Pela janela entreaberta oque restava dos raios solares daquele fim de tarde batia pelo vidro até baterem no corpo adormecido da mulher que estava ali deitada.

Por mais que eu me sentisse cansado por ficar sentado no mesmo lugar o dia inteiro, eu mantive meus olhos – Pelo menos oque estava exposto – abertos, alerta para agir em qualquer sinal de dor ou incomodo que ela mostrasse.

Eu devia isso a ela mais que tudo, mas apenas isso não seria capaz de compensá-la pelo oque fez por mim. Era apenas o começo do pagamento de uma grande dívida.

Meus olhos desviaram da janela para ela assim que a mão que eu segurava se mexeu. Sorri quando notei que ela apenas mudava a posição inconscientemente, tombando suavemente a cabeça para a minha direção com o rosto coberto de curativos.

Inclinei-me para ela, observando diretamente o seu rosto machucado. Mesmo cheia de curativos e algumas marcas, ela era a mais bela de todas as mulheres que eu já vira. Aprecei o contorno de suas sobrancelhas, os fios de cabelo caídos no rosto pálido e os lábios bem feitos, sempre convidando os meus a se encontrarem.

Sentia tanto amor por ela que doía. E esse amor aumentou no instante em que vi o seu corpo antes imóvel e sem vida voltar a se movimentar milagrosamente. Aquilo me encheu de uma alegria imensa e fiquei completamente agradecido a Deus por ter mais uma chance de a ver sorrir e de amá-la todos os dias até o fim de minha vida. Quem sabe até além da morte, aliás, ninguém sabe oque acontecerá depois da morte.

Tirei minha mão da dela com cuidado para não acordá-la e com o mesmo cuidado, toquei o ombro dela, acariciando de leve a pele exposta do braço, movendo em seguida os dedos para sua maça do rosto - Uma das poucas partes do seu rosto que não tinham curativos – e me aproximei mais do rosto dela, sentindo a respiração leve e ritmada bater no meu rosto.

Ninguém imaginaria a vontade que eu tinha de beijá-la. Uma coisa que eu não fazia há bastante tempo já que nunca conseguíamos ficar a sós, sempre com alguma visita, algum exame, imprevisto, e agora ela dormia depois de um dia inteiro com mais exames e troca de curativos. Infelizmente, eu tinha que deixar ela dormir por ordens do Dr. Mairu.

– “Não pense em dar motivos para essa mulher ficar agitada de mais Kakashi, a partir de agora vai ser descanso, descanso e descanso” – Fiz um rosto completamente desanimado – “Nem pense em fazer esse rosto, devia estar feliz por eu deixar você ficar junto dela o dia inteiro.”

Suspirei, encostando o rosto no travesseiro de frente ao dela. Pensando bem, aquilo era verdade. Só consegui ficar aqui depois de explicar todo acontecido, e também tive ajuda da Mitsue que disse que não se sentiria disposta o suficiente se eu estivesse longe dela.

Sorri e voltei a tocar seu rosto a fim de sentir aquela sensação nova e curiosa que comecei a sentir quando ela voltou à vida. Senti o formigamento na ponta dos dedos, e aquilo misturado a maciez e calor do seu rosto era muito bom.

– Vocês parecem estar melhores agora – Voltei a ficar ereto na cadeira de uma só vez e olhei o Yuuto com o rosto um pouco corado.

– Er... Ahn... É sim... – Gaguejei – Eu não sabia que ia aparecer hoje também...

– Não precisa ficar nervoso Kakashi, eu entendo como se sente – Yuuto deu um sorriso e andou até o criado mudo ao lado da cama, colocando um lírio num vaso de vidro com água coberto por outras flores vindas de algumas pessoas. Algumas eu nunca vi na minha vida, mas pela preocupação que mostravam, gostavam muito da Mitsue.

Yuuto pegou uma cadeira na frente da cama vazia ao lado da dela e se sentou do meu lado, observando-a.

Olhei para o rosto dele e observei que seus cabelos tinham voltado ao habitual castanho escuro e os olhos estavam amendoados também.

– Parece que resolveu voltar ao visual habitual – Comentei em voz baixa para não correr o risco de acordá-la.

Ele abriu um meio sorriso.

– É preciso. Se eu voltasse para a ANBU com minhas características de verdade... – ele balançou a cabeça – Deus sabe oque eles fariam comigo.

Assenti de leve.

– A ANBU tem o péssimo habito de explorar pessoas com as habilidades de vocês – comentei.

– Você quis dizer com nossas habilidades, certo? – Ele deu uma encostada no meu ombro – Agora você se tornou um de nós.

Corei de leve e voltei os olhos para a Mitsue.

– Não é tão fácil assim Yuuto. Vocês têm todo um histórico de vitórias e conquistas, um clã digno de respeito e uma história muito difícil – Suspirei de leve mais uma vez – Eu sou apenas um intruso.

Yuuto negou de leve e tocou meu ombro.

– Pare de exagerar nos detalhes. Não somos tudo isso. E mais, - Apertou meu ombro, atraindo minha atenção – Não é preciso ser o melhor do mundo para ser digno de ser um de nós. Agora você é da família – Sorri diante das palavras dele, um pouco mais positivo em relação a isso.

– Obrigado Yuuto...

Um sorriso maior que antes cobriu o rosto dele e o rosto dele ficou levemente vermelho.

– Além disso, agora que você tem o chakra dela, vocês podem fazer oque quiser com toda a segurança do mundo. Se é que me entende... – Meu rosto ficou completamente rubro em quanto ele dava tapinhas no meu ombro.

Afastei a mão dele do meu ombro.

– Será que poderia parar de comentar sobre a nossa vida íntima?! – Só não berrei com ele porque não queria acordá-la.

– Tá legal, mas eu estou certo. Só não decepcione a minha irmã caçula já que ela é muito linda e tudo mais... – Cerrei os olhos, encarando ele ainda com o rosto vermelho.

– Cala logo a sua boca Yuuto – Pedi com a voz grave.

– Tudo bem, parei – Sorriu para mim, mas eu apenas o ignorei, observando o rosto tranqüilo dela em quanto dormia.

Nós dois observávamos juntos o rosto dela, cada um em suas próprias divagações sobre a mulher que dormia ali.

– Agora, falando sério Kakashi – Yuuto quebrou o silêncio continuando a observá-la – Eu planejo ser um bom irmão e protegê-la com todas as minhas forças, mas eu não vou estar presentes em todos os momentos graças a ANBU. Então, cuide dela. Você sabe como ela parece amar situações arriscadas.

– Sim eu sei. Não precisava me falar isso, mas é bom saber que você também se importa com a segurança dela – Desta vez eu toquei o ombro dele, realmente aliviado ao ver que ele agia como um irmão agora.

Ele também tocou meu ombro e abriu um sorriso.

– Isso é oque se chama família. Bem vindo a nossa – Apertou meu ombro.

– Obrigado, Terasu–san – Brinquei usando o sobrenome verdadeiro dele.

– Shhh, não fala isso muito alto, por favor – Pediu, olhando na direção da porta.

– Calma Yuuto, tem ninguém por perto – Soltei o ombro dele e juntei as mãos em cima do meu colo.

Voltei a observar a Mitsue e abaixei de leve as pálpebras quando a vi pressionar um pouco as pálpebras. Espero que não esteja tendo nenhum sonho ruim, já que nos sonhos eu não sou capaz de protegê-la. Mas na realidade, eu farei o possível e o impossível por ela sem uma sombra de dúvida.

Não quero mais sentir a sensação de vê-la morrer na minha frente outra vez.

Nunca.