– Ficou corajoso agora, Near?

– É que, se vamos mesmo ter que passar por isso, eu prefiro que acabe logo.

Não podia adivinhar que expressão Mello estaria ostentando no rosto agora. Precisara juntar toda a sua coragem e jogar fora um bocado do bom-senso que lhe restava para dizer aquilo.

Sinceramente, era do tipo de pessoa que podia perfeitamente bem deixar de fazer alguma coisa por medo. Não entendia que benefícios poderia receber em se fazer de valente e se enfiar em situações desvantajosas e arriscadas.

Coisa de gente idiota, ou impulsiva. Ou, quem sabe, de gente desesperada?

Um trovão se enfiou na cena, aproveitando o espaço deixado pelo silêncio durante o qual Mello parecia tentar descobrir em qual dos casos Near se encaixava no presente momento.

Estava lutando entre o desejo e o repúdio da possibilidade de Near estar sendo idiota, mas isso não vinha realmente ao caso no momento.

– Nem parece o garotinho que saiu correndo aquele dia.

Mal podia acreditar que estava funcionando.

– Bom, correr pelo visto não adiantou de nada. Ao menos sou capaz de mudar meus planos quando vejo que não me trazem vantagens.

Sentiu o impacto do punho quando este desceu, e pode até estimar a dor. Não deixava de ficar feliz por este ter atingido o tapete ao invés de seu rosto. A respiração quente de Mello invadiu seu ar, enquanto os fios loiros pinicavam sua bochecha. Mesmo no escuro, era impossível negar a proximidade dos rostos.

Ao menos, agora estava conseguindo notar melhor as coisas.

– Não pense que vai conseguir me arrastar para esses seus joguinhos- as mãos subiram, contornando o maxilar. Estavam frias. Os dedos moldaram a orelha antes de se enfiarem pelos fios brancos, sentindo mais do gosto em puxá-los- Dessa vez eu não vou ser só uma peça pra você.

Horrível isso. Sabia exatamente o que poderia fazer para sair dali. Mas ainda assim estava se arrastando, se humilhando quase, a fim de conseguir vencer com o mínimo de danos possíveis.

Sabia já as palavras que Mello queria ouvir, provavelmente as mesmas que ele queria dizer.

– Bom, apenas peço que seja rápido.

Esperou que a cena fosse retomada, com direito a mãos, mordias, apertos e o que quer que fosse. Esperou, mesmo por sentir sua pele mais e mais exposta enquanto Mello invadia sua carne tentando achar o que sempre, sempre procurava.

Pode-se até dizer que não lhe foi surpresa quando sentiu dedos se fechando com raiva no meio de suas pernas. Aquilo doeu, mais do que deveria.

Só não pode deixar de estranhar quando ouviu uma risada.

– Eu disse. Não pense que vou cair nesses seus jogos dessa vez.

Sentiu o peso abandonar seu corpo quando Mello se levantou. Mal e mal sua silhueta era desenhada pela luz da tempestade que se arremessava contra a enorme janela da sala de brinquedos.

– Eu acho que você não vai mais fugir.

E ele se foi, largando Near jogado no tapete.

– E ai, descobriu?

Depois de passar por todas as infinitas janelas no caminho de volta, foi saudado com um Matt deitado de bruços na cama, brincando com uma minúscula lanterna de bolso.

– Se quer tanto saber, por que não vai você mesmo olhar?

– Tá escuro demais lá fora pra isso...

Ouviu as molas da cama rangerem quando Mello se jogou na cama ao lado.

E ao menos naquela noite, não teve que partilhar da insônia do amigo. Naquela noite, não teve seu sono interrompido pelo constante reclamar da cama enquanto Mello se virava e revirava de um lado pro outro apenas para no fim levantar e se enfiar no banheiro.

Naquela noite, Mello dormiu, ninado pela certeza de que aqueles olhos absolutamente negros ainda estariam abertos quando o dia chegasse.

Por hora, estavam quites.