As Desastrosas Aventuras da Guilda escrita por Hikaru


Capítulo 2
Cachorros-quentes duvidosos e missões suicidas




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Era uma tarde ensolarada nos ocupados e turbulentos portos de Novo Mundo, onde os comerciantes locais gritavam promoções na tentativa de jogar seus produtos ligeiramente duvidosos nas mãos de passantes ingênuos. Foquemos nossa atenção em uma das passantes, que apesar de não ser ingênua carregava um cachorro-quente duvidoso e o devorava com entusiasmo. Seus cabelos ruivos brilhavam ao sol enquanto ela caminhava pela orla sentindo o cheiro do mar, que era uma sensação relativamente nova para ela, e ela adorava. Jackie (Jaqueline McGregor, apelido da nossa jovem em questão) tinha feito dessas caminhadas matinais uma rotina, nas quais ela saia de casa bem cedo, comprava algo suspeito para comer com entusiasmo, e observava os turistas que chegavam no porto. Ela sempre se deliciava com a variedade de espécies, culturas, formas e tamanhos das pessoas que desciam daqueles barcos, pois era uma jovem que gostava de prazeres simples como esses.

E foi em uma das turistas que Jackie focou sua atenção, como acontecia as vezes, quando ela descia da embarcação. Seus traços finos e pele alva sugeriam que ela tinha vindo da Europa. A moça vestia roupas simples em tons claros, que combinavam com seus longos cabelos loiros que se encaracolavam ao vento. Ela carregava consigo um grande cajado de madeira, maior que ela própria, que se contorcia em direção ao céu até acabar de repente num grande cristal azul. Não eram muitos os magos que se davam ao trabalho de carregar cajados naqueles tempos, pois eles dificultam os movimentos e ocupam uma das mãos que poderia ser usada para conjurar feitiços. Jackie levantou-se preguiçosamente e pôs-se a observar a jovem de longe enquanto esta adentrava com passos inseguros no cais da cidade.

E inseguramente a estrangeira dirigiu-se ao primeiro residente que encontrou, um velho senhor de sorriso fácil que vendia cachorro-quente para os turistas incautos.

Ér... Com licença, estou meio perdida. Estou procurando magos mercenários. Tenho um grande problema e bastante dinheiro.

–Minha jovem, você provavelmente já sabe, mas veio à cidade certa! Novo Mundo é a capital mundial dos magos, e a maioria deles faria qualquer coisa pela quantia certa de dinheiro. No entanto, é fácil se meter com um picareta trapaceiro por essas partes. Mas parece que hoje é seu dia de sorte. Eu conheço a pessoa certa para o serviço, e por acaso do destino estou vendo ela passeando por aqui. Jackie, velha amiga! Venha cá, rápido! Quero que você conheça está jovem.

Jackie aproximou-se com passos quase saltitantes dos dois, e exibiu um sorriso satisfeito para a jovem perdida.

–Isaiah! Acho que vou ter que começar a te dar comissão pelos serviços que você me arranja. Você tá me deixando rica! Ao menos estaria, se esse trabalho desse algum dinheiro decente. É disso que se trata, não é?

–Sim, sim. Esta recém-chegada disse que precisa de ajuda de magos para um serviço pelo qual está disposta a pagar uma boa quantidade de dinheiro.

O sorriso de Jackie ficou ainda maior ao ouvir essas palavras.

–Jackie McGregor, ao seu dispor. Faço parte de uma Guilda de magos ligeiramente menos insana que a média da cidade, e significativamente mais honesta.

–Meu nome é... Helena. Helena Bertinelli. Eu tenho um problema... Enorme. Não gostaria de discutir os detalhes em público. Por favor, não se ofenda, sr. Isaiah.

–Relaxe, minha jovem, eu conheço os procedimentos.

–Uma italiana! Já suspeitava pelo seu sotaque. Sempre quis visitar a Itália e comer uma autêntica pizza italiana, mas infelizmente a situação política de lá não tem ajudado muito o turismo, como você deve saber. Me admira como você conseguiu escapar de lá. Enfim, vamos logo. Acho que temos muito o que fazer, né? Venha comigo, vou te levar à sede da Guilda. – E dito isso Jackie puxou Helena pelos braços na direção do centro da cidade. Enquanto caminhavam pelas ruas de Novo Mundo, Jackie observava a estrangeira, notando que ela agia como se estivesse sendo constantemente perseguida. Helena olhava para os lados com um jeito aflito, e andava sempre rápido, e sempre grudada na sua contratada.

–Então, o que achou da nossa cidade? – Disse Jackie, tentando puxar assunto.

Helena estava tão preocupada observando seus arredores a procura de um possível perseguidor, que não tinha parado para olhar a cidade direito ainda. E quando se deu conta do que a rodeava, ela parou, e olhou.

Novo Mundo era uma cidade de magos.

Os prédios se erguiam imponentes, em diversas cores vibrantes, e de suas janelas saiam pássaros, bolas de fogo, insetos gigantes, raios e luzes que se contorciam com barulhos inusitados. Construções flutuavam alto por cima das ruas, enquanto pessoas voavam para dentro das janelas e escadarias apareciam e desapareciam por todas as partes. As ruas cheiravam à ingredientes comuns de feitiços: enxofre, açúcar, raízes e ervas, sangue, ossos, e vários outros, alguns deliciosos, outros detestáveis, os quais a estrangeira não conseguiu distinguir. As pessoas que andavam pelas calçadas eram as mais variadas possíveis, em todos os aspectos: cores de pele, olhos e cabelos, roupas, alturas, jeitos, e até alguns com membros diferentes. Helena até mesmo avistou alguns elfos e anões.

–Uau... Que lugar incrível! Você... Você vive aqui?

–Claro! Onde mais aceitariam alguém como eu? Onde mais confiariam em alguém como eu? Onde mais eu poderia me sentir em casa e ter amigos de verdade se não no Novo Mundo dos excluídos e exilados de todo o mundo?

A recém-chegada olhou com estranheza para Jackie, para ver o que ela queria dizer, e ao olhar pela primeira vez com atenção para a ruiva, percebeu. Jackie tinha uma enorme tatuagem nas costas; pelo que Helena conseguiu observar por baixo da blusa laranja curta que ela usava, era um selo, um tipo de tatuagem utilizado para aprisionar uma magia. Um pouco acima da linha da cintura dela, uma cauda vermelho-sangue brotava do centro de suas costas e descia, se curvando de leve de um lado para o outro, até terminar numa ponta em forma de flecha. Quando Jackie virou-se para Helena para ver por que ela tinha parado de andar de repente, a italiana percebeu que da testa da ruiva brotavam dois pequenos chifres.

–Você é... Um demônio?! – Helena perguntou assustada, dando um passo de precaução para trás.

Jackie deu uma risada jovial – Relaxe cara, não é nada disso. Esses são só implantes. Nossa Guilda tem uma biomante extremamente habilidosa, que você vai conhecer daqui a pouco. O selo é para aprimoramento físico; eu pratico luta magiaprimorada para ganhar uns trocados a mais. Arranjar um serviço decente anda realmente difícil. Além do mais, a coisa toda intimida, o que ajuda um pouco nessa cidade.

Helena relaxou, sentindo-se convencida pela explicação. Afinal, qual seria a seria a possibilidade de haver demônios circulando livremente pelas ruas de uma cidade desse jeito? Certamente o Vaticano saberia de uma coisa assim. Ela se aproximou novamente de Jackie, e elas continuaram andando em direção a sede da Guilda.

–Estou querendo te perguntar desde que te vi, Helena, qual é a deste cajado? Não é um acessório muito comum para um mago.

–Ah, esse foi um presente do meu mentor. Ele era um mago velho, por isso precisava desse cajado. Antes de morrer ele passou uma parte da magia dele para o cajado, então agora ele meio que amplifica minha própria magia. O que me ajuda bastante, por que minha magia gasta muita energia.

–E qual seria essa magia que você pratica?

–Eu sou uma maga branca.

Jackie olhou para ela com dúvida. Ela nunca tinha visto uma maga branca na vida, e para um residente de Novo Mundo, não conhecer nenhum praticante de alguma magia é realmente raro.

–Você tá falando sério?

–Sim, estou. Sou uma órfã que foi adotada pelos padres do Vaticano, e fui criada como freira. Aprendi magia branca com um frei estudioso dessa magia, e trabalhava como curandeira na Basílica de São Pedro.

–Você coletava dízimos?

–Antes que você me julgue por isso, essa não é uma coisa da qual eu me orgulho. Eu... Não tive opção. Aliás, o serviço que eu estou propondo é exatamente sobre essa questão. Estou tentando redimir meus erros, e os da minha igreja também.

–Bom, tudo bem. Você pode contar esse tipo de detalhes para o resto da Guilda também. Nós chegamos.

As duas estavam numa rua secundária da cidade, paradas em frente a uma porta. No entanto, não havia prédio nem casa da qual a porta fizesse parte: era apenas uma porta solitária localizada no vão entre dois prédios. Helena olhou um pouco confusa para a porta, mas Jackie simplesmente bateu algumas vezes nela normalmente. Como que se reagisse ao toque dela, a porta vibrou de leve, e as linhas dos seus detalhes de madeira brilharam num rosa forte por um instante. A ruiva entrou e puxou Helena pelos braços.

Assim que elas entraram pela porta, o ambiente mudou completamente. Ao invés da viela escura e malcheirosa que Helena estava esperando, a dupla entrou numa sala aconchegante e ampla, com diversas portas emplacadas. A sala era decorada com motivos diversos, como se um grupo de decoradores não tivesse entrado em acordo sobre que tema utilizar no cômodo. Haviam pôsteres de bandas antigas ao lado de armas e dispositivos eletrônicos estranhos espalhados pelas paredes cor de chocolate, e não haviam janelas. A luz parecia vir de lugar nenhum, mas o cômodo era muito bem iluminado. Vários sofás e poltronas estavam colocados em círculo ao redor de um projetor tridimensional, que transmitia uma luta do campeonato de luta magiaprimorada. Distribuídos pelos sofás, haviam cinco jovens que olhavam com curiosidade para os recém-chegados.

–Ei caras! Finalmente temos serviço de novo! – exclamou Jackie assim que entrou na sala. – Essa é a Helena, uma maga branca italiana com um grande problema e um monte de dinheiro! Venha logo, vou te apresentar o pessoal. – disse ela enquanto puxava Helena para dentro da sala e desligava o projetor.

–O preguiçoso que fica frequentemente e desnecessariamente sem camisa é o Freddie, a que nunca tira o jaleco é a Lilly, a gótica é a Annya e a que tá suja de graxa é a Ryuuko.

–Eu achei que você amasse a gente, Jackie – disse Freddie com uma cara chorosa.

Ryuuko levantou-se e foi na direção de Helena. – Muito prazer e bem-vinda ao nosso humilde lar. – ela disse, estendendo-lhe uma mão coberta por uma luva de couro grossa e bastante graxa, e mudando de ideia logo em seguida ao se dar conta do seu estado – Ah, desculpe, estava trabalhando. Sou a mecânica da Guilda.

–“Mecânica”... Por favor, Ryuu-chan, você é a tecnomante mais habilidosa dessa cidade. – disse Annya com um sorriso. – Então, Helena, vamos tratar de negócios. O que a traz aqui na nossa Guilda?

–Bom, como a Jackie já disse, eu estou com um problema bastante grande. Esse serviço pode parecer um pouquinho exagerado a princípio, mas vocês não vão fazer um bem só para mim, e sim para a humanidade toda.

–Pare de suspense mulher! Diga logo o que temos que fazer. – Jackie exclamou, empolgada.

–Eu meio que preciso que vocês matem o papa.

Todos na sala olharam para ela, surpresos e mudos. E assim ficaram por alguns minutos até Annya fazer um comentário.

–Você tá falando sério?

–Infelizmente, sim.

–Mas o Vaticano é uma fortaleza! O Sacro-Império já sofreu ataque de dezenas de países, por todas as direções, e nem sequer um cardeal foi morto! Como espera que a gente faça isso?

–Com isso aqui. – ela disse enquanto abria sua mala e a colocava no centro da sala para que todos pudessem vê-la.

E, na frente de todos, abriu uma de suas duas abarrotadas malas, e despejou seu conteúdo no meio da sala para que todos pudessem ver. A Guilda maravilhou-se ao ver centenas de moedas douradas, que reluziam e tintilavam deliciosamente quando caiam ao chão.

–Bom...- Disse Ryuuko, com um tom convencido na voz. – Esse certamente é um ótimo estímulo.

–Puta merda, onde você arranjou tanto dinheiro?- exclamou Jackie.

–Digamos que eu tinha acesso quase irrestrito aos cofres do Vaticano, e essa foi a primeira vez que fiz bom proveito deles.

Você pode despejar quanto dinheiro você quiser na nossa frente, nós não vamos aceitar missões suicidas.- protestou Annya.

–Não ouça ela, minha presada cliente, missões suicidas são a nossa especialidade.- disse Freddie, enquanto olhava fixamente para a pilha de dinheiro na sua frente. Ele olhou para todos, e por fim, comunicou: - Nós aceitamos.

Annya afundou-se no sofá, emburrada e preocupada. Ser a pessoa menos insanamente suicida da Guilda não era uma tarefa fácil.

–Okay, então me digam: como diabos vocês pretendem fazer isso?

–Nós vamos pensar em um plano para não seguir amanhã. – Disse Ryuuko enquanto se levantava e se espreguiçava. – Helena, você tem onde ficar na cidade? Tem um colchão sobrando no quarto da Jackie.

–Eu não posso ficar aqui, já estou incomodando vocês o suficiente.

–Mulher, com esse tanto de ouro, você pode nos incomodar para sempre. Jackie, acomode ela, por favor.

Jackie puxou Helena pelo braço, empolgada, e levou-a até a porta imediatamente a esquerda da entrada. Elas entraram num quarto amplo, de parades azuis recheadas com diversos postêres de lutadores e bandas de punk rock. Uma cama desarrumada ficava no canto do quarto, que era tomado quase totalmente por um grande ringue quadrado, como os usados em lutas de boxe. O quarto ainda contava com algumas estantes cheias de livros, uma escrivaninha com um computador e uma geladeira. Deitado no ringue havia o que pareceu à primeira vista um poodle dormindo tranquilamente. No entanto, assim que Jackie entrou no quarto, o animal levantou-se e latiu freneticamente enquanto se atirava em cima da dona, e foi nesse momento que Helena percebeu que o cachorro tinha três cabeças.

–Oi garotão! Também tava com saudades! Helena, esse é o Flufo. Foi um presente do marido da Annya para mim. Parece que ele se solidarizou e se divertiu com a minha história. Não me pergunte onde aquele homem arranjou isso. Flufo, essa é a Helena. Ela vai ficar aqui no quarto por uns dias, tudo bem?

Flufo pulou em cima de Helena e cobriu-a de baba, dando a entender que estava sim tudo bem.

–Certo, agora vamos às regras da casa. Primeiro, e mais importante, não use magia fora dos quartos. Essa casa já foi destruída mais vezes do que foi engraçado. Nunca entre no quarto da Annya, Lilly disse que é uma experiência extremamente desagradável. E é só. Tirando isso você pode fazer o que quiser. Dentro dos limites do aceitável e do bom-gosto, é claro. Inclusive, dar em cima de mim está dentro dos limites do aceitável. Gostosa. Brincadeira! Pode deixar suas coisas em qualquer canto, não vamos ficar aqui. Vamos sair pra beber e arranjar confusão!


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Notas finais do capítulo

Como eu sou meio ruim de desenho, fiz alguns chibis no Chibi Maker dos personagens:
Freddie: https://imagizer.imageshack.us/v2/250x500q90/571/vs2q.jpg
Annya: https://imagizer.imageshack.us/v2/250x500q50/203/f3g4.jpg
Ryuuko: https://imagizer.imageshack.us/v2/250x500q50/21/3pc9.jpg
Lilly: https://imagizer.imageshack.us/v2/250x500q90/801/bhw3.jpg
Jackie: https://imagizer.imageshack.us/v2/250x500q50/703/dmdr.jpg
Helena: https://imagizer.imageshack.us/v2/250x500q90/41/qd58.jpg
Não ficaram beeem como eu imaginava, o chifre da Jackie é um pouco menor e bem na testa dela, o Freddie tem tatuagens, o cabelo da Annya é diferente, etc... Mas é uma boa aproximação. A Lilly ficou quase perfeita. Talvez eu faça isso com todos os personagens relevantes da história pra ajudar os leitores



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