Premonição 5: Água Negra escrita por Lerd


Capítulo 9
Xarope


Notas iniciais do capítulo

Penúltimo capítulo da fic. Está bastante intenso, já aviso. Espero que vocês gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/280522/chapter/9

            Emily já estava quase chegando ao hospital quando seu celular tocou. Era Johnny. Ele está bem.

            Ems?

            — Jo, você está bem?

            — Estou sim. E estou salvo. A Heather me salvou. Eu fiquei preso no elevador e quase morri, mas ela me salvou. A morte me pulou.

            A garota respondeu qualquer coisa e desligou. Leon era o próximo, e Emily não sabia o que deveria fazer. Naquele momento ela estava com muita raiva dele, e não conseguia importar-se com seu bem estar. Ele deixara Abi morrer, e então fora incapaz de salvar Francis. Por que, Leon? Por quê?

            Emily então voltou a recapitular todas as mortes. Quando Jade morreu, Leon não estava presente. Coincidentemente, ele não matara a garota no sonho que Emily tivera. Naquela ocasião havia Leon e as cobras, mas só isso. Quando Pete morreu, Leon estava presente, na vida real e no sonho. Emily não sonhara com as mortes de Rebecca e Mikey, e, outra coincidência acontecera: Leon não presenciara a morte da oriental, e o seu namorado sobrevivera. A próxima era Abi, e a mesma situação de Pete se repetira. Com Krista não houvera sonho, e Leon não vira a quase morte da garota. E por último Francis... E o efeito de Pete e Abi acontecia mais uma vez.

            As pessoas que eu o vejo matando em sonho, são as que morrem quando ele está presente. Mas... Por quê?

            Desistiu de pensar. O hospital já não admitia visitas àquela hora, e a garota teve de ir para casa. Essa vai ser uma longa noite, pensou. Pela primeira vez ela estava completamente sozinha. Mikey e Krista estavam no hospital, Johnny estava em outra cidade. Francis estava morto, e Leon... Era a última pessoa que ela gostaria de ter por perto. Ele é amaldiçoado, voltou a repetir para si mesma, esperando que quanto mais dissesse aquilo, mais fácil fosse de aceitar. A garota precisava ter alguém para culpar pelas tragédias, e o rapaz parecia ser a isca perfeita.

x-x-x-x-x

            — Calminha, Mikey, você ainda não está em condições de andar tão rápido.

            O rapaz sorriu. Ele estava apoiado na namorada, ambos descendo a imensa escadaria do hospital. Mikey recebera alta naquela tarde, enquanto Krista ainda precisava ficar sob observação. Emily conversara apenas uma vez com a amiga, e não fora capaz de contar sobre Francis. Se eu contar ela desiste. De tudo. Krista é durona por fora, mas é frágil por dentro. Ela precisa de mim. Eu preciso protegê-la, eu não posso contar a ela sobre ele...

            — O doutor disse que não foi nada muito grave. — Mikey explicou, tirando Emily de seus devaneios. — Mesmo assim minha perna quebrou em uns cinco lugares diferentes. É um milagre que as muletas sejam suficientes, eu deveria estar numa cadeira de rodas.

            Emily forçou-se a sorrir, embora não houvesse qualquer motivo para aquilo.

            — Sem drama. Essas muletas são só por algumas semanas. Não é como se você fosse ficar como... — E então parou, engolindo em seco. Eu não contei nada ao Mikey ainda. Ele não sabe de nada.

            — Como o seu primo, eu sei. Aliás, onde está ele? E Krista? — Deus, ele não sabe nem sobre Krista ainda. — Achei que eu teria um comitê de boas-vindas.

            — Escuta, Mikey... — Emily começou, e sentou na escadaria. O rapaz olhou-a incerto, e então fez a mesma coisa. — Aconteceu muita coisa enquanto você estava internado. Eu não pude te dizer nada antes...

            Mikey olhava para Emily de maneira apreensiva.

            — A Rebecca já estava morta antes do seu acidente. A lista continua correta. — O rapaz reagiu minimamente a essa fala. — A amiga do Leon, a Abi... Ela morreu. — Dessa vez Mikey pareceu horrorizado. — A Krista quase morreu, então, mas eu a salvei. O Johnny também foi pulado. Agora é a vez do Leon.

            O rapaz não se deixou levar com facilidade:

            — Espera... Mas e o Francis?

            Emily meneou a cabeça negativamente, e então lágrimas escorreram de seu rosto. Ela não precisou dizer nada. Ele entenderia aquilo com facilidade. As lágrimas falavam uma língua universal.

            Mikey abraçou-a e disse:

            — Tudo vai ficar bem, meu amor. Tudo vai ficar bem...

            — Não, não vai! Essa maldita lista, ela está matando todos nós... Ela não vai parar até que nós estejamos todos mortos!

            O rapaz não podia discordar daquilo.

            — Mas existe uma maneira. — Emily disse subitamente, recuperando algum fôlego. — Eu... — Ela não precisava contar sobre Johnny e Heather. — Eu descobri uma maneira de deter a lista.

            — E qual é essa maneira? Me conta!

            Emily chacoalhou a cabeça.

            — É algo que nós não podemos fazer.

            — O quê? Matar alguém?

            Bingo.

            — Alguém precisa morrer fora da ordem da lista. Quando ela espera levar outra pessoa.

            — Isso é absurdo. Além disso, jamais aconteceria. — Mikey afirmou. — A morte não leva ninguém fora de ordem através dos acidentes. Até mesmo quando eu quase morri, a Rebecca precisou ir antes. A lista é à prova de erros.

            Você não sabe de nada, Mikey.

            — Por isso mesmo isso é algo que nós não podemos fazer. Para alguém morrer fora da ordem, essa pessoa precisaria suicidar-se. Ou... Ser morta.

            Mikey tremeu. Ficou abraçado com Emily por vários segundos, e então disse:

            — Eu queria que tudo isso pudesse ser consertado com um xarope. Como quando nós estamos doentes. Nós tomamos um xarope e tudo fica bem. Mas nada disso vai ficar bem, dessa vez. Mesmo se nós detivermos essa lista... As pessoas que nós amamos, elas... Elas não voltarão. A Jade, o Francis, o Jay... Eles continuarão mortos, e não há nada que possamos fazer em relação a isso. Nós os perdemos para sempre, e nós estamos a ponto de perdermos uns aos outros também. Estamos a ponto de perder nossa própria lucidez.

            A garota percebeu que tocar no assunto da morte do irmão fez a voz de Mikey embargar. Tentou imaginar como devia ser a dor de perder metade de si, e não conseguiu. Se Johnny morresse, Emily achava que gostaria de morrer também, tamanha a dor que provavelmente sentiria. E ele era apenas seu irmão mais velho. Com Mikey e Ajay era diferente, era mais forte: os dois eram as duas metades de um mesmo ser. O namorado não era mais completo desde o dia do incidente do Rainha Fohtaed: apenas metade dele sobrevivera ao naufrágio. A outra metade continuava perdida no mar...

            Uma sensação estranha correu o corpo da garota, ao pensar naquilo. Ao pensar no mar e no acidente. O vento parecia sussurrar algo para ela, e então ela soube o que deveria fazer:

            — Vamos ao cais.

            — Como?!

            — Vamos ao cais. Alguma coisa vai acontecer lá.

            — Você teve uma visão? É sobre o Leon?

            Eu não sei.

            — Não, eu não tive uma visão. E talvez seja algo relacionado ao Leon, mas eu não sei. Nós precisamos ir ao cais, e é só isso que eu sei dizer. Eu sinto isso.

            Mikey então relutantemente concordou.

x-x-x-x-x

            — Chegamos.

            O lugar estava vazio. Desde o naufrágio do Rainha Fohtaed aquele cais não recebia mais navios. O lugar era uma visão bonita: uma estrada de madeira que seguia até o mar, quase a perder de vista. De ambos os lados havia estacas com cordas amarradas, e o cheiro da água salgada fez Emily sentir-se um pouco mais viva. Alguns albatrozes fizeram barulho, e a garota sucumbiu à paz por breves e infinitos segundos.

            Os dois ficaram em silêncio por vários minutos, até que Mikey disse:

            — Emily, você me ama?

            A pergunta pegou a garota de surpresa.

            — É claro que eu te amo. Que pergunta mais boba.

            Mikey então segurou o queixo da garota e a fez olhar diretamente dentro de seus olhos. Olhos escuros, palavras escuras.

            — Você me ama?

            — Sim. — Ela disse, desviando os olhos dos dele.

            — Você me ama?! — Mikey voltou a perguntar, dessa vez mais impacientemente. Emily não pôde virar o rosto daquela vez. Teve de encarar o namorado. Ali, olhos nos olhos, ela jamais conseguiria dizer o contrário:

            — Não.

            O rapaz largou o queixo da garota e seguiu mancando em direção à beirada do cais.

            — Desde quando?

            Emily seguiu atrás dele, lentamente.

            — Eu não sei dizer. Eu acho que foi logo depois do naufrágio do Rainha. Quando você se isolou de mim. Eu queria te ajudar a lidar com a perda do Ajay, mas...

            Mikey virou-se, vermelho de raiva e exclamou:

            — Não fala o nome dele! Não fala o nome do meu irmão! — A garota sequer respirou. Ela jamais vira Mikey tão irado. Ele respirou fundo e então disse, aparentemente mais calmo: — Agora tudo faz sentido...

            — O que faz sentido?

            — Leon.

            Só ouvir aquele nome foi suficiente para que Emily fosse desarmada. Ela não conseguiria mentir. Seu corpo a denunciou.

            — Oh, meu Deus, então é verdade. É ele, não é? É por ele que você está apaixonada. Foi por causa dele que essa viagem aconteceu, em primeiro lugar. Você o conheceu na internet e veio encontrá-lo aqui pra vocês poderem foder na minha frente, é isso? É isso que animava ele?

            — Não! — Emily gritou, sentindo-se ofendida. Não diga isso, Mikey, por favor, eu não mereço. Eu nunca fiz nada que pudesse te magoar... — Não! Eu não estou apaixonada pelo Leon. No começo, eu confesso... — A garota temia a reação de Mikey, mas ela precisava dizer. — Eu tive sonhos... Com ele. Você me deixou sozinha, e o Leon era tão prestativo e misterioso e...

            — Eu te deixei sozinha porque eu estava tendo de lidar com a porra da perda do meu irmão, caralho! Você não consegue colocar isso nessa sua cabeça de maluca neurótica, hein? Porra! — Emily chorava, sentindo todo o rancor de Mikey contra ela. — Você é mimada, egoísta, mesquinha, cruel! O mundo não gira ao redor de você! Caralho, Emily... — Lágrimas corriam pela face do rapaz. — Eu sempre estive do seu lado. Sempre. Eu nunca pedi nada em troca. Nada. Apenas que você estivesse ali para mim quando eu precisasse. Só isso. E quando eu precisei, quando eu estava sentindo a dor da perda do meu irmão... Você desistiu de mim! Você deixou pra lá. Deixou que eu curasse minhas feridas sozinho. Eu precisei de você, Emily! E era você que não estava lá! E agora você quer me culpar por não ter podido te foder depois do desastre porque eu estava tendo que lidar com a porra de uma morte?!

            Quando o rapaz terminou aquele discurso Emily estava destruída. Ele estava completamente vermelho, gritando. A garota não soube o que dizer. Será que eu fui mesmo tão horrível assim?

            — Eu não poderia me importar menos sobre você e esse Leon. Que você tivesse fodido ele quantas vezes quisesse. Eu não ligo. O que me dói foi que você desistiu de mim tão facilmente...

            — Mikey, eu...

            Mikey não a interrompeu, e Emily temeu pelo pior. Ela não tinha desculpas para tudo aquilo que ele dizia. Era tudo verdade. Gaguejou, tentando se defender do que realmente sabia como:

            — Mas nada jamais aconteceu entre a gente. Entre mim e ele. Nem um abraço, eu juro.

            — Eu não ligo, porra! — Mikey gritou.

            Emily ignorou-o e continuou:

            — Eu não sabia dizer se eu não te amava mais, e não sabia dizer se eu estava apaixonada por Leon, ou se só estava carente... — Emily sentia que estava prestes a desmoronar. Não é isso que ele quer ouvir, mas é só isso que eu posso dizer. — E isso foi antes. Antes de tudo. Antes da morte da Abi e do Francis. Agora tudo o que Leon me lembra é a morte. Olhar nos olhos dele me arrepia, e eu me sinto mal perto dele... Eu me sinto mais próxima da morte. Ele concentra tudo de pior que existe nessa lista. E eu... — Ela precisava dizer algo. Precisava dizer que se arrependia de não ter ficado ao lado dele quando ele precisou. Precisava dizer algo que importasse, e que valesse a pena. Mas não teve tempo.

            Mikey mantinha o olhar fixo atrás dela. Quando a garota virou-se, percebeu o motivo.

            Leon estava ali, parado, ouvindo tudo.

            — Leon...

            O rapaz se aproximou do casal, sombrio, cabisbaixo. Estava vestido todo de preto. Emily temeu pelo pior, então gritou:

            — Não se aproxima!

            O egípcio não entendeu a reação da garota:

            — Emily, você não está bem. Você está se virando contra mim. Eu não fiz nada para causar tudo isso. A lista... Não é minha culpa.

            — Não dê mais um passo! — A garota berrou, com a voz esganiçada. Ele é mal. Não é? — Você é o próximo! Sai de perto de mim, me deixa em paz! Me deixa em paz...

            — Emily...

            — Você ouviu a garota. — Mikey falou, e investiu contra Leon, subitamente recuperando-se do surto que tivera minutos antes.

            O rapaz desferiu dois socos contra o egípcio. Emily gritava para que Mikey parasse com aquilo, mas foi em vão. Leon aproveitou-se da perna quebrada do rapaz e livrou-se rapidamente da terceira investida dele. Então chutou o ferimento de Mikey com força, e desferiu três socos em seu rosto.

            Emily então puxou Leon com força, fazendo-o cair de costas. Mikey estava atordoado, com o nariz sangrando.

            — Para, Leon...

            — Mas foi ele quem começou!

            A garota então saiu correndo, sem saber direito para onde. Não deu dez passos e Leon a segurou pelo braço.

            — Emily, por favor, me escuta. — A loira não queria olhar no rosto dele. Fazer isso significava rever cada uma das mortes. Leon parecia refletir a própria morte. — Eu não sei o que te aconteceu. Mas eu preciso te dizer que eu não tenho culpa de nada. Qualquer que seja o motivo que esteja fazendo você me odiar tanto, eu... — E então a voz dele ficou embargada. — Eu não sou a morte, porra! Eu sou uma vítima tanto quanto você. Eu não mereço que você me trate dessa forma. Eu te ajudei, você não se lembra? — Emily mantinha o rosto virado, as lágrimas escorrendo. — Nós... Somos amigos. Nós somos bons amigos. Você não tem o direito de me tratar dessa forma! — Leon gritou. — Eu...

            E então a garota interrompeu-o com um abraço. Colocou os braços ao redor do egípcio e abraçou-o com força. Mikey também precisa de um abraço, mas o de Leon é mais urgente. Ele não tem muito tempo.

            — Me desculpa...

            Então a garota viu um clarão.

            A cena seguinte da qual ela se lembrava era de estar caída no chão com Mikey em cima dela. Tudo aconteceu com uma rapidez incrível, e seu mundo virou de ponta cabeça. Em um minuto ela estava abraçada com Leon.

            No outro o raio estava entre eles.

            Aconteceu de repente. O clarão apareceu no céu azul puríssimo, e então Mikey puxou-a no último segundo. Leon não foi tão rápido: o raio acertou sua cabeça, e a eletricidade passou por todo o seu corpo. O rapaz sentiu-se queimando por dentro, e todas as partes do seu corpo formigaram.

            Quando Emily ergueu o olhar viu o rapaz caindo ajoelhado.

            Leon tinha queimaduras por todo o seu corpo. Bolhas estouravam em seus braços e em seu rosto, e sua roupa e sua pele escureceram com as queimaduras.

            Ele estava morto.

            — Aconteceu. O Leon era o próximo. — Mikey murmurou, ainda completamente atônito. As lágrimas em seu rosto secaram, mas o olhar de desespero continuava em sua face. O corpo queimado do egípcio também continuava estirado no chão. Emily não conseguia dizer qualquer coisa.

            — E... Agora? — Foi só o que a loira conseguiu murmurar.

            Mikey passou a mão pelos cabelos, extremamente nervoso.

            — A lista começa de volta não é? Você, eu, Krista, Johnny...

            E então Emily teve um estalo:

            — Mas você me salvou. Eu deveria ter morrido junto com o Leon, atingida pelo raio. Você fez a morte me pular mais uma vez.

            A verdade daquelas palavras atingiu Mikey em cheio, como um soco no estômago. O rapaz olhou para a namorada de maneira atônita, assustado. Ele ainda estava bravo com ela? Um misto de sentimentos o invadia. Queria beijá-la, mas também sentia uma vontade incontrolável de fazê-la desaparecer para sempre. Talvez a dor fosse embora junto com Emily. Só o que conseguiu dizer foi:

            — Você está certa... É a minha vez.

            E então ele se virou e saiu correndo o mais rápido que podia com a sua perna engessada. A garota alcançou-o com facilidade, e segurou seu braço, obrigando-o a parar:

            — Pra onde você vai?

            — Eu não sei, Emily. Porra! Eu não sei, eu...! — E ele olhou para todos os lados, procurando algo que pudesse ajudá-lo com as palavras. — Você precisa ficar longe de mim. Eu sou o próximo, e eu não quero que você esteja comigo quando acontecer. Eu não quero que você... Veja.

            Emily continuou segurando o braço do namorado e deu um berro de desespero, as lágrimas ainda caindo de seu rosto. Por que tem que ser assim? O que nós fizemos para merecer tudo isso? Por que Mikey tinha de continuar sendo tão carinhoso e preocupado com ela mesmo depois de tudo o que a garota fizera? Mesmo depois de ela ter desistido dele?

            Mikey voltou a se afastar. Emily gritou:

            — Mikey!

            Ele se virou e disse:

            — Não... Se aproxima. Nunca mais. Não chega perto de mim.

            A garota ficou parada, em choque, observando Mikey. As palavras a cortaram mais profundamente do que espadas. Fora aquilo que Leon sentira quando ela o repelira? O desprezo... Era insuportável sentir-se desprezado por alguém que ela se importava. Por alguém que, durante muito tempo, significou a vida para ela.

            Ao seu redor algumas pessoas se aproximavam e viam o corpo de Leon. Não demorou muito até que o local estivesse infestado de curiosos e de ambulâncias. Emily não quis ficar por ali para observar o circo: ela sabia que Leon estava morto. Ele morrera carregando uma culpa que não tinha, por algo pelo qual ele não causou. Se ao menos a garota soubesse como parar com tudo aquilo... Ela poderia salvar três vidas. Quatro, se contasse a sua própria. E então teve um insight e soube o que deveria fazer.

            Correu o mais rápido que podia. Passos desajeitados, lágrimas pulando de seus olhos involuntariamente. A vista estava tão embaçada...

            Mikey.

            Ele não podia morrer. Emily sabia o que deveria fazer, mas para isso o rapaz precisava estar em segurança. Eu posso te salvar, agora eu sei.

            Emily encontrou-o facilmente, numa das maiores avenidas da cidade. Era o caminho natural para quem precisava voltar do cais até onde ele morava. Carros passavam a todo o momento, apesar de as ruas estarem relativamente vazias de pedestres. A garota gritou:

            — Mikey, espera!

            Ele olhou para trás instintivamente. Jamais conseguiria dar as costas para aquela voz.

            A garota olhou para cima.

            — Corre! — Ela gritou, percebendo o que aconteceria.

            Do oitavo andar do prédio onde Mikey estava em frente, um piano era suspendido por uma corda. Emily viu quando o objeto se soltou, e já sabia o que iria acontecer. O rapaz não chegou a ver o que iria cair em cima dele, apenas fez o que Emily lhe disse. E correu em direção a ela, atravessando a rua como se do outro lado estivesse o seu ágape.

            O piano não caiu.

            Mikey atravessou a rua no exato momento em que a ambulância apareceu e acertou-o em cheio, fazendo o coração de Emily despedaçar-se.

            Ela viu apenas o sangue voando e respingando na ambulância. Quando o veículo passou, Mikey estava estirado no chão, uma mancha vermelha. A van havia acertado-o de modo que as rodas passaram em cima de seu torso. Ele fora dividido em dois. A metade da metade.

            A parte de cima do corpo do rapaz ainda tinha espasmos involuntários. Emily percebeu que Mikey ainda estava de olhos abertos, observando o infinito. Um último olhar. As tripas dele estavam por todos os lados no asfalto, tornando a experiência a mais traumatizante possível. E quando a garota pensou em correr até ele, por qualquer motivo que fosse, outro carro passou, esmagando a cabeça do rapaz e silenciando-o para sempre.

x-x-x-x-x

            Eu preciso chegar ao cais, eu preciso chegar ao cais...

            Era tudo o que Emily tinha na cabeça.

            Se eu olhar para trás estou perdida.

            Queria gritar, espernear, chorar, dizer que não era justo. Imagens vinham e voltavam em sua cabeça. Leon sendo queimado vivo pelo raio, Mikey sendo cruelmente atropelado. Eu pedi para ele correr. Eu indiretamente pedi para ele correr para mim. Para correr para a morte. O corpo dele... Ele se mexia. Oh, Mikey...

            No fim das contas Leon não era o anjo da morte.

            Ela própria era.

            Mas Emily estava pronta para consertar as coisas. Para aparar as arestas de uma vez por todas. E ela precisava ser rápida: Krista era a próxima, e a morte estava vindo com rapidez. Se a garota não fosse rápida, seu sacrifico poderia chegar tarde demais. Eu vou salvar você, Krista. Você e Johnny. Pelo menos vocês dois. E depois vou poder descansar em paz. Em um lugar onde nenhuma memória ruim vai conseguir me alcançar. Paz...

            A garota descobrira o que deveria fazer quando Mikey deixou-a para seguir para o deu destino final. Alguém precisa morrer fora da ordem em que deveria. Morrer quando a lista esperava levar outra pessoa. Não fora isso que Johnny dissera para ela? A maneira de deter a lista. A única maneira...

            Emily parou na ponta do cais. Não havia praticamente mais ninguém ali. Leon já havia sido levado.

            Seu celular tocou. Era Johnny.

            — Ems, onde você está? Eu fui pra casa e não te encontrei. Eu estou aqui no cais. Cadê você?

            — Eu te amo. — Foi só o que Emily conseguiu falar. Desligou.

            E então saltou para dentro da água com força.

            Sentiu um impacto forte em sua cabeça, como se tivesse batido em algo. Sentiu-se molhada, e sentiu braços ao redor de si, e então apagou. Seu mundo se tornou azul, e girou, girou, girou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Se não leram o capítulo NÃO leiam essas notas finais, fica o aviso.
[SPOILER]
Gente, não me odeiem por ter matado Leon E Mikey. Eu pensei, pensei, pensei e jamais conseguiria resolver esse triângulo amoroso. Explico: Emily provavelmente não amava de verdade nenhum dos dois. Leon era aquele brinquedo novo, pelo qual ela estava encantada, mas que logo esqueceria. Mikey era aquele brinquedo velho que, por mais que lhe trouxesse boas lembranças, já não era mais o suficiente. E sim, esse "final" estava planejado desde que eu comecei a fic.
E eu também não pude utilizar Johnny e Krista aqui. Esse capítulo era estritamente para resolver as pendências de Leon, Mikey e Emily.
E AH! Morte do Leon, por mais surreal que pareça (um raio "do nada" num dia claro) é REAL! Aqui: http://www.youtube.com/watch?v=IykN6vliHS8 recomendo que vejam, é bem interessante.
Último capítulo será postado em breve, com a resolução de tudo. Será que Emily morrerá? Se sim, Johnny e Krista ficarão desolados. Se não, a lista ainda pode pegá-los... Hahaha XD
Até mais! o



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Premonição 5: Água Negra" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.