Anjo Morto escrita por Duda


Capítulo 4
Olhos azuis




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Acordamos e ficamos em silêncio. Sem "bom dia". Apenas levantamos e andamos. Ainda estava com fome - estava sempre com fome... e com frio.

De pouco em pouco tempo eu olhava pra ele, queria ver sua reação conforme a caminhada - não que ela mudasse, apenas o mesmo olhar curioso. O olho dele era azul, tão claro quanto um véu. Ele tinha esse mistério no olhar, essa sensação de perigo próximo, mas não sinto medo, porque sei que mesmo que venha um perigo, ele me protegerá. Digo, espero que ele me proteja. Ele tem um olhar que diz que eu estarei bem, contanto que esteja do lado dele... será que foi por isso que não hesitei quando o segui? É possível ter a sensação de conhecer a pessoa apenas olhando para os olhos dela? Eu sentia como se devesse olhar para aqueles olhos o tempo todo para o resto de minha vida, como se eles fossem o caminho. O caminho para onde? Não importa.

Atingimos a cidade. Não era uma grande, mas maior do que as outras que já estive. Ele me olhou e disse:

–Podemos descansar um pouco. Tem um parque aqui próximo, cerca de duas quadras.

Não sabia como ele tinha dessas coordenadas mas não questionei, só assenti com a cabeça. Queria sentar um pouco, ver as árvores, as pessoas, o movimento. Tudo acontece muito rápido, e se não pararmos as vezes, podemos perder tudo.

Na hora de atravessar a rua, o sinal estava aberto. Ficamos parados um do lado do outro de uma forma muito constrangedora. Ninguém parecia nos notar, só uma menina.

–Aquela menina está nos olhando.

–Hm.

–Ela é a unica que nos observa. Não é estranho? Parecemos invisíveis para os outros, mas ela esta olhando fixamente para nós.

–Todos somos invisíveis aos olhos dos outros. - Ele não olhou para ela. Nem se importou, só olhava para o sinal. Mas eu respondi o olhar dela.

Ela deveria ter 4 ou 5 anos, estava de mãos dadas com a mãe e olhava fixamente para mim. Eu sorri dizendo olá, em resposta ganhei um sorriso tímido. Os olhos dela eram azuis, exatamente como os olhos dele. Fiquei assombrada com a igualdade. Olhei em seus olhos, ela olhou nos meus e assim nós conversamos, sem usar palavra alguma, só com os olhos. Eu estava conhecendo ela, e ela me conhecendo. Eu não sabia seu nome, não sabia de onde vinha e não sabia sua história. Mas naquele momento eu soube que ela estava viva e que apreciava isso. Era aquela garota que explicava o que ninguém entendia, ouvia o que ninguém dizia e via o que todos ignoravam. Eu soube que ela era perfeita.

Quando o sinal fechou e os pedestres tiveram permissão para atravessar a rua, me deu mais um sorriso de despedida, e eu sorri pra também. Ela conhecia minha alma, e eu conhecia a dela. Ela só... sabia. Sabia de tudo, mesmo não tendo nada para saber. Acho que todos nós sabemos, só não acreditamos. Eu mesma não acreditava, mas agora, uma parte dela estava em mim, e ela acreditava. Então parte de mim acreditava também. E eu me senti capaz de fazer tudo. Capaz de fazer tudo de bom, melhor do que qualquer um. Eu me senti feliz. Sabia que nada era impossível. E eu agradeceria aquela garota para sempre.

Atravessamos a rua, e chegamos ao parque. Eu ainda sorria.

–Você está bem? - Ele riu

–Estou maravilhosa!! E você?

–Estou bem - Seu sorriso se fechou em um sorriso sem os dentes mas seu rosto entregava que ele não estava bem... preocupado, talvez? Parei de sorrir e olhei seriamente para ele

–O que aconteceu?

–Ãn? Nada, nada... só estou com um pouco de medo, só isso. Medo do amanhã.

–Hoje é o amanhã que estávamos preocupados ontem. - Tinha lido essa frase em uma loja, daquelas que vendem placas com frases de se por no quintal. Essa frase era de uma placa, e eu achei que serviu perfeitamente no momento.

Ele relaxou. Mas ainda via preocupação em seu rosto. Eu só queria passar um pouco da felicidade e tranquilidade que aquela menina perfeita me passou. Queria dizer que tudo ia ficar bem e que ele não deveria se preocupar, mas não sei o que vem pela frente, então não posso afirmar nada. Só dei um olhar carinhoso e um sorriso, deitei de costas na grama e olhei para as árvores. Adormeci ali mesmo, me sentindo parte do mundo.


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