Like Snow White escrita por giuguadagnini


Capítulo 2
Secrets - One Republic


Notas iniciais do capítulo

Aqui está, Sofia.
Espero que você goste deste aqui também :)



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Minhas pálpebras separaram-se e meu olhar focou o teto sem muita dificuldade. Sons de respirações profundas, roncos silenciosos e corpos trocando de posição nas camas do dormitório das garotas me envolveram aos poucos, como se estivessem me trazendo para a realidade devagarinho. Fiquei naquele transe em que seu cérebro procura te deixar informado de onde está, onde estão situados os móveis ao seu redor e tudo o que nos dá uma noção melhor de localização. Aquele momento em que nada se diz, onde os pensamentos te puxam para outro tempo, para outra lembrança ou coisa assim.

Meus ouvidos se adaptaram um pouco mais ao silêncio e eu respirei fundo. Mais uma noite aqui, pensei comigo mesma. Mais uma noite nessa prisão.

Se não fosse por Janne, minha tutora aqui do reformatório, eu certamente estaria louca. Eu só confio em Janne entre todos nesse lugar. Ela é a única que sabe o que aconteceu com meus pais, que sabe o porquê de eu estar aqui, ainda que nem eu mesma saiba disso. Tudo o que sei é que eles estão mortos, que nunca mais vou ter a oportunidade de vê-los.

E isso é tudo, tudo o que me deixaram saber. O resto fica sob alto sigilo da coordenação do reformatório Morgan Ville, onde me encontro desde os meus 12 anos. Sei que Janne sabe, mas nem ela acha que vai ser bom para eu saber do ocorrido. Talvez daqui a um tempo, diz ela. Quando você estiver preparada para saber.

O relógio no criado mudo indicava 4h33min da manhã. Virei o travesseiro do lado contrário e encaixei novamente minha cabeça sobre ele, sentindo uma sensação geladinha tomar conta do meu pescoço. Mudei de posição e puxei as cobertas até o queixo, me embrulhando toda no edredom florido. Fechei os olhos e respirei fundo novamente, mas algo voltou a me interromper.

Alguém havia gritado. Um som esganiçado e agudo de puro pavor. Sentei na cama rapidamente, como um reflexo. Um nó parecia ter se formado na minha garganta, me deixando com a respiração trancada. Esperei mais um pouco, só para ter certeza de que o grito não era um truque da minha própria mente.

E de novo, o mesmo som voltou a ecoar pelo corredor e atravessar a porta de madeira do dormitório. Eu não havia imaginado, não mesmo. O grito era real, tão verdadeiro que quase podia senti-lo se espalhar ao meu redor.

Logo as garotas com quem eu dividia o quarto começaram a acordar também, confusas pelo barulho e lutando com as expressões sonolentas que as dominavam.

- O que está acontecendo? – perguntou uma delas. Era Dominique, a garota que cortava os pulsos.

- Não sei – respondeu outra. A voz com certeza era de Georgia, a que tinha um caso sério de bulimia. Ainda me lembro do dia em que a vi forçando o vômito no banheiro feminino. Ela não sabe que a vi, e prefiro que seja assim.

Foi então que o grito, ao invés de parar, tomou proporções absurdas. Agora não era apenas um, eram vários gritos. Junto a eles, sons de vidros quebrando e passos apressados, como se estivessem correndo, se uniam e entravam por baixo da porta.

- Precisamos sair daqui – disse Dominique com a voz estrangulada.

Ela e Georgia levantaram da cama, precipitadas, e vestiram seus roupões.

- Becca? – Georgia chamou, me olhando alarmada – Ande, depressa. Levante daí!

Sem pensar duas vezes, eu a obedeci. Em geral, não sou dessas que fazem que os outros pedem, mas nessa situação, com certeza não era bom ficar no quarto, sozinha e desinformada sobre a situação lá fora. Levantei em um pulo, calcei minhas pantufas pés-de-monstro azuis e as segui.

- Vamos ficar juntas, certo? – comunicou Dominique, parada ao batente da porta.

Eu e Georgia assentimos com a cabeça, uma atrás da outra. Dominique soltou um pouco de ar pela boca e voltou a encarar a porta. Abriu uma fresta pequena e espiou. Georgia estava logo atrás dela e se inclinou um pouco para conseguir enxergar. Já eu, que estava por último, ficava na ponta dos pés para tentar ver alguma coisa, qualquer que fosse.

- Venham – falou Dominique – Nada aqui por enquanto.

Ela abriu a porta totalmente e saiu a passos pequenos. O corredor estava mal iluminado, terrivelmente sombrio. Nossa única fonte luminosa vinha de algumas lanternas de emergências presas no alto das paredes.

- Vocês estão sentindo cheiro de queimado? – perguntou Georgia, aos sussurros.

Nem eu nem Dominique respondemos. Continuamos caladas, puxando umas as outras pelo corredor mal iluminado.

- Acho que os gritos vieram do andar de baixo – chutou Dominique.

As portas dos outros dormitórios foram se abrindo aos poucos. As garotas olhavam para nós, com cautela, colocando apenas a cabeça para fora da porta.

- Foram vocês que gritaram? – perguntou uma morena. Várias cabeças além da dela também pareciam querer saber a resposta.

- Não – respondeu Georgia – Escutamos também, por isso saímos para checar.

Vários murmúrios percorreram o corredor. As garotas, de porta em porta, começaram a sair também. Então, um estrondo irrompeu das portas da escada.

Vários garotos, todos vestidos de preto, saíram dali. Começaram a se espalhar pelo corredor com todo o tipo de instrumentos, desde tacos de basebol a cabos de vassouras. Um deles quebrou o vidro que envolvia um quadro de avisos com uma pá de jardinagem que parecia bastante pesada. Aquilo certamente mataria alguém se acertasse muito forte na cabeça. Outro garoto estraçalhou um enorme vaso de plantas com uma foice.

- Venham! – gritou Dominique agarrando o pulso de Georgia. – Nós precisamos sair daqui agora!

Georgia pegou minha mão e, juntas, nós três começamos a correr na direção contrária dos garotos. Vários deles estavam tentando arrombar as portas dos dormitórios das meninas, com pés-de-cabra e machados.

- Não! – eu me opus assim que Dominique parou na frente do nosso quarto – Temos que ir para outro lugar. Eles conseguirão entrar facilmente, mesmo se colocarmos um móvel contra a porta.

Ela parecia apavorada, sem saber ao certo para onde ir. Georgia se encontrava no mesmo estado, e então a ficha caiu. Estávamos no meio de uma revolta. Uma revolta dentro de um reformatório.

Senti o impacto dos meus pensamentos e me coloquei a frente delas, puxando-as para a saída de emergência. Descemos atordoadas pelas escadas, tropeçando nos nossos próprios pés. Saímos uns dois andares abaixo, onde a situação também não era boa, para não dizer pior do que a anterior.

O corredor estava cheio de fumaça, com pessoas já jogadas ao chão. Com certeza havíamos achado a fonte do cheiro de queimado. Os garotos haviam colocado fogo no prédio. Minha vontade era voltar para as escadas, mas já sentia os passos pesados dos garotos descendo, logo atrás de nós.

- Vamos, por aqui! – eu tentei dizer alto, para que elas escutassem, e baixo ao mesmo tempo, para que os garotos não nos ouvissem.

Georgia gritou. Eu e Dominique nos afastamos rápido o suficiente.

Mas era tarde demais.

Um garoto, vestindo o capuz, já havia descido as escadas e envolvia o braço em volta do pescoço de Georgia. Com sua outra mão, ele apontava um canivete para a cintura dela.

- Georgia... – sufocou Dominique à amiga.

O garoto que a segurava sorriu ceticamente, exibindo um sorriso psicopata.

- Cor... Corram – grunhiu Georgia, quase sem ar.

Viramo-nos, relutantes, para a direção contrária a dela. O garoto sussurrou algo no seu ouvido e ela se debateu em seus braços.

- Não podemos deixa-la – protestou Dominique, voltando a se virar.

- Dominique, não! – eu a puxei pelo braço – Ele vai mata-la se chegarmos perto.

Ela olhou com lágrimas nos olhos para a amiga. O garoto continuava sussurrando algo doentio nos ouvidos de Georgia, mas ela não parecia mais estar escutando. O olhar dela e de Dominique estavam concentrados em uma só ligação.

- Desculpe – pediu Dominique.

Uma lágrima escorreu no rosto de Georgia em seguida. O garoto apertou o braço no seu pescoço, mas mesmo assim ela exibiu um sorriso para Dominique.

Peguei-a pelo braço e comecei a puxá-la para longe. Já o garoto encapuzado arrastava Georgia porta a fora, mantendo o canivete na sua cintura. Corremos até o fim do corredor. A fumaça parecia ter aumentado, embaçando nossa visão e deixando nossa respiração ofegante.

- Precisamos achar uma saída – constatei à Dominique. – Por aqui – falei, puxando sua mão.

- Tem certeza? – ela perguntou, com a voz grossa de dúvida e medo.

- Vem! – respondi apenas.

Quanto mais corríamos, mais a escuridão dominava. Depois de alguns instantes, minha respiração ficou mais fácil, já que deixamos a fumaça para trás, mas os gritos não cessaram. Estavam mais altos e mais frenéticos do que antes. Os sons horrendos atrás de nós estimulavam minha determinação, mantendo meus passos rápidos e cheios de propósito. Na segunda virada, já estávamos caminhando ás cegas, na completa escuridão. Estiquei o braço, tateando o longo da parede com uma mão e segurando forte a mão de Dominique com a outra.

- Você acha que ele a estuprou? – ela quis saber.

A pergunta minou meu foco, e tentei afastar a resposta da cabeça.

- Continua andando – falei, engasgada.

Dominique resistiu por um instante, mas, quando puxei sua mão de novo, uma luz tremeluziu. Ela ergueu um isqueiro aceso, apertando os olhos para enxergar melhor diante da luz repentina. Segui a chama conforme ela balançava ao redor do corredor, e quase perdi o fôlego quando vi outra porta de emergência.

- Por aqui! – gritei, puxando a mão dela de novo.

Enquanto eu me apressava para a porta, um muro de pessoas colidiu comigo, me jogando no chão. Quatro garotas, com o rosto sujo e os olhos arregalados de medo, baixaram o olhar para mim.

Uma delas esticou a mão para me ajudar a levantar.

- Tem uma porta ali por onde a gente pode sair – ela disse.

- A gente acabou de vir de lá, não tem porta nenhuma – falei, balançando a cabeça.

- Você não deve ter visto – ela insistiu. – Eu sei que é por ali!

Dominique me puxou pela mão.

- Vamos, Becca, elas sabem o caminho!

Balancei a cabeça em negativa.

- Dominique, a gente veio por ali... Não tem porta nenhuma!

- Estamos indo – a garota respondeu, olhando para Dominique.

Dominique me puxou pela mão de novo e eu me soltei.

- Dominique, por favor! É por aqui, eu juro!

- Eu vou com elas – ela respondeu – Por favor, vem comigo.

Balancei a cabeça de novo e de novo, sentindo um desespero tomar conta.

- Eu já vim aqui antes, a saída não é por ali!

- Você vem comigo! – ela gritou, me puxando pelo braço.

- Dominique, para! A gente está indo pelo caminho errado! – berrei.

Meus pés deslizaram pelo chão enquanto ela me arrastava e, quando o cheiro de fumaça ficou mais forte, puxei com força a mão e me soltei, correndo na direção oposta.

- Becca! Becca! – ela gritou.

Continuei correndo, mantendo os braços esticados, prevendo uma parede logo em frente.

- Vem, você vai morrer se for atrás dela! – ouvi uma garota dizer a Dominique.

Meu ombro bateu com tudo em um canto e eu gritei, caindo. Rastejei pelo chão, tateando à minha frente com a mão trêmula. Encostei em algo, que ao meu toque pareceu a panturrilha de alguém. Joguei-me para trás, com medo. Ali, no completo escuro, eu estaria morta em poucos minutos se desse de cara um dos garotos do preto.

- Becca? – uma voz bastante familiar pairou no ar. Eu conhecia aquela voz.

Janne, minha tutora, tirou o celular do bolso e clicou em uma tecla qualquer, gerando um pouco de luz contra meu rosto.

- Janne! – eu suspirei, aliviada. Ela se abaixou e me puxou para um abraço confortante, alisou meus cabelos e plantou um beijo no topo da minha cabeça.

- Preciso que você me escute querida – disse ela, tirando uma mochila das costas – Você tem que sair daqui.

- Mas Janne, eu não vou sem vo...

- Shiu – ela colocou um dedo sobre meus lábios, me calando. – Preste atenção, Becca! Aqui – ela colocou a mochila entre nós e encaminhou minha mão até uma das alças – Está tudo o que você precisa.

- Como assim, tudo o que eu preciso? – questionei, confusa.

- Você pode dar uma olhada depois, mas, agora, o importante é que você dê o fora daqui.

- Janne, eu não posso! Não tenho para onde ir e...

- Fique calma, querida – ela me apertou carinhosamente pelo ombro – Você só precisa ir até esse endereço.

Janne me entregou um pequeno cartão e aproximou o celular para que eu pudesse ler.

Columbia International University

- Uma universidade? Janne, você ficou maluca? – eu comecei a suar frio.

- Eu não estou pedindo. Eu estou mandando, Becca. Saia daqui e ache esse endereço. Vá para lá e fale com o reitor. Já está tudo preparado para você.


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Notas finais do capítulo

Eu sei, totalmente sem noção!
Mas já já melhora, eu prometo. Daqui a pouco as coisas começarão a ter sentido.
Beijos, e até o próximo :)
Giu ♥



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