A Winter Night escrita por Olivia Hathaway


Capítulo 3
Capítulo 3 - Parte I




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Berlim, Abril de 1945

Encostei-me na parede e fechei os olhos.

Apesar do frio, isso era o máximo de conforto que encontraria aqui. A parte que ocupamos em Berlim está praticamente toda reduzida a escombros, sendo poucos os edifícios em condições adequadas para montar uma base. Para passar a noite, conseguimos um lugar que estava totalmente fora do alcance dos alemães e de sua artilharia. Ainda havia iluminação elétrica no local quando chegamos, mesmo que grande parte das lâmpadas mais piscasse do que funcionasse de verdade. Havia um lampião na mesa ao meu lado, para reforçar.

O cômodo em que eu estava parecia ter sido um escritório. Tinha restos de uma enorme prateleira cheia de livros – a maioria estava queimada – e um monte de papéis espalhados pelo chão. E eu tinha aproveitado a destruição para pegar um pedaço do sofá e transformá-lo em um travesseiro. Mesmo estando um pouco longe de onde estava ocorrendo o confronto, eu conseguia ouvir o barulho das metralhadoras e da artilharia. Sabia também que era só uma questão de tempo para que recebermos ordens para juntar-se a eles.

Alguns homens estavam descansando, outros jogando. Aparentemente, eles pareciam despreocupados. Mas eu sabia que estavam ansiosos. Todos nós estávamos na expectativa. A cabeça do führer era o maior troféu de todos. E estávamos bem perto de conquistá-lo.

“Russisch”

Abri meus olhos e olhei para o prisioneiro alemão. Amarrado e com o olho direito inchado, ele gesticulou com a cabeça para a carteira de cigarros que Nicholas Hathaway segurava e fez um gesto.

Nicholas me olhou. “Vamos oferecer um ao nosso amiguinho?”

Dei de ombros. “Por mim, tudo bem” o prisioneiro seria executado ao amanhecer. Não custava nada fazer uma de suas últimas vontades.

Nicholas me olhou por um momento antes de dar um cigarro ao alemão. Eu sabia o que se passava na sua cabeça. Ele acreditava que eu não deveria ter compaixão com os alemães, em especial este. Os pontos na minha testa e a minha mão enfaixada eram um lembrete do que este homem tentara fazer comigo mais cedo. Ele e mais outros dois soldados estavam escondidos dentro de uma casa em ruínas, tentando matar o máximo de soviéticos que conseguiam. Alguns soldados já estavam em alerta, mas não conseguiam localizá-los. Eu os vi por pura sorte, e decidi aproveitar que estavam distraídos para entrar na casa e matá-los.

Não foi tão difícil, já que não havia ninguém guardando. O grande problema foi lidar com três soldados de uma vez. No fim, quando Nicholas e outros dois soldados apareceram, o alemão se rendeu. Não o mataram porque queriam interrogá-lo.

Se eu fosse o homem que fui três anos atrás, certamente não teria aceitado sua rendição. Não conseguiria. Não depois de ver o que restara de minha irmã e de Anna depois do bombardeio em Stalingrado. Depois de enterrá-las, eu jurei destruir todos os alemães que visse na frente. Caçá-los como se fossem ratos. Um sniper se oferecera para me ajudar e, alguns meses depois, eu metia uma bala em cada alemão que estivesse ao meu alcance. Somente mais tarde foi que consegui controlar minha fúria e focá-la em quem comandava tudo aquilo. Os homens que matei depois foram para continuar vivo e para ajudar meus companheiros.

“Dimitri” um dos soldados do batalhão se aproximou, me fazendo voltar ao presente. Seu nome era Yuri e ele era um dos snipers. Ele segurava um embrulho de papel. “Nikolai mandou isso pra você”

Yuri atirou o embrulho, que peguei com facilidade no ar com a minha mão que não estava machucada. Para a minha surpresa, o que tinha no embrulho era um pão. Olhei para ele, grato. Não comia desde manhã e encontrar comida aqui ainda era difícil.

“Onde conseguiu isso?” perguntei.

Ele sorriu. “E isso é coisa que se pergunte, Belikov? Apenas coma”

Decidi não pressioná-lo mais e comecei a comer o pão. A fome vencera.

Havia uma goteira naquele cômodo, resultado de um cano estourado. Yuri parecia não se incomodar com ela molhando seu casaco. Só então eu percebi que ele estava observando Nicholas e o prisioneiro. Ele parecia intrigado.

“Você sabe que se o comandante ver isso ele não vai ficar nada feliz, certo?”

Nicholas deu de ombros. “Mais do que ele já me odeia por ser americano? Acho que não, camarada”

Yuri encostou-se no que antes era uma porta. “Tome cuidado com o que fala, Hathaway. Daqui a pouco virão buscá-lo” ele não esperou uma resposta.

Nicholas balançou a cabeça e jogou o que sobrara do cigarro. “Eu tenho a sensação de que terei que fugir daqui assim que essa guerra terminar. Ou isso ou provavelmente levarei um tiro na cabeça”

“Se os alemães não o fizerem antes” completei.

Nicholas riu e se sentou ao meu lado. Acendeu um cigarro e deu uma longa tragada. “Sabe, pergunto-me o que vai acontecer com você quando tudo isso acabar”

Eu também me perguntava. Tudo era tão previsível. “Conseguirei algum cargo em Moscou. Ou irei trabalhar em alguma fábrica”

“Você já pensou em ir para o exterior?” perguntou baixinho. Este era um assunto delicado, que geraria problemas sérios se alguém ouvisse. Uma provável morte ou uma prisão na Sibéria com trabalhos forçados, onde você passaria fome e viveria doente. Era apenas uma questão de estar no lugar errado, de falar na hora errada onde as pessoas erradas poderiam ouvir. Antes de entrar para a guerra já tinha visto pessoas sendo presas, inclusive meus vizinhos, por serem contra Stalin. Nunca tinha pensado em fugir do meu país, mesmo com a repressão que sofríamos lá.

“Não vejo motivos para sair da Rússia”

“Você tem medo” apontou ele.

Sim, eu tinha medo. Não era apenas pela minha vida, mas sim pela a da minha mãe e minhas duas irmãs. Se eles me pegassem, também as pegariam. Eu não suportaria perdê-las também.

Não respondi, o que fez Nicholas sorrir. Ele enfiou as mãos no bolso e puxou um pequeno pedaço de papel.

“Tome, guarde isso com você. Tenho certeza que irá precisar dele” eu peguei o papel e o abri. Havia um endereço escrito lá.

“Você é louco” murmurei. A parte racional do meu cérebro dizia que eu deveria queimá-lo para que ninguém o encontrasse. Que aquilo era a minha sentença de morte se eu não fizesse nada.

Contrariando a razão, guardei o papel dentro do meu casaco. Mais tarde procuraria um lugar mais seguro para guardá-lo.

“É o endereço de um dos meus imóveis na Inglaterra. Se caso for até lá, me avise que o estarei esperando. Posso conseguir um emprego fácil para você lá, assim como documentos falsos”

Assenti. “Verei o que posso fazer”

Nesse momento, um soldado se aproximou, mancando um pouco. Eu não sabia seu nome, mas o tinha visto hoje lutando. Uma granada tinha explodido perto dele e seu amigo acabou morrendo na hora. Seu rosto estava machucado por causa dos estilhaços.

“Senhor” disse ele, vindo parar na minha frente. “O comandante está exigindo sua presença para os últimos preparativos”

A hora era agora. Mais uma noite de luta estava por vir.

Quando me levantei, três soldados apareceram e foram até o prisioneiro. Enquanto eu me afastava junto com o soldado, cheguei a ouvir o alemão implorar por sua vida, antes de ser fuzilado.



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Notas finais do capítulo

Pequeno POV do Dimitri para vocês entenderem melhor a história.
Espero que tenham gostado! Se tiver comentários amanhã posto a 2ª parte (que é BEM grandinha) :)