-se, e eu tive certeza que essa não era a resposta que ele queria.

–Você está completamente enganada, criança.

E antes que eu perceba, ele recua com os olhos apartados de uma dor que não consigo entender qual seria. Rapidamente, e antes que eu tenha tempo de desviar-me, ele fala palavras rápidas e hábeis que não consigo acompanhar em grego antigo, direcionadas a mim. Subitamente, algo floresce em meu peito e cresce até eu sentir-me sendo tragada em um inconfundível redemoinho nauseante...

Oh, não... Isso de novo não.

–Apolo!

E então tudo roda e perco minha consciência.

***

–Não faça algo que irá se arrepender depois, Percy. –escuto vagamente uma voz perto de mim. Arregalo os olhos, sabendo exatamente quem é. Ergo-me tão rapidamente que o mundo começa a girar a minha volta, fazendo-me vacilar no chão e ter de me apoiar em uma árvore sebosa e verde. Estou com meu vestido azul que minha avó me deu quando nos vimos da última vez e o meu rabo de cavalo que papai gostava de fazer em mim. Hesito.

Uma árvore?

Recuo e tropeço em uma pedra, caindo de costas no chão, mas não sentindo dor alguma. Nem mesmo uma breve pontada de dor. Sento-me sem dificuldades aparentes, e levo as mãos para minha frente, segurando-as a altura de minha visão. Tinha algo com elas... algo... O que era?

–Não irei, Grover. Não se preocupe. Eu só preciso conversar com ela. –a voz de meu pai entrou na conversa e eu sobressaltei-me. Era o meu pai! Meu pai do meu tempo! Podia perceber pelo seu tom, pelo seu timbre mais forte. Era ele. Era ele! Então... eu tinha voltado ao meu tempo? Não, mas como poderia? Ainda não havia terminado meus dias que Apolo combinara comigo. Não podia ser.

Ainda não havia me despedido de minha mãe.

Olhei ao redor, tentando procurar de onde os ruídos vinham. Eu estava em uma trilha, próxima a uma clareira aberta que se estendia a minha frente. Reconhecia aquele lugar, era o acampamento. Já havia passado por ali na última Caça-Bandeira. Pus-me de joelhos e levantei-me, limpando meu vestido azul o qual havia se prendido algumas folhas secas. Os passos pareciam estar mais pertos, e um galho quebrou-se atrás de mim.

Virei-me 180 graus para o lado em que viera o estridente barulho. Minha cabeça girou como o de uma coruja e quando eu vi os dois, meu pai com barba a fazer (o meu pai, do meu tempo!) e o seu melhor amigo sátiro, Grover, alimentando-se de uma latinha nervosamente, eu saltei no mesmo lugar, assombrada, surpresa e encantada por vê-lo novamente. Uma saudade aterradora me dominou e sem me conter, sussurrei para mim mesma:

–Papai...

Eles estavam perto o bastante para me ouvir, ou para pelo menos escutar alguma coisa, mas eles não se deram ao trabalho de voltar-se para mim. Continuaram andando, meu pai encarando algo atrás de mim e Grover concentrado nele, estudando seu rosto mastigando avidamente a pobre da latinha.

Minha testa enrugou-se, meu cenho franzindo-se, desconfiada. No entanto, girei meu corpo inteiro para frente e decidi aproximar-me. Andei um passo por outro, meu sorriso, apesar de tudo, abrindo-se com leveza envolto de uma pontada de melancolia.

–Pai! –reitero mais alto, e paro enquanto o encaro terminar de dar os passos que nos separam. Mas ele não olha para mim, sequer percebe minha presença. Na verdade, ele não me ouve, não me vê. E quando estávamos a um centímetro de distância, ele não desvia e muito menos colide comigo.

Ele passa através de mim. Como se eu não existisse. Como se eu não passasse de uma simples alma chamada dos mortos, as almas que às vezes Nico invoca.

Sinto-me fria e vazia quando ele passa através do meu corpo, juntamente com a dor que se inicia em meu interior, despedaçando meus pensamentos coerentes. Meu sorriso que há um segundo estava estampado em meu rosto desaparecera completamente, não sobrando um vestígio ao menos que um dia estivera ali.

Minha cabeça seguiu-os, virando-se novamente. Eles ao menos sentiram algum transtorno no ar. Olhei para baixo, para meu corpo, e vi-o tremeluzir. Abracei minha cintura, sentindo-me mais do que nunca solitária e sem ninguém, e eu pude sentir a frieza de minha pele mortificando-me e mandando-me um sinal de alerta. Eu... o que estava acontecendo?

Finalmente, saindo de meu torpor inicial, eu comecei a caminhar. Na direção em que meu pai estava indo, com seu companheiro sempre constante. O que mais eu poderia fazer? Mesmo que eles não me vissem, escutassem ou sentissem minha presença, eu podia observá-los e descobrir a que fim eles estavam levando. Afinal, quem era “ela” que o tio Grover mencionou?

Ao pararem, eu escutei um suspiro vindo de Grover. Ele baliu, acabando com a latinha que mastigava.

–Percy, amigo. Você não se lembra do que Annabeth disse a você da última vez que se viram? Ela não vai escutá-lo. Ela não escutou das outras vezes.

Um arrepio percorreu meu corpo e eu estremeci. Annabeth? Por que ela não escutaria? Eu conversei com ela aquela noite... falei com ela... será que ela não havia ponderado sobre a questão? O que minha mãe falaria para papai? Não poderia ser grande coisa, certo?

“Eu não quero vê-lo nunca mais, Percy. Sinto muito.”. –meu pai falou monótono, repetindo palavras de muito tempo atrás. Minha cabeça girou. Ela falara aquilo? –Eu sei, Grover. Não precisa ficar me lembrando. Mas aquilo foi tempos atrás. Estávamos em uma época difícil e tínhamos passado por maus bocados naqueles dias. Principalmente com aquele Gigante que encontramos no caminho do acampamento alguns dias atrás. Por isso... talvez ela reconsidere o assunto.

Maus bocados? Gigantes? Minha expressão fechou-se, amargurada. Tínhamos passados os últimos dias juntos. Como poderia ter sido em maus bocados? Como poderia ter havido Gigantes se eu estava ao lado deles o tempo inteiro e não aparecera ao menos um? Eles não foram ao acampamento. Não viram Gigantes. E, bom, em relação aos maus bocados, como poderia ter?

Algo não se encaixava.

–É, depois de quase dez anos depois ela vai reconsiderar. –meu tio Grover riu sem emoção. –Acorda, Percy! Eu sei que você sente sua falta, mas já é tarde demais. Você sabe disso.

Meu pai recusou-se a responder e aproveitei para andar um passo adiante dele, temerosa. Ele remexeu-se inquieto. Parei no mesmo instante. Ele conseguira me ver? As árvores atrás de mim mexeram-se e enxerguei com o canto dos olhos um movimento. Não, ele só...

–É melhor você se apressar, Grover. Não tenho muito tempo. As Caçadoras logo vão estar partindo e eu tenho de estar com elas ant...

Arquejei, sem conseguir acreditar. Sua aparência era a mesma de que vira na última vez, a única diferença era a de seus cabelos estarem perfeitamente traçados em tranças longas e loiras que caiam-lhe sobre os ombros, os olhos eram mais duros e firmes e uma postura mais ereta havia se abrigado sobre seu corpo. Aquela não podia ser...

–Mãe. –ofeguei, minha voz sumindo conforme fitava os olhos cinzentos abismados de minha mãe. Annabeth Chase.


Realidade paralela; acampamento meio-sangue.



Annabeth Chase passou pelas árvores com um arco e uma aljava abastada de flechas nas costas, imaginando o que seu amigo Grover queria discutir com ela. Não podia ter o luxo de demorar-se muito, avisara a ele, mas segundo o seu sátiro favorito ele afirmava que não se passaria de uma troca rápida de palavras.


“Melhor que seja” pensou, olhando para trás onde teria de se dirigir fugazmente após a ‘troca rápida de palavras’. Não que ela não quisesse se reencontrar com seu melhor amigo dos tempos antigos, mas teria de se apressar para não ser deixada para trás pelas Caçadoras de Ártemis, a qual participava havia um bom período de tempo.

Ela entrara na Caçada assim que seu coração em relação a dor que sentira pelos acontecimentos com Percy acalentara e sua mente novamente tornou-se limpa e clara. Ela refletira por um tempo, pensando na proposta que haviam dado a ela tempos passados, e por fim, fizera sua escolha. Tinha que se livrar de suas tentações, de seus sofrimentos. Havia dito que nunca mais queria vê-lo, e sabia que não conseguiria cumprir sua palavra se não fizesse algo para agir como muro em sua passagem.

Annabeth espantou os pensamentos de quando relatara a Ártemis sobre sua resposta. Naquela época, a garota estava exasperada, entristecida e morbidamente cansada, solitária. Depois da discussão que tivera com Percy, logo depois dos exaustivos e desgastantes dias no retorno ao acampamento só para receber mais uma missão para lutar contra os Gigantes, havia ficado uma longa semana sozinha enquanto seu pai fazia uma viagem a trabalho e sua madrasta e os meninos tiravam férias. Ela declinou o pedido que sua madrasta fizera para acompanhá-los e por isso havia passado grandes segundos consigo mesma para saber o que queria fazer. Sem ninguém por perto para lhe ajudar a pensar a respeito, fizera a escolha que no momento parecia ser a mais sensata. Para fugir de tudo, virara uma Caçadora. Thalia ajudara ela nos primeiros anos, e em seguida, ela conseguiu muito bem se virar sozinha, como se houvesse nascido para aquilo. Nunca, como havia prometido, sequer olhara para Percy Jackson novamente.

E até aquele momento estava indo conforme seu plano, mas assim que desvencilhou-se dos galhos das árvores e adentrou a clareira que havia combinado de se encontrar com Grover ela partiu-se como um pedaço de vidro.

–É melhor você se apressar, Grover. Não tenho muito tempo. As Caçadoras logo vão estar partindo e eu tenho de estar com elas ant... –Annabeth estancou na frase quando seus olhos repousaram nos verdes-mar de Percy Jackson. Ela esbugalhou os olhos, estarrecida com o que vislumbrava, o seu antigo Percy que desejava tão ardentemente esquecer construiu um sorriso saudoso em seus lábios enquanto a estudava. Annabeth virou-se para Grover, ao seu lado, que mantinha uma expressão de culpa e constrangimento nas linhas de seu rosto.

–O que ele está fazendo aqui? –perguntou rispidamente, sem se importar com a expressão de Percy apagar-se, como se houvessem dito as piores palavras que poderia escutar. Grover levantou as mãos, em oposição.

–Não me coloquem nisso. –e então saiu correndo com seus cascos batendo no solo apressadamente, deixando apenas Percy e Annabeth encarando-se mutualmente. O ar pesado recaindo-se sobre os dois.

Percy pigarreou, esforçando para sair sua voz.

–Annie, eu...

–Não me chame assim. –rosnou Annabeth, interrompendo-o friamente. Ela desviou o rosto quando ele tentou fitá-la nos olhos, sentindo suas bochechas corarem e suas mãos esquentarem-se. Fazia tempo que não o via realmente, e sempre quando relembrava o assunto imaginava como poderia ser o futuro dos dois se algo os impedisse de separar-se. De tudo que teria perdido.

Mas é claro, sempre se incriminava por pensar a despeito de tais coisas. E agora, era um momento onde estava fazendo exatamente isso. Ainda podia sentir seu coração pesando por não poder correr até ele e abraçá-lo com força, como queria. Queria poder sentir seu toque novamente, poder rir com ele, poder sentir o cheiro de maresia que ele emanava. Mas não podia. Não, porque fizera sua escolha no passado. Porque ninguém havia estado do seu lado para consolá-la. Para poder auxiliá-la a reorganizar a mente. Apenas a sua confusão.

Percy recuou diante do tom de Annabeth. De sua antiga sabidinha. Aquela na qual sucumbira de suas mãos, por uma boba discussão. Não havia mais volta, e sabia disso. Mas queria poder vê-la uma última vez. Escutar sua voz pela última vez.

–Annabeth. –ele corrigiu-se depressa, dando mais dois passos para aproximar-se da loira, que acuada, encolheu os ombros, receosa. Percy estancou no lugar pelo modo como a garota reagira diante de sua aproximação. Respirou fundo, ficando aliviado por estarem sozinhos e poderem por fim conversar sem que Annabeth achasse uma saída para escapar dele. –Eu... desculpe-me. Eu não tive chance de dizer-lhe mais cedo.

A loira levantou o olhar, surpresa pela palavra. Ela forçou-se a dar um sorriso sarcástico.

–Bom, você não acha que já está muito tarde para dizer isso?

Percy frustrou-se. Estava cansado de escutar essa palavra repetidas vezes. Era tarde isso, tarde aquilo... Nunca era tarde para se fazer o que devia ter feito muito tempo atrás. Nunca é tarde para se arrepender, mesmo que quando já fizer isso, você não possa ter a oportunidade de possuir o que poderia receber se o fizesse mais cedo.

O moreno avançou os passos restantes em direção a Annabeth, que recuou em vão, pois Percy agarrou-lhe os pulsos com delicadeza, sem machucá-la e trouxe-a para perto de si.

–Por favor, Annabeth.

A loira hipnotizou-se pelo olhar do moreno, que prendera a respiração sem ao menos perceber. Annie abaixou o olhar depois de um minuto ter se passado, sem que ambos trocassem uma única sequer sílaba, apenas estudando um ao outro, analisando quem cederia primeiro. Porém, Percy já sabia da resposta nos olhos de Annabeth quando esta abaixou a cabeça, soltando-se do contato do rapaz que sentiu o sufoco de seu pulmão agravar-se.

–Você sabe que eu não posso.

Ainda olhando para baixo, Annabeth fugiu. Como sempre fazia desde aquele momento desesperador. A loira odiou-se por não ter sido forte o bastante para ficar com Percy por mais tempo, para poder aproveitar os últimos instantes que teria com ele. Mas já era tarde.

A palavra ecoou em sua mente e de seus olhos brotaram lágrimas secas que ela logo fez desaparecer. Era hora de esquecer seu passado. Nada poderia mudar.

Percy observou-a afastar-se e seus joelhos fraquejaram. Ele caiu no solo, socando com os punhos cerrados o chão. Percy grunhiu, incrivelmente desolado, e sentiu que nada mais poderia acontecer de ruim a ele. E como estava enganado. Ele curvou-se para si mesmo e manteve a cabeça baixa, e na terra próxima a seu rosto, derramaram-se os enraivecidos gritos de fúria e ira líquida, do próprio grande vácuo formado dentro de seu âmago.


“It's a terrible love and I'm walking with spiders
It's a terrible love that I'm walking in (2x)
It takes an ocean not to break (3x)”



–Terrible Love – The National / (cover Birdy).



[...]



Silena corria.


A pequenina disparava pela floresta, a dor inicial exacerbando até tornar-se tão insuportável que ela expirou, caindo no chão e ficando ali. Sem vontades de se levantar. Ou de fazer qualquer outra coisa. A terra jazia fria contra o seu corpo pesado, e sua respiração saia dispersiva, quase insensível. Ela esperava quando seus pulmões parassem de funcionar, e ela perdesse todo o senso e sentido da vida. Quando ela voltaria de onde ela viera, antes mesmo de nascer, como deveria.

Ela assistira tudo calada, afastando-se cada vez mais até sua mãe se for, e seu pai cair em terra, em prantos e infeliz, completamente sem rumo ou direção. Escutara a conversa que ambos tiveram, concisa e inclemente e gritara com eles. Gritara dizendo que podiam consertar isso tudo, que podiam voltar a ficar juntos. Mas eles não a ouviam. Ela nem mesmo conseguira tocar em seu pai quando estendera a mão para apoiá-lo e confortá-lo com seu contato em seu ombro. Ela passara através dele, como uma névoa divergente.

E então, chegara até aqui. Lembrara-se das palavras de Apolo a ela, que tanto refletiam na situação presente.

–Eu sei agora, Al. Eu sei o que eu devo fazer. Por favor. Não me deixe aqui... eu compreendo. Por favor... Eu entendi.

Silena sussurrava faminta por respostas. Porém, elas não vinham. Por um instante, deixou-se ser consumida pelo pânico inconsciente de que fora abandonada lá por quem pensava poder confiar, onde poderia remoer-se em seu desejo de não ter nascido. No entanto, a brecha cadente de sua mente lembrou-a. Apolo nunca faria isso. Ele poderia ser algumas vezes difícil e complexo de entender, brincalhão em momentos desnecessário e completamente insano em momentos mais desnecessários ainda – mas não era do tipo que deixaria alguém na mão.

Então por que ele não respondia a ela?

Silena, enquanto absorvia as imagens constantes e conturbadas, pôde notar o que acontecera. Pelo menos, em partes. O que aconteceria se ela nunca existisse? A pergunta de Apolo retumbava em sua mente, e um ponto de seu cérebro pareceu apontar-lhe a que direção seguir para obter a resposta. Por que você está aqui, realmente? Você não entendeu, não é? Ela aprofundou usa busca, prestes a descobrir as respostas que ardentemente tentava encontrar.

Decidiu fazer algo. Decidiu sair de sua paralisia. Precisava sair. Tinha de encontrar os pais primeiro, mas onde? Seus pais naquele tempo não eram necessariamente os seus pais – se é que isso faz alguma ligação.

Esforçando-se e empenhando em se concentrar em sentar-se ao mesmo tempo que canalizava sua força para pensar com naturalidade e intensidade, ela colocou-se sentada. Embora alguns minutos antes parecera a ela que seu corpo pesava tanto quanto a Sra. O’Leary, agora ele parecia pesar mais do que vinte Dionísios carregados juntos. O que era realmente aterrorizador e desagradável de se imaginar.

Suas pernas não queriam obedecer suas ordens de arquearem-se para cima, ou ao menos se mover alguns centímetros. Seus braços pareciam estar sendo pregados ao chão, ou ao lado de seu corpo. Sua cabeça martelava e latejava como milhões de abelhas a houvessem picado. E as suas pálpebras aparentavam estar entrando em um transe adormecido. Ela dobrou-se sobre si, sentindo-se incapaz de realizar qualquer coisa, e incompetente em unir as peças quebradas e escondidas. E conseguiu, com muita dificuldade, abraçar as pernas, envolvendo-as com seus bracinhos e enterrando seu rosto em seus joelhos, tentando racionalizar melhor.

O mundo pareceu inclinar-se sobre ela, e uma tontura incomodante apareceu para embaralhar sua mente, acomodando-se no fundo de suas costelas, fazendo-a perder o chão. Ao piscar os olhos aflitivos, ela se descobriu em um chão mais macio e confortável. Não tanto quanto a grama de onde ia andar com seu pai na cidade de Manhattan, mas da mesma maneira, um boa alternativa para se deitar e dormir, sem nunca mais abrir os olhos novamente.

Mas parece que os planos não eram esses.

Ela já havia se ajustado a paisagem, e não prestara muita atenção ao seu redor. Só havia continuado ali, deitada sobre seus joelhos com a cabeça baixa enquanto curvava-se para frente, balançando-se para frente e para trás. Tentou uma, duas, três e mais de quatro vezes levantar-se, mas o desânimo e seu mais novo sentimento de desacreditar na esperança a tornava menos disposta e menos inspirada. Não podia se influenciar e tomar-se pelo cansaço, sabia disso; mas ela o fizera. E tinha medo de não poder mais voltar.

Não queria mais chorar. Não queria mais derramar uma única gota a mais de água. Respirando com cautela, ela afundou o ar fresco dentro de seus pulmões, refletindo sobre os últimos acontecimentos com mistério e robusteza. Já conhecia o que deveria ser feito, já reconhecia seu papel naquele ciclo repetitivo. Ela tinha de salvá-los. Tinha de colocar o curso de suas vidas em alinhamento. Era para ela estar ali naquele dia. Era para ela estar ali para reconfortar Annie e auxiliar Percy. Era para ela estar ali para poder reunir a sua família novamente, mesmo que fosse perdê-la mais tarde.

Havia visto os olhos esmorecidos de seu pai ao ver Annabeth longe dele, distante de seu alcance. E visualizara a agonia de Annabeth por não poder mais ter Percy ao seu lado novamente. E podia sentir a desarmonia de todos os acontecimentos, como se todos passassem sem fluxo e sem concordância, o que certamente acontecia. Sua realidade não era essa. E nunca deveria ser.

Por isso tinha de mudar o futuro. Tinha de colocá-lo nos trilhos. Iria acontecer um acidente no meio da viagem? Sim. Sim, iria. Mas esse acidente faria com que ela crescesse e se fortalecesse, para que ela virasse o que era hoje, e o que se tornaria amanhã. E por isso, exatamente por isso, também poderia desfrutar os poucos momentos que teria com sua mãe, aquela na qual realmente agira como sua guerreira da vida.

Mas como iria fazer tudo isso, se não conseguia fazer a coisa mais básica, pôr-se de pé? Como conseguiria fazê-lo, se não tinha forças para isso? Foi quando ouviu acima dela.

–Levante-se.

Silena sobressaltou-se. Não esperava encontrar alguém aqui, principalmente quando se encontrava no meio do nada. E logo quando escutou as palavras, ficou aborrecida. Ela sabia que tinha de se levantar! Mas não conseguia. Era exatamente essa questão que estava encarando. Ela não conseguia.

–Vamos, erga-se. – a voz retornou. E Silena, pela primeira vez, levantou o olhar, curiosa com quem poderia estar falando. Um garoto aparentemente não muito mais novo que seu pai do tempo passado estava parado a sua frente, trajando roupas negras e discretas, os olhos marrons inspecionando-a detalhadamente e os cabelos negros bagunçados.

–Nico... –a garotinha sussurra, quase sem alterar a voz, mas movendo os lábios de tal forma que fosse evidente a compreensão. O rapaz a sua frente manteve a face inexpressiva, mas assentiu e permitiu que o canto dos lábios formassem um sorriso mínimo e enviesado.

–Você não vai conseguir salvá-los se manter-se parada desse jeito. Ponha-se de pé. –reiterou com mais firmeza e severidade. Silena encolheu os ombros e compeliu o desejo de se retrair.

–Eu não consigo. –a pequenina diz com um fio de voz. O tom frágil e escondido que ela utilizava fez Nico fechar a expressão, e olhá-la com as sobrancelhas levantadas e provocativas. O rapaz recurvou-se na direção de Silena, e murmurando baixinho, disse-lhe:

–Como você não consegue, se ainda nem tentou? –e então aprumou-se, endireitando as costas e respirando fundo, olhou-a bem firme nos olhos, determinado e maduro, certo do que queria. –Siga-me.

Virando-se, Nico começou a andar em direção contrária a dela. Silena enfureceu-se, primeiro contendo-se e logo após nascendo uma emoção de indignação. Ela havia tentado! Tentara muitas vezes, e sempre o mesmo resultado. Sempre o mesmo. Por que ele dissera aquilo para ela?

Tentou mais uma vez, forçando as pernas para cima. Mas era como se estas estivessem coladas no chão. Abriu a boca para chamar Nico que não parara, quando um pensamento lhe afagou a mente.

“Você está realmente tentando? Está buscando concluir essa tarefa com um desejo fervoroso e diligente?”.

Silena parou suas tentativas frenéticas e desesperadas. Uma paz a envolveu. Ela desejava seguir Nico, desejava sair dali. Desejava mais do que tudo libertar seus pais e conseguir uni-los outra vez. E sabia que isso só aconteceria quando saísse desse lugar. E Nico poderia guiá-la para onde deveria ir.

Então, sua perna se moveu. Primeiro lentamente, como um filhote aprendendo a andar. E depois, mais veemente e ativa. Ela continuou por passos, uma etapa por vez. Mexeu a primeira perna, e firmou-a no chão, depois a outra, atirando-se para cima. Equilibrou-se com os braços levantados e soltou uma respiração contida.

Estava levantada.

Nico continuava a andar, sem olhar para trás para ver se ela o seguia ou não. Silena decidiu apressar-se. Ela utilizou seu aprendizado e disparou para longe, as pernas revigorando-se e ganhando energia, e não girou a cabeça para ver como era o lugar que desocupara.

O rapaz foi cada vez aproximando-se mais e mais, até ela estar ao seu lado, caminhando com seus passos, arquejando parcamente para logo recompor a respiração ao regular. Silena andou com Nico por um tempo indeterminado, até que levantou o olhar para o garoto que não dizia uma palavra. Ali em meio a face entorpecida, ela notou um brilho em seus olhos, repletos de satisfação e alívio, ao mesmo tempo que orgulho e distinção. Ele sabia que ela iria conseguir. E nos lábios do garoto, Silena pode ver um sorriso mais esparso e aberto.

Silena suspirou, agradecendo-lhe mentalmente. Abaixou o olhar até repousar nas mãos do garoto, que sacudiam-se ao seu lado. A pequenina traçou um sorriso encantador e levou a mão até a dele, enlaçando os dedos nos confiáveis de Nico. Ela sentia-se segura assim, e percebeu que Nico não recuara com seu toque.

Ela soube com um certeza confirmada sobre o que deveria fazer. E iria fazer o que pudesse para conseguir. Os dedos de Nico fecharam-se nos seus e sua mão apertou-lhe a dela, animando-a e encorajando-a.

Seguindo adiante, Silena havia compreendido. Seu propósito, apesar de comparado com o de outros seres fosse minúsculo, não era tão insignificante assim. E como uma promessa, ela iria unir sua família novamente.


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Notas finais do capítulo

Que medo de vocês não terem gostado...
Obrigada pelos que estão acompanhando, pelos que favoritaram e pelos que vieram comentar no capítulo passado. Vocês são os melhores!
E agora... ansiosos para saber como tudo vai acabar?
Beijos, até daqui a pouco!



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