Little Firefly escrita por Isabella


Capítulo 3
I'll Try To Fix You


Notas iniciais do capítulo

"É difícil nos apegar à uma pessoa que acabamos de conhecer, mas quando ambos os corações estão desesperados por reformas, quando ambos estão sem um pedaço, sentimos que nossa dor pode completar a do outro. Sentimos que podemos ajudar, atender ao grito desesperado de socorro do outro, esquecendo o seu próprio". - Isabella



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Saí do prédio e caminhei em direção à praça, o vento batendo nos meus cabelos e corando meu rosto. Ed e eu havíamos combinado de nos encontrar ali para ir à escola. Eu estava vestida com uma blusa do Ramones que meu pai me dera, e apesar do meu pesadelo inconveniente, eu me sentia segura. Parecia que eu poderia conquistar o mundo com aquela blusa, ela me passava uma segurança que eu não conseguira encontrar em mais nada ou ninguém. Minha calça era jeans e velha, e meu sapato era um All Star clássico, preto. Meus cabelos estavam presos em um coque malfeito, e eu me perguntava se era assim que uma adolescente normal deveria parecer. Claro, fisicamente. Por que emocionalmente eu estava longe de ser uma adolescente normal.

Vamos comparar as pessoas a pássaros: muitos têm a asa quebrada, escravos da rotina, sem observar árvores que o destino lhes oferece. Outros são raros, incomuns. Voam além do seu pequeno mundo de perspectivas. Eu não me encaixava em nenhum desses pássaros. Eu era mais um pardal com a perna quebrada, presa na gaiola do meu passado. É claro que muitos ficariam insatisfeitos com isso: alguns pássaros se matariam, outros tentariam sair da gaiola desesperadamente, até perder as forças. Eu me encaixava no segundo grupo. Aliás, se não me encaixasse, não estaria começando uma vida nova em Londres.

Caminhei até a praça e encontrei Ed sentado no banco torto que eu escolhera no dia anterior. Ele vestia uma camiseta preta e uma calça jeans velha como a minha. Seu rosto também estava corado por causa do vento e seus cabelos ruivos estavam desalinhados, dançando e tendo o vento como parceiro. Ele sorriu ao me ver. Não pude evitar, meu sorriso de resposta foi automático. Por muitos anos tive a tristeza e a solidão como meus melhores amigos, mas agora eu sentia que poderia ter uma amizade de verdade, daquelas que a gente vê nos filmes. Daquelas em que os amigos se xingam, mas se amam. Que vão dormir uns nas casas dos outros e ficam dando risadas e vendo filmes até tarde, em que um faz tudo pelo outro. Amizades que têm piadas internas, confiança e irmandade. Eu nunca tive isso.

Sentei-me ao lado de Ed, ainda era cedo. O que ele faria ali tão cedo? Eu saíra cedo também, mas era porque não aguentava mais me obrigar a voltar a dormir, não depois daquele pesadelo.  Contudo, eu não achava que Ed teria motivos para estar ali aquele horário. Me senti tentada a perguntar, mas não queria me meter na sua vida pessoal. Não sabia se ele estava disposto a falar sobre aquilo comigo.

-Bom dia, Angel – ele disse, dando-me um beijo na bochecha.

-Bom dia, Ed! Como vai? – eu respondi. Geralmente, eu perguntava se as pessoas estavam bem por pura educação, já sofrera demais para me preocupar com a dor de outros. Mas com Ed era diferente, eu realmente desejava que ele estivesse bem.

-Vou bem, obrigado. E você? Dormiu bem?

-Digamos que sim – eu disse em tom baixo. Não sabia se ele teria paciência ou interesse para ouvir meus pesadelos.

-“Digamos que sim”? O que aconteceu?

-Pesadelos.

-Ah, sim. Posso ajudar em alguma coisa?

Na verdade, ele podia. Eu era como uma casa abandonada em um terreno baldio, e precisava de reformas. Precisava de alguém com paciência para reformar cômodo por cômodo, mas não diria isso a ele.

-Tudo bem, já passou. O que faz aqui tão cedo? – eu ousei perguntar, queria saber o que tinha acontecido, se eu poderia ajudá-lo seja lá no que fosse.

-Bem... Umas complicações de família. Digamos que eu e minha mãe brigamos – ele respondeu, em um tom baixo e magoado.

-Quer desabafar? Sei que nos conhecemos a pouco e não sou a melhor pessoa do mundo para dar conselhos, mas dizer o que está guardado é bom de vez em quando.

-Ela disse que eu sou um irresponsável, que sou uma criança mimada e que tenho que acordar para a realidade... Ela... Ela também disse que eu nunca serei um músico... Que é um caminho muito complicado, destinado às pessoas que já nasceram ricas – sua voz foi sumindo ao falar e ele abaixou a cabeça.

Naquele momento, eu senti uma onda enorme de compaixão por aquele garoto, tive uma vontade absurda de abraçá-lo. Ele lutava pelo o que queria, mas a vida lhe dera uma rasteira e o fizera cair de cara no asfalto. Eu sabia bem o que era isso. Mesmo temendo que Ed achasse estranho, eu puxei-o pelos ombros e o abracei. Um abraço consolador, demorado.

-Ed, sua mãe sabe o que é melhor para você e não te quer para baixo... Ela disse aquilo em um momento de raiva, tudo vai ficar bem. Quer saber um segredo? Ontem eu ouvi seu EP pela internet. É realmente incrível, você é um músico de primeira e ainda vai fazer muito sucesso, até no Brasil, que é de onde eu vim. Não ouse desistir de tudo o que você sonhou, de tudo pelo o que você lutou. Sei que não nos conhecemos bem, mas eu vou te apoiar para tudo o que você precisar. Pensei sobre isso ontem... Nunca tive amigos, mas sinto que com você é diferente. Eu me afeiçoei a você, Ed. Apeguei-me fácil demais, e vou estar aqui para você.

Eu fechei os olhos e encostei-me ao banco. Não sabia o que ele iria pensar desse longo discurso, provavelmente que eu era uma garota louca e carente, se afeiçoando por uma pessoa que conheci há um dia. Pronto, eu estragara tudo.

-Angel... Muito obrigado. E se quer saber uma coisa, também não tenho amigos verdadeiros. A maioria das pessoas querem alguma coisa de mim, e isso me deixa mal. Você foi diferente, se afeiçoou a mim antes mesmo de saber que eu era músico. Eu agradeço por todo seu apoio e também agradeço aos céus por ter conhecido você.

Nós nos abraçamos. Eu sentia que agora nós éramos um só, um comum de dois. Com dores diferentes, porém parecidas. Nós poderíamos nos concertar, e agora eu me sentia aberta a contar para ele sobre o meu passado. Mas eu não contaria ali, nem naquele momento. Esperaria algo mais oportuno. Pela primeira vez em anos, eu sentia que podia contar com alguém. Não me sentia feliz desse jeito há um bom tempo. Eu sorri: agora eu tinha um pequenino pedaço do meu coração de volta. Cantarolei Fix You, do Coldplay e Ed me acompanhou. “And the tears come streaming down your face, When you lose something you can't replace (...) Lights will guide you home and ignite your bones… And I will try, to fix you ♪”


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