Jogos Vorazes - O Garoto Do Tridente escrita por Matheus Cruz


Capítulo 24
Sempre Odair e Marshall




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–- Socorro! Dakota!!! Não, não pode ser!!! DAKOTA!!! – me debato desesperadamente tentando me livrar dos fios, mas apenas se enroscando cada vez mais na rede. – Dakota, o que você fez?! – pergunto arfante, sentindo uma queimação que sobe pelo peito e deixa meus olhos em brasa. – Me tira daqui... Você é minha amiga... eu vou morrer... – tropeço e caio feito uma marionete, de cara na grama, vulnerável.

–- Finnick!!! Finn, não... – Zen se agacha, desolado, sem entender nada. Suas mãos me sacodem avassaladoras, ele tenta puxar a rede e me salvar, mas não tento ajudá-lo. Estou chorando, sentindo uma leve coceira enquanto uma gota cristalina escorrega para o meu nariz e pinga na grama silenciosamente. – Eu vou te tirar daqui, você não vai morrer...

–- Fuja... Zen, corre... antes que eles... – sussurro rouco. Os gritos exaustivos racharam minha garganta e sugaram minhas últimas forças, atirando-me – exaurido e murcho – como um pedaço de carne podre.

Os Carreiristas avançam, querem tirar Zen do caminho. Entreabro os olhos – quando a reação devia ser contrária – e descubro meu campo de visão reduzido a luminosos borrões de luz. Dakota se mexe do lado oposto, vislumbro com dificuldade sua silhueta fina e em seguida os Carreiristas freiam o passo.

Nessa fração de segundo, Zen salta por cima de mim e desliza por um corredor alternativo – obedecendo-me – salvando sua própria vida e deixando que os “predadores” decidam o meu destino.

Sorrio, desafiando os repuxões que a tristeza faz em minha face. Zen, meu fiel escudeiro... você consegue sem mim... Que a sorte esteja sempre ao seu favor... o ritmo cardíaco acelera e o choque devasta cada célula do meu ser, imobilizando-me dos pés à cabeça.

–- Porque o deixou fugir? Qual é mesmo o seu objetivo, em garota?! – Irina é seca e direta nas perguntas. Dakota a ignora e não diz uma palavra. Mexo um pouco a cabeça, tentando vê-la melhor. – Será que todo mundo tirou um tempo pra me sacanear hoje? Responde logo vadia!

–- Cala a boca. – o sussurro de Dakota é veloz e afiado como uma flecha – Ele não sobreviverá sozinho. – aperto o punho com ódio. Zen vai conseguir... ele vai conseguir, mesmo sem mim... – Eu não fiz isso para proteger vocês. – o ranger de seus dentes é perfeitamente audível e faz sua mandíbula parecer maior do que realmente é.

–- Disso nós já sabíamos – Dan se intromete – o gnomo nos contou que você tentou matar o Finnick. Traiu a aliança que tinham feito pelo simples prazer de matar o seu colega de distrito... – a tensão se espalha no ar. Parecem ter esquecido da minha presença, mas continuo ali, ouvindo atentamente cada palavra do que eles estão dizendo.

–- Era mentira. Nós três planejamos uma emboscada para capturar vocês dois e, enfim, eliminá-los. – a verdade é arremessada sem anestesia e os dois Carreiristas deixam escapar exclamações de surpresa. – Eu concordei de cara com a idéia, queria muito me vingar de vocês, pisar em seus cadáveres... Como eu queria ter feito isso... Matar vocês... matar!

–- Sua dissimulada! Vocês estão, nesse exato momento, tentando nos enrolar! Eu sei disso, Dan, precisamos sair daqui... Tem alguma coisa por trás disso tudo, vamos sair daqui para não acabarmos como Seth! – Irina entra em desespero, segura no braço de Dan e olha em todas as direções, a outra mão puxando com força alguns cachos do cabelo.

–- Não... – Dakota começa.

–- Pare com isso Dakota, sabemos o quanto é esperta e calculista... Mas não vai conseguir nos enganar de novo, nunca mais! – Irina tenta puxar Dan, mas o garoto não se mexe.

–- Não... não é isso – Dakota suplica, mas mantendo a dignidade e segurando a voz num tom aparentemente firme, porém à beira das lágrimas. – Eu quero fazer uma proposta para vocês!

Respiro mais rápido, perdendo o fôlego... Proposta? Que proposta pode ser essa? Não faz sentido ela ter feito isso, não depois de tudo que fez para salvar a minha vida e a de Zen... Dakota pode ser má, fria e dissimulada, mas é porque as circunstâncias lhe obriga a ser assim... é uma jogadora, tem fraquezas e pontos fortes. Quer voltar para casa, como todo mundo aqui. Mas se juntar aos inimigos, nos apunhalar pelas costas assim? Não, falta peças no quebra-cabeça.

–- Eu prefiro ser torturada!

–- Dakota, não somos os burros que você desenha na sua mente, não queremos nos aliar a você!

–- Aliança? Ninguém aqui falou de aliança. O que quero pedir, é... – Dakota é vencida, e a voz sai embargada. – Eu quero pedir para vocês matarem o Finnick por mim... Matar, ele... – ela aponta o dedo indicador para mim, trêmula, encarando-me com pesar. Silencioso, lhe lanço o olhar de nojo mais repugnante possível. Dakota deixa o braço cair, engole em seco e chora por dentro.

–- Matar o peixinho? Porque em? O que você ganha com isso? – Dan pergunta.

–- Nada. Eu só perco. Depois, vocês dois estarão livres para me abater. Eu estarei fraca e desolada demais. Por perder o meu aliado, o meu amigo, o garoto que me ensinou o que é o amor... A única pessoa, além do meu pai, que possuiu meu coração.

Arregalo os olhos como uma criança se assustando com o estouro de um balão. Suspiro, sem palavras para descrever a sensação arrebatadora e desconcertante que me invade. Irina ri, mas Dan não diz nada.

A última peça. Isso explica tudo. Dakota se apaixonou por mim como a Annie e as damas da Capital. Plantei uma fraqueza nela, e agora, quer que os Carreiristas a elimine.

Os breves momentos sozinha devem ter sido suficientes para despertar nela essa idéia, fazê-la reconhecer seus próprios sentimentos.

Desculpa Dakota... mas eu quero voltar para a Annie, a verdadeira dona do meu coração, e para isso, eu não hesitarei na hora de tirá-la do meu caminho!

–- Eliminando vocês, o momento de matar um ao outro ficaria bem mais... próximo. – Dakota soluça e as risadas de Irina soam mais altas e debochadas – Nunca imaginei que isso aconteceria... Lutei para não ter uma fraqueza aqui dentro. Finnick, é tudo culpa do Finnick! Eu me apaixonei...

As vozes ficam distantes enquanto luto para me mexer. O peso do meu corpo parece infinitamente maior. Deslizo cegamente a mão pela grama, - o solo está frio e macio – à procura de alguma esperança.

Preciso lutar, eu prometi ao meu pai que lutaria até ao último momento...

A pedrinha acende o meu pavio de esperança. Roço os dedos na superfície áspera e gélida, a agarro com cuidado e a puxo para mim. Enquanto isso, Dakota trava uma batalha de olhares com Dan e Irina.

–- Isso não está cheirando bem... Garota, saiba que essa sua nova armadilha não dará certo... – Dan adverte. Dakota leva as mãos à cabeça nervosa e suando frio.

–- Quantas vezes terei que repetir? Isso não é uma armadilha! Ou acham que eu me prestaria ao papel de pedir alguma coisa para vocês se não estivesse sendo verdadeira?

Com cuidado, giro a pedra na mão e encontro uma ponta mais afiada. Respiro, o ponteiro da sorte pode está virando para mim. Enquanto Dakota e os Carreiristas discutem, pressiono a ponta mais afiada da pedra num dos fios. Calmamente, engolindo em seco para a tremedeira não me vencer, começo à rompê-lo. Ah... consigo facilmente com o primeiro! E aos poucos, vou conseguindo abrir uma pequena brecha na rede.

–- Por favor, é a chance de matarem o Garoto do Tridente... imaginem o orgulho que o Distrito 2 sentirá de vocês! – mesmo muito triste, Dakota ainda consegue ser ardilosa e alfinetar o ponto certo.

Desta vez, acertou em cheio.

–- O distrito 2...

–- Sim Dan... Depois, eu serei a única adversária de peso, um passo para fama e fortuna! – Dakota sorri no canto dos lábios, está conseguindo o que quer, mesmo que isso signifique a minha morte.

–- Dan, ela... ela pode ter razão, afinal, será difícil uma nova oportunidade de eliminá-lo – Irina reflete – o Finnick é um adversário em potencial.

Há silêncio.

Desperto quando vejo um vulto do outro lado da parede de vidro. Um vulto magricela e veloz que desaparece em frações de segundo. Seria imperceptível, se um pequeno detalhe não tivesse fisgado minha atenção no instante correto.

A sombra de um tridente.

–- Tem certeza? – Dan, pela primeira vez, continua com um pé atrás.

–- Um passo para a fama – Irina repete.

AH! Consegui! Com a pedrinha em mãos, me esforço para segurar os fios da rede, camuflando o grande buraco que abri entre eles. Dakota evita olhar para baixo, seus sentimentos podem traí-la. A sorte está mesmo ao meu favor!

–- Aceitamos a proposta com uma condição. – Dan fala enfim, sério. – Você precisa ficar aqui para assistir tudo. – a informação choca a garota – Um passo em falso, e será decapitada.

–- É isso, ou não tem trato.

–- Eu aceito.

As duas palavras ergueram a bandeira.

Dakota permanece imóvel, pálida, apenas o lábio inferior treme. Dan e Irina fazem um toque de mãos e o brutamontes loiro prepara o machado. Com uma carta na manga, me preparo para escorregar para fora da rede na hora certa.

–- OI... – a voz de Zen retumba, como um gongo. A surpresa é geral, o machado para no ar, Dan e Irina entram em pânico, achando que foram enganados de novo, olhando em todas as direções, buscando de onde veio aquela voz. Dakota permanece onde está, feito uma estátua.

O menino esquelético surge no início do corredor, e ouço várias exclamações de susto. Uma explosão interior, o pavio de esperança chegou ao fim, agora é a hora da vitória. Passo pela brecha estreita com facilidade, fico de pé.

Meus olhos brilham e uma mistura de emoções giram dentro de mim quando vejo o tridente azul reluzir na mão de Zen. Um sorriso espontâneo modela meus lábios, o tremor me revigora dos pés à cabeça.

AHHHH! Mags e os Patrocinadores conseguiram!

–- Isso é seu Finnick! – parece impossível, mas Zen sorri como um Carreirista! Meu amigo... eu sabia que ele não me decepcionaria! – O seu tridente!

Com determinação, o garoto atira o tridente para mim. O instrumento azul paira no ar, afiado, cirúrgico e fatal. Irina e Dan se desviam, cada um para um lado, como as páginas de um livro se abrindo.

Meus dedos se fecham em volta da barra gélida, e um sentimento indescritível me penetra. O tridente é perfeito. Num giro, seus dentes afiados são ameaçadoramente apontados para os Carreiristas.

–- Digam, “bem vindo”, ao Garoto do Tridente.

Dan e Irina se viram, serrando os punhos e empunhando suas armas. Rangem os dentes com um ódio à beira da combustão, e se assemelham a cães rosnando. Respiro fundo e retribuo um sorriso.

Corta onde minha cabeça estava no segundo anterior, com uma agilidade que surpreendeu até a mim e tirou o pouco de fôlego que me restava.

Abaixo a cabeça – o machado raspa logo acima – levanto o pescoço e ergo o tridente, prendendo a barra do machado em dois de seus dentes, arrancando o outro instrumento das mãos de Dan. O garoto se desequilibra ao ser obrigado a soltar o machado, e recua quando percebe que está com as mãos vazias.

O machado cai entre os galhos da parede e estes o abraça, famintos, puxando-o para uma pequena fenda que se abre no solo e, assim que o último brilho das esmeraldas reluz, se fecha.

Irina salta na frente de Dan e investe. A garota é habilidosa, sabe o lugar certo de enfiar o facão. O choque de metais é sonoro, ela me intimida, mas me sinto poderoso com meu tridente em mãos, sinto que posso matá-la facilmente.

Num veloz instante em que me defendo da lâmina de Irina e vejo o resto do corredor atrás de mim, percebo que Dakota sumiu. A garota falhou. E aos poucos percebo que ela tinha todas as razões para fazer isso. Amigos aqui nos distanciam da vitória. E essa regra foi descaradamente ignorada por mim. Como não fiz nada para revertê-la – como Dakota tentou – sofrerei graves conseqüências.

Uma investida imprevista de Irina raspa no meu ombro, o facão penetra minha carne, fazendo uma grande fenda no ombro esquerdo, e a dor é derramada com sangue.

–- AI! – suspiro, salivando com o ardor afiado. Irina tenta de novo, mas desvio o facão antes que adentrasse em meu tórax. A cascata ruiva que a garota leva na cabeça chicoteia de um lado para outro, como uma fogueira, com os movimentos decididos e impiedosos de sua dona.

–- Vou te matar, sereia.. nem que seja a última coisa que eu faça!!! – a carranca de sofrimento e obsessão extrai todo o aspecto jovem e humano que possui e a deixa velha, animalesca.

–- Vou te contar um segredo... – faço uma expressão sedutora, como outrora fiz para conquistar Patrocinadores. Mesmo querendo gritar e rasgar o peito, tento transmitir ao máximo o gostoso que todos acham que eu sou, naquele olhar maroto e sexualmente maldoso. – Eu... – defendo os golpes da garota com facilidade – Faço questão... – nunca pensei que tivesse que ser assim, mas agora, como retribuição ao maior presente que um tributo já ganhou nos Jogos, preciso incorporar o Finnick egoísta e egocêntrico que todos acham que eu sou... – De ajudá-la a não realizar seu sonho!

É nesse momento que Dan, antes concentrado na briga e cego pela derrota, vê Zen. Vejo a blusa azul rasgada nas costas largas, correr em direção ao meu amigo, e o seu vulto desaparece num corredor.

Zen... devo salvá-lo ou preciso ter o mesmo pensamento covarde e, de certa forma egoísta, que Dakota sacrificou-se à usar?

Bílis sobe ácida pelo meu esôfago. Espanto os pensamentos e desligo a razão, vejo os vultos dos garotos do outro lado da parede, de soslaio, e enquanto Irina limpa a boca sedenta com o dorso da mão, me aproveito para surpreendê-la.

A garota desvia do meu tridente e só agora percebo: a sensação de poder ofuscou a minha desvantagem aqui. O labirinto é um local estreito, e o tridente largo demais.

Me desajeito quando a garota desliza por baixo das minhas pernas, e com um salto mortal para trás, fica com o pescoço no meu ombro esquerdo e a boca ao pé da minha orelha.

–- Obrigado pela ajuda, mas não vou precisar dela... que tal realizar o sonho apunhalando pelas costas aquele que me traiu? Assim como fez conosco... Sereia.

Mas eu não tive culpa, eu só fui incluído no plano de Dakota e Zen! Eu não trai ninguém! Era assim que protestava por dentro, mas continuei neutro externamente, segurando a máscara de conquistador.

Annie... eu vou vencer por você, a coroa será sua.

Irina finca, sem piedade, o facão nas minhas costas... E era isso que teria acontecido se minha rasteira não tivesse sido feita no instante correto. No movimento, a ponta afiada e assassina do facão faz um violento corte nas minhas costas, lascando a pele até a altura do pescoço. Encolho o corpo quando abaixo, e faço com o tridente o mesmo movimento que fazemos com um remo quando estamos na balsa.

Minha perna arrastou pela grama e a derrubou, o facão escorregou entre seus dedos e caiu ao seu lado. O varro com a ponta da barra azulada do tridente e ele vai parar nos cipós da parede. Tem o mesmo destino do machado.

Sinto a blusa ensopar nas costas e começar a grudar no ferimento. Num salto, pouso os joelhos na barriga de Irina e finco sem hesitar o tridente no seu peito. É a primeira vez que o sujo e o sangue viscoso da garota pinga das pontas curvadas quando o retiro de seu corpo. Irina começa a respirar pesadamente, como se o oxigênio estivesse fugindo para longe das suas narinas, o sangue grosso logo escorre para a grama e no meio da pequena poça que se forma entre seus seios arredondados, os três buracos, de onde está saindo todo esse líquido, são camuflados.

Pressiono os joelhos até os olhos da garota ficarem à ponto de saltar das órbitas.

–- Te derrubei, levou uma rasteira da calda da sereia...

A palidez lhe percorre em segundos, e ela murcha como um balão. Não está mais respirando. O canhão estoura. Tchau Irina.

Fico de pé novamente – com cuidado, atento a movimentos próximos – e tiro a camisa, que roça com seu tecido crespo no imenso ferimento em minhas costas e gruda um pouco no corte em meu ombro esquerdo. A atiro na grama e corro.

O pesar seguinte é desconcertante, mas não posso falhar, eu sou um assassino, um monstro sedutor, não tenho permissão de chorar nem lamentar. Quero voltar para casa.

Agi muito errado durante os Jogos e agora que está perto disso tudo acabar, preciso concertar as coisas. Expus minhas emoções como um bebê, é hora de enterrá-las.

O sangue arde atrás, o corte foi profundo. Ignoro o ferimento em brasa e corro mais rápido, em direção à saída do labirinto. Aqui estou em desvantagem.

A campina da Cornucópia é um lugar largo, e além de tudo é para onde os Idealizadores mandam os tributos. Sendo assim, é melhor fugir de uma morte estúpida causada por serpentes bestantes, escorpiões teleguiados ou coisas do gênero.

Eu sei como chegar lá.

Zen, me desculpe, mas não posso ajudá-lo, chegou a hora de cada um cuidar de si. Dakota, apesar da traição e de ter ameaçado minha vitória, ela ainda é minha amiga e tem um lugar importante no meu coração – não tão importante como o meu lugar no dela, como pude descobrir mais cedo – se tivesse a chance de esclarecer as coisas, eu faria isso, mas nunca mais a verei, não deu tempo me despedir.

Viro a segunda curva.

A cena com que me deparo me pega de surpresa.

Os galhos das paredes parecem ter se acumulado num grande casulo e roem algo com extrema violência. Nesse instante, vejo o rosto de Dakota entre os cipós, ao extremo de ojeriza, pedindo num último, decisivo e fatal olhar, para que eu a salve e a liberte daqueles galhos ferozes e assassinos.

O grito seguinte é ensurdecedor, penetrante e inesquecível. A sensação avassaladora que me devasta – num êxtase de horror, terror e choque – é inebriante, ofuscando minha visão diante da parede lisa e reluzente de vidro na qual reflete o mais lindo e alegre raio de sol.

O berro ecoou agudo, frio e desesperado por misericórdia.

Os olhos castanhos de Dakota pousaram em mim uma última vez, transbordando paixão e ódio, calorosamente latentes e impactantes. As lágrimas não avisaram ou me deram a oportunidade de evitá-las, só transbordaram, assim como a gota que brilha, como um cristal na face sardenta e marcante de Dakota Marshall.

Poderia facilmente romper os cipós com o tridente, mas só assisti a morte da minha amiga, petrificado, como se todas as veias do meu corpo tivessem sido rompidas. A tristeza me faz tremer, e tudo foge dos meus pensamentos no instante seguinte. Só há eu e Dakota no mundo.

As histórias se repetem. O Odair sobrevive e o Marshall sofre, mas dessa vez, o Marshall morre diante da covardia do Odair.

O grito cessa quando o cipó tapa sua boca. Mergulhamos num silêncio esmagador e, em seguida, quando tudo parecia flutuar numa atmosfera estranhamente lerda, o corpo de Dakota é bruscamente arrastado para a fenda no solo e desaparece, como o machado e o facão, deixando na parede um rastro de sangue em forma de coração.


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