Kit Black: Viajantes De Mundos escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 28
O dia do acerto de contas.


Notas iniciais do capítulo

Tenham todos uma boa leitura, e obrigado por chegarem até aqui!



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Crós sentia o ferimento latejar enquanto se colocava atrás de uma construção caindo aos pedaços. Mantendo as mãos sobre o mesmo, apertou-o para estancar o sangramento e dirigiu seu olhar para Hiei e Mitaray, a sua frente.

–Por que não faz um feitiço de cura? -perguntou o primeiro, obviamente preocupado. -Sabe que se usar uma magia forte com um ferimento desses pode ser letal.

–Não me subestime, meu caro, não sou um mago tão medíocre assim. -ele sorriu com certa amargura, fazendo uma careta de dor. O suor escorria por sua testa, ele não estava acostumado a lidar com aquele tipo de ferimento, afinal sua magia era poderosa o suficiente para rechaçá-lo. Amaldiçoou-se algumas vezes por ter sido pego desprevenido. Os cabelos de cor escura estavam soltos com toda aquela afobação, e as orelhas felinas assumiam uma posição em pé ouvindo ruídos mais próximos. -Espero que aqueles dois fiquem bem.

–Vão ficar... aquela garota problemática já devia estar esperando por muito tempo. -Hiei alegou, enquanto Mitaray modificava sua expressão para algo que beirava a preocupação, embora fosse bem sutil. Ele parecia ter recuperado seu auto-controle, por hora.

–Deveras... faremos nossa parte, então. De que precisa para o ritual? -o rapaz de cabelos claros voltou a fitar o mago, interrogativo.

–Tenho tudo que é necessário comigo. Precisarei apenas de cobertura.

–Espero que não precise de um caixão quando tudo acabar, você está péssimo. -zombou Hiei, e de alguma forma aquilo aliviou um pouco a tenção que estava no ar. Mesmo que fosse uma piada de péssimo gosto, era dificil ficar zangado com aquele garoto. Mesmo sabendo que seu humor estava mascarando um sentimento de impotência.

Eles voltaram a ouvir o barulho de ossos batendo uns contra os outros, e viram com certa antipatia que um grupo de esqueletos havia escalado a construção atrás da qual se escondiam, e agora começavam a cair lá de cima, indo para cima deles. Mitaray e Hiei se intrometeram na frente de Crós. O primeiro começou a cortar os inimigos, fazendo-os desaparecerem com facilidade. O segundo, portando seu bastão de aparência bizarra, parecia muito contente em usá-lo como uma verdadeira maça e arrebentar crânios, ou jogá-los de um lado para o outro. No entanto, para cada inimigo abatido, apareciam mais dois para ficar em seu lugar, tornando aquilo um círculo vicioso, que ficava pior a cada instante.

–De onde eles estão vindo?

–Não sei... mas se continuarmos assim teremos problemas. Mesmo que os esqueletos parem de aparecer, ainda tem muitos corpos. -Mitaray girou o corpo e passou a foice de maneira que partisse pelo menos três esqueletos ao meio, o que não era dificil, com todo o tamanho daquela arma assustadora. -Gaia pode resolver usá-los.

–Ele pode criar zombies também?

–Teoricamente, se tem poder para trazer o espirito a partir dos ossos...

–Ta ficando cada vez mais legal. -foi o protesto de Hiei, lançando um olhar para trás para ver como Crós estava. Ele já começara os preparativos, mas mantinha uma aparência acabada, aquele feitiço estava exaurindo-o muito mais do que o normal. Estava suando frio, e dava para reparar em sua respiração descompassada mesmo daquela distância.

–Ele parece pior... aquela flecha...

–Mesmo que ele tenha alegado que não estava envenenada. -Mitaray parou um momento para pensar, mesmo que seu corpo continuasse a se mover. -Talvez estivesse amaldiçoada. Haradja tem magos negros do seu lado, seria possível.

–Se for uma maldição temos que tirá-lo daqui antes que ele acabe consumindo-se!

–Não acho que isso vá acontecer, mas... será infinitamente doloroso para ele. -saltou, descendo a foice em mais uma linha vertical, atingindo vários esqueletos em seu caminho. -Não podemos pará-lo, no entanto. Se Gaia não for selado, vamos ser massacrados.

Os dois recuaram uma vez mais, juntos, os ombros emparelhados. Estavam também suando, mas por causa do esforço para manter o mago a salvo. Hiei voltou a girar seu bastão, segurando-o paralelo ao seu corpo desta vez. -Mesmo sendo a gente... contra essa quantidade de inimigos não dá para fazer frente.

–Não devemos deixar que a história se repita, Hiei.

–Não. De jeito nenhum. -ele ainda se lembrava do amigo de infância, Ézio, o terceiro caçador, cujo corpo fora tão ferido no último embate que desde então precisou ser acolhido mais uma vez pela Mestra. Dona Morte velava-o em seu reino, dia após dia, esperando que reabrisse os olhos. Quanto mais tempo se passava, mais a expectativa de voltar a vê-lo acordado ia desaparecendo. Mesmo assim, ainda havia um fio de esperança. Que os três iriam lutar lado a lado de novo.

–Mesmo assim uma ajudinha viria muito bem a calhar. -o rapaz completou, suspirando, e descendo seus bastão com força no crânio de um esqueleto, espatifando-o com a pressão. Antes que o parceiro pudesse alegar algo em resposta, porém, ouviu-se um silvo cortando o ar. Intuitivamente, os dois abaixaram as cabeças ao mesmo tempo, escapando por pouco de serem decapitados por algo que lembrava muito uma bala de canhão.

–Deuses...

–E essa agora? -Hiei endireitou-se, virando na direção que achava ter vindo o tiro e deparando-se com o vulto de um grande navio de velas negras. A cidade principal de Vadolfer ficava a uma distância pequena do litoral, suficiente para entrar na mira de um bombardeio. -Cara... eu reconheço aquela vela de algum lugar...

–Alguém ai falou algo sobre uma ajuda? -questionou uma voz vinda da mesma direção. Por entre a poeira deslocada pelo tiro, surgiram dois rapazes de aparência completamente distinta um do outro. Um garoto pálido de cabelos azuis e olhos amarelados, com um óculos de sol preso à camisa simples que usava e uma expressão que denotava um eterno mau-humor. E um outro moreno, com cabelos loiros e olhos verdes, zombeteiros. Este último fora o que falara, e agora desembanhava uma espada, enquanto a mão livre buscava no coldre do lado oposto da cintura uma pistola de aparênca antiquada. -Porque estamos sabe... sem nada pra fazer.

–Eu diria que é tudo parte do contrato. -o outro afirmou, com sua voz irritada. -Vou começar a exigir um aumento daquele Senhor do Palácio de Granito folgado...

–Nicolas mandou-os aqui? -Hiei perguntou, mais por impulso do que por esperar uma resposta. Mitaray, no entanto, apenas ergueu uma sobrancelha.

–Decidam-se se estão aqui por causa do dinheiro ou por outra razão...

–Um pouco dos dois. -admitiu Ed, mirando a cabeça de um esqueleto com a pistola e explodindo-a com facilidade. Ele logo voltou a se reorganizar, mas aquilo não era especialmente um problema. Afinal tinham Caçadores da Morte lutando ao lado deles.

–Temos que ganhar a vida de algum jeito, não é? -a espada de Laurent desceu com potência em cima de um inimigo que tentava agarrá-lo pelo lado direito, fazendo os ossos se soltarem um dos outros. -Lyra vai ganhar tempo com os bombardeiros. Nós dois vamos mantê-los afastados o suficiente, o resto é com vocês.

Nesse mesmo instante Crós já havia ajoelhado-se no chão, com o medalhão rubro descansando entre os joelhos e ambas as mãos espalmadas contra o chão. Uma esfera, feita de linhas de tom azulado havia se formado ao seu redor, e ela pulsava como um coração, expandindo-se e retraindo-se de maneira ritmada e lenta. De olhos fechados, o feiticeiro tentava esquecer-se da dor que o consumia e ditava palavras estranhas em um tom baixo, mas decidido. O selo estava quase completo.

Ele era mais rápido que parecia, tanto quanto aqueles dois se lembravam, talvez até mais. A convivência com Haradja tornara Driguem, que já tinha a predisposição para o assassinato, uma criatura quase perfeita. Apesar de ter sido mandado para longe por Hiei em Soledad, ele estava em ótima forma. Mesmo tendo que lidar com dois inimigos ao mesmo tempo, não parecia nem suar. Havia livrado-se temporariamente do seu arco e agora lutava com um par de lâminas, o que facilitava na hora de defender os ataques de Kira e Ken.

–Parece que alguém andou treinando. -alegou a garota, imprimindo velocidade de movimento com as asas, descendo a ponta da espada sobre sua cabeça. Seu irmão contornava pela direita pronto para acertar um golpe no abdomem de Driguem. Ele foi mais rápido, porém, erguendo uma das espadas para bloquear Kira e atacando rapidamente com a outra, o que fez Ken parar sua estocada para se defender. Os três trocaram golpes novamente, mais uma vez, e mais outra. A velocidade de ataque ia aumentando, mas o único oponente ainda era mais veloz, ele parecia saber exatamente onde as armas dos irmãos iriam atacar antes mesmo que isso acontecesse. Estava prevendo seus movimentos com perfeição, mas em um dado momento ele descreveu um arco com as espadas, afastando-os com a pressão do golpe e fingindo enxugar a testa com a parte de trás da mão.

–Eu sou um desocupado, tenho bastante tempo sobrando para isso. -ele finalmente respondeu à indireta de Kira, com um sorriso cínico no rosto. -E também... vocês não acham meio injusto essa luta de dois contra um?

–Mentiroso!

–Isso é muita hipocrisia vindo de você. -Ken continuou o comentário de insatisfação da irmã.

–Ora, vocês me deixam ofendido desse jeito...

Houve um rápido olhar entre os irmãos. -Não ligamos! -antes de começarem uma segunda tentativa. Driguem desviou mais uma vez da espada que vinha pelo lado do rapaz e subiu o corpo num salto para que a de Kira, mirando abaixo, cortasse o ar. O assassino pousou com leveza sobre a lâmina, forçando-a a abaixá-la ainda mais por causa da mudança de pressão.

–Eu devo começar pela irmãzinha, talvez? -ele questionou-se, mansamente, e segundos depois uma de suas armas era fincada no ombro esquerdo de Kira, fazendo-a gritar. A dor propagou-se, enquanto ela levantava as mãos para tentar tirar o metal invasor do local. Vendo, porém, que o inimigo ameaçava aprofundar ainda mais o ferimento, afastou-se a base da força. A pele pareceu rasgar e mais sangue escorreu, manchando completamente seu braço. -Cretino maldito!

–Que amável da sua parte, garota... não quer ficar parada para eu terminar o traba... -Driguem interrompeu a própria fala para bloquear uma investida de Ken. As armas bateram com violência uma na outra, e a pequena onda de energia gerada separou-os completamente.

–Não toque na minha irmã.

–Você é muito inocente se acha que vou realizar esse seu perdido. Diga-me, Kensuke... como se sente tendo outro ente querido ferido por mim? Acho que deveriamos contar, não é? -ele girou as lâminas entre os dedos, com certa tranquilidade. Não parecia, de maneira nenhuma, preocupado com o que podia acontecer a si mesmo. Ou tinha muita confiança que ninguém ali podia contra sua habilidade. -Sua mãe. Seu pai. Sua namorada... oh, mas eu acho que ela não era nada sua naquela época...

–Não fale de Kit!

–Eu cito-a, sem dúvida! Matei aquela garota, com um tiro certeiro. E acho muito inconveniente isso dela voltar a vida, quando a gente acerta alguém no coração esperamos que a pessoa fique morta.

Driguem desviou outra vez, mas a força do golpe de seu adversário foi tão potente que fez o chão abaixo de seus pés rachar, e precisou sair de sua pose despreocupada para tomar uma atitude mais séria.

–Eu vou parti-lo em dois, Driguem!

–Veremos, Kensuke.

Ambos se prepararam, tentados a resolver aquilo num ataque direto e decisivo. As lâminas brilharam assustadoramente, quando se atiraram um contra o outro, lançando golpes mortais. A velocidade aumentou consideravelmente, e dava para se notar apenas o cortar caótico das espadas contra o ar. Até que um grito foi ouvido. E depois outro. Eles se separaram novamente, Ken com um profundo ferimento na altura do estômago. Driguem com uma fenda aberta no ombro. Se o golpe tivesse pego com mais força, ele teria de fato ser partido em dois pedaços.

–Parece que sua força não foi suficiente, Ken. -Ele riu, diabolicamente, com um tom que destilava zombaria. -Uma pena... mesmo que eu morra agora, você não vai ter essa satisfação de me ver...

Não foi capaz de concluir a frase. Uma espada subiu bem por trás do mesmo, e desceu com toda a força, acertando o local que já estava ferido e cortando carne e ossos no processo. Driguem não emitiu mais nenhum som ao ser repartido até a altura de sua cintura, caindo logo após no chão de terra batida. Morto.

–Deixe de ser lerdo, Ken! Você acertou-o com a mão direita? -A garota estava em pé, com a ponta de sua espada coberta de sangue agora apontada para o chão. Fincou-a ali para voltar a segurar a ferida que o rival fizera em seu ombro.

–Ha... algo assim. Que bom que tenho uma boa irmã para acabar o serviço, não é? -Ele chegou mesmo a rir, parecendo envergonhado por aquela tentativa falha. Embora soubesse que Driguem iria morrer com a intervenção de Kira ou não. O golpe tinha sido profundo o suficiente. Seus olhos perderam o foco e ele sentiu suas mãos formigarem. Seu corpo parecia muito leve. Quando uma rápida escuridão passou por si, ele viu-se deitado no colo da irmã, que o amparava.

–Deixe disso, irmãozinho. Você precisa voltar vivo para a sua namorada, ou vai ser nos meus ombros que ela vai chorar.

–Você é tão insensível, Kira...

–É... eu sou mesmo. -Mesmo com essas palavras, ela ainda manteve-se abraçada a sua única família que restara. Uma lágrima inconveniente desceu pela sua bochecha. Ela não queria perder mais ninguém...

Tentáculos de energia azul desprenderam-se do círculo que o mago criara, entrelaçando-se. A energia gerada era tamanha que o ar havia tornado-se pesado de respirar. Aqueles que lutavam ergueram simultaneamente seus olhares para o céu, tanto os aliados quanto os inimigos viram as enraizações subirem cada vez mais alto, estalando a volta, e depois curvando-se violentamente para dentro, na direção do medalhão que Gaia sempre usava entre as costelas, e que agora estava entre os joelhos do mago.

Tudo pareceu parar no mesmo instante. Os tiros do canhão de Lyla, os ataques dos gêmeos e dos Caçadores da Morte, e inclusive os esqueletos vivos. De algum lugar pôde ser ouvida uma voz, um grito agourento que parecia ecoar dentro do cérebro, de tal forma que nem fechando os ouvidos o som parava. E então irrompeu, vindo de longe, um vulto de cor avermelhada que parecia se contorcer em agonia mesmo que não houvesse corpo para tal, e este foi sugado em direção ao medalhão também. As raízes tornaram-se correntes, enlaçando a joia completamente, centenas de vezes.

Só quando esta parou de brilhar que tudo pareceu terminar. Os esqueletos que permaneciam de pé foram desmontando e se desintegrando até virarem pó. Suspiros de alívio foram ouvidos. Mas Crós não podia ouvi-los. Quando Hiei correu até o mesmo para acudi-lo, encontrou-o estático, as mãos ao redor do medalhão selado e o corpo ligeiramente tombado para frente. Ele não parecia estar consciente. Mal parecia vivo.

–Como ele está? -Questionou Mitaray, chegando mais perto e agachando-se para levar uma mão ao pescoço do homem. Sua expressão preocupada se desfez para uma mais calma, naquele instante. -Está vivo. Mas parece ter esgotado sua magia por hora. Precisamos levá-lo para descansar.

–Temos de procurar Kira e Kensuke também. -Alegou Hiei, coçando a nuca. -E voltarmos para a capital, as coisas não devem estar melhor por lá.

–Sim… -foi a resposta dele. Ela soou relativamente simples. -Mas há outras coisas a se fazer aqui também. Procurar por sobreviventes. E… verificar se as palavras de Gaia eram verdadeiras.

O amigo não falou coisa alguma. Ele tinha o mesmo pensamento, e isso era perturbador. Enquanto tivesse trabalho a se fazer em Vadolfer, aqueles que estariam na capital haveriam de se virar sozinhos por mais um tempo…

   

Cassandra havia mostrado seu pior lado naquela luta, provando o quanto um deus podia ser letal e perigoso. Sua voz era uma armadilha terrivelmente irresistível, e seu corpo era imortal. Para começo de conversa, era quase impossível chegar perto da mesma, demônios eram invocados por suas palavras profundas e guardavam-na ferrenhamente. Quando a deusa resolvia sair de sua barreira viva para atacar, utilizava-se de um leve toque dos dedos em sua arpa prateada para que as linhas desta se soltassem e fossem em direção aos dois combatentes, quebrando seus combos de ataque e muitas vezes conseguindo prendê-los.

Aquele instrumento que Cassie usava tão bem como arma havia surgido em sua mão nos primeiros instantes de luta. Era realmente uma arpa de médio porte, de cor prateada e com asas entalhadas na borda. As linhas pareciam estender-se quando tocadas, criando uma infinidade de ataques diferentes. Da primeira vez elas apenas estocaram, e isso foi fácil de desviar. Da segunda elas chicotearam, enlaçando-se em Nicolas e Iris logo em seguida.

Ambos conseguiram sair desse aperto por muito pouco, forçando suas armas contra as linhas, que pareciam extremamente resistentes. Não eram incapazes de partir, no entanto, e essa foi a sorte deles. O terceiro ataque, porém, foi desagradável. As cordas adentraram o chão para saírem metros a frente e enrolarem-se no corpo de Nicolas, nos braços, pernas e pescoço. E então ele perdera o controle sobre seus movimentos. Cassandra havia transformado-o em uma marionete viva.

Iris agora precisava esquivar-se das investidas do amigo, que eram precisas e fortes. Nicolas havia treinado por anos e anos, aperfeiçoando-se para fazer frente a sua irmã e poder ao menos proteger Kit. Esse tempo era evidente agora, quando a espada dele fez diversos golpes em sequência, tão rápidos que ela mal conseguira bloquear usando de seus sais. O último golpe passou rente ao seu rosto, produzindo um corte naquela região e quase fazendo-a perder uma de suas orelhas.

Mas ela aproveitou a investida e prendeu o braço que ele usava a espada, entre as suas próprias armas, e girou o corpo para dar um chute certeiro que fez a arma dele voar. Quando a perna que usara para chutá-lo voltou a encontrar o chão, ela saltou, apoiando o outro pé no peito dele e cortando as cordas pela segunda vez, com suas próprias lâminas. Os dois foram ao chão, ela por não ter equilíbrio para manter-se no ar, já que havia ferido suas asas nos golpes anteriores, e ele por ter recobrado o controle do próprio corpo com certo atraso.

–Francamente! Você é mesmo um idiota, quem ataca sua noiva assim? -ela protestou, ainda em cima dele, os braços apoiados dos lados de sua cabeça para mantê-la numa posição mais elevada.

–Eu não fiz porque quis, sua retardada! E apenas considere-se “minha noiva” quando eu fazer um pedido formal!

–Considerando o fato de que talvez não sobreviveremos a isso, te chamo da maneira que eu achar melhor!

Se Nicolas sequer pensou em responder aquilo, não o fez, apenas abraçou-a e girou rapidamente para o lado, desviando de um quarto ataque das cordas de Cassandra. Agora ela que estava em baixo dele, o que lhe parecia bem melhor. -Não é uma boa hora pra discutirmos isso.

–Concordo. -Iris forçou sua cabeça para trás, de maneira que pudesse observar a deusa daquela posição. Agora podia vê-la de cabeça para baixo. -Vamos dar uma lição nessa traidora cretina.

–Eu realmente estou perdendo a paciência com ambos. -trovejara a voz de Cassandra, enquanto ela enviava desta vez uma leva de demônios na direção deles. Nick agachou-se, ajudando a parceira a se levantar também. Sua espada, retirada pelo golpe de Iris, estava fincada no solo e ele arrancou-a, entrando mais uma vez numa posição defensiva.

–Ah, cale a boca, você nem tem motivos para estar zangada! - A mulher rodou o par de sai entre os dedos, depois de resgatá-los da queda que também haviam sofrido. -Está parecendo uma criança mimada, irritada porque ninguém leva-a a sério. Faça um favor e pare com essa pirraça, isso não combina em nada com sua personalidade, Cassie.

–O quê!? -se ela ainda não estava irada antes, agora, com certeza, chegara ao ápice da fúria. Eles não entendiam, ninguém entendia nada naquele lugar, era inútil tentar debater e quanto mais se esforçava para ser compreendida mais ririam na sua face. Tolas criaturas. Eles jamais imaginavam o tamanho daquilo tudo, aquela mera guerrinha que travavam naquele instante não passava de apenas uma migalha. Algo ainda mais desesperador estava por vir…

O pior erro de Cassandra foi ter se perdido em sua raiva, um sentimento que de fato não fazia parte dela, era algo externo. Deixando o caos tomar conta de si, mesmo que por pouco tempo, acabou por causar uma falha gigantesca em sua técnica. Havia uma verdadeira fenda em sua atenção naquele instante, e Nicolas aproveitou-se dela. Ele disparou na frente, sabendo que a rival não teria tempo de fechar a barreira com demônios novamente. A espada fez um rastro luminoso mirando o centro de seu seio, e foi parada no último instante por sua arpa prateada.

–Vai precisar fazer melhor que is… -ela engasgou, então, sentindo uma dor violenta percorrer as costas na altura das omoplatas, de ambos os lados. Iris havia circundado-a e pulado para fincar os sais profundamente na carne da deusa, de maneira que suas pontas podiam ser vistas saindo na frente de seu corpo. -Ma… maldição…

Nicolas desenganchou sua própria arma da dela e fez um movimento amplo, infiltrando-a na barriga de Cassie. Ele forçou para baixo, abrindo um buraco extenso, do qual as vísceras não tardariam a cair. Era óbvio que ela já estava começando a regenerar-se, então tomou distância, procurando algo nos bolsos. Iris arrancou os sais com um puxão violento e desta vez enfiou-os na base da coluna, fazendo-a tirar seu foco dele mais uma vez. E então pôde ouvi-lo: -Iris, sai dai agora!

Ela viu-o afundar algum objeto não identificado e soltando faíscas dentro do buraco que abrira no estômago da deusa do som, e afastar-se rapidamente em seguida, desta vez realmente o mais distante que pôde. A mulher fez o mesmo, recolhendo suas armas e invocando suas asas num último esforço para ficar longe dali.

E então uma explosão fez Cassandra em pedaços. Literalmente. Toda a parte do seu tronco foi praticamente moída, sendo atirada em todas as direções, fazendo uma ligeira chuva rubra cair sobre aqueles que lutavam naquela área. Os membros superiores e inferiores também foram espalhados. A cabeça, que de alguma forma conseguira ficar relativamente inteira, foi agarrada por Iris, ainda no ar. Suas asas fraquejaram, já bastante cansadas, e ela não conseguiu mais se sustentar no ar, caindo.

E caiu, e caiu, e imaginou que iria quebrar-se toda quando chegasse lá em baixo. Mais meses no hospital tentando recuperar-se de todos os traumas que sofreria. E ai braços a seguraram, por um instante, antes de seu dono desequilibrar e cair também. -Ora. Sua burra, você não podia correr?

–Foi ato reflexo. -justificou-se ela, já sabendo bem de quem se tratava. Nicolas parecia agitado, ainda segurando-a em seu colo, observando os demônios que voltavam a se reunir, fazendo uma roda ao redor deles. Cercando-os.

–Morte e danação!

–Essas coisas não acabam nunca. -ela fez coro, ainda segurando a cabeça. -Cassie deve demorar para se reconstruir, mas mesmo assim…

–Estamos ferrados…

–Se permite-me corrigi-lo, senhor, eu afirmo que não estão. -uma flecha cravou-se no demônio mais próximo. Uma segunda voou segundos depois, acertando mais um. Alberith estava acomodado num telhado acima deles, fazendo um sinal vago com a cabeça, em saudação. -Perdoem mais uma vez minha indelicadeza, mas ambos estão péssimos!

Ele ajeitou mais três flechas no arco e atirou-as ao mesmo tempo, acertando mais alguns seres das trevas. Ergueu-se, endireitando o corpo, de prontidão. O elfo não parava de atirar, e isso os ajudava bastante.

–Você perdeu a gente explodindo uma deusa, Al! -Iris alegou, mostrando a cabeça de Cassandra como se fosse um belo prêmio.

–Não é todo dia que vemos uma blasfêmia dessas. -ele respondeu, com um sorriso sarcástico.

–Ela vai ficar uma fera quando despertar e descobrir que você estava brincando com a sua cabeça. -retrucou Nicolas, fazendo menção de tirar a mulher de seu colo para poder levantar-se mais uma vez.

–Não me importo. -Ela erguera a cabeça, pronta para reclamar quando uma explosão de energia negativa fez um prédio explodir ali perto. -Por Ajax… isso não é o que estou pensando, é?

–Haradja… -Nicolas murmurou o nome da irmã mais velha lentamente, logo após sentindo um calafrio correr por sua espinha. -Kit está naquela direção…

De fato… o acerto de contas final seria pelos dedos de uma jovem com orelhas de gato e dotes mágicos.

Loucura versus sanidade.

Mal versus bem.

Desespero contra a esperança.

O xeque-mate estava próximo.


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