Me vejo cercada por vários tributos. Todos eles virados para mim. Não tem por onde eu fugir. Estou presa. Olho para o meu lado e vejo Aisha morta e ensanguentada no chão. Tento gritar, mas não consigo. Um dos tributos começa a vir em minha direção e os outros vem junto dele.

O garoto, que veio em minha direção primeiro, aperta meu pescoço e me levanta apenas com a mão. Começo a ficar sufocada. Os outros começam a me espancar. A dor é terrível. Tento sair, mas não consigo. Nem consigo me mover.

A dor começa a ficar maior. A minha hora está chegando. Eu vou morrer.

Começo a ouvir a voz de Aisha. Aisha? Mas ela está morta! Como pode estar falando? Ouço novamente. Deve ser coisa da minha cabeça. Da terceira vez que escuto, ela me acorda.

- Melissa! Finalmente você acordou! Você estava gritando! O que foi? Teve um pesadelo? – ela pergunta.

Fico imóvel por um tempo. Foi só um sonho. Só um sonho. Que pareceu tão real...

- Me responde, Melissa! – Aisha estala os dedos na minha frente.

Me sento e a abraço forte. Tento não chorar.

- Foi horrível – digo ainda olhando fixo para o chão – Todos estavam me batendo. E você tinha morrido.

- Calma. Foi só um pesadelo. Ninguém te bateu e você tá aqui – ela se levanta – Agora vem porque tudo aqui em volta sumiu e precisamos de comida – ela puxa meu braço e me levanta.

Pego minhas facas e, com as pernas tremendo, começo a andar.

Passamos um tempo andando. Encontramos comida e nos sentamos para comer.

- Por quanto tempo acha que dormimos? – pergunto enquanto como.

- Não sei. Acho que muito tempo.

- E por que acha isso?

- Porque se eu tivesse dormido pouco, estaria com sono. E não estou – ela suja a bochecha e limpa.

- Estou com sede – reclamo.

- Toma um pouco da garrafa que sobrou – ela limpa as mãos nas roupas.

Pego a garrafa na mochila e bebo metade. Entrego a garrafa pra ela e ela bebe a outra metade. Nossa água acabou.

Termino de comer e me levanto. Começamos a andar e encontramos água. Enchemos as garrafas e começamos a procurar um lugar.

Ouvimos um barulho de canhão.

- Agora somos nove – Aisha diz – Dezessete mortes em uns... Cinco dias.

- Já estamos aqui há muito tempo...

- Pra nós, que estamos tentando sobreviver nesse lugar, é muito tempo. Mas para o público ainda não é nada. Meu mentor disse que eles querem um show interessante.

- O meu também – me lembro novamente de Abby, e de Claef com suas poucas palavras.

Como será que eles estão? E Jo? E minha equipe de preparação? Todos devem estar assistindo os jogos e esperando que continuemos bem. Eu sei que até agora eu estou bem, claro. Mas não sei nada de Daniel. Se ele está machucado, ou com algum osso quebrado. Espero que ele esteja bem.

- Vamos ficar aqui mesmo. Tem um lugar pra ficar bem ali – Vamos até lá e nos sentamos. Bebo um pouco da minha água.

O hino começa a tocar e olhamos para o símbolo da Capital no céu.

O rosto da garota do distrito 4 aparece e some. Só uma morte hoje.

Volto para dentro da caixa e fico brincando com meus dedos.

- Você tá com sono? – Aisha me pergunta.

- Não... Tudo o que eu tinha que dormir, já dormi.

- É, eu também... Vamos conversar – ela sorri.

- Vamos – rimos – Então tá... Se você ganhasse, o que faria? – pergunto.

- Eu tive muito tempo pra pensar nisso – ela sorri – Primeiro, eu aproveitaria minha fama, visitaria outros distritos e depois compraria coisas. Tipo uma casa nova, roupas, joias... Um cachorro! E você?

- Ah, eu daria uma vida melhor pra minha família.

- E depois compraria coisas, né?

- E depois compraria coisas – rimos – Ai, Aisha. Só você pra me fazer rir num momento como esse.

- Eu sou engraçada? – ela pergunta contente.

- É sim – sorrio e ela me abraça.

- Você acha mesmo? – ela olha pra mim.

- Acho – digo.

- Obrigada – ela se solta do abraço ainda sorrindo e se ajeita deitada. Ela boceja – Estou começando a ficar com sono. Vou dormir – ela se vira.

- Bons sonhos – digo e sorrio.

Ela se vira pra mim, sorri, deseja o mesmo e se vira de volta.

Espero pelo menos que os sonhos dela, os meus, os de todo mundo sejam bons, porque a realidade já é um verdadeiro pesadelo.

Permaneço deitada encarando a única cor daqui. Branco.

Quinto dia. Dezessete mortes. Nove vivos. Eu sou um deles. Por quanto tempo? Os sobreviventes estão acabando. Algo tem que acontecer para entreter o público. Mas por quanto tempo o público ficará entretido? Por favor, que esse tormento acabe logo.

Olho para Aisha dormindo. Minha única distração enquanto estou acordada e ela dormindo é essa. A observar dormindo.

Sua enorme franja por cima de seus olhos não me deixa ver seu rosto todo. Só seu nariz e sua boca entreaberta por onde ela respira.

Me viro contra ela. Não consigo dormir. Meu sono todo se foi. Preciso de alguma distração. Só ver Aisha dormindo não distrai muito. Começo a pensar em todos que me esperam lá fora. Meus pais. Meus irmãos. Minha irmãzinha Karen. Meu namorado. A saudade de todos eles aumenta a cada dia.

Me lembro de Richard na sala, antes de eu ser trazida pra cá, falando que eu vou voltar pra casa e que ele está confiando em mim. E em Liam falando que vai estar me esperando voltar. Tomara que eu não decepcione os dois. Espero não decepcionar ninguém. Morrendo, já vou estar decepcionando o meu distrito inteiro. Se nem eu ou Aisha conseguirmos vencer, espero que Daniel consiga honrar o nosso distrito. Pelo menos assim, uma coisa boa aconteceria para todos eles.

Sinto saudade de ir à escola, de ir à lavoura todos os dias. Sinto saudade de tudo. Faria qualquer coisa para ter tudo como era antes de novo.

E é isso que eu estou tentando fazer.