Um ano depois da viagem para a Terra do Nunca

O despertador tocou pontualmente às 7h da manhã. Não. Foi meu primeiro pensamento ao acordar. Eu não queria ir à aula. Queria permanecer naquela cama, dormindo, continuando a sonhar com Peter. Sim, você leu certo. Sonhando com Peter. Eu tenho sonhado com ele todas as noites desde que voltei da Terra do Nunca e me mudei para meu próprio quarto.

Essa noite meu sonho não poderia ser mais perfeito. Nele, Peter não voltava para a Terra do Nunca. Ele passava a viver comigo. Como se fosse um irmão, mas sendo muito mais do que isso. Nesse sonho, ele me amava mais do que tudo do mundo, do jeitinho que eu o amava. Tratava-me como uma princesa. Mas eu sabia que aquilo era um sonho, pois não tinha a mínima possibilidade disso acontecer. Ele nunca havia voltado. E também provavelmente nunca iria voltar.

Decidi me levantar de uma vez. Afinal, não iria conseguir insistir com meus pais para que eu faltasse aula. Tomei um banho quente, vesti o uniforme (uma blusa branca com saia xadrez vermelha), e desci as escadas.

– Wendy! – Disse meu pai, levantando-se para me abraçar. – Você está linda! Uma verdadeira mocinha!

É... Infelizmente, pensei. Mas ao invés de falar isso dei um beijo no rosto dele e disse:

– Bom dia, papai! E obrigada!

Todos já me esperavam na mesa. Minha mãe e meus irmãos me deram bom dia, e eu retribuí. Miguel estava todo animado para o primeiro dia de aula, pois iria aprender a ler nesse ano. João estava começando o 7º ano (ele era adiantado), e também estava muito animado, já que iria começar a ter algumas matérias novas. Notei que eu era realmente a única que não estava com pique pra ir à aula. Mas achei melhor nem comentar.

Alem de tudo, aquele era o meu primeiro ano em um colégio novo. Não queria mudar de colégio, mas meu antigo só aceitava crianças de até treze anos. Crianças... Sentia falta de dizer que era uma criança. Mas eu não podia fazer nada. A escolha de crescer foi minha, e agora eu já não poderia mais voltar à Terra do Nunca.

Acabamos o café da manhã e fomos nos preparar para ir à escola. Miguel foi colocar seus brinquedos novos na mochila, para mostrar aos amiguinhos. João foi começar a estudar, embora ainda nem tivesse tido a primeira aula.

Como eu não tinha mais nada para arrumar resolvi dar uma olhada nas minhas gavetas, que estavam uma bagunça total. Desde que eu havia ganhado um novo quarto, sem os brinquedos dos meninos para arrumar.

Foi aí que eu encontrei um desenho. O desenho que eu fiz na aula (do meu antigo colégio) um dia depois de ter encontrado Peter pela primeira vez. Ele estava no desenho junto com Sininho. Foi nesse dia também que minha tia quis que eu crescesse. E foi nesse dia que eu passei pela maior aventura da minha vida.

Na hora de ir, me despedi da família e corri para o ponto de ônibus. Não estava ansiosa para o primeiro dia de aula, mas também não queria chegar atrasada. Quando entrei, o ônibus já estava praticamente lotado, só tinha espaço do lado de uma garota que parecia ter a minha idade, ruiva com algumas sardinhas. Ela me lembrava Peter, mas achei melhor afastar esse pensamento da minha cabeça logo. Foi lá mesmo que eu sentei. No mesmo instante, eu decidi começar a puxar assunto:

– Olá...

– Oi! Meu nome é Alice. Você deve ser nova nesse colégio, certo?

– Sou novata, sim! É que meu antigo colégio só aceitava crianças de até treze anos, então meus pais me colocaram nesse aqui! Bom, eu não queria vir, mas eles me obrigaram, já que disseram que eu já estava grandinha demais para o meu antigo colégio. Eu não concordo com isso, pra mim a infância deveria durar a vida toda, mas...

– Nossa, vai com calma... – Disse ela, rindo. – Como você se chama?

– Meu nome é Wendy. Wendy Moira Angela Darling.

– Hmm, prazer. Alice Pan. Por favor, não zoe com meu sobrenome!

Comecei a rir e falei que não iria zoar. Não comentei sobre Peter, que também tinha esse mesmo sobrenome. Sentia falta dele, mas não iria comentar isso com mais ninguém, apenas com meus irmãos de vez em quando.

Chegamos ao colégio e fomos checar nossos horários. Não acreditei. Estávamos na mesma turma de Inglês que era a primeira aula. Eu finalmente tinha feito uma nova amizade, e ela estava na mesma turma que eu. Pelo menos isso de bom num primeiro dia de aula.

Fomos conversando até chegar à nossa sala, e em cinco minutos, foi como se já fôssemos amigas a vida inteira. Era como se eu já conhecesse ela há muito tempo. E não era apenas porque ela contou sobre uma boa parte da sua vida. Devia ser só a semelhança que ela tinha com Peter, tanto na aparência quanto no sobrenome. Mas não passava de meras coincidências, eu sabia disso.

Chegamos à sala de aula e sentamos uma do lado da outra, ainda conversando. Não foi só Alice que me contou sobre toda a sua vida. Eu também contei uma boa parte da minha. Tudo, menos Peter. Não tinha coragem de tocar nesse assunto, só de pensar meu coração já doía. Além disso ela nunca acreditaria em mim. Mas comentei que tinha dois irmãos mais novos e das historias que eu costumo contar a eles antes de dormir, faz com que eu durma melhor. Claro que nem toquei no assunto da outra coisa que também me fazia dormir melhor, que era fazer o pedido para a estrela da Terra do Nunca, ela acharia isso uma besteira total! Não que não fosse, mas como sempre foi bem raro eu conseguir fazer novas amizades na escola em tão pouco tempo, resolvi que era melhor deixar como estava pra não acabar com isso. Mas tudo o que eu sabia era que aquela poderia ser uma grande amizade.