Finalmente acabara. Gancho havia morrido, e em minhas mãos. Eu ainda não conseguia acreditar no que havia acontecido. Estava parada, tentando assimilar tudo aquilo. Se Peter não tivesse me salvado naquele momento, não sei o que seria de mim. Provavelmente eu estaria morta. Por isso, quando voltei para casa, onde estava segura, senti um alívio imenso.

Eu estava indo para a sala, em direção à saída, quando lembrei que tinha esquecido uma coisa no quarto. Ao chegar, vi que Sininho estava conversando com Peter. Ela estava... chorando? Eu nunca havia visto uma fada chorar, mas decidi não interromper a conversa e apenas escutar o que ela estava falando. Era toda a nossa história, contada em sua própria versão. À medida que ia escutando, também chorava cada vez mais, com pena dela. Ela havia tentado me matar por ciúmes... e foi a própria que convenceu Peter a voltar para casa, porque queria que ele fosse feliz. Estávamos quites. Tínhamos mais coisa em comum do que eu pensava. As duas queriam ver Peter feliz. Eu já estava voltando para a sala quando escutei Peter começar a falar.

-... sou a pessoa mais sortuda do mundo! Tenho a melhor esposa do mundo e...

Abri um enorme sorriso no momento em que ouvi isso, mas ainda estava chorando. Eu tinha andado meio emotiva ultimamente, por motivos que iria revelar para todos hoje. Até mesmo para Peter, que ainda nem sabia. Achei melhor voltar logo pra sala antes que eu interrompesse alguma coisa. Assim que eu cheguei, Alice fez uma cara de preocupada:

- Wendy! O que foi que aconteceu?

Limpei as lágrimas e contei tudo o que havia visto para ela.

- Mas isso é bom, não é? Ele te ama! Por que está chorando?

- Ah, eu não sei... acho que a emoção tomou conta de mim naquele momento.

- Wendy, você está emotiva demais! Está que nem três anos atrás quando você... não! Eu não acredito nisso!

- Acertou!

- Quando você descobriu isso e por que não me contou?

- Eu ainda não contei pra ninguém... nem mesmo pro Peter! Vou contar para todos hoje mesmo. Aproveitar que meus pais estavam preocupados comigo e...

De repente, vi que Peter estava voltando para a sala e logo parei de falar. A primeira coisa que ele viu foi meu rosto inchado.

- Amor... estava chorando? – perguntou ele, me abraçando.

- Estava... é que... – olhei pra Alice em busca de uma resposta, que fez sinal de que não sabia – eu... – Peter continuava me olhando esperando que eu dissesse algo de útil, até que decidi mudar de assunto – não nada. Vamos, Daniel está nos esperando lá fora.

Ele pareceu estranhar um pouco, mas deixou quieto. Decidimos que Peter e Alice iriam visitar a mãe deles enquanto eu iria visitar meus pais junto com Daniel, e depois todos nos encontraríamos no nosso apartamento.

Assim que minha mãe abriu a porta da casa dela, vi que estava com o rosto todo inchado, apesar de não estar chorando no momento. Abriu um enorme sorriso e me abraçou com toda a força.

- George! João! Miguel! Eles voltaram!

Logo meu pai e meus irmãos chegaram e também me abraçaram.

- Wendy! Onde você estava? – perguntou

- Querida, nós fomos na sua casa e você não estava lá! Procuramos desesperadamente! Vocês nunca sumiam assim sem avisar! – disse a minha mãe. – achamos que vocês tinham fugido da cidade ou algo assim... mas não foi isso, foi? Wendy, você ou Peter não são criminosos fugindo da polícia, não é?

- Não, mãe! Calma! Nós só tivemos que fazer uma viagem repentina. Vamos ao meu apartamento, Peter e eu explicaremos tudo.

- Mas por que tiveram que levar Daniel para uma viagem de negócios? Poderiam ter deixado-o aqui!

- Vamos indo, explicaremos assim que chegarmos. E eu ainda darei uma novidade que acho que todos irão gostar!

Ao chegarmos ao apartamento, Peter e Alice já estavam lá. Ofereci um chá para todos, e enquanto fazia, eu ficava escutando meus pais e a mãe de Peter todos curiosos querendo saber o que tinha acontecido. Quando finalmente pude me acomodar, começamos a explicar a história. Eu comecei:

- Pai, o senhor lembra de quando eu tinha treze anos, e o senhor falava que essa coisa de “Peter Pan” e “Terra do Nunca” não existiam?

- Seu pai duvidou da minha existência? – perguntou Peter, um pouco revoltado. – como eu nunca soube disso, Wendy?

- Sim, querido. E a maioria dos adultos também duvidava.

- Sim, Wendy, eu me lembro muito bem – respondeu meu pai – e também me lembro do meu surto quando descobri que você e um tal de “Peter Pan” estavam namorando.

- Continuando... na noite em que o senhor expulsou Naná de casa...

- Wendy, o que te faz falar da Naná? – perguntou minha mãe – você não fala nela desde...

- Mãe, por favor. Não me lembre disso. – falei, já com um pequeno nó na garganta ao lembrar-me do falecimento da minha antiga cadelinha. Ela já tinha doze anos quando aquilo aconteceu... e eu tinha dezesseis. Eu me lembrava perfeitamente de quando meus pais chegaram lá em casa com um filhotinho, eu tinha quatro anos, e decidi que aquela seria minha nova melhor amiga, e decidi chamá-la de Naná. Como na época João tinha apenas um ano, ela fazia de tudo para cuidar dele, e foi aí que decidimos que aquela seria a nova ama-seca da família. Desde que ela se foi, falar dela sempre me deixava emotiva, pois eu havia crescido com aquela cadela. – Nessa mesma noite eu fiz uma visita à Terra do Nunca e conheci Peter.

- Ah, eu lembro muito bem da Terra do Nunca! Nossa, Wendy, você realmente desenterrou isso, né? – disse João, que agora já tinha vinte anos e era um médico famoso.

- Eu tinha apenas cinco anos nessa época, mas não tem como esquecer! Nunca imaginaria que Peter Pan viraria meu cunhado um dia... – disse Miguel, que já tinha quinze anos.

- Então! Meninos, vocês lembram das nossas aventuras, certo? Que eu me tornei uma pirata...

- Você se tornou uma pirata? – perguntou minha mãe, assustada.

- Calma, mãe. Não foi nada. É exatamente isso que eu estou dizendo, logo depois que eu me tornei uma pirata, eu decidi voltar para casa e deixar a pirataria. Com isso Gancho ficou com raiva de mim. Por isso invadiu meu casamento.

Agora já não tinha mais ninguém interrompendo. Todos estavam prestando atenção, sem nem piscar os olhos. Olhei para Peter para que ele continuasse.

- Como já sabemos, Gancho prometeu que um dia iria acabar com nossas vidas e nossa felicidade. Foi o que aconteceu ontem. Acordamos e Daniel havia sumido. Passamos o dia inteiro tentando descobrir o que poderia ter acontecido, quando nos lembramos de Gancho. Sabíamos que Daniel provavelmente estaria na Terra do Nunca e então... bom, acho que o resto vocês já sabem. Fizemos de tudo para chegar lá, e quando chegamos ainda tínhamos muita coisa pra resolver.

Depois que Peter acabou de falar, o silêncio tomou conta da sala. Todos pareciam estar tentando assimilar os fatos. De repente, Alice decidiu quebrar o silêncio.

- Então... Wendy! Por que não conta a grande novidade?

Com toda essa confusão, eu havia até esquecido da novidade, então quando Alice tocou no assunto, abri o maior sorriso ao lembrar daquilo. Eu realmente estava muito feliz com isso.

- Então... Estão prontos?

- Que novidade? – perguntou Peter.

- Estou grávida!

- Como? – perguntou novamente.

O silêncio que estava naquela sala logo morreu depois da minha noticia. Todos ficaram muito felizes, inclusive Daniel, que ficou todo empolgado ao saber que teria um irmãozinho ou irmãzinha. João e Miguel comemoraram por serem tios novamente, ambos dizendo que não queriam ser pais. Enquanto todos comemoravam, Peter me puxou para o corredor:

- Por que não me contou?

- Eu estava com muita coisa na cabeça! Pretendia te contar ontem, mas quando Daniel foi sequestrado eu cheguei a quase esquecer. Só não consegui esquecer os enjoos e as emoções...

Ele começou a acariciar minha barriga.

- Sabe... lembra que falamos que Daniel era o nosso final feliz? – fiz que sim com a cabeça – Nosso final feliz estava apenas começando...

E falando isso, ele me beijou, e eu desejei que aquilo nunca acabasse. Peter estava certo. Ainda teríamos muitos finais felizes pela frente. E pensar que tudo aquilo começara apenas com uma sombra...