Abro meus olhos e vejo os grandes olhos de Aisha na minha frente.

- Olá dorminhoca – ela sorri.

- Olá... – digo assustada – Levei um susto com você – rio fraco.

- Desculpe – ela sai de cima de mim e se levanta – A caixa sumiu. Temos que ir.

Me levanto e pego minhas inutilizáveis facas. Pego uma garrafa d’água na mochila e bebo um pouco. Guardo a garrafa e seguimos andando a procura de comida.

- Sabe... – Aisha começa a falar. Olho para ela – Estar aqui está sendo uma ótima experiência pra mim. Estou aprendendo coisas novas. Estou gostando disso.

- Tipo... Matar pessoas? – pergunto assustada.

- Também, mas digo sobre ter habilidades com todas essas armas, aprender tudo isso. E também fiz uma amiga – ela sorri. Sorrio de volta.

Uma pena que sua amiga irá morrer. Só espero que ela ajude minha família quando sair daqui. Eu, pelo menos, acho que ela irá vencer.

- Estou com saudade do Phil... Não pude me despedir dele – ela fica triste.

- É alguém da sua família? – pergunto.

- É.

- Ele é seu irmão? Primo?

- Não. É meu hamster. Eu era muito apegada a ele. Quando eu ficava em casa sozinha, era com ele que eu brincava, conversava. Então no dia que pediram pra irmos até a praça da cidade, eu o dei um beijo e fui. Mal sabendo que não ia voltar... Se eu soubesse, teria me despedido melhor dele. Passado mais tempo com ele... Mas não sabia. Espero que Phil esteja bem. Ele só comia quando eu dava a comida na boca dele. Ele era tão engraçadinho – ela suspira.

- Você era mesmo muito apegada ao seu hamster – digo olhando para ela. Ela caminha olhando para baixo.

- É. Eu era...

- Eu sempre quis ter um bichinho. Mas a minha família não podia comprar um. Não tínhamos dinheiro pra poder cuidar. O único bichinho que eu ganhei foi um caracol que meu irmão achou na rua e trouxe pra mim quando eu tinha cinco anos. Mas minha mãe disse que era um bicho sujo e a gente teve que deixar ele na rua. Mesmo pelo pouco tempo que eu passei com o caracol, chorei o dia todo quando tive que deixá-lo – olho para ela e ela continua olhando para o chão – A questão é... – ela olha pra mim – O seu hamster vai ficar bem – eu sorrio.

- Obrigada – ela sorri fraco.

Continuamos andando por mais alguns minutos. Paramos quando o aparelho começa a fazer barulho. Aisha vai até lá e encontra o muro.

- Cuidado. Pode ser uma armadilha que nem no outro dia – aviso.

Ela corta a parede com cuidado, olha e faz um gesto para que eu vá até lá. Pegamos um pouco e comemos.

- É tão estranho comer isso... Mas é muito gostoso – Aisha diz.

- Acho que só você sente o gosto desse treco horroroso. Porque eu não sinto nada.

- Já pensou se só você é a única que não sente o gosto?

Paro pra pensar.

- Boa pergunta – rimos e voltamos a comer.

Terminamos de comer e nos levantamos. Pego minhas facas, e quando me viro, um muro some e mostra do outro lado três pessoas.

Um deles mata o outro a facadas. Escutamos o barulho de canhão. O que estava matando ele corre para o outro lado. O outro se vira para nossa direção. Roger.

Ele está com uma arma imensa na mão. Fico completamente assustada. Aisha tenta correr na direção dele, mas seguro o braço dela e a puxo para o outro lado.

- O que está fazendo?! – ela grita irritada.

- Nos salvando! – olho para trás e Roger está correndo atrás de nós. Começo a correr mais rápido e continuo puxando Aisha pelo braço.

- Por que não me deixa matá-lo? – ela grita comigo.

Saio correndo segurando o braço de Aisha e a arma dele passa bem do lado da minha cabeça e ficando presa na parede. Em um ato rápido, tiro a arma da parede e continuo correndo.

Entro em um labirinto e procuro desesperadamente por um lugar para nos escondermos. Finalmente encontro e pulo para dentro dele com Aisha. Tampo a boca dela com as mãos e espero até ouvir os passos de Roger ao lado da caixa. Quando os passos ficam mais baixos, tiro a minha mão da boca dela.

- Você enlouqueceu? – ela olha com ódio pra mim.

- Eu acho que quem enlouqueceu foi você! Ia tentar matá-lo? Você viu o tamanho dessa arma? Ele ia matar nós duas ao mesmo tempo!

- Não se eu tivesse matado ele primeiro! Mas você me puxou! – ela bufa de raiva e pega água – Agora vai ver se nós podemos sair daqui.

Abro a caixa com cuidado. Não vejo ninguém. Não vejo nada. Só branco. A caixa some. Aisha guarda a garrafa na mochila e se levanta.

- Não faça isso de novo. Eu já te falei um monte de vezes! Se encontrar alguém, você tem que matar! Esse é o objetivo do jogo. Quantas vezes vou precisar repetir isso pra você? Tenta!

- Eu só não quero morrer sabendo que eu matei alguém!

- Então me deixava matar! – ela reclama.

- Já disse que... – começo, mas ela me interrompe.

- Que o que? Que achou que fossemos morrer? Eu posso matá-lo! Ou melhor, podia. Porque agora ele sumiu!

O hino começa a tocar. Paramos a nossa discussão e olhamos para o céu onde o símbolo da Capital está. O rosto do garoto do distrito 13 aparece e some. Uma morte hoje. Dezoito mortos. Somos oito. Olho para Aisha e ela está encarando o chão.

- Me desculpe – digo. Ela continua olhando – Não gosto quando você olha para o chão. Sei que está triste.

- Estou com fome – ela começa a andar. Permaneço andando atrás dela.

Ela olha para o lado e começa a andar naquela direção. Olho para lá e vejo comida já exposta fora da parede.

- Quem é o otário que deixa isso tudo de comida aqui? – ela ri e pega um pouco. Antes de colocar a comida na boca, ela para e cheira – Isso está com um cheiro esquisito.

- Deixa eu provar pra ver se o gosto está ruim também – pego um pouco e como – O gosto está horrível!

Começo a me sentir tonta e me encosto na parede.

- Melissa, você está bem? Você está ficando branca! – Aisha fica preocupada.

Tudo em minha volta começa a girar e eu caio no chão.