Atena escrita por bia_scabbia


Capítulo 5
Capítulo 5




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As férias passaram voando, e logo chegou o primeiro dia de aula. Atena ainda estava sonolenta, pois tinha ficado mal acostumada durante as férias, e agora tinha que acordar às 5:30, em vez de 9:30 da manhã. Acordou pensando em como seria o primeiro dia com dezenas de pessoas ao seu redor, e em como seria ler os pensamentos de todas elas. Afinal, não tinha viajado e só saiu com Cristina e Mônica, e seus pais, quando não estavam trabalhando. Agora ela teria que lidar com milhares de pensamentos alheios todos os dias.

Não que isso fosse ruim.

         Vestiu o uniforme, e quando terminou, olhou em frente ao espelho para as duas estrelas amarelas bordadas no emblema. “Segundo ano... não dá pra acreditar”, pensou. A mochila nova já estava arrumada, o fichário com folhas prontas para receberem novas matérias, estava tudo pronto para enfrentar o ano letivo que estava por vir.

         Depois de tomar o café, se despediu da mãe. Entrou na van que a levava para a escola, e olhou para trás uma última vez. Beatriz pensava, enquanto acenava: “Ela já está tão crescida! Muita sorte pra você, minha Atena”. Atena se sentiu um pouco mais calma depois de ouvir essas palavras.

         Na van, as mesmas crianças chatinhas de sempre, e os mesmos amigos que ela conhecera há tanto tempo, quando tinha entrado no colégio. Cumprimentou todos e começou a testar seu novo dom com eles. Olhou para as crianças, uma por uma. “Eu quero voltar pra casa!” “Ai, que vontade de fazer xixi!” “He he, vou dar um susto nessa chata da Rebeca!”. Ao ouvir esses pensamentos, achou que não seria tão mal saber o que os outros têm em mente. Era até divertido. Agora, ela ia testar com mentes mais... desenvolvidas.

“Como foram as suas férias?”, perguntou para Andréia, uma de suas amigas no carro. Primeiro, ela pensou: “Meu pai perdeu o emprego, minha irmã tá doente, não viajei... é, foram horríveis.”, mas respondeu: “Normais. E as suas?”. Atena ficou um pouco triste pela amiga, mas tentou se segurar. “As minhas foram ótimas!”, e começou a contar toda a parte divertida, mas omitindo o que aconteceu na biblioteca. A conversa até estava boa, quando, finalmente, chegaram no colégio.

O Colégio Pedro II era bastante antigo, e tinha várias unidades na cidade. Atena estudava na de São Cristóvão, uma das maiores e mais antigas. O prédio, porém, era praticamente novo, pois o colégio tivera sido reconstruído depois de um incêndio, ocorrido há décadas. Antes do incêndio, era um internato dos mais tradicionais do Rio de Janeiro. Agora, era uma escola mal cuidada, mas ainda um exemplo por seu ensino.

Como estava no segundo grau, tinha que dar a volta para entrar no portão secundário, pois os alunos da unidade III (ou segundo grau) eram proibidos de entrar pelo portão principal. Do lado de fora do colégio, encontrou Mônica conversando com um garoto, mas não conseguiu ver quem era, pois estava de costas.

Mônica a viu primeiro, e começou a acenar freneticamente, como se não a tivesse visto tantas vezes nas férias. Atena sorriu para ela em resposta, mas seu sorriso se apagou quando o garoto se virou para ver para quem ela estava acenando. Ele tinha cabelos castanhos ondulados, olhos castanhos claros, não era alto nem baixo, nem gordo nem magro e estava com o uniforme do colégio. Não poderia ser um menino mais normal, excerto por dois pequenos detalhes: ele usava óculos... e se chamava Guilherme.

         Atena, ao olhar para ele diretamente, pôde ouvir o que estava pensando, que era o mesmo que ela: “Deus, me diga que isso não tá acontecendo!” Ele tinha no rosto uma expressão de assombro, mas logo se recompôs. Ela não tinha outra escolha a não ser se aproximar dos dois, não podia passar direto por Mônica daquele jeito. Tentou soar o mais calma possível.

“Oi, Mônica. Preparada pro primeiro dia de aula?”, disse, ignorando o garoto ao lado da amiga, que permanecia em silêncio. Mônica, animada como era de se esperar num dia como aquele, respondeu: “Ah, com certeza! Olha, esse aqui é o Guilherme. Ele é amigo de uma amiga minha da tarde e foi transferido pra manhã. E adivinha só, ele tá na nossa turma!”.

Os dois se entreolharam, incomodados com a novidade. Ele foi o primeiro a se manifestar. “Eu e a Atena já nos conhecemos... não sabia que vocês se conheciam. Ela te contou do dia que ela caiu em cima de mim, na biblioteca, e ainda me tratou como se tivesse sido eu que caí em cima dela?”, disse ele, provocando. Atena sabia que ele tinha um pouco de razão, pois ela não tinha motivo para tratar o garoto daquele jeito. Mesmo com as piadinhas e por ter pensado que ela era uma garota estranha e estressada. Ele simplesmente não tinha culpa de ela poder ler pensamentos.

Mas quem disse que ela ia se dar por vencida tão cedo?

“É, foi ele mesmo, Mônica.”, disse, confirmando a versão de Guilherme. Mônica ficou muito surpresa, e deixou escapar um comentário infeliz. “Puxa, Atena, você tinha razão: ele é um nerd mesmo!”, disse, rindo. Guilherme continuou indiferente. Parecia acostumado com aquilo, quase se divertia. Atena não resistiu e soltou um risinho.

Percebendo o ar pesado que ainda havia entre os dois, Mônica tentou quebrar o gelo. “É, parece que vocês não tiveram um bom começo, mas pelo que eu conheço de vocês, vão se dar muito bem um dia desses.” Atena leu o pensamento de Guilherme novamente. “Ha ha, quem sabe daqui a uns cem anos eu me entenda com essa estressada com cabelo de bruxa”. Não gostou do que ouviu, e também não pôde evitar uma cara fechada e um olhar intenso de raiva para Guilherme.

“Vamos ver até quando você vai fazer suas piadinhas, seu idiota”. Ela sabia que podia ferrar ele a qualquer instante, só precisava descobrir um segredo vergonhoso dele. Mas guardaria isso para uma ocasião mais necessária.

         O primeiro sinal tocou, mandando os alunos entrarem e subirem para suas salas. Atena se sentiu aliviada por um segundo, mas lembrou que aquele garoto agora era da sua sala. O jeito era aguentar firme e sentar o mais longe possível.

         Enquanto subia as escadas, Atena tentava se fixar em um ponto onde não tivesse contato visual direto com ninguém, para evitar ler os pensamentos de tanta gente ao mesmo tempo. Mesmo assim, era difícil controlar e acabou lendo os pensamentos de umas dez pessoas.

Chegando na sala, se sentou na segunda carteira da primeira fileira, para poder prestar bastante atenção nos professores, nas aulas... e quem sabe ler algumas mentes. Mônica se sentou ao lado dela, e Guilherme em uma das carteiras da última fileira. A turma não tinha muita gente nova, fora uns três ou quatro alunos transferidos, e a conversa ia animada, todos contando sobre suas férias.

         A primeira aula do dia começou, e então a professora entrou na sala. Era uma mulher baixinha, de cabelo avermelhado e cheio, e usava óculos com uma armação grossa e preta. Vestia uma saia longa e uma blusa preta larga. Só faltava uma vassoura e um chapéu pontudo.

Os alunos se seguraram para não rir. Atena, percebendo o burburinho de risos contidos, logo ficou com pena da professora, que nem tinha tido chance de se apresentar ainda. Qualquer um poderia dizer que ela estava nervosa. Mas Atena podia ler seus pensamentos também.

“Ai, por que eles estão rindo de mim? Já comecei mal, o que eu faço, o que eu faço?”, pensava a professora, tentando se controlar. “Coragem, Maíra, coragem, eles não mordem!”.

         Sem dizer uma palavra, a estranha professora pegou um giz com a mão levemente trêmula e escreveu no quadro-negro, em letra cursiva: “Português - Professora Maíra” e finalmente conseguiu se acalmar. Proferiu as seguintes palavras como se fosse uma juíza num tribunal.

“Bom dia, classe. O meu nome é Maíra, e eu serei a professora de Português de vocês esse ano. Espero que nossa convivência seja, se não amigável, fundada no respeito mútuo.” Enquanto dizia isso, Atena ouvia: “Eu espero é que vocês não sejam uns vândalos como a turma que eu peguei ano passado. Se eu passar por aquilo de novo, eu juro por deus, paro de lecionar nesse colégio!”

         A turma não parecia ter simpatizado muito com aquela mulher. Vez por outra, Atena ouvia alguém fazendo um comentário ou rindo baixinho. Se virou na cadeira algumas vezes para analisar a situação mais a fundo, do seu jeito. Ouviu várias piadinhas que estavam sendo formuladas antes de serem contadas, como:

“Nossa, eu não sabia que a gente ia ter aula de bruxaria aqui no colégio! Mas bem que podiam ter chamado a Mc Gonnagal em vez da Sibila Trelawney...”

“Será que ela não sabe que o Halloween ainda tá longe?”.

         Maíra continuou, tentando parecer totalmente confiante. “Já que vocês ainda não receberam os livros, eu vou fazer a chamada e passar alguns exercícios de revisão, para que possamos recordar a matéria do ano passado e já ingressar na desse ano.” Quase instantaneamente, ouvia-se um “Aaaah...” desanimado na sala inteira.

Algum aluno mais extrovertido falou em alto e bom som: “Já no primeiro dia de aula, professora?”. Atena procurou o dono daquela voz, e se deparou com um par de olhos azuis estonteantes, além de um rosto muito atraente. Era Rubens, um dos repetentes da classe e também um dos garotos mais desejados no colégio. Perdida naqueles olhos, sorriu. E se virou rápido quando viu que o sorriso foi não só percebido, como também retribuído.

Olhou para o lado para ver a reação de Mônica. Nem precisava ter lido sua mente para saber: ela era a única pessoa naquela sala que poderia estar contente em rever a matéria de Português. E, como Atena, não estava ligando muito para o jeito estranho da professora, embora estivesse se segurando para não rir.

         A reação da professora não foi nada boa, mas ela tentou manter uma postura séria diante da classe pelo resto da aula. Passou os exercícios no quadro quase maquinalmente, sem explicação alguma, e depois se sentou, esperando os alunos acabarem de copiar. “A Mônica tinha mesmo razão”, pensou Atena. “Esse ano não vai ser nada mole.”


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