My Germany escrita por UmGreyjoy, Florita


Capítulo 7
Adena Devet


Notas iniciais do capítulo

Hey People! Mais um capítulo da Adena Devet, nossa pequena judia. Eu (Não a Tory hoje rsrs) confesso que adoro esse chap, foi muito legal fazer ele. Espero que curtam também e perdoem essa irregularidade nos posts.
Até lá embaixo!



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Para meus pais, a comemoração do aniversário de casamento era algo para se festejar com a família. Com suas quatro filhas, sentadas em volta de uma mesa repleta de frutas, pão e vinho. Estão casados há vinte e oito anos. Eu nunca parei de contar, nem depois da separação, e sempre faço algo de especial neste dia – Como colher um ramo de flores no jardim dos Savinna para alegrar o meu quarto e o quarto de Milla, pois minha mãe sempre amou flores, e meu pai sempre a presenteava com elas. Ou toco no piano alguma melodia doce e serena, imaginando a voz de minha irmã mais velha, que sempre cantava algo para saldar aquela data.

 Já Alek e Gisella, preferem comemorar sozinhos. Estavam em algum restaurante caro naquela noite, e Milla estava estudando na casa de alguns amigos, portanto, sobramos eu e Dimitri.

 Nas mãos de meu irmão, um livro de poesia francesa que ele me trouxe de presente do mesmo país. Chamava-se “As Flores do Mal”. Fazíamos juntos a leitura, uma vez de cada, e era a vez dele.

 E humilhado pela beleza da primavera ébria de cor, ali castiguei numa flor a insolência da Natureza…

 O verso seguinte fora interrompido, por batidas na porta. Dimitri é quem sempre atende.

— Boa noite — ouço o visitante dizer. Sua voz é estranhamente familiar. É o que me faz olhar para a porta, e meu sangue gela.

— Boa noite, algum problema? — Dimitri pergunta á ele. Sua voz fraqueja.

— Gostaria de falar com a senhorita Ivy Savinna.

 O sangue correu do meu rosto, e estou mais pálida do que a seda de meu vestido. Sinto tremores leves na ponta dos dedos das mãos e dos pés. Meus lábios estão secos, quando se separam para dizer:

— Eu o conheço Dimitri.

 Meu irmão hesita. A suspeita dos olhos azuis do homem na porta só cresce.

— Entre.

 Então Thomas Roys caminha para dentro do mesmo recinto que eu. Com sua pele branca, seus olhos claros, seu cabelo loiro… E sua farda de oficial.

 Minha respiração está curtíssima, e minha postura está tão perfeita, que chega a parecer errada. Sinto-me como uma boneca prestes a desmantelar-se á qualquer momento, enquanto Dimitri afunda seu peso no sofá ao meu lado, e indica o outro para o oficial.

 Ele está olhando para Dimitri num segundo, e para mim no outro. Seus olhos chegam a me machucar, avaliando meus traços talvez, para tirar dali minha verdadeira origem. Tento sorrir, mas meus músculos não se movem. É quando ele lança a bomba:

— Muito bem senhorita — ele olha para meu irmão, e depois volta para mim — Já pode me dizer seu verdadeiro nome?

 Dimitri salta do sofá num pulo. A seda não absorve o suor em minhas mãos. Como um mecanismo de defesa absoluto, me faz simplesmente cuspir as palavras:

— Não sei do que o senhor está falando.

— Porque o nervosismo moço? Somos pessoas civilizadas — diz ele, olhando Dimitri. Aproveito para fechar os olhos, e tentar segurar a água que começava a se juntar ali. Thomas me foca novamente. — Já pode me dizer seu verdadeiro nome.

 Dimitri arfa, e se aproxima do outro homem, inquieto.

— Dimitri…

— O que quer aqui? O que quer com ela? — pergunta ele, num tom de voz agressivo.

 Aquele homem podia me levar se quisesse. Mas não queria que Dimitri perdesse a razão, de forma alguma. Por mais que eu o amasse, e entendesse sua proteção, aquilo só iria piorar as coisas. Pedi a ajuda de Deus naquele momento.

 Pois ainda estávamos em solo alemão, e aquele homem podia machucar, ou até matar meu irmão ali mesmo se assim desejasse…

 Esse pensamento me deixa terrificada.

— Quero apenas o verdadeiro nome…

— Ivy Savinna… — rebato, num tom alto, que ecoa pela sala.

 Segundos de silencio parecem séculos.

— Ok — Thomas diz, levantando do sofá. — Trarei a patrulha.

 Neste momento, Dimitri perde totalmente o controle. Ele empurra o homem mais uma vez no assento, e lança seu braço contra seu pescoço, deixando-o sem escapatória.

— Deixe ela em paz! — sua voz explode num grito.

— Dimitri! — pela primeira vez, me movo um pouco. No entanto, estou petrificada diante do que acontece a seguir.

 O soldado segura a mão de Dimitri, e a torce, até que meu irmão o liberte por fim. 
 Dimitri era forte, mas aquele homem era treinado. Treinado para matar pela Alemanha.

— Rapaz, quando se esconde um judeu em casa, sangue frio diante dos patrulheiros é essencial. Não estou certo? — ele me olha.

 Cada olhar seu é como uma bala, perfurando minha carne. Eu sinto o calor do impacto me queimando. Era completamente diferente do homem que eu conhecera no dia anterior, com a fala agradável, e o olhar gentil.

 Sinto-me um cordeiro diante de um lobo. Minha vida parece uma linha fina e frágil.

— O que quer de mim?

— Eu sinceramente não sei. Quero que você diga algo que me convença… — responde, simplesmente. E minha resposta é mais simples ainda:

— Você não deveria estar aqui.

— Realmente, não é meu horário de trabalho…

— Então acho que deveria ir embora. Agora — Dimitri intervém.

— Tudo bem. Tenho outra pessoa para visitar — ele se ergue de novo, tranquilo. — Talvez vocês conheçam. Ashira…

 E seus olhos voltam a me mirar, e este disparo é o ultimo. A bala da execução. Estou morta. Morta de medo, morta de preocupação, morta de desespero.

— Onde ela está? — suplico-lhe.

— Não sei se falamos da mesma Ashira… — para mim, aquilo parece lhe divertir.

— Sei que sim — digo, acalmando-me um pouco.

— Devet… — lança ele, e eu começo a me sentir tonta…

 Dimitri percebe meu mal estar, então, agride o homem novamente. Desta vez, ele o puxa pela gola da farda, e o força a se chocar contra a parede.

 Dimitri sabia de Ashira. Eu havia lhe contado cada mínimo detalhe, e era como se ele a conhecesse, de fato.

— Tudo bem rapaz, se insiste tanto…

 Thomas da uma rasteira em meu irmão, fazendo com que ele despenque no chão. Perplexa, assisto enquanto o homem o arrasta rápido para o quarto mais próximo, e só então me ergo do sofá. Dimitri é arremessado para dentro do quarto, e antes que pudesse reagir de qualquer forma, Thomas Roys arranca a chave do outro lado, e o tranca ali.

 No começo, penso que a porta virá a baixo. Dimitri bate com força, e grita. Estou atônita e com medo de me aproximar do homem e de sua farda com a suástica estampada.

— Por favor… Diga o que faz aqui.

— Tudo bem. Eu queria ter certeza que você é parente de Ashira Devet, sendo assim uma judia também. Já consegui o que queria…

 Tudo bem. Ele sabe de Ashira. Nem meus instintos de sobrevivência conseguem ser mais fortes que isso. A vontade de saber sobre a irmã que fora arrancada de mim há cinco anos. A irmã que tanto amo…

— Onde ela está?

— Está em Auschwitz.

 Era doloroso.

— Você a mandou pra lá? — questiono, as lágrimas começando a despencar de meus olhos…

— Eu estava na equipe de transferência. Dividi um quarto com ela uma noite, e a conheci melhor…

 As palavras dele me acertam como um soco. De repente, não sei mais se quero continuar a saber sobre o destino de Ashira. Estou devastada, angustiada, e com raiva…

— Você me dá nojo — profiro, e meu tom é real e profundo.

 Os olhos do homem me parecem de um ser humano de novo, por um segundo. O que não significava nada. Porque ele esteve fingindo antes, no café.

— Epa, não é o que você está pensando — ele se explica. — Nós só conversamos. Ela me lembrava minha mãe, como você.

— Sua mãe — digo, num tom pesado que jamais reconheci em minha própria voz antes. — Aposto que ficou orgulhosa de você, por ter largado Ashira em Auschwitz.

— Minha mãe está morta — revela ele. — Ela não era Nazista, e morreu por isso, assim como meu pai.

 Ele perdeu os pais. Eu perdi minha família inteira, e minha identidade. Graças a pessoas como ele. Pessoas que usavam aquela mesma farda.

— Sinto pena dela. Por ter você como filho.

 No mesmo instante em que termino a frase, me arrependo. Aquilo parece atingi-lo. E seus olhos azuis mudam de novo. Hora são pedras de gelo, hora parecem viver.

— Talvez você esteja certa, eu não faço idéia — diz, sério. — Bom, senhorita, perguntarei novamente. Qual seu verdadeiro nome?

 Calma e convicta, quase sorrio ao contar-lhe:

— Adena.

— Adena Devet — Para mim, aquilo lhe divertia. Como se tivesse vencido. Sinto a raiva queimar novamente.

— Exato. Devet. A família que vocês, alemães, destruíram. Você fez parte disso. E eu não consigo descrever o tamanho do meu desprezo.

 Ele sorri, mecanicamente, e retira seus olhos dos meus. Caminha para a porta – a porta onde Dimitri estava aprisionado – e o libera.

 Meu irmão corre para meu lado, me analisa, e pergunta se estou bem. Eu quase não ouço o que ele diz. Meus olhos permanecem presos á Thomas Roys.

— Mais alguma coisa, soldado? Meu pai também foi um soldado, por este país.

 Á aquela altura, eu sabia que ele não me levaria. Não hoje. Não está noite. Mas então, o que fazia aqui? Minha mente se recusava a aceitar que havia algo de amistoso naquele homem, mas existia o conflito com meu coração, que sempre foi de se agarrar em qualquer vislumbre de esperança.

— Não senhorita Savinna — o soldado responde. — Estou de partida.

— Ótimo — eu o guio até a porta, com uma tranquilidade incrível. Sei que Dimitri não está acreditando naquilo. — Vejo você em breve — digo, abrindo a porta, com irônica cordialidade.

— Eu tenho total certeza disso — diz Thomas Roys. — Rapaz… - Olha para Dimitri, e assente. Meu irmão está estático, e nada diz.

— Adeus — falo, com um sorriso sutil nos lábios.

 A porta se fecha, e eu posso ouvir o homem assoviar enquanto desce as escadas. Caminho em linha reta até Dimitri. E só então, me deixo cair em seus braços, com soluços altos, enquanto ele me conforta.

— Ashira… — eu murmurava, a todo instante.

— Dena… — Dimitri começou. — Dena… Precisamos arrumar as suas coisas. Aqui não é mais seguro.

— Quando foi Dimitri? — questiono, um pouco ríspida. Ele contorna meus traços com os dedos, enquanto afaga meu rosto. — Só espero que ele retorne — digo, referindo-me ao soldado.

— O que?!

— Ele sabe sobre Ashira, Dimitri! Disse que ela está em Auschwitz…

  O olhar de meu irmão muda, para uma tristeza ainda maior. Eu sei. As chances são poucas. Mas a minha fé e meu amor por Ashira são firmes e inabaláveis, como montanhas.

— Me deixe cuidar de você? — Dimitri pede, por fim, e eu balanço a cabeça.

 Ele enche a banheira com água quente e prepara tudo para mim. Mergulho na água tomada pela fragrância de sândalo, e debaixo da água, o mundo inteiro é apenas um vidro embaçado, formas estranhas e desconhecidas. Esqueço de Dimitri e de todos os Savinna. Esqueço de Ivy e de Thomas Roys. Mas Ashira permanece martelando em minha mente, em minha alma, em meu ser. Minha irmã está viva. Precisa estar viva.

 Eu cheguei à casa dos Savinna. Pequena, esguia, e frágil. Um passarinho preso em uma gaiola protetora, porém incomum. De asas cortadas, sem canto, incapaz de voar. Dimitri foi o primeiro a me dar carinho, a estudar comigo, e me trazia um livro novo sempre que podia. Ele é o meu presente de Deus.

 Dimitri nunca me permitiu esquecer quem eu era. Me chama de Dena, e não de Ivy, quando estamos sozinhos.

 Eu deixava para Milla a tarefa de pentear meus longos cabelos castanhos de infância, mas era Dimitri quem gostava de acariciá-los todas as noites, quando ‘me colocava para dormir’. Dizia á mim e á Milla que os anjos estavam conosco, e que nenhum mal entraria em nosso quarto. Ele é doce, como meu pai era quando nos colocava para dormir. Eu e minhas três outras irmãs.

 Fazíamos uma prece, todos juntos. Elliora, minha irmã mais velha, cantava músicas hebraicas para nós. Sua voz é a mais linda que já ouvi na vida, e me lembraria dela enquanto eu vivesse. Livana dormia ao lado de Elliora, não sem antes compartilhar com ela e conosco sua grande lista de sonhos. Assim como eu, Livana não tinha pensamentos típicos de uma jovem judia. Talvez porque, assim como eu, viveu algum tempo na França á muito tempo atrás.

 Ashira, porém, era minha preferida. Outra sonhadora. Trançava meus cabelos todas as noites antes de dormir. O som dos nossos risos e murmúrios eram abafados debaixo dos lençóis da cama que dividíamos.

 Ashira era minha maior fã. Dizia que, algum dia, num grande teatro de Berlim, ela estaria me assistindo atuar, na primeira fila.

 Com as lembranças mais preciosas que eu tinha, e com os dedos de Dimitri entrelaçados com os meus, consegui repousar tranquilamente naquela noite.

 Pois creio que minha fé é grande o bastante para isto. Descansar, enquanto a tempestade se aproxima.


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Notas finais do capítulo

Reviews são aceitos ^^