Meu pulmão parecia comprimido dentro das minhas costelas. Meus pés latejavam dentro do all star surrado, minha boca havia secado há um bom tempo e tudo o que eu conseguia fazer era continuar em frente. Eu não podia parar. Simplesmente não podia.

Continue correndo, eu dizia a mim mesma. Continue fugindo assim como você fez a vida toda.

Minha vontade era gritar o mais alto que eu pudesse, gritar até perder o fôlego que eu não tinha. Gritar, apenas. Mas também não podia fazê-lo. Isso certamente desmascararia minha localização.

Minhas pupilas ainda se adaptavam à escuridão, meus pés dançavam às vezes por não saber exatamente qual caminho tomar. Direita, esquerda, ao redor das árvores, talvez. Eu não tinha a menor ideia de onde estava indo, só sabia que precisava continuar correndo.

Gravetos e folhas secas rangiam sob as solas dos meus tênis, o cheiro de terra molhada me deixava enjoada e meus cabelos arranhavam meu rosto sempre que eu olhava para trás, quando conferia de segundo em segundo se o medo estaria chegando ainda mais perto.

Senti uma pontada forte um pouco acima da cintura. Meu inconsciente dizia para continuar correndo, correr até que meu coração parasse de bater, mas meu corpo já não suportava mais toda aquela afobação. Eu precisava parar, nem que fosse só um pouquinho.

Freei o passo e fui cambaleando até um alto tronco de arvore. Além de alto, era também grosso e largo, o que daria um ótimo esconderijo por alguns minutos. Encostei minhas costas nele e fui deslizando até alcançar o chão. Finalmente um pouco de ar pareceu tomar conta dos meus pulmões, que a essa altura deviam estar totalmente murchos. Tentei respirar fundo, mas isso só parecia rasgar minha alma por inteiro. Puxei minhas pernas de encontro ao peito e abracei meus joelhos. Podia sentir a sangue pulsando forte na região das orelhas e do pescoço, enquanto meu tórax subia e descia em um ritmo descompassado.

Não demorou muito até perceber que mordia meu próprio lábio com força, tensa demais para parar. Logo o gosto de sangue tomava conta da minha boca. Meu próprio sangue se espalhava e descia pela minha garganta as pressas.

Um barulho no alto da árvore me deixou alerta de novo. Desviei-me para o lado rápido o bastante para que algo não atingisse minha cabeça. Era uma maçã, bem polpuda e vermelha. Assim que colidiu com o chão, ela foi rolando um pouco à frente. Rolou uma, duas, três vezes, e então parou. Um silêncio sepulcral tomou conta da atmosfera à minha volta. Tudo o que eu ouvia eram as marteladas insistentes do meu coração contra o peito e o pio discreto de algumas corujas.

Esse é o momento certo para dizer que isso está longe de ser um conto de fadas, cheio de duendes, coelhinhos e cogumelos em um mundo feliz e dotado de alegria. A realidade é dura, assustadora e, nesse momento, tem gosto de sangue.

Olhei para a maçã de novo. Ali, parada entre as folhas secas de tons terrosos, ela parecia inofensiva. Minha mente me levou então para um dia distante, onde uma maçã igualzinha àquela estava a minha frente em uma bandeja verde desbotada. Uma bandeja verde desbotada do refeitório do reformatório de onde eu vim.