Lua de Sangue escrita por BiahCerejeira


Capítulo 30
Capítulo 30


Notas iniciais do capítulo

Aeeee um extra para vcs, postei duas vezes essa semana!!!
Yahooo
suahsuhushaush
Viu como sou legal? espero q gostem do cap.



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Encaminhou-se para a saleta, sem pressa. Parou para verificar a maquiagem, e outra vez para ajeitar o cabelo, ao espelho do hall. Quando entrou, a mãe estava sentada, rígida como uma estatua.


    - Não aprovo a tua bisbilhotice.


    - Não estava a fazer isso. Estava a conversar com a Kurenai na cozinha.


    - Não fales nesse tom comigo. A Kurenai pode ser um membro valioso desta casa, mas não é próprio sentares na cozinha a bisbilhotar.


    - E é próprio a mãe escutar à porta? - Hinata deixou-se cair numa cadeira. - Tenho vinte e seis anos, mãe. Há muito tempo que as suas homilias sobre bom comportamento deixaram de fazer efeito.


    - Nunca serviram de nada. Disseram-me que estiveste com a Sakura Haruno, ontem. Que estiveram juntas e que foram responsáveis pelo contato estabelecido com a polícia.


    - É verdade.                                                               


    - É suficientemente desagradável que tenha qualquer ligação com uma situação tão inacreditável como esta, mas é intolerável que agora te tenhas ligado a essa mulher.                                


    - Refere-se à Saki ou à mulher que foi violada e assassinada? - Hinata endureceu o tom, embora continuasse preguiçosamente atirada na cadeira.


    - Não vou tolerar uma coisa destas. Não vou tolerar que te associes à Sakura Haruno.


    - Se não...? - Hinata esperou um momento. - Está vendo, nesta altura das nossas vidas não há se não, mãe. Entro e saio quando quero e com quem quero. Sempre fiz isso, mas agora não tem realmente nada que dizer sobre isso.                                       


    - Pensei que, por respeito à tua irmã, estaria fora de causa qualquer ligação, por mais leve que fosse, com a pessoa que considero responsável pela morte dela.


    - Talvez seja por respeito à minha irmã que estabeleci esta ligação. A mãe nunca a suportou - disse Hinata. - E acho que aí lhe tomei a dianteira. Teria proibido a Hope de se dar com ela, mas nunca conseguiu proibir realmente a Hope de fazer o que quer que fosse. E quando conseguia, ela dava-lhe a volta. Nesse aspecto, era muito mais esperta do que eu.                  


    - Não fales da minha filha dessa maneira.


    - Sim, da sua filha. - Agora o tom áspero refletia-se-lhe nos olhos. - Coisa que eu nunca consegui ser. E há uma coisa em que a mãe talvez nunca tenha pensado: a Saki não é responsável pelo que aconteceu à Hope, mas pode muito bem ser a chave para descobrir quem é. Talvez lhe traga conforto recordar a Hope como uma luz brilhante, como uma vida decepada antes de ter realmente vivido. A mim, trar-me-ia mais conforto saber finalmente o por que. E saber quem.


    - Não vai encontrar o teu conforto nem as tuas respostas com essa mulher. Vai apenas encontrar mentiras. Toda a vida dela é uma mentira.                                                   


    - Ora aí está. - Com um grande sorriso, Hinata pôs-se de pé. - Isso é só mais uma coisa que eu e ela temos em comum, não é?


    Saiu da saleta, caminhando com arrogância.


 


    Margaret levantou-se de imediato, apressou-se a sair da saleta e a entrar na biblioteca, com as suas torres de livros e o seu teto com adornos de estuque. Começou por dar um telefonema, puxando os cordéis da amizade para pedir a Gerald Purcell que fosse a casa dela o mais rapidamente possível. Se dirigiu ao canto que mais apreciava na casa, o terraço.


     Olhou para cima quando Gerald assomou às portas do terraço. Iria assar de terno e gravata, pensou ela, enquanto lhe estendia a mão.


    - Agradeço-lhe ter vindo tão depressa. Quer chá?


    - Sim, obrigado. Pareceu-me preocupada, Margaret.


    - Estou preocupada. - Mas a mão manteve-se firme quando levantou o bule e serviu o chá. - Diz respeito aos meus filhos e a Beaux Revés. O Gerald era advogado do marido, por isso conhece as características da fazenda, as propriedades, os interesses desta família, tão bem como qualquer de nós. Talvez até melhor.


    - Claro. - Sentou-se ao lado dela, satisfeito por ela se lembrar que ele preferia limão a leite.


    - O controle dos interesses da fazenda passou para o Sasuke. Setenta por cento. Isso é válido também para as fábricas e o moinho. Eu tenho vinte por cento e a Faith dez.


    - Correto. Os lucros são divididos e distribuídos anualmente.


    - Sei disso. As propriedades, bem como os edifícios de apartamentos, as casas que estão arrendadas, incluindo a Casa do Pântano, estão também todos nos nomes deles, não é assim?


    - É.


    - E, na sua opinião, qual seria o impacto nas mudanças que o Sasuke introduziu na fazenda, no seu novo sistema de funcionamento, se eu retirasse o meu apoio e usasse os vinte por cento e a minha influência junto do conselho de administração para serem usados métodos mais tradicionais?


    -  Iria causar dificuldades consideráveis, Margaret. Mas o peso dele é maior do que o seu, e os lucros pesam mais no prato da balança que é dele. E, seja como for, o conselho de administração não tem competência para interferir na fazenda, só no moinho e nas fábricas.


    Ela acenou com a cabeça.


    - E o moinho e as fábricas ajudam-no a manter a fazenda. E se eu conseguir convencer a Hinata a juntar a parte dela à minha?


    - Isso iria lhe dar mais munições, claro. - Bebeu pequenos goles de chá, refletindo. - Posso perguntar-lhe, como seu amigo e seu advogado, se está descontente com o que Sasuke tem feito em Beaux Revés?


    - Estou descontente com o meu filho, e acho que ele precisa de volta a investir as idéias e as energias na herança que recebeu, sem se dispersar por outros caminhos. Tudo o que quero - disse ela, pondo manteiga num scone - é a Sakura Haruno fora da Casa do Pântano, fora de Progress. Neste momento, a Hina está a levantar-me dificuldades, mas vai concordar com o que eu digo. Sempre foi uma criatura que vive ao sabor do momento. Acho que consigo convencê-la a vender-me a parte que tem nas propriedades. Isso me daria um controle de dois terços. Presumo que a menina Haruno tenha um contrato de arrendamento de um ano para a casa e para a loja. Quero esses contratos denunciados.


    - Margaret. - Ele pôs a mão sobre a dela. - Seria mais sensato deixar as coisas como estão.


    - Não vou tolerar a ligação dela com o meu filho. E vou fazer tudo o que for necessário para acabar com ela. Quero que me redija um novo testamento e que deixe o Sasuke e a Hinata fora dele.


    Ele pensou no escândalo, na confusão legal, na imensa quantidade de trabalho.


    - Margaret, por favor, não aja precipitadamente.


    - Só validarei o testamento se não tiver outra opção, mas vou usá-lo para mostrar à Hinata que estou a falar a sério. - A boca de Margaret tornou-se mais fina. - Não tenho qualquer dúvida de que, quando ela perceber que vai perder uma quantia tão grande, vai se tornar muito cooperante. Quero repor a ordem na minha casa, Gerald. Faria um grande favor se pegasse nestes contratos de arrendamento e encontrasse a melhor maneira de denunciá-los.


    - Arrisca-se a virar o seu filho contra si.


    - É melhor do que vê-lo arrastar o nome de toda a família pela lama.


 


   


    Hinata ouvia o trinado dos pássaros e cheirava o perfume da terra escura e das flores abertas. Magros raios de sol tremeluziam por entre a abóbada de ramos entrelaçados e de musgo, colorindo o chão com bonitos padrões e transformando a luz verde numa espécie de dourado.


    A estátua de mármore permanecia silenciosa, a sorrir para sempre, jovem para sempre.


    Era mesmo do papai, pensou ela, cobrir o horrível com o belo. Uma imagem falsa, talvez, mas era também uma mensagem. Hope vivera, teria sido o pensamento do seu pai. E era minha.


    Teria trazido a sua amante aqui? Perguntou-se. A mulher de quem ele se aproximara quando se afastara da sua família teria sentado ali com ele, enquanto ele recordava o passado e sofria? Por que ela, e não eu? Porque nunca fui eu? Hinata pousou o bloco e tirou um cigarro.


    As lágrimas surpreenderam-na por completo. Não fazia idéia de que elas estavam ali, à espera de serem choradas. Choradas por Hope, pelo seu pai, por ela própria. Pelo desperdício de vidas e sonhos. Pelo desperdício do amor.


 


    Sakura parou junto de um canteiro. O parque tranquilo, semeado de flores, era chocante. A sua memória trouxe-lhe a imagem de como aquele lugar era antes, verde e selvagem e escuro. Sobrepuseram-se, mas não se misturaram, por isso ela pestanejou e afastou a imagem que surgira. Ali estava Hope, aprisionada na pedra para sempre. E ali estava Hinata, a chorar.


    Os músculos do estômago de Sakura dançaram, inquietos, mas ela forçou-se a avançar, estremecendo enquanto as imagens do que acontecera ali quinze anos antes tentavam apoderar-se dela. Sentou-se e esperou.


    - Nunca venho aqui. - Hinata tirou um lenço da mala e assoou o nariz. - Acho que é por isto. Não sei se este lugar é horrível ou belo. Nunca consigo me decidir.


    - É preciso coragem para pegar numa coisa feia e trazer-lhe paz.


    - Coragem? – Hinata  voltou a meter o lenço na mala e depois acendeu o cigarro, num movimento preciso. - Achas que isto foi um ato de coragem?


    - Acho. De uma coragem que eu não conseguiria ter. Ele foi sempre muito simpático para mim. Mesmo depois... - Pressionou os lábios um contra o outro. - Mesmo depois, nunca deixou de ser simpático para mim. E não deve ter sido fácil para ele, ser simpático para mim.                                         


- Ele abandonou-nos, emocionalmente, como diriam os psicólogos. Abandonou-nos pela filha morta.


    - Não sei o que vou dizer-te. Nenhuma de nós teve de lidar com a perda de um filho. Não podemos saber como reagiríamos, nem o que faríamos para sobreviver a essa perda.


    - Eu perdi uma irmã.                                           


    - Eu também - disse Sakura, calmamente.       


    - Lamento que diga isso. E lamento ainda mais por saber que é verdade.


    - Espera que te censure por isso?


    - Não sei o que espero de ti. - Suspirando, pegou na térmica que pousara ao lado do banco. - O que aqui tenho é um belo jarro de margaritas. Uma bela bebida para uma noite quente.


    Serviu o líquido verde-lima em dois copos de plástico e ofereceu um a Sakura.


    - Disse que íamos beber qualquer coisa.


    - Disse.


    - À Hope, então. - Hinata tocou com o seu copo no de Sakura. - Parece apropriado.                                


    - É mais forte do que a limonada que costumávamos beber aqui. Ela gostava da limonada que trazia.


    - Era a Kurenai que fazia para ela. Com muita polpa e açúcar.


    - Naquela noite, trouxe uma garrafa de Coca-Cola, que entretanto aqueceu dentro do seu kit de aventuras, e... - Sakura calou-se e voltou a estremecer.


    - Ainda vê o que aconteceu?


    - Sim. Agradeceria se não me perguntasse. Já estou aqui há várias semanas e ainda não tinha vindo aqui. Não tenho tido coragem para isso. Por muito que não goste de ser covarde, também tenho de sobreviver.


    - As pessoas dão demasiada ênfase à coragem, exigem muito dela, e todas a colocam entre os seus padrões mais elevados. Não te chamaria covarde, mas neste capítulo os meus padrões são muito baixos.


    Sakura quase riu, e bebeu mais um pouco.


    - Por quê?


    - Bem, assim posso atingi-los, sem grande esforço. Olha os meus casamentos, por exemplo, ainda que Deus saiba que se pudesse voltar atrás não teria casado. - Fez um gesto largo com o copo. - Haverá quem diga que eu falhei, mas eu acho que triunfei, porque saí deles sem uma beliscadura, tal como entrei.


    - Estavas apaixonada?


    - Em qual das vezes?


    - Em qualquer uma delas. Em ambas.


    - Em nenhuma. Da primeira vez, foi uma questão de luxúria. Deus Todo-Poderoso, aquele rapaz fodia como um coelho. Como o sexo foi, durante algum tempo, um prazer prioritário para mim, não há dúvida de que cumpriu essa parte do acordo. Era perigosamente bonito, cheio de charme e de falinhas mansas. E um idiota chapado. - Fez-lhe um brinde distraidamente, quase afetuosamente. - Mas tinha a tendencia de ser exatamente o que a minha mãe desprezava. Como podia eu não casar com ele?


    - Podia ter ficado no sexo.


    - E fiquei, mas o casamento foi um grande estalo na cara da minha mãe. Toma lá, mamãe. - Hinata atirou a cabeça para trás e riu. - Jesus Cristo, mas que idiota. A segunda vez foi mais impulsiva. Bem, e houve outra vez a questão do sexo. Continuava a ser perfeitamente desadequado, porque era muito mais velho do que eu e era casado, quando começamos a andar um com o outro. Acho que este foi antes um pequeno tiro disparado contra o meu pai. Gostaste do adultério? Pois bem, eu também posso gostar. Ora, uma relação ilícita é uma coisa, mas casar com um mulherengo é outra. Acredito que ele tenha sido fiel durante um curto começo, mas, meu Deus, que tédio! E acho que ele se sentia tão entediado como eu e pensou em fazer o que diziam as letras das canções que compunha: enganou-me e bebia até ficar cego. Fez algum furor na cena musical. A primeira vez que decidiu meter-se com outra, chinquei-o e depois me fui embora. O divórcio rendeu-me uma bela quantia, merecida até ao último centavo.


    Ela e Hope tinham-se sentado ali, pensou Sakura, a falar de coisas que tinham feito e que queriam fazer. Coisas simples, coisas de infância. Mas não menos vitais nem menos íntimas do que aquela de que Hinata falava agora.                                        


    - Por que o Naruto?


    - Não sei. - Hinata soltou um suspiro e bebeu mais um pouco, pelo seu copo de plástico. - Isso é um mistério e uma preocupação. Não é por dinheiro, nem por ódio. Ele é lindo e o sexo entre nós é maravilhoso. Mas, o veterinário da cidade? Aí está uma coisa que nunca esteve nos meus planos. E agora ele tinha de vir complicar tudo e apaixonar-se por mim. Vou estragar-lhe a vida. - Sorveu o resto da margarita e serviu-se de outra. - É isso que vai acontecer.


    - Isso é problema dele.


    Surpreendida, Hinata virou a cabeça e olhou para Sakura.


    - Ora aí está a última coisa que esperava ouvir da tua boca.


    - Ele é um homem feito, que conhece a sua mente e o seu coração. Parece-me que sempre fez e conseguiu o que quis. Pode ser que te conheça melhor do que pensas. Mas isso só vem reforçar o fato de eu não entender os homens.


    - Ora, é fácil. - Voltou a encher o copo de Sakura. - Em metade das vezes pensam com o que têm entre as pernas, e na outra metade pensam nos seus brinquedos.


    - Não é uma coisa muito simpática, vinda de uma mulher que tem um irmão e um amante.


    - Não tem nada de antipático. Adoro homens. Há quem diga que amei muitos. - Houve um brilho de desafio e humor nos olhos dela, mas nenhuma desculpa. Sakura deu por si a apreciá-lo, a invejá-lo.


    - Sempre preferi a companhia dos homens - acrescentou Hinata. - As mulheres são muito mais sacanas do que os homens e têm tendência a encarar as outras mulheres como rivais. Os homens olham para outros homens como concorrentes, o que é completamente diferente. Mas tu não é sacana. Admito que foi preciso muito esforço para não gostar de ti e para te desejar mal.


    - E essa é a base para este dialogo?


    - Tens uma melhor? - Hinata sacudiu um ombro e depois pegou no bloco onde tinha estado a escrever. - Senti necessidade de escrever umas coisas, e normalmente não ignoro as minhas necessidades. Queres ler isto?


    - Está bem.


    Hinata pôs-se de pé e começou a andar de cá para lá, com a bebida e o cigarro na mão. Achou que refletira mais naquele dia do que se habituara a fazer ultimamente. Refletira de forma honesta e séria. Não resolvera nada, mas sentia-se mais forte.


    Não seria estranho se o regresso de Sakura a Progress a tivesse encaminhado para o encontro com o bem-estar na sua vida? Parou junto da estátua da irmã e olhou para o rosto que tinham partilhado. Não seria a mais perfeita das ironias, pensou, que se encontrasse a si própria precisamente agora, quando há quanto tempo andava a procura? 


    Voltou à cabeça para olhar para Saki. Tão calma, pensou. Tão tranquila à superfície, com todos aqueles redemoinhos e movimentos abruptos nas profundezas. Era verdadeiramente admirável a forma como Sakura mantinha aquele escudo e não gelava por detrás dele. Misteriosa, pensou Hinata com um sorriso, mas não gelada. Gelada era aquilo que a sua mãe se tornara. E gelada fora aquilo que ela própria estivera à beira de tornar-se. Que estranho, e ao mesmo tempo que apropriado, ter sido Sakura a dar-lhe ânimo suficiente para parar antes de ter avançado demasiado no caminho que a levaria a ser aquilo que sempre combatera ao longo da sua vida: o espelho distorcido da sua mãe.


    Apagou o cigarro e meteu o que restava dele debaixo de umas agulhas de pinheiro.


    - Talvez eu deva enveredar pela escrita - disse Hinata alegremente, voltando a aproximar-se de Sakura. - Parece concentrada.


    Estava embrenhada no que lia, deixara levar pelo ritmo das palavras de Hinata e pelas imagens que elas tinham despoletado na sua mente. Sentira-se divertida e triste, ao mesmo tempo. E depois sentira a pressão, o peso no peito que fizera o seu coração bater demasiado depressa e com demasiada força.


    Aquele lugar pensou, as recordações como punhos que tentavam penetrar no muro branco da sua defesa. Não ia responder-lhes. Não ia prestar-lhes atenção. Iria permanecer no aqui e agora.


    Mas o frio arrepiava-lhe a pele, e a escuridão foi se apoderando dela, até ao olhar.                                                                


    O bloco escorregou-lhe dos dedos e caiu no chão, aos pés dela, onde uma fina brisa ficou a brincar com as páginas. Estava a afundar-se, a ser arrastada para o fundo.


    - Alguém está olhando.


    - Hã? Querida, só bebeste dois copos disto, não foi? É pouco para ficares bêbada.


    - Alguém está à espreita. - Pegou na mão de Hinata, com uma força de ferro. - Foge. Tens de fugir.


    - Oh, merda. - Reunindo forças, Hinata inclinou-se para ela e deu umas palmadas suaves na cara de Sakura. - Vá lá, se controla.


    - Ele está espreitando. Nas árvores. Está à tua espera. Tens de fugir.


    - Não há aqui ninguém senão nós. - Mas sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. - Sou a Hinata. Não sou a Hope.


    - Hinata. - Sakura fez um esforço para manter as imagens claras, para manter o ontem e o hoje separados. - Ele está outra vez nas árvores. Consigo senti-lo. Está à espreita. Foge.


    O medo assolou-lhe aos olhos, tornando-os grandes e brilhantes. Conseguia ouvi-lo agora, apenas um ligeiro restolhar vindo dos arbustos do outro lado da clareira. O pânico queria tomar conta dela, sentia os seus dedos frios percorrerem-lhe a pele.


    - Somos duas, que diabo! - Soltou a exclamação enquanto remexia na bolsa. - E não temos oito anos indefesos. Uma ova!


    Tirou da bolsa a sua bonita pistola de calibre 22, com coronha de madre-pérola, e puxou Sakura, obrigando-a a pôr-se de pé.


    - Oh, meu Deus!


    - Controla-te - ordenou Hinata. - Vamos atrás dele.


    - Está doida?


    - Anda cá, seu grande filho da mãe. Ouviu o estalar de um ramo, um sussurro de folhas e avançou.


    - Está fugindo. Cabrão.


    - Hinata. Não! - Mas ela já se metera por entre as árvores. Sem alternativa, Sakura correu atrás dela.


    O caminho tornou-se mais estreito, terminando num emaranhado de arbustos. Os pássaros voaram subitamente, como balas disparadas contra o céu, gritando em protesto. O musgo que pendia das árvores tocou no cabelo de Sakura. Afastou-o com brusquidão, enquanto continuava a correr, para apanhar Hinata.


    - Acho que ele foi na direção do rio. Podemos não o apanhar, mas vamos assustá-lo. - Apontou a arma para o céu e puxou o gatilho.


    Os tiros explodiram, ecoaram, parecendo vibrar através de Sakura, da cabeça aos pés. Os pássaros saíram das árvores, voando em direção às nuvens. Ao ouvir o som da água, Hinata sorriu como louca.


    - Talvez ele ainda acabe comido pelos jacarés. Anda.


    Sakura sentia o cheiro do rio, forte e cheio. O terreno tornou-se enlameado debaixo dos pés, fazendo Hinata deslizar como se andasse de skate.


    - Por amor de Deus, tem cuidado. Ainda te mata.        


    - Sei usar perfeitamente uma armazinha esperta como esta. - Mas a respiração dela estava se tornando mais pesada, devido à emoção e ao vigor da corrida. - Conhece o pântano melhor do que eu. Vai tu à frente.            


    - Desengatilha essa coisa. Não quero levar um tiro nas costas. - Sakura tentou recuperar o fôlego e afastou o cabelo da cara. - Podemos ir por este atalho até ao rio, poupamos tempo. Cuidado com as cobras.


    - Meu Deus, eu sabia que havia uma razão para eu detestar este lugar. - A primeira torrente de adrenalina desaparecera e dera lugar a repulsa inata por tudo o que rastejasse ou deslizasse. Mas Sakura já ia correndo à frente, e o orgulho não lhe deixou alternativa se não segui-la.


    - O que é que havia neste lugar que vos atraía tanto, a ti e à Hope?


    - É lindo. E selvagem. - Ouviu passos, pesados, decididos, e parou, erguendo uma mão. - Vem alguém nesta direção. Vindo do rio.


    - Voltou ao ataque, eh? - Hinata cravou os pés no chão e apontou a arma. - Estou pronta para recebê-lo. Mostra-te, seu grande filho da mãe. Tenho uma arma e vou usá-la.


    Ouviu-se um baque, como se algo tivesse caído ou atirado para o chão.


    - Cristo Santíssimo, não dispare!


    - Sai daí e mostra-te. Agora!


    - Não quero levar um tiro. Meu Deus, Hinata? Hinata, sou eu, o Piney. Piney Cobb.


    Saiu das árvores, de costas para a curva do rio onde os ramos dos ciprestes tocavam a superfície. Pôs as mãos no ar, a tremer.


    - Que diabo andava aqui a fazer, a espiar-nos?


    - Não andava. Juro por Deus. Nem sabia que alguém andava aqui até ouvir os tiros. Fiquei morto de medo. Não sabia se fugia ou me escondia. Tenho andado por aí atrás de rãs. Há uma hora que ando atrás das rãs. O patrão não se importa que eu venha para aqui apanhar rãs.


    - E onde estão elas?


    - Tenho ali o saco. Deixei-o cair quando a senhorita falou. Pregou-me um susto de morte, senhorita Hinata.


    Sakura viu apenas medo no rosto dele, sentiu apenas pânico vindo dele. Cheirava a suor e a uísque.


    - Vamos lá ver o saco.         


    - Está bem, está bem. Está logo ali. - Umedeceu os lábios com a língua e apontou.


    - Tem muito cuidado com os passos que dá, Piney. Estou muito nervosa neste momento, e o meu dedo pode tremer.


    Manteve a arma apontada enquanto Sakura começava a avançar.


    - Vê? Está aqui. Vê? Andava à pegar rãs, com este saco velho de lona.


    Sakura acocorou-se e espreitou para dentro do saco. Uma meia dúzia de rãs infelizes olharam para ela.


    - Caçada fraca para uma hora de trabalho.


    - Perdi quase todas quando deixei cair o saco. Deixei-o cair duas vezes - acrescentou, enquanto um rubor lhe subia pelo pescoço. - Para dizer a verdade, quase me borrei todo quando essa arma disparou. Ouvi alguém correndo naquela direção, mas nem sequer tive tempo para pensar nisso quando comecei a ouvir os tiros. Achei que o melhor era esconder-me e ficar quieto e sossegado. Talvez alguém andasse a fazer tiro ao alvo, como o senhor Sasuke e os amigos costumavam fazer, e eu podia apanhar uma bala perdida, se não tivesse cuidado. Venho aqui atrás das rãs quase todas as semanas. Pode perguntar a Sasuke.


    - O que achas? - perguntou Hinata a Sakura.


    - Não sei. Aqui tem rãs, é verdade.


    Já não era jovem, pensou, mas conhecia o pântano e tinha músculos fortes, devido ao trabalho no campo. Mas isso não provava nada.


    - Desculpe termos o assustado, mas alguém estava nos espiando, perto da clareira.


    - Não era eu. - Os olhos dele saltavam continuamente de Sakura para a arma. - Ouvi alguém correndo, como já disse. Há muitas entradas e saídas daqui.


    Ela concordou, acenando com a cabeça, e recuou. Piney pigarreou e baixou-se para apanhar o saco.


    - Então, acho que vou andando.


    - Sim, vai lá - disse-lhe Hinata. - E, se fosse tu, na próxima certificava-me de que o Sasuke fica sabendo quando vai apanhar rãs.


    - Não me esqueço, tenha certeza. Pode apostar a sua vida. Bem, agora vou andando. - Recuou, sem deixar de olhar para o rosto de Hinata, até conseguir embrenhar-se nas sombras das árvores.


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Notas finais do capítulo

Aeeeeeeeeeeeee
Fiquei muito feliz pois recebi 1 recomendaçao!!!
Yahoooooo



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