A Mortal, Filha De Dois Deuses. escrita por Amortecência


Capítulo 9
Brincamos Com Cobras Mal-Humoradas.




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Argos nos deixou no porto às 8h00 e nos deu as passagens já pagas. Lançou-nos um olhar amigável e gentil com todos os seus olhos visíveis. Entendi isso como um “tchau”.

Embarcamos e eu me senti melhor, mais viva, ao sentir a brisa morna e salgada do oceano. Como eu já esperava, assim que o barco começou a se movimentar eu tomei consciência de nossa localização geográfica.

Mayana parecia um pouco enjoada, estava pálida. Me surpreendi em como ela parecia frágil e, no entanto, era tão corajosa. Por mais que estivesse quase morrendo, lutava por aqueles que amava.

Pensei em como já havia visto ela sofrer por ter perdido a mãe e por seu pai a maltratar. Sua vida sempre fora difícil e isso a tornou forte. Eu sabia que, apesar da aparente fragilidade, ela jamais me deixaria na mão.

Instalamos-nos em um quarto não muito grande. Tinha duas camas de solteiro, uma T.V., e um pequeno banheiro. Havia ainda uma sacada que dava para bem perto do mar, e isso me deixou felicíssima. Era um lugar confortável, com decoração marítima. Os interruptores tinham cavalos marinhos pintados em volta, e, acima da cama, tinha um quadro abstrato azul, parecendo um mar revolto. Mais tarde soube que se chamava Água Contida. Enfim, dava para se viver muito bem durante os três dias de viagem.

Depois de arrumarmos nossas coisas, eu e Mayana fomos comer. O navio estava cheio de passageiros. Crianças correndo o tempo todos e seus pais chamando por elas. Gente brincando nas piscinas ou nos campos de futebol. E várias outras pessoas indo comer, como a gente.

Havia um cardápio com comida à La carte e um bufê com comida por quilo. Fomos para o bufê, pois era mais barato. Quíron havia nos dado um dinheirinho extra, mas de qualquer modo... Nunca se sabe quando vai precisar.

Eu comi macarrão ao molho vermelho – sou vegetariana, principalmente quando se trata de frutos do mar, eles são praticamente meus amigos. Mayana comeu o mesmo, acho que por “respeito” a mim.

Depois, pensamos em dar uma mergulhada na piscina, mas nós duas sabíamos que estávamos cansadas demais para isso. Então fomos apenas tomar banho e descansar um pouco, já que havíamos acordado cedo.

Nos lavamos e fomos nos deitar, apenas para conversar e assistir um pouco de T.V. Conversamos um pouco sobre coisas banais, como o conforto da cabine, o almoço delicioso e a brisa boa que vinha da sacada, sem jamais mencionar o motivo pelo qual estavamos no navio. Depois começamos a assistir CSI, mas eu nem prestava atenção. Seria ótimo passar três dias aqui durante a viagem, mas eu tinha a estranha sensação que esses três dias eram um tempo muito grande – talvez fosse só a ausência de meus pais que faziam o tempo parecer nunca passar.

Me perdi em pensamentos e logo adormeci. Estava muito cansada. Infelizmente, o sono não veio desacompanhado. Com ele vieram os sonhos.

Eu estava novamente no Olimpo. Mas agora estava em um quarto gigantesco, e não na Sala dos Tronos.

A parede era pintada com um creme cintilante. Havia uma cama enorme com um cortinado de renda. A colcha da cama era um misto primaveril de rosa, lilás e dourado. Encostada em um canto, estava uma penteadeira no estilo vintage com detalhes de flores em ouro. Acima dela estava um grende espelho arredondado com as bordas também douradas. Ao redor dele havia várias molduras com uma estampa florida ao invés de fotos. Na parede da extremidade oposta estava uma porta entreaberta que dava para um enorme recinto que eu identifiquei como o closet.

O quarto era encantador – não que eu gostasse muito dessas coisas, sou mais do tipo “preto, livros e rock” –, a não ser por um pequeno detalhe: bem no meio do lugar estavam duas mulheres belissimas, discutindo. Quando eu digo “discutindo” estou falando de uma discussão “digna de deusas”. Elas gritavam uma com a outra – e eu tinha certeza que podia ser ouvido na terra –, mas não perdiam jamais a compostura. Se você tapasse os ouvidos parecia que as duas estavam se convidando para tomar chá.

– Diga logo, eu sei que foi voce que pegou. Sempre soube que tem inveja de mim por causa de Zeus. – disse a primeira.

– Hera, eu juro, não foi eu! Além do mais, você não percebe? Também roubaram meu cinto, não foi só o seu cetro. – respondeu a segunda.

– Ora, por favor! É claro que isso é um truque. Voce fingiu que seu cinto sumiu também para mascarar que roubou meu cetro! Você ainda deve ter como cúmplice Atena. Porque é burra demais até para pensar em um plano desses!

– Oh, poupe-me. Eu já cansei! Não vou mais ficar aturando suas blasfêmias! Por favor, retire-se do meu quarto – disse Afrodite, em uma tentativa frustada de ficar controlada. Saiu andando até outra porta e a manteve aberta, em um gesto educado de “Saia do meu quarto AGORA!”


Hera saiu tempestuosamente do quarto. E, no momento em que ela passou pela porta, eu acordei com um grito, que nem sei se foi meu.

Levantei de um pulo e peguei a adaga que eu deixara embaixo do meu travesseiro.

Mayana estava em cima da cama com a adaga dela também em punho. Ela balançava freneticamente a arma, como se tentasse avisar algo do perigo que estava correndo

– Helena, sobe na cama! – ela gritou.

– O que?!

– AGORA! – seu tom foi tão imperativo que eu obedeci na mesma hora.

Quando subi, vi o quê ela estava tentando assustar. Ao redor de nossas camas haviam cinco pequenas cobras. Elas tinham uma coroa de espinhos ao redor da cabeça e cuspiam fogo. Basiliscos.

– Mayana, você tem que matar algum deles, ou, pelo menos, relar na boca dele. Embeber em veneno de basilisco.

– Basilisco? Mas achei que fossem aquelas criaturas gigantes e tal... – ela falou, na maior calma.

– Não temos tempo para isso! Faça logo o que eu disse! – e dizendo isso, joguei de lado a adaga. No mesmo momento meu arco apareceu.

Peguei uma flecha – que não estava na aljava, mas apareceu no momento em que pensei nela – e mirei em um basilisco em particular que estava atasanando Mayana. Quase subindo na cama. Ela atravessou certeiramente a junção entre a cabeça e o corpo. Os membros, agora separados, se mexeram por alguns instantes e depois caíram, flácidos.

Um dos basiliscos pulou bem alto e cuspiu fogo na mesma hora, na direção de Mayana. Ela se protegeu com a adaga que expeliu o fogo diretamente na direção do próprio basilisco. É isso que eu chamo de provar do próprio veneno, pensei. Ele ficou atordoado, mas não matou. De qualquer modo, foi o suficiente para Mayana dar um golpe bem em sua mandíbula, separando a parte de baixo da arcada dentaria da de cima. E embebendo sua adaga de veneno.

Nós podiamos ter matado dois deles. Mas, os outros três que sobraram, pareciam ter aprendido com o erro dos outros, pois estavam bem mais cuidadosos. Se mexiam rapidamente para eu não poder mirar e tentavam cuspir fogo apenas em nossos pés. Nós não iamos aguentar por muito tempo.

Então um plano louco se formou em minha mente. Ok. Era nossa única esperança. Obviamente, não podíamos pedir ajuda.

– Mayana, vá até o banheiro e pegue a vela – gritei em meio ao caos.

– Eu não vou te deixar aqui sozinha! Nem ouse pensar nisso!

– Essa é a nossa única chance. Eu vou distraí-los. Eu sou mais dificil de queimar por causa da natureza de Poseidon, e, só para desencargo de consciência, você me dá sua adaga. Eles parecem ter medo dela – ela sorriu orgulhosa. – Quando eles não estiverem prestando atenção você saí correndo, se tranca no banheiro e pega a vela. Depois eu vou dar o sinal e você saí, joga a vela no chão perto deles para queimar, abre a porta para soar o alarme de incêndio e se joga no mar. – arranquei a adaga da mão dela e pulei no chão.

– O quê?! Não nem pensar.

– Agora! – as cobras se amontoaram para chegar a mim.

– Não! Sobe logo nessa cama!

– VAI LOGO! – Gostei do tom imperial em minha voz e ela obedeceu.

Uma das cobras cuspiu um jato de fogo em mim, mas eu me defendi com a adaga. No momento em que ela vacilou eu arranquei-lhe a cabeça. Suas amiguinhas recuaram.

– É! Isso aí! Não se aproximem, eu sou cruel!

Mas na hora em que eu parei de falar elas avançaram parecendo com ainda mais raiva de mim – se é que é possível. Comecei a recuar para a sacada.

– Mayana! Agora!

Ela saiu correndo e abriu a porta do quarto. Na mesma hora os basiliscos correram na direção dela. Ela jogou a vela no último instante, causando uma pequena explosão. Os sensores anti-incêndio se ativaram e ela saiu pulando por cima das camas de encontro a mim.

Pulamos, ao mesmo tempo, sobre o murinho da sacada do navio, direto para o oceano. Direto para o meu lar.


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