Como Ser Um Pegador Em 12 Lições. escrita por Jess B


Capítulo 4
Bem vindo ao corredor dos Losers.




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3ª Lição: Se ela disser que você é um pegador de marca maior, desminta.
Negue até a morte, fique indignado.
Não assuma esse posto.


Fred:
Pra quem era conhecida como uma possível lésbica, Júlia tava se engraçando muito com aquele cara loiro.
Até demais, pro meu gosto.
As cheerleaders estavam na nossa mesa rindo feito hienas por uma história besta que o Guto contava. Eu até riria se não estivesse ocupado vendo aquela merda.

A mão da dona Protesto tava sendo segurada por um cara suspeito que não tirava seus olhos azuis dos dela. Júlia, a princípio, ria da brincadeirinha que ele fez com o seu nariz, mas quando percebeu as risadas dos meus amigos com as putas do colégio – desculpa mãe por falar isso de meninas, mas elas são – ela olhou pra cá e viu minha cara de malvado. Fiz mesmo, faria de novo e não me arrependo. É isso aí.

Man, eu nem sabia por que estava com raiva. E nem queria saber. Mas duas coisas eram fato: eu não conseguia tirar meus olhos deles e não queria ficar com raiva com toda aquela intimidade chata que eles tinham, mas fiquei.
Como nunca vi isso?
Já sei. Nunca prestei atenção em Júlia e sua vida de drogada louca.
Nunca me interessei.
Júlia ficou surpresa com o meu olhar matador e mesmo assim o sustentei. Eu queria que ela soubesse que eu não tava gostando nada, nada desse maconheiro from hell, ou seja lá o que ele usa. De novo, eu não sabia qual era o meu problema, mas estava no meu momento revolts. Posso?
Obrigado.
– Fred, o que foi? – Harry bateu no meu braço, chamando minha atenção. E graças a ele, tive que tirar olho do meu alvo e respondê-lo.
– Nada, só estou pensando na vida. – e na menina dos infernos com seu amiguinho estranho.
– Dude, eu nunca te vi assim, tão paradão! Se liga, tem muita mulher na mesa, seja simpático e receptivo. – ele deu uma risadinha.
– Não dá! Desde que você inventou essa aposta eu não consigo mais pensar em nada! – acho que falei um pouco alto, porque as meninas ouviram.
– Que aposta? – uma delas falou, acho que foi Brittany, a mais fácil dali.
– Fred e eu apostamos quem vai beber mais na festa da Sam. Sabe como é, Fred odeia perder. Principalmente quando o assunto é mulher e bebida. – Harry respondeu num Fred de malícia e divertimento.
– Pois é, adoro uma aposta. – ironizei e as meninas nem perceberam. Eu poderia falar qualquer coisa, tipo “matei um cara e enterrei no meu jardim”, que elas não ligariam. Essas minas só ligam pra status, imagem e popularidade. Coisas que conseguiam conosco.
Agora vamos ao que interessa. Ver Júlia com um roqueiro metido a pegador e o que eles estão fazend...
Sumiram. Oi?
Pra onde foram?
Sabe um sinal de alerta na sua cabeça quando alguma merda vai acontecer? Mesmo sem conhecer esse cara, eu já sentia que não gostava dele. Alguma coisa me dizia que o sujeito era uma cilada.
Olhei pro lados tentando achá-los. Tentei ser a mina do Exorcista e girar a cabeça em 360°, mas não consegui.
Passei a mão na testa, nervoso.
– Vou ao banheiro. Não esperem por mim! – disse levando a bolsa comigo. Primeiro fui até a cantina, nem sinal deles. Passei pelo corredor de troféus, e nada. Então resolvi ir até o corredor das salas de informática.
O corredor dos Losers, como era conhecido, tinha se tornado famoso por sua escuridão, já que havia poucas aulas ali. Mas principalmente pelas pessoas que iam fumar, cabular aula ou até mesmo fazer pequenas transições – se é que você me entende. A maioria que andava naquele corredor tenso e sombrio eram as pessoas do darkside, por isso se chamava O corredor dos Losers. Pessoas que eram estranhas, excluídas e talvez anti-sociais iam lá. Nós, os normais, não ficávamos à vontade naquele lugar. Além de ser vazio durante a maior parte do dia, já fora tomado pela galera punk.
Aí tu já sabe, é melhor não entrar na quebrada deles.
Me senti um rapper agora.
Entrei no maldito corredor.
Era longo e profundo, no último piso do Westshefild. No final, havia uma área descoberta, onde tinha um banco. Por trás dele, um jardim. Era iluminado pela luz do sol naquela parte, o resto era escuro. Muito escuro.
Caralho, cadê os dois?
Eu sinceramente não sabia o por quê de estar procurando por eles. Eu acho que era mais por curiosidade. A Torres com um garoto... Hilário.
Não, agora não tinha mais graça. Não pra mim.
Andei pelo corredor das salas de informática sentido cheiro de cigarro. Não sei por que, mas meu coração acelerou. Eu sabia que eu estava perto de ver o que no fundo não queria.
Júlia com alguém.
Caminhei pelo corredor escuro pensando no que diria se visse os dois, que resposta eu daria. Nada de bom surgiu. Não deu tempo de surgir algo de bom.
Lá estava a sombra de uma pessoa e a fumaça de um cigarro.
– Veio conferir se eu estava sozinha ou veio pedir outro cigarro? – parei no meio do corredor ouvindo sua voz calma, mas eu jurava que ela tava rindo. Júlia estava no escuro, eu não enxergava quase nada, só a claridade da área descoberta. A menina tinha se sentado no chão longe do sol, me deixando sem saber onde estava.
– Er... Eu errei de caminho. – eu disse gaguejando pro nada, sem saber pra onde olhar. Tipo, eu GAGUEJANDO, AINDA MAIS COM UMA MENINA? WTF?
– Errou o caminho? Até onde eu sei, só quem passa nesse corredor são os losers e os estranho, pra fumarem seu cigarrinho em paz. – Júlia disse se levantando e indo, finalmente, pra área descoberta, tragando o cigarro de forma extremamente sexy.
Parecia que fazia de propósito. Mulheres fumando me deixavam excitado.
E cadê o punk loiro?
Tive um acesso de raiva de uma hora pra outra. Eu sou muito besta! A mina agora vai ficar se achando, pensando que vim só por causa dela! Merda!
E não era verdade? Mas ela não precisa saber, poxa.
Quer saber? Foda-se ele, foda-se ela. Eu nem sei por que ainda estava parado ali com cara de bunda a vendo fumar.
– Agora deu pra regular pra onde eu vou? – falei secamente – Era só o que me faltava, você querendo saber pra onde vou ou deixo de ir. Falou. – falei grosso. Girei meus calcanhares em direção à saída. Eu queria que ela se explodisse com o cara, com o cigarro e com aquele sorrisinho ridículo dela. Mas no fundo, eu tava com mais raiva de mim do que dela por ser tão idiota ao ponto de vir até aqui só pra ver essa garota rir de mim.
– Cuidado pra não se perder de novo, Alice! – ela gritou no fundo do Corredor dos Losers com um arzinho de engraçadinha e vitoriosa.
Tosca.

Júlia:
O sinal já tocara há três minutos. Eu ainda estava no Corredor dos Losers pensando no que tinha acontecido.
Mike saíra pra conversar com seus amigos, não falou nada sobre o nosso momento olhar intenso e eu agradecia a Deus por ele não tocar nesse assunto. Eu não entendia por que Mike me lançava esses olhares de vez em quando.
Ele dava indiretas, mas eu fingia que nunca captava, fingia que não era comigo. No fundo, eu sentia que ele gostava de mim, mas nunca disse algo como “eu gosto de você e é não como amigo”, acho que não tem coragem ou pensa que vai levar um toco daqueles.
E vai mesmo. Eu não pegaria Mike nem aqui e nem na China. Ele é lindo, mas é meu melhor amigo! Era como beijar um irmão!
Mas o que mais me intrigava não eram os olhares de Mike, e sim os de Fred. Por que ele fez aquela cara de bravo na hora que ele e seus amiguinhos estavam com as fáceis do colégio? Por que veio até aqui e mentiu dizendo que errou o caminho? Onde ele queria chegar fazendo essas coisas? Por que tudo isso?
Por que, gente?
Sabe, dizem que o mundo se move pelos porquês da vida.
MAS NÃO O MEU.
Eu queria saber o motivo que levou esse cara de uma hora pra outra a me perseguir, fazendo caras e bocas e querendo ser meu amigo.Alguma coisa tava errada.
Fui pra sala – onde Mike já estava – e sentei na cadeira de sempre. A última, perto dele. Recebi a mensagem:

ju, vimos Fred sair do Corredor dos Losers, onde você estava. QUEREMOS SABER DE TUDO, sua vaca que não nos conta nada!
Odiamos você.
Suas amigas desinformadas.
Xx


Nossa, que carinho! A mensagem veio do celular da Cris, mas claro que foi escrita pelas três, e se bobear, uma ficou responsável por cada frase.
Tive que responder.

Calma, macaquinhas curiosas! Não teve nada. Juro que a Alice não vai se perder no caminho, nunca mais. No intervalo, conto detalhes.
Xx


Alice? WTF?
Xx


Ri, mas não respondi. Se elas quiserem saber de alguma coisa, que esperem até o intervalo. Sou má!
As aulas se passaram num passe de mágica. De mágica não, de sono mesmo. As primeiras duas eram de Geografia.
Geografia. Matéria que serve pra entender sobre países, vegetações, cultura, e pra te entediar. O que eu fiz? Dormi como uma lady nas duas aulas do professor com voz estranha.
No intervalo, Mike me deixou isolada. Então, procurei minhas amiguinhas. As meninas estavam sentadas nas arquibancadas da quadra. Fui até elas e mesmo que não quisesse, tinha que passar pela mesa das celebridades.
A mesa de Fred.
A mesa de Fred e dos McTry – desculpa, ainda não sei o nome da banda do otário – ficava no meio do pátio. Era normal ter meninas lá, e cada um dos caras com três penduradas no pescoço. Fred era o mais galinha, famoso por suas conquistas. E o mais lindo também.
Opa, falei mais do que devia.
Passei pela mesa de cabeça baixa, envergonhada.
– A estranha passando por aqui? O que foi, perdeu seu beck? – ouvi uma ruiva da boca grande. Não dei importância, continuei a andar até a arquibancada. Fred nem olhou na minha cara, acho que ficou com raiva de mim. Só porque o chamei de Alice? Ah, fala sério!
Suspirei. Uma amizade que não durou três dias ia acabar. Me sinto uma criança que perdeu algum brinquedo.
Que saco.
– Florzinha, que cara é essa? – Sophia me perguntou.
– Nada. A vida é foda. E aí, qual é boa? – falei me sentando.
– A boa é que você vai nos contar como foi no Corredor dos Losers. – ah, tinha esquecido.
– Não foi nada. Fred apareceu quando eu estava fumando, disse que estava perdido, o chamei de Alice e ele foi embora.
– Só isso? Cadê a emoção? Os abraços e beijos quentes? – Beatriz juntou as mãos.
– HEIN? Meu, acordem! Nada vai acontecer entre nós! Vocês não entendem que eu não tenho nada a ver com ele e a parada é recíproca?
Nessas horas, eu queria ser contrariada.
Nessas horas, queria que alguém me dissesse: “você tá errada”.

Fred:
Eu e meu caderno, mais uma vez.
Na detenção, enquanto o professor não chegava, eu estava usando meu caderno como distração. Concentrei-me tanto que não vi Júlia e nem outros chegarem. Apaguei, escrevi, apaguei de novo, até desenhei. Fiz ajustes, apaguei e refiz. Depois de algum tempo, assoprei o que ainda sobrava de borracha na folha e levantei o caderno até a altura do rosto. Estava pronto.
Havia uma garrafa com um bilhetinho com os dizeres:
Drink me.

Sem perceber, desenhei uma das famosas partes da história de Alice. Alice.
O que me lembrava Júlia. Porra, até não pensando, eu penso nela.
Confuso pra caralho.
Escondi minha obra prima, fechando o caderno. Júlia estava sentada no lugar de sempre, última cadeira. E o resto da galera já estava lá, esperando o professor Gerard.
Não tive coragem de olhá-la. Sentia uma mistura de raiva com vontade de falar com ela. Era tudo junto, muita coisa rolando.
Quem ela pensava que era pra falar do jeito que falou comigo naquele corredor bizarro?
A gostosona? Isso porque nem a gostosona de Westshefild falava comigo assim!
Ah, tá.
Mas eu queria muito conversar com ela.
Não costumava ser tão bipolar. Droga.
– Meus queridos, vamos às novidades! Quem já sabe o que vai fazer? – mas hein? Porra! Eu tinha me esquecido do projeto da detenção. Essa história de apostas e conquistas me levou ao esquecimento.
– Professor, decidimos fazer um mini-documentário sobre as novas redes sociais e como elas ajudam na mídia. – a loira gostosa de repente virou inteligente?
– Adam, algo pra nós?
– Por enquanto tá no papel, não quero dizer o que é. – ’táquepariu! Até o metaleiro tem um projeto? Tamo fodido!
– Maia?
– Oi?
– O que você e Júlia vão fazer?
– É... Sabe... Pensamos e achamos que talvez...
– Música. – Júlia disse, me salvando.
– Que tipo de música? – é, ju, que tipo de música? Olhei pra trás pela primeira vez e ela não me olhava. Valeu pelo valor, pô.
Momento de tensão.
– Rock, um cover. Fácil demais. – ju disse confiante como se fosse fazer sozinha.
– Isso. Cover, uma ótima ideia. – falei dando um sorriso amarelo.
– Muito bem, já que sabem o que vão fazer, quero que saiam e resolvam os últimos detalhes. A apresentação é na sexta, último dia de detenção.
E todos nós saímos.
Ao descer as escadas, vi ju indo pro mesmo corredor de mais cedo. O que essa menina ia fazer? Se encontrar com o loiro?
Do nada, fui atrás. Se desse merda, se me perguntasse o que estaria fazendo ali, eu daria uma desculpa ou falaria sobre o trabalho.
Tudo certo.
Desci as escadas a seguindo.

Adentrei o corredor e ainda não tinha visto Júlia. Fiquei nervoso, sabendo que haveria um confronto, uma conversa tensa. Enxuguei minhas mãos suadas na calça, dando um suspiro e andando mais rápido.
Júlia estava no banco, no final do corredor. A luz do sol em contraste com a pele dela em meio à escuridão a deixava com aspecto divino, como se fosse um ser de luz. Gostei disso.
Aproximei-me, sentando perto do banco, no escuro. No chão, encostei-me na parede fria, abracei os joelhos e fixei os olhos na parede oposta, pensando no que diria e como reagiria a uma possível atitude hostil da freak. A ideia de que ela poderia estar portando uma arma branca em sua bolsa me deu medo – porque até onde sei, galera desse naipe é capaz de tudo, até esfaquear um garoto gente boa e bonito como eu –, então resolvi que se algo desse errado, eu sairia correndo. Vai que a menina pira e quer mesmo me atacar com faca ou um soco inglês?
O bom era que no escuro ela não podia ver meu rosto, mas eu podia ver o dela. ju não podia ver meu nervosismo, minha testa enrugada de preocupação e a minha clara tensão.
– Me desculpa pela Samantha hoje. Ela não... – tentei começar me desculpando, achando que seria a melhor forma de iniciar uma conversa. Garotas gostam de ouvir desculpas.
– Tudo bem, já estou acostumada. – ao falar isso, ju ficou de lado, encostando-se na parede. – E aí, achou o caminho que procurava? – me perguntou de forma divertida, mas parecendo séria. De onde eu estava, via sua boca de baixo pra cima. E dude, uma das visões mais bonitas que já tive. Júlia tinha lábios delicados e rosados. Uma delícia.
A piradona tinha uma boca linda
Tive que falar, não me aguentei.
– Não sei, mas se estou aqui deve significar que posso estar, agora, no caminho certo. – disse um pouco envergonhado. ju fez cara de surpresa e um barulho estranho com a boca.
– Se você diz. – falou simplesmente.
– Quem era aquele cara de mais cedo? – decidi perguntar. Fiquei ansioso com a demora da resposta. Só queria saber quem era o loiro idiota, mais nada.
– Um amigo. – ju falou com descaso. Descaso? Só se for pra ela!
– Não sabia que amigo pegava na mão daquele jeito... – falei com certa raiva.
– Não? Aposto que você pega mais do que só nas mãos das suas amigas. – vi a sobrancelha de Júlia arquear. Bufei.
Mas ela tava certa.
– Do que você está falando? – preferi me fazer de desentendido.
– Jura que não sabe? Então deixa eu te contar. “OI, MEU NOME É FRED MAIA E EU SOU O MAIOR PEGADOR DE WESTHSHEFILD! SOU FODA, FIQUE COMIGO E TERÁ A MELHOR NOITE DA SUA VIDA!” Para de ser fingido e diz o que você é, pô! – Júlia gritou olhando pra mim, respirou ofegante e ainda me olhava tentando decifrar o meu rosto no escuro.
Porra, até ela sabia da minha fama? Claro. Acho que todas as pessoas daquela merda de colégio sabiam.
Pra conquistá-la, eu tinha que desmentir, negar. Me fazer de santo. Ela tinha que acreditar que eu não era assim. Se não, tchau cem libras e tchau linda moral com meus amigos.
– Eu nego. – falei simplesmente. Tentei passar confiança.
– Quê? Você nega uma coisa que é mais verdadeira que a gordura da diretora? – até ela riu um pouco da própria piada, mas depois continuou séria. – Tu fica lá todo serelepe quando vê uma menina, querendo catar, que eu sei! Todos sabem, Fred. A galera fala que você é o maior canalha daqui. Só assuma!
– De novo, eu nego. – ao me ouvir falar, Júlia fez cara de quem não tava acreditando no que tava ouvindo. – Eu fico indignado com isso! Só porque tem várias garotas atrás de você não quer dizer que você ficou com elas. Certo? O que falam sobre mim é uma puta mentira! – falei com voz de bravo. – Nem tudo é o que parece ser! Muitas querem, mas eu não fico assim tão fácil. – fingi que eu fazia cú doce pras meninas.
É melhor nem comentar essa última frase.
Cadê o prêmio de maior cara de pau daqui?
Tinha que ser confiante pra que Júlia acreditasse em mim. Se fosse pra botar meu passado debaixo do tapete só pra ficar com ela, eu boto.
Vale a pena, e a recompensa era tentadora.
Júlia tentou ver meu rosto, mas eu recuei com medo de que ela visse por trás dos meus olhos que eu mentia.
– E outra, você nunca me viu ficando ninguém do colégio. – continuei – Então eu nego até que provem o contrário. – mentalmente, agradeci ao tiozinho do almoxarifado por me dar as chaves de lá por míseras vinte libras.
Eu disse aquilo com toda certeza do mundo. Como se fosse um anjo, um puro. Mas ainda assim, estava tenso.
O silêncio me matava e a expressão de Júlia também. Ela não esboçava nada no rosto e isso estava me deixando nervoso.

– Olha, se quiser acreditar no que esse povo fala, beleza. Mas lembre-se que mesmo apesar do que eu sei ao seu respeito, estou aqui, querendo ser seu amigo. – decidi falar, quebrando o gelo, engolindo em seco. Torres arqueou a sobrancelha e finalmente virou seu corpo todo em minha direção.
Deu um leve suspiro, como se fosse vencida. Será que amansei a fera?
– Eu sei que não sou ninguém pra julgar, mas sou tão medrosa em relação às outras pessoas, ao mundo e principalmente avocê... Sou mais estranha do que pareço ser. Tenho medo de você, um dia, fazer alguma coisa na frente dos seus amigos pra me humilhar. – ju era a pessoa mais surpreendente que eu conhecia! Num momento estava lá te mandando à merda, falando que você é um puta canalha e agora tava se desculpando e se explicando. –Sou desconfiada, tenho certeza que é do signo, ou talvez não... Eu não sei! Vai que é o meu ascendente...
–Júlia! Podemos voltar ao assunto? Eu não to aqui pra pegar uma peça em você e te humilhar! O mundo não gira ao seu redor. Eu só quero ser seu amigo, ter uma boa socialização. Você acha que ia fazer essa merda de trabalho com o assassino do Adam, ou o nerd do Philip ou a burra da Denise? – eu ia falar boazuda da Denise, mas não ia ficar legal – A única pessoa com rosto “conhecido” era você. Me desculpa pensar assim! – ia me levantar pra ir embora, pra mim o assunto já estava morto. Se ela queria deixar assim, em aberto, por mim tudo bem. Eu não queria ficar me desgastando, me explicando até a alma.
Senti uma mão no meu ombro.
– Desculpa mais uma vez. – ouvi sua voz suave – Eu não costumo ser assim, mas é que você é diferente de tudo o que eu conheço. – essa frase me pegou de jeito. Engoli em seco. – Amigos? – ela estendeu a mão. Seu rosto tinha um sorrisinho de lado.
Sem nem pensar duas vezes, apertei sua mão e lá vinha o calor com o arrepio na espinha, mas agora tinha algo novo: coração acelerado.
– Olha, pra você ver como eu estou bem com a nossa amizade, quero te chamar pra ir hoje lá em casa, resolver a parada do trabalho. Você quer? – ela perguntou com jeitinho de menininha, coisa que nunca vi Júlia ser.
– Tudo bem.
Então ia ser assim? Uma hora estávamos brigando por uma coisa, e depois estávamos fazendo as pazes e combinando de ir pra casa do outro? To começando a gostar da minha nova amiga.

Júlia:
– Chama a NASA que eu quero voltar pra Terra! Como assim ele vai pra sua casa? – Cris gritava no telefone. Ela e seus exageros.
– Nós só vamos resolver o que vamos fazer no projeto da detenção. Só isso, entendeu?
– Mas vamos imaginar... Primeiro ele chega, você faz a simpática, aí conversam sobre qualquer coisa, vão pro seu quarto pra ficar mais à vontade... Papo vem, papo vai, os dois olham pra cama, Fred te puxa, cai em cima de você, tasca um beijo de novela, você poderosa enrosca seus dedos na nuca dele e fim. A estranha com o cara mais gato do colégio. Lindo!
– Já acordou? Não, porque você só pode estar sonhando! Cris, ele nunca vai querer ficar comigo! Disso eu tenho certeza. – falei mais pra mim do que pra ela. – Eu não faço o tipo dele.
– Amiga, eu sei que é cedo pra falar. Admito que estou exagerando um pouquinho, mas cara, se ele por acaso der uma chance, nem que seja mínima, pegue. Arrisque. Você merece.
– Não sei, acho que você tá se precipitando. – falei coçando a cabeça.
– Eu posso estar sendo precipitada mesmo, mas acredito que as coisas não acontecem por acaso. – senti que Cris falava com sinceridade. – Amiga, você mais do que ninguém merece um amor novo, uma pessoa nova na vida. Se liga!
– Para de dizer essas coisas. Cris, eu tenho medo. Eu não quero gostar dele, você sabe que eu me apego fácil... Não quero isso pra mim, principalmente com ele. Por Fred ser assim, mulherengo. E mais, ele nunca vai querer ficar comigo. – disse me olhando no espelho. Eu tava com uma máscara de pepino no rosto, o cabelo preso em um coque, roupas folgadas e precisando tomar um banho. De que jeito um cara como o Fred ia querer ficar com uma menina assim?
Oi, estou em crise.
– Júlia, relaxa e seja você mesma. Tudo vai dar certo. – Cris, minha querida amiga, falou me confortando – Olha, vou desligar porque minha mãe quer usar o telefone. Me promete que vai pensar no que eu disse sobre o Maia?
– Prometo. Tchau, amiga.
–Tchau. – desligou me deixando mais tensa que antes. Passei pelo espelho, fiz uma careta horrorosa, e subi as escadas.
Eu tinha que ser eu mesma. Eu quero ser eu mesma.

Fred:
Abri a geladeira pra pegar uma cerveja. A sede tava me consumindo. Meus amigos estavam jogando PS3 na sala como fazem quase todos os dias. Todos tiraram as blusas do uniforme, ficando de jeans.
Os guys tinham essa mania – assim como eu – de chegar jogando os tênis na sala e indo pra cozinha comer alguma coisa que a Mary, a única mulher que realmente amamos, deixou. E sempre era uma coisa deliciosamente boa.
Mary era nossa secretaria – não curto chamá-la de empregada! Ela fazia o melhor bolo de chocolate. Quase todo final de semana ela deixava a delícia em cima da mesa. Mary reclamava de nossa bagunça, mas amava arrumar. Ela era perfeita.
Sentei no sofá preto de couro da sala com a minha Stella Artois na mão, esticando as pernas pra apoiá-las no centro de vidro.
– Devia ter pegado uma pra mim, dude. – Guto disse sem tirar os olhos da TV.
– Você não pediu... – dei de ombros. Guto e Harry jogavam e soltavam palavrões uma hora ou outra. Davi dormia no outro sofá e eu coçava o saco.
Coisa de macho.
– Er... Vou à casa da Júlia mais tarde. – falei, e imediatamente o jogo parou. Os dois me olharam com cara de espanto.
– Você vai ter coragem de ir lá? – Harry perguntou assustado.
– Vou, ué. Temos que decidir a música que...
– Como é que é? Você vai à casa da Família Addams e tá tudo normal? – foi a vez de Guto perguntar. – Quero meu Fred de volta, devolvam! – falou olhando pro teto.
Doente. Dei um dedo do meio pra ele.
– Dude, cuidado com os pentagramas invertidos, paredes que queimam do nada, e se ela perguntar se você quer beber alguma coisa, pelo amor de Deus, não beba!
Eu ri.
– Qual é a graça? – ouvimos a voz sonolenta de Davi. O cara sentou no sofá preto ainda com cara de sono, coçando a bunda.
O Fred vai pro castelo sombrio! – Guto disse.
– Não entendi.
– Fred vai pra casa da ju, a sombria, a mina que toca o terror, a prima d’A Órfã, a mina... – Hazz ia falando quando eu o interrompi.
– Tá, gente! Ela pode ser esquisita, mas vamos dar um crédito! Até que ela é gente boa, e é meio diferente das meninas que a gente conhece... – passei a mão no cabelo.
– Mas o quê? Maia tá gamadinho! – Davi falou.
– Já tá misturando as coisas, Fred? – Harry perguntou.
– Eu não estou misturando nada. Só to falando o que sei. A menina é diferente, porra, só isso. – dei um gole na cerveja.
– Diferente ela é mesmo. Aquilo ali é mais estranha que qualquer filme do Tim Burton. – Guto disse dando play no game.
– Ei, seu ladrão! – Harry gritou e depois deu pausa – Eu só quero dizer, cuidado pra não misturar as coisas. Isso é uma aposta. Um jogo. Pessoas saem ganhando e outras saem perdendo. E eu, como seu amigo que inventou isso tudo, não quero você machucado. – disse com ar protetor.
– Machucado? Eu? Caras, eu tenho controle de tudo, sei o que eu estou fazendo. Tenho noção do que pode acontecer. Estamos falando de Júlia Torres, a menina mais esquisita do colégio! Nunca vai ter algo a mais a não ser a aposta. Eu não costumo gostar das meninas que fico, elas que gostam de mim depois que pego. É o mel. Só quero ver Júlia dar os pulinhos dela pra superar a perda disso aqui. – falei gesticulando para o meu corpinho.
– Se você diz... Agora calem a boca, quero voltar à minha sonequinha da tarde. – Guto voltou a se deitar, fechando os olhos e caindo no sono em apenas cinco minutos.
– O dia do Juízo Final chega e ele vai continuar dormindo! – Guto disse – Mas sério, cuidado com os possíveis monstros.
– É sério que você tá falando isso? – eu não acreditei.
– Claro que não. Mas pensar em você sozinho com ela me dá medo.
– Oh, que bonitinho! Vem cá pra eu te dar uns beijinhos! – estiquei os braços, o chamando.
– Sai, seu gay! Porra, Harry, vai jogar ou tá difícil? – Guto apertou mais uma vez o play.
– Seu corno! Tu que morrer na minha mão, depois não diz que não avisei. – e os viciados me esquecerem e voltaram a jogar.
– To subindo! – avisei, indo até as escadas com a minha garrafa de cerveja na mão.
Entrei no quarto e deitei em minha cama, vendo meu pôster do House, umas das minhas séries favoritas. Coloquei a garrafa no criado-mudo de madeira escura. Fiquei pensando na conversa com Júlia.
E mais uma vez, eu tinha certeza de duas coisas.
A primeira era que Júlia podia ser uma fúria, uma louca que vestia preto e escutava música com gritos. E a outra, era que eu odiava Mike.
Sim, isso mesmo.
ju falou de sua amizade não compreendida por mim. Tava claro que aquele loiro sem sal era louco por ela. O cara a comia com os olhos toda vez que ela se aproximava dele. E como eu sei? Bastava ver a ceninha de mais cedo pra ter certeza. Júlia me falou que ele era muito importante em sua vida, que tudo o que ela é hoje, é por causa de Mike.
Obrigado, Mike, por transformar uma menina bonita num pequeno monstro do rock.
Ela não disse muita coisa dele. E nem precisava. A escola fofoca, e o que eu soube desse cara não foi muito legal.
Suspirei.
Júlia falava dele com idolatria e um brilho nos olhos que me incomodava.
Eu odiava aquilo.
Cobri-me com o lençol das Tartarugas Ninjas e fechei os olhos. Tava morto de sono. Louco pra dar aquela cochilada antes de ir pra casa da mãos-de-tesoura.

18h30min. Tava muito atrasado.
Vesti minha calça, uma camisa xadrez por cima de uma camiseta preta e calcei meu Vans preto. Também coloquei uma touca.
Celular, cigarro, chaves do carro, perfume, cd do Blink. Tudo pronto, partiu pra casa da Torres.
Desci as escadas correndo como louco, e vi meus amigos no mesmo lugar que os deixei.
– Vocês não têm o que fazer? –perguntei colocando a mão na maçaneta – Acho que tínhamos uma banda e que a precisávamos ensaiar e compor, não acham?
– Depois dessa merda de aposta, você esqueceu da gente,Fred. Nunca mais ensaiamos. – Guto falou com voz manhosa e eu ri.
– Calma, amor. Quando eu chegar, vou te dar o carinho que você merece. – pisquei pra ele, e saí rumo ao castelo das trevas.

Dirigi ao som de What’s my Age Again do Blink. Batendo os dedos no volante ao som da música, virei à direita. Vi um coreto.“Assim que vir o coreto, ande mais e passe três casas. A quarta é a minha.” Lembrei de Júlia me explicando e fiz o que ela disse.
Parecia um jogo de tabuleiro.
Parei frente a uma casa branca de porta verde. Tinha uma árvore no meio da grama. Até que a casa, pelo menos por fora, era normal.
Respirei fundo,tentando espantar o nervosismo por estar na casa da mina mais estranha da escola. Imagina o que rolava ali. Paredes com passagem secretas, cabeças de caras como eu pregadas na parede, fotos assustadoras... Pentagramas invertidos e altar pro lá de baixo.
Eu tava me cagando de medo.
Criei coragem, batendo na porta. Era isso, se eu tivesse que entrar na casa da Família Addams, essa era a hora.
Ninguém atendeu.
Bati mais uma vez. Depois de dois minutos, ouvi um “já vou”. Minhas mãos começaram a suar. Enxuguei-as na calça, respirando fundo outra vez. Júlia abriu a porta e eu não acreditei no que vi.
A menina estava com um coque, short de pijama de zebrinha – um pouco curto – e uma blusa masculina do Guns a engolindo.
Ela estava hot.
– É assim que você recebe os amigos? – dei ênfase à última palavra.
– Não interessa! – Júlia abriu mais a porta pra me deixar passar. E mais vez eu estava suando na porra nas mãos.
A hora da verdade. Entrei nervoso, atrás dela. Pude perceber em sua nuca uma tatuagem.
Tatuagem? A mina tem uma tatuagem? Momento de alegria. Sabe, meninas com tatuagens são hot. Até demais.
Cerrei os olhos pra tentar entender o que era o desenho, mas não consegui. Júlia se virou pra mim.
– O que foi? – perguntou. Acho que eu estava com cara de bunda por causa da tattoo.
– Ah, nada.
–Senta aí, volto já. – assenti e sentei no sofá marrom de couro. Dei um giro pela sala e até agora nada de paredes pegando fogo, mãozinhas andando pelo chão e nenhum Tio Chico veio me cumprimentar. Tudo estava normal.
Era uma casa como outra qualquer.
Isso me decepcionou. Tanto medo pra nada?
Me levantei, parecendo um explorador em território desconhecido. Fui até onde ficava a TV, o DVD e algumas fotos. Vi uma em que Júlia era bebê e usava um biquíni roxo com chapéu da mesma cor. Tava engraçada e fofa. Ok, essa última palavra fica entre nós.
– É, tá bom de ver minhas fotos, chega. – ju me puxou.
– Ah, não! Que coisa mais fofa! Olha, nessa ela tá de biquíni roxo. Que bonitinho! – falei apontando pra foto. E o pior, o biquíni tinha babados. Hilário, porém fofo – E ainda tem babadinho! Meu Deus! A Júlia já vestiu uma cor que não fosse preto! E ficou bonita! Precisa usar mais cores, viu! – falei bagunçando seu cabelo e tirando seu coque.
– Para, Maia! Eu vou ficar com vergonha! – a menina corou. E ela ficava bonita assim, corada.
– Tá bom. Vamos logo pro teu quarto resolver o negócio do cover.
– Nossa, como você é sutil. Querendo ir logo pro quarto, que rápido. Mal chegou e já quer ir lá. Pensei que ainda tinha o lance de me persuadir.
– Você não viu nada...
– Ainda fala que não é pegador.
– A nossa conversa de hoje não adiantou nada? – perguntei sem humor. Na moral, essa história de pegador já tava enchendo o saco.
Vocês, meninas, são chatas quando insistem numa coisa. Sério mesmo.
Júlia não disse nada e subiu as escadas esperando que eu fizesse o mesmo. Subi de dois em dois degraus, ficando ao seu lado no final das escadas. Ela me olhou com um sorrisinho torto e andou até a última porta do corredor.
Seu quarto.
Engoli em seco só de pensar que eu, Frederico Maia, que provavelmente entra em mais quarto de meninas do que qualquer outro, estava morrendo de medo de entrar no de uma que não significava mais que uma aposta.
Mas que representava mais do que eu pudesse imaginar.
Júlia abriu a porta lentamente e entrou no quarto.
– Não vai entrar? –perguntou como se tudo estivesse normal. Estava. Mas por que eu estava surtando?
– Ah, claro. – entrei de uma vez. Que quarto era aquele? Eu esperava de tudo. Pentagrama invertido, paredes pretas e sinais de revoltas de uma adolescente em crise...
Mas não isso.
O quarto de Júlia era como o de qualquer garota, só que com mais personalidade. Havia um pôster dos Ramones na parede ao lado da cama, uma prateleira cheia de livros e em cima, um sabre de luz. Sabre de luz? Caralho! Em sua janela, havia uma cortina clara com desenhos de caveirinhas roxas, combinando com as paredes. Em uma das paredes, um pôster da nossa querida rainha com os olhos e a boca vendados, com os dizeres “God save the Queen”, referência do Sex Pistols. Em outra parede, pichado na cor preta: “Do it yourself”. Suas roupas estavam no chão, e a toalha da Pequena Sereia (acredite se quiser!) estava em cima da cama.
Ali certamente era um espaço onde Júlia podia ser ela mesma, sem julgamentos e olhares atravessados das pessoas que se diziam populares, ou seja, meu grupo. O quarto era a maior prova de sua personalidade.
Ele explodia Júlia, entende? Tinha partes dela por tudo, cada pedacinho era a cara da menina à minha frente.
Vi sua bateria e fiquei impressionado. Então era verdade que ela tocava?
Era enorme. Acho que quando ju a tocava, ficava escondida no meio de tanto prato. Tinha um coração vermelho sangue no bumbo.
– Que bateria! Harry precisava ver isso! – fui todo animado em direção ao instrumento. Bati em seus pratos e tentei sentar em seu banquinho.
– Vou buscar algo pra beber, tá? – Júlia falou indo até a porta.
– Beleza. – nem vi a cara dela. Tava empolgado com a bateria fodona.
Sentado no banquinho, vi um mural de frente pra bateria em cima na mesa do computador.
Algo me intrigou.
Fui até lá, como quem não quer nada, e vi suas fotos e alguns recados. Em uma das imagens, Júlia estava com as amigas bebendo que nem louca. Em outra, o boiola do Mike.
Mike, de novo.
Nessa foto, ju fazia careta e recebia um cafuné do cara. Ridículo.
Por um momento, senti inveja e uma súbita vontade de arrancar aquela foto dali.
– Algum problema? – ju voltara com dois copos na mão.
– Não. Legais essas fotos. – comentei apontando pra algumas fotos, menos aquela. – Valeu. – agradeci quando ela me deu um copo de Coca.
– Ah, elas são legais mesmo. A maioria foi tirada em festas, shows. Só loucura. – Júlia falou com uma naturalidade interessante.
Não, minha querida, não quero saber das suas festas e shows loucos, e principalmente QUANDO MIKE VAI!
Me acalmei.
Peguei o copo, o cheirando pra ver se era Coca mesmo. Ela ia me dar bebida? Vai que ela me envenena e depois presenteia o Capeta com o meu corpo?Ai.
Eu pensei que se não tomasse ia ficar chato, então sem pensar duas vezes, bebi alguns goles. Júlia sentou na cama com perninhas de índio, tomando sua Coca. Colocou o copo entre as pernas, desprendeu os cabelos e por fim, refez seu coque.
– Gosto do seu cabelo solto. – falei sem pensar, mais pra mim que pra ela, em transe com seus movimentos. Pode parecer besteira, mas ela tinha um jeitinho especial de prender os cabelos que me deixava louco.
– Hã?
– Nada não.
– Você veio pra minha casa só pra falar “nada não”? – ela fez uma imitação péssima da minha voz, mas até que ficou bonitinha.
– Não.
– Você só sabe falar não?
– Não. – eu ri.
– Eu sou estranha, louca, drogada, encrenqueira, tosca, perdida na vida e lésbica? – ela levantou a sobrancelha.
– Não. – continuei com o jogo.
– Eu sou bonita?
–Sim.

Júlia:
PUTA QUE PARIU!
O que Frederico Maia acabou de dizer? Como assim, gente? Morri, faleci, estou vendo anjos e dando um hug of the bear em São Pedro.
O fato é que eu perguntei a Fred se era bonita e ele simplesmente disse que sim!
Fiquei calada enquanto fogos de artifício estouravam dentro de mim e Fred também não falava nada.
Eu jurava que ele ia dizer não, porque era uma brincadeira, mas falou mais sério do que das outras vezes. Seus olhos me fitavam com tanta seriedade que eu fiquei com medo da intensidade da parada.
Juro, se meu coração tivesse pernas, já teria saído de mim e dado pulinhos de alegria.
E, do nada, ouvi uma risada.
Uma risada nervosa, constrangedora.
Eu fiquei com cara de cú, sem entender.
– Por que você está rindo? – perguntei com toda coragem que me sobrava.
–Nada, é que você ficou séria. Essas brincadeiras são tensas. – ele falou tocando a porra da bateria com um sorriso amarelo.
Vamos pensar. Quando eu perguntava coisas, ele dizia não, e quando questionei a principal das perguntas, ele responde do jeito que eu quero e depois diz que é brincadeira.
Então, a parada de me achar bonita era brincadeira.
Tava bom demais pra ser verdade.
Respirei fundo, tentando achar chão. Acabo de descobrir que o cara que é meu suposto paquerinha não me acha bonita, e isso me deixa nervosa.
Mas eu sou forte.
– O que vamos tocar? – mudei de assunto antes que caísse no choro e o mandasse embora. Queria empurrá-lo, bater nele e expulsá-lo do meu quarto, da minha casa, do meu mundo.
Cara, mas quem eu era? Uma menina com problemas até à cabeça, que dava chiliques e ainda por cima não tinha o padrão de beleza apropriado.
Quem, em sã consciência, ia querer algo comigo? Acho que Fred tinha pena de mim, na moral. E por isso afirmou quando eu perguntei se era bonita.
Coitada de mim, sobrevivendo da pena dos outros.
– A gente pode tocar Beatles. – falou com a voz calma enquanto eu morria por dentro.
– Não. Muito batido. – disse seca e o idiota não percebeu. Fred estava sentado no banquinho da bateria. Tentou tocar Mr. Postman, dos Beatles, sem sucesso. – Ainda bem que quem vai tocar bateria sou eu. – tentei fazer piada. Fred, no mesmo instante, parou.
– É que o Harry não me ensinou a ter coordenação motora na bateria. – falou coçando a nuca com a baqueta na mão.
– To vendo.
– A gente pode tocar uma da minha banda.
– Não,não vamos tocar nada do McTry,vai demorar pra eu aprender, e...
Mcoquê?
– McTry. Não é assim que a sua bandinha se chama?
– Correção: a minha banda. E não, não é assim. É McFly. – ele pareceu ofendido. – Como você não nos conhece? Todo mundo sabe do nosso som no colégio.
– Eu conheço, só não gosto.

Fred:
Outch.
O que deu nessa menina pra me tratar assim?
Até a parte da brincadeirinha de “não”, tava tudo bem. Quando ela me perguntou se eu a achava bonita, claro que eu não ia responder “não”. Primeiro porque ia ficar chato, e segundo porque era mentira.
Eu a achava bonita
Mas aí, eu com meu jeito babaca de ser, comecei a rir que nem um idiota
Óbvio que ju não gostou. Claro.
Por que eu ri? O que eu tinha na cabeça pra rir?
Eu tava nervoso, com vergonha. Não sabia como agir.
Hoje, vi que ela era mais bonita quando não usava maquiagem pesada e esmaltes pretos.
Júlia me surpreendia. E eu estava amando aquilo.
Outra coisa que me surpreendeu foi o fato dela não gostar da minha banda. Beleza que ju tinha um gosto peculiar, mas porra, nós fazíamos um som maneiro, que agradava todo mundo.
Pelo visto, só não agradava a ela. Bom saber.
– Então, senhora que não gosta da minha banda, o que vamos tocar? – falei tentando fingir que nada aconteceu.
– Sei lá, a gente pode mandar um Oasis. – ju ainda estava seca e séria. Também, eu acabara de deixar subentendido numa brincadeira idiota que não a achava bonita.
– Pode ser. Que música?
– Dude, tem uma que eu amo! Vou te mostrar. – ela saiu da cama e foi sentar na cadeira do computador. Acompanhei suas pernas e bunda até ela sentar. Engoli em seco. Aquele short de zebra era tentador. Respirei fundo tentando me controlar.
“Maia, vai com calma. Já, já isso vai ser seu.” Pensei comigo mesmo.
– Olha, é essa. – então, a menina gostosa (descobri que ela era mesmo) colocou a música pra tocar. Era The Masterplan. – É uma das minhas preferidas. A música fala de se orgulhar e não desistir do que se realmente quer. E aí, rola?
– Gostei. Mas você não acha que vai ser difícil tocar só com guitarra e bateria? – [n/a: gente, se for o Dougie, ele aqui toca guitarra, tá?]
– Não, é só fazer a base e eu te ajudo nas viradas. Ou pode ser ao contrário. Vai ficar interessante, Maia! – vi um sorrisinho de empolgação em seu rosto.
– Júlia, a gente pode parar com sobrenomes? Isso cansa. Maia é meu pai. Eu vou te chamar de ju e você vai me chamar deFred.
– Isso seria uma ordem? – me perguntou de modo engraçado.
– Sim, é uma ordem. E ai de você se não obedecer.
– Juro, estou com medo. Se você faz tanta questão que eu te chame de Fred, sem problemas. Tudo pra não sofrer as consequências. – ela falou se virando pro computador e mexendo no mouse. Vi um risinho em seu rosto.
Ufa, menos mal.
– Certo. Vai ser essa música mesmo? – perguntou quando a música parou de tocar.
– Sim, só se você quiser mudar... – falei, me levantando do banquinho da bateria.
– Não.
– Ah, maluco! Seremos os White Stripes mais sexies e descolados.
– Fred, eles acabaram! – ela bateu na minha testa.
– E daí? Seremos mais sexies e mais descolados do mesmo jeito. – falei como se fosse óbvio.
– Doente.
– Bom, ju... – ela arqueou a sobrancelha, achando estranho eu a chamar pelo apelido – Tenho que ir. Amanhã a gente se fala? Eu posso levar o violão, o que acha?
– Por mim beleza, temos pouco tempo pra ensaiar... Dois dias.
Verdade, tínhamos que correr contra o tempo.

Júlia:
Levei Fred – agora vou chamá-lo assim, porque ele quer – até a porta. Ele parou no batente.
– Te vejo amanhã. Boa noite. – olhei em seus olhos e vi a conhecida intensidade deles. Ele era intenso até dando boa noite?
Assim eu não agüento!
Fred me surpreendeu colocando a mão em minha nuca, me puxando para a frente e fazendo, assim, minha testa colar na dele.
E me deu um beijo.
Fechei os olhos no mesmo minuto, sentido uma descarga elétrica. Minhas pernas formigavam e eu me esquecia de respirar.
Quando saiu de perto, quase reclamei por mais.
–Tchau, Fred. – falei baixinho. Ele deu uma piscadela e se afastou até seu carro.
E se foi.
Fechei a porta me encostei na mesma. Deslizei até o chão como um verme.
A risada dele estava ecoando em minha cabeça. Ria de mim, da minha beleza ou da falta dela. Ótimo.
Fui eu mesma a noite toda. Roupas normais, as que sempre uso em casa. Usei o cabelo com um coque folgado, falei de músicas que gosto. Fui eu mesma o tempo todo, e ele, na parte mais importante, riu da minha cara.
Torci pra que ele fizesse as coisas que Cris me disse, quando entrou no quarto. Até sentei na cama pra ver se ele se animava. Porra, que frase pervertida.
Eu não entendo.
Coisas assim me desanimam.
Fiquei deitada no chão, de barriga pra cima, olhando o teto. Por um momento, quis ser outra pessoa. Estar em outro corpo, ser bonita. Me levantei.
Fui até o espelho do banheiro. Olhei pro reflexo. A mesma menina que tinha tudo resolvido em sua cabeça, suas ideias, pensamentos, sentimentos... Tinha mudado.
Eu não era a mesma Júlia de hoje de manhã.
Acho que estava perdendo um jogo contra mim mesma, não querendo assumir o que já tinha tomado conta de mim.
Eu estava perdida.


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