Kit Black: Viajantes De Mundos escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 15
Aqueles que acompanham a morte




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Era um vilarejo pacífico. Uma aldeia de pescadores, que ficava no litoral, bem na fronteira entre Vadolfer e Farem. Um rio cortava-a ao meio, levando suas águas caudalosas para o mar. Uma mata esparsa quase se encontrava com a praia, e mais atrás havia um pequeno grupo de colinas. Nessas colinas, três crianças estavam travando uma briga. Um dos meninos, de aparência franzina e cabelos acinzentados estava claramente apanhando para os outros dois. Mitaray nascera com uma doença rara, que tirou boa parte da sua força física e deixou seus cabelos, que deveriam ser escuros, com um tom claro e indefinido. Para agravar sua situação, ele era membro de uma das famílias mais pobres da aldeia, e tinha que dividir a pouca comida que conseguia com mais três irmãos, mais o resto da família. Por isso a cesta de frutas deixada tão a vista à porta da casa de Hiei parecera tão irresistível. Embora fosse de boa índole, a fome pode ser uma péssima conselheira.

Como seu vizinho “abastado” não era bem do tipo que levava desaforo para casa, logo chamou seu amigo mais chegado para caçar o ladrãozinho que ousara surrupiar sua cesta. Ézio, claramente, não estava nem um pouco a fim de discutir com o filho do líder do vilarejo, então foi junto sem pestanejar.

Mitaray usou de suas fracas pernas para correr o máximo que podia, conseguindo despistá-los por um tempo, e se refugiou nas colinas que faziam divisa com a aldeia. Obviamente, ele foi encontrado... e no presente momento está servindo muito bem de saco de pancadas.

Um barulho descomunal fez com que eles se interrompessem. Uma onda de proporções gigantescas varreu seus lares, destroçando as casas e arrasando a floresta que estava a seus pés. Impotentes e desesperados, foram forçados a esquecer as divergências, pois agora eles eram completamente iguais. Eram apenas três crianças, e estavam sós...

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Kit sentiu finalmente seus pés tocarem o chão, a sensação de alivio tomando conta de seu corpo... ao longe, conseguia ouvir os gritos histéricos de Ken e Hiei, que haviam ficado lá em cima e acreditaram tanto quanto ela que havia caído. Ela tinha escapado de uma fina tão grande que mal podia acreditar.

O navio inimigo estava em frangalhos... a uma distância razoável, os tripulantes do Diamante Negro calculavam suas perdas, enquanto o navio girava em seu próprio eixo e se preparava para deixar a praia... sem um adeus ou sequer uma palavra... eles também haviam sofrido baixas terríveis por causa de Cassandra. Crós preferiu não argumentar. Seja lá quem eles fossem, se Nicolas os mandara, era porque tinha uma razão... em breve haveriam de se encontrar de novo.

Sabendo que o jato estava do lado oposto da ilha, eles sabiam que teriam de dar a volta mais uma vez para conseguir atingi-lo. O problema era que ninguém sabia se ainda tinham serviçais de Haradja nas redondezas... Isso ficou obvio até demais depois que Kit mais uma vez virou alvo de um lobo gigantesco, que deve ter achado que ela daria um belo lanchinho. Ele perseguiu-a por metade do caminho até ter a cabeça decepada por Ken.

–Por que diabos você não atirou nele?

–Você viu o tamanho daquela coisa? Era um lobo, um lobo! Acha que minhas orelhas estão aqui de enfeite?

–A pele continuava sendo fraca... foi até fácil matar esse ai... –ele girou a espada entre os dedos, o que fez Kit mudar sua expressão para uma careta de asco.

–Tenho armas para lutar mas também tenho pernas... para correr... sabe?

Ela viu quando todos os seus colegas reviraram os olhos a um só tempo e preferiu seguir caminho. O seu mestre ainda estava estranhamente calado... depois de Kira passar rapidamente os acontecimentos da praia para a mesma, enquanto este não podia ouvi-las, agora a gatinha sabia o suficiente para não incomodá-lo.

Quando eles conseguiram finalmente vencer a floresta e chegar ao veiculo, já era o fim da tarde... quando pisaram na Sede Black, a noite começava a descer sobre suas cabeças... porém, ela também trazia uma... pequena surpresinha junto com ela...

Algumas, para ser mais exata... a primeira coisa que encontraram foram uma cozinha soltando fumaça e um Mitaray completamente coberto de massa... provavelmente de bolo. Cloe não esta em melhor estado... ela tentara fazer a cobertura, e suas mãos e braços estavam respingados por gotinhas de chocolate, o que fez Hiei comentar em um tom habilmente zombeteiro. –Olha só, agora você ficou doce...

–Haha... muito engraçado você...

–Não vou nem perguntar o que vocês dois estão fazendo ai... –Ken franziu o cenho, definitivamente sem querer saber, e girou as costas automaticamente para se dirigir ao banheiro e tomar um banho estupidamente quente. No mínimo.

–Estávamos tentando matar o tédio...

–Parece mais que estavam tentando se matar...

Kira revirou o solhos e passou o dedo indicador no rosto de Mitaray, tirando um pouco da massa e colocando-o na boca logo depois. –Olha... nem tá tão ruim assim...

Para sua surpresa ele não respondeu absolutamente nada. Apenas abriu um sorriso controlado e tocou o nariz dela com a ponta do indicador, logo deixando o local também, assim como uma mancha de massa de bolo no rosto de Kira, que demorou um pouco para reparar.

–De qualquer forma... –Kit começou, olhando a sua volta. –Trouxemos o Olho... e noticias... onde está a Iris...?

Ela viu quando Cloe e Sacha se entreolharam e apontaram ao mesmo tempo para o segundo andar. –Com Nicolas...

–O Senhor do Palácio de Granito está aqui? –Hiei ergueu uma sobrancelha. –Mas Nicolas não pode sair de lá... pode?

–Não que eu saiba... –Crós levou um dedo a testa pensativo, pronto para argumentar algo mais quando todos viram a porta do cômodo adjacente se escancarar e Iris entrar no recinto, vermelha de raiva e com ar de poucos amigos, enquanto Nicolas vinha atrás resmungando alguma coisa e dava de cara com a porta.

–Ora essa, o errado aqui é você, fica se intrometendo no assunto alheio. Já não disse que está tudo sobre controle? –Ela resmungava, sem se incomodar se agora tinha uma platéia para assistir, cortando um palavrão que ia sair da boca dele.

–Estou aqui por ordem do Imperador, e apenas por isso... por algum motivo ele resolveu que eu deveria ficar para guardar o Olho, considerando que vocês conseguissem recuperá-lo... –ele levou ambas as mãos ao rosto, fazendo um esgar. –Ai... essa doeu. Não dá para você ser menos agressiva?

–Três palavrinhas: Pare-de-reclamar!

–Quem está reclamando é você... semi-fada marrenta...

–Pretensioso!

–Metida!

–Metida? Desde quando??

–É tão cabeça dura que...

–Isso vai render... –Kira passou os dedos pelo nariz, tentando limpá-lo, sem dar muita atenção a discussão...

–Ahhh, não vai mesmo... –Kit bateu violentamente as mãos na mesa da cozinha, fazendo barulho o suficiente para chamar a atenção de ambos. –Seguinte, acabamos de voltar, temos informações, um artefato para guardar e além de tudo explicações detalhadas para receber... –cruzou os braços, olhando de um para o outro. –Eu agradeço se deixarem isso para depois...

Iris se recuperou mais rápido, abrindo um sorriso ligeiramente sem graça. –Vocês conseguiram? –ela parecia de fato nervosa com a situação seja ela qual fosse... pegou o artefato que Crós fez menção de estender a ela, observando-o de perto e suspirando, bastante aliviada. –Teria sido o fim se Haradja coloca-se suas mãos nisso...

–Sinto que essa é a única boa noticia que trazemos, Iris... –o feiticeiro argumentou... de um modo resumido, o grupo passou adiante o que havia acontecido na Ilha do Silêncio, incluindo a traição de Cassandra.

–Cassie... Eu ouvi Haradja pronunciar o nome dela enquanto estava presa em seu castelo, mas eu não liguei os fatos... –ela levou a mão a cabeça, visivelmente frustrada. –Está ficando cada vez pior.

–Mas conseguimos...

–Sim... conseguiram. Bem, acho que deveriam saber o porquê das coisas estarem nesse pé...

Ela fez um sinal para que a seguissem, e se dirigiu a sala, onde todos os presentes se acomodaram. A própria sentou-se em uma poltrona e cruzou as pernas, fitando-os atentamente.

–A Ilha do Silêncio um dia foi uma ilha normal... mas essa coisinha que vocês pegaram a destruiu completamente. O Olho de Osíris pode conceder qualquer desejo que seja feito a ele...

–Como um gênio da lâmpada? –perguntou Sacha.

–Bem próximo... na realidade, o Olho tem limites ainda maiores. Havia guardiães para cuidar dele, para mantê-lo seguro, mas no fim isso foi completamente inútil... porque Haradja o achou.

Nesse momento Kit abriu a boca para protestar, mas foi a vez de Nicolas continuar o pensamento, erguendo uma mão para que ela espera-se.

–Haradja e nós... bem, éramos chegados naquela época... éramos todos jovens, e nossos pais bem próximos. O que quero dizer é que ela não era má no começo... um dia foi como qualquer um de nós. Até que tanto Iris quanto ela viajaram para a agora Ilha do Silêncio, o lugar onde o Olho estava há anos e anos...

–Aqueles responsáveis por cuidar tanto do local quanto da relíquia eram todos Viajantes de Mundos, altamente treinados, perfeitamente preparados para mantê-la a salvo. Diziam que há anos atrás alguém havia abusado do poder dela e destruído boa parte do Reino... bem, isso não vem ao caso...

–Ela nunca era tocada ou usada, no entanto, isso mudou quando as duas chegaram lá... de alguma forma, a energia do Olho atraiu Haradja até seu templo, e quando ela o pegou, tudo mudou...

–Haradja pareceu extremamente abalada por algum motivo, que eu não consegui identificar... mesmo quando retornamos, ela se tornou cada vez mais fechada e anti-social. Ficou paranóica, sempre esperando que algo viesse até ela, algo que não existia... no final, descobrimos tarde demais que ela estava tentando fugir de si mesma.

–O Olho ativou a segunda personalidade que dorme profundamente no sangue de todo Black... –Nicolas parou, vendo que Kit estava lívida, e fez um pequeno parênteses na explicação. –Blacks puros... imortais perfeitos.

A garota acenou com a cabeça, mostrando que entendera. Ela já pensara muito sobre o assunto desde que descobrira sua relação com a rival. Sem duvida nenhuma, era por essa razão que Leah nunca falava sobre seu pai, sempre que podia mudava de assunto... Seja ele quem fosse, não deveria ser uma boa pessoa... e se era, a probabilidade de ter a personalidade tão bizarra quanto a da filha era bem grande. No entanto, ela ainda não sabia de tudo... ela ainda ignorava o principal...

Nicolas suspirou profundamente, juntando as palavras em sua cabeça e continuando de onde havia parado. –Haradja surtou de vez, sua segunda personalidade maligna tomando conta quando menos esperávamos... ela fez uma verdadeira chacina, e retornou a Ilha para reivindicar o Olho definitivamente para si... e destruir tudo.

–Ninguém sabe bem o porquê de todo o seu ódio... mas ela cometeu um erro de calculo... o ultimo guardião que conseguiu sobreviver a sua fúria amaldiçoou tanto ela quanto a própria Ilha. Ele fez com que ela se tornasse uma zona-morta, na qual nenhum imortal com más intensões poderia pisar, e tornou suas coordenadas instáveis. Haradja, pega de surpresa, não conseguiu ter tempo para recuperar o artefato e foi atirada ao mar pela barreira que acabava de ser erguida... aqueles que estavam presentes disseram que a partir daquele momento houve uma implosão, e o Olho desapareceu sem deixar rastro... todos imaginaram que, ao mesmo tempo que mantinha a imortal longe, o sacerdote havia também mandando a coisa para outra dimensão... e a situação ficou nesse pé.

–No fim, as buscas por ele findaram-se... até agora. Imagino que Cassandra fosse uma das poucas entidades capazes de encontrá-lo. Quanto a sua irmã, ela se recolheu a Soledad e começou a reunir seu exército para tomar o Reino todo, por alguma ofensa que até hoje ninguém imagine qual seja...

Um silêncio incômodo fechou a narrativa, fazendo mais uma vez os presentes se entreolharem. Kira levantou do sofá em que estava sentada, dizendo que precisava resolver umas coisas, e deixou o local.

–Beeem... então acho melhor deixarmos ele bem guardadinho, num lugar bem protegidinho, pra não acontecer mais probleminhas como esse. –Hiei disse, de um modo tão estranho que deixou o clima consideravelmente mais leve.

–Ta falando no diminutivo por quê? –Perguntou Cloe.

–Ah, eu sei lá, vai que essa coisa resolve acordar... não dá para saber se tem alguém com propensão a ficar mal entre nós...

–Me poupe... –murmurou Crós, abrindo um sorrisinho de escárnio e levando a mão a testa. Iris atirou algo na cabeça do rapaz depois do comentário, nada realmente grande.

Kit abriu um sorriso sutil, arqueando uma sobrancelha e virando as costas para poder ir aos dormitórios.

–Onde você vai, gatinha?

–São dez horas da noite. Vou dormir, ora, meu sono ta atrasado... –respondeu, enquanto começava a subir as escadas e se fechava em seu quarto. Ela apenas deixou o corpo desabar na cama, fechando os olhos momentaneamente.

“Dupla personalidade.”

“Mal de família. Acho que agora você pode compreender melhor.”

“Eu não quero compreender.” Ela sabia muito bem que se pensasse muito nisso, não conseguiria juntar coragem para prender a irmã no fim das contas. Apesar de tudo, havia alguma coisa boa lá dentro... deveria haver, pelo menos.

“Está incomodada com isso? Não posso dizer que tinha uma alternativa...”

“Ela podia ter ficado em casa e muita coisa teria sido impedida. Isso é obvio...”

“Cedo ou tarde... Haradja não é a única vilã que existe. E também não é a pior criatura que vai encontrar. Há coisas que vivem nas sombras, coisas que planejam e enganam. Existem seres que vão se beneficiar de alguma forma com isso.”

Kit pensou por mais alguns segundos e logo enfiou o travesseiro sobre sua cabeça. “Saber isso não torna as coisas fáceis.”

“Infelizmente não. A decisão continua sendo sua. Você sabe o que precisa ser feito... você é a escolhida...”

Ela não se sentia nem um pouco feliz em ser a escolhida... nunca se sentira, mas quanto mais o tempo passava, mais chegava a conclusão que alguém tinha feito a escolha errada. Fechou os olhos mais uma vez, deixando sua mente desligar e vagar para um sono sem sonhos...

Depois que o grupo que estava na sala dissipou-se, Nicolas e Iris tomaram posse do Olho e rumaram para os andares subterrâneos, onde haviam as salas de proteção. Escolheram uma câmara de segurança e a adentraram, Iris na frente, colocando o artefato sobre um pilar no centro do aposento. Não havia mais nada ali... parecia ser apenas uma sala metálica e vazia, com o pilar em seu centro e alguns controles na parede ao lado da porta. Ela mexeu nos botões de maneira rápida e eficiente, e o chão se abriu, fazendo com que uma plataforma subisse, e logo várias folhas de metal se fechassem ao seu redor, como se fosse um botão de flor.

–Desta vez está bem protegido...

–Espero que sim. Não haverá mais problema algum relacionado a ele daqui por diante. Ela não virá tentar a sorte contra a Equipe Black.

–Não tenho tanta certeza. Está traçando planos complicados nos últimos tempos. Se deixarmos por isso mesmo, vamos acabar sendo destruídos.

–Não seria assim tão fácil... –ele saiu do local, esperando-a no corredor.

–Queria ter essa certeza. –Iris mudou de assunto uma vez mais e se preparou para voltar a superfície. –Seu quarto continua desocupado.

–Eu imaginei que sim. Pensei que iria me fazer ir dormir com seu “animal de estimação.”

–Não fale assim do Draco perto da Kit, ela provavelmente vai discordar... –a mulher deu de ombros. –Eu bem que pensei nisso. Vai lhe ensinar um pouquinho de humildade.

–Eu sou humilde...

–Ahhh, claro que é... com toda a certeza.

Mitaray já tinha tomado um banho e agora estava confortavelmente atirado no sofá. Ele parecia mais calmo agora que a equipe estava toda reunida, embora a imobilidade ainda lhe causa-se uma sensação no mínimo irritante. Com canto dos olhos, viu Kira entrar na sala e sentar-se no braço do móvel, observando-o com uma expressão que ele definitivamente não estava conseguindo definir muito bem.

–Hum... está tudo bem?

–Você sabia... da história da Haradja, e do Olho, e disso tudo.

Ele assentiu com a cabeça. –Uma boa parte dos habitantes que lutam contra ela sabem.

–Não podia ter dito antes?

Ele passou os dedos pelos cabelos, levantando finalmente o corpo e sentando-se na ponta oposta do estofado. –É complicado, nós tentamos evitar o máximo discorrer sobre esse assunto. Creio que seja uma cicatriz muito grande, tanto para Nicolas quanto para Iris... E eu tenho minhas próprias cicatrizes para esconder... –por um instante ela viu que ele realmente estava triste, mas essa sensação passou muito rápido. –Então... trouxe algo para mim?

A moça levou um dedo ao cordão, como se aquilo fizesse lembrar do que ele estava falando... mas deu de ombros. –Não havia muito o que pegar... a não ser... –ela pulou sutilmente, passando as mãos de um bolso a outro do casaco que usava, e logo retirava uma pena de tamanho consideravelmente grande e tonalidade avermelhada. –Pertenceu ao grifo que Kit abateu... achei que ia gostar.

Ele segurou a pena e a girou entre os dedos, lançando-lhe um de seus breves sorrisos. –Obrigado, milady...

–Ahh... por favor, sem tanta formalidade...

–É um hábito... posso dar algo para recompensar sua boa vontade?

Ela ruborizou-se e precisou olhar para o teto para que ele não visse. –Não, está tudo bem... –antes que pudesse reagir, ela sentiu o corpo ser cingido em um abraço e puxado para trás, forçando-a a se deitar no sofá, a cabeça no colo de Mitaray. Seu rosto foi contornado por uma mão gentil, antes que ele abaixa-se a cabeça para que seus lábios se unissem aos dela. Num gesto instantâneo, ela também ergueu uma das mãos para tocar o rosto dele... e depois de algum tempo, eles se separaram.

–Estava dizendo que...?

–Esquece... não era importante... –ela piscou, como se estivesse tentando acordar. Ele fez menção de soltá-la, mas ela segurou sua mão, mantendo-o ali. –Eu estou apaixonada por você, sabia?

Um sorriso maroto apareceu no rosto acima do dela. –Eu sei... –e no momento seguinte ele desceu a cabeça para lhe dar um segundo beijo...

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O trio vagou por muitos dias, a fome acompanhando-os, o vento frio acossando-os, a terra sob seus pés tornando-se áspera... cada vez mais seus passos se perdiam, e cada vez mais eles deixavam o corpo cair no chão por não agüentar mais andar. Não havia lar que os acolhe-se, ele estava destruído... não havia uma família para chorar com eles... não sobrara nada, nada que pudesse servir de amparo. Os três se viram obrigados a sobreviver e cuidar um do outro, porque sabiam que, caso se separassem, estariam perdendo o que sobrara de uma vida. De modo que, quando Mitaray salvou Hiei de rolar morro abaixo, isso não foi nenhuma surpresa.

As crianças tinham aprendido algo como união, mas isso não significava muita coisa quando estavam perdidos no meio do nada. Inúmeras vezes foram rechaçados de casas isoladas, que encontravam pelo caminho. E na maior parte das vezes não encontravam absolutamente nada.

Um dia conseguiram chegar a margem daquele mesmo rio que fazia divisa de sua aldeia... no entanto, eles não queriam voltar para ver o que sobrara dela mais uma vez. Sabiam muito bem o que encontrariam: cadáveres, destruição, e muita água. E a partir daí resolveram deixar a distância cada vez maior das lembranças, subindo o rio.

Agora havia água para poder beber e, como todos os três eram filhos de pescadores, conseguir peixes para uma refeição era fácil. Já não morreriam de fome, mas ainda havia algo que os perturbava... não poderiam se aventurar para sempre. E cada um ansiava desesperadamente por um lar...

E foi nessa situação que a Morte os encontrou. Coincidência? Destino? Nas linhas tecidas com tanto esmero por aquelas que controlam todos os encontros, surgia uma vez mais um caso digno de ser citado.

Porque não importa o quanto digam que todos se curvam a um destino predefinido, isso só vale para os mortais...

A Morte está além do tempo e espaço... a Morte não segue regra alguma... Ela é imune ao Destino...

Ela só o encontra, se realmente quiser encontrar...

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O dia amanheceu um pouco mais sombrio que o normal. Uma tempestade estava claramente se formando, o que manteve todos dentro da sede, com exceção de uma pessoa em especial...

–Onde está a Iris? –Ken perguntou de maneira sonolenta, enquanto cortava um pedaço de panqueca e colocava-o na boca. O café da manhã havia saído meio tarde.

–Palácio de Granito... –Nicolas também não parecia muito melhor. As olheiras abaixo de seus olhos demonstraram claramente que não havia pregado o olho a noite toda. Por qual motivo, ninguém ali poderia saber.

Hiei moveu a cabeça automaticamente para seu superior, disparando a pergunta logo em seguida: -O que ela foi fazer lá desta vez?

A resposta foi um dar de ombros conformado. –Coisas dela... provavelmente foi discutir com o Imperador sobre a necessidade de que eu fique aqui...

O outro fez um aceno e sem se incomodar muito com o assunto, voltou a devorar a sua panqueca. Mas Ken ainda estava insatisfeito, porque um segundo depois estava perguntando novamente: -Agora que estou pensando... ainda não vi a Kit...

–Acho que ela foi uma das primeiras a acordar... –argumentou Sacha, sentando-se no balcão e remexendo em seu prato. –Saiu para algum lugar...

–E você não perguntou para onde ia? –Cloe franziu o cenho.

–Não... ela estava... você sabe... naquele estado...

Ela sabia. Se Kit chegava a um ponto de chateação que ameaçasse magoar as pessoas a sua volta, ela simplesmente virava as costas e corria. O máximo que conseguisse... se afastando o mais rápido possível.

–Uma hora vai ter de parar de correr... e então vai voltar...

Ken olhou de maneira preocupada para a porta, a espera de que ela passasse pela mesma... mas isso não aconteceu.

–Bem... já que não temos nada para fazer... que tal disputarmos um jogo de cartas? –Sacha ergueu uma das mãos, e logo a outra surgia com um baralho tirado sabe-se lá de onde. –Que tal?

Ninguém pareceu muito empolgado, no entanto nenhum deles se negou... minutos mais tarde, uma mesa estava armada e uma roda se formava ao seu redor. Todos os presentes acabaram se envolvendo em uma disputada partida de poker, na qual mais se discutia do que jogava. Mitaray parecia ser o melhor jogador da mesa, enquanto Hiei era um dos piores, já que era incapaz de fazer um blefe convincente.

–Ainda acho que deveríamos estar apostando algo melhor que balinhas de menta... –Crós olhou de maneira estranha para a pilha que ia aumentando cada vez mais, cujo dono era Mitaray.

–Está perfeitamente justo na minha opinião... –ele replicou de volta, enquanto atirava uma balinha de sua pilha para Kira, que estava do lado oposto da mesa. Ela pegou-a com facilidade, abriu-a e colocou-a na boca, lançando um olhar por sobre as cartas em sua mão. –Obrigada... querido...

–É melhor do que perder todo o dinheiro que temos nos bolsos...

–E bem melhor que usar peças de roupa para apostar. -Cloe revirou os olhos.

–Ou a falta delas...

–Quem teve essa idéia afinal?

–Advinha... –Cloe falou em um tom fechado, dando uma cotovelada em Hiei.

–Ai... essa doeu... que foi, tá de TPM?

–Acertou... e é melhor se comportar, ou da próxima vez acerto outro lugar... um que doa mais...

Ken ficou momentaneamente surpreso, já que sabia que a garota era extremamente calculista... esse não era o tipo de reação que esperava dela, mas ainda assim teve de levar a mão a boca para esconder uma risada.

–Precisas relaxar, senhorita... –Mitaray afirmou, pegando outra balinha de sua pilha e jogando-a pra ela. –Estresse em demasiado não faz bem para a sua saúde.

–Você não entende mesmo, não é? –ele recebeu um olhar enviesado da parte dela, mas o doce foi aceito da mesma forma.

–Não... porque eu não sou uma garota... –ele respondeu de modo pausado e controlado, de forma que soou mais como uma afirmação inocente do que como uma critica irônica. Cloe preferiu não continuar a discussão e pôs-se a mastigar sua balinha, em vez de simplesmente esperá-la derreter em sua boca. Hiei ainda ficou um tempo cutucando a bochecha da mesma, antes de ter o dedo mordido. Ela definitivamente não estava para brincadeira.

–Bem feito... eu te avisei...

–Ui... você vira canibal em noites de lua cheia também? –o agredido riu, beijando a mesma bochecha que insistia em cutucar minutos antes...

–Assim como você vira um pervertido chato jogando poker... –foi a resposta murmurada que ela deu, antes que o jogo continuasse. Pouco tempo mais tarde, ele era interrompido uma segunda vez por uma Kit encharcada dos pés a cabeça, que tentava torcer os cabelos enquanto andava na direção deles. –Bom dia...

–Bom dia...

–Foi tomar ar ou tomar banho lá fora? –Ken levantou sua atenção da mesa para observar a namorada, que literalmente estava pingando. Ela apenas deu de ombros.

–A tempestade me alcançou antes que eu pudesse impedir...

–Ahn... se você usa-se teletransporte isso não seria um problema. –aconselhou Crós.

Kit fez uma careta e negou ansiosamente com a cabeça. –Confio mais nas minhas pernas, obrigada... –ela chacoalhou o corpo mais uma vez, e depois olhou para cima. –Vou tomar um banho... quente. –disse a ultima palavra frisando-a, já que esperava um comentário debochado de Ken com relação aquilo, antes de continuar: -Já irei descer...

De fato, ela não demorou quase nada... despiu-se, entrou no boxe ornamentado da sede e abriu o chuveiro, deixando a água quente percorrer seu corpo, a começar pela cabeça... as manchas em seu cabelo não saíram... e ela francamente desistira de tentar tirá-las.

Deixou que a água levasse embora tudo o que não era mais necessário, inclusive as suas preocupações... e só se deu por satisfeita quando se sentiu realmente bem outra vez... desligou o aparelho, se enrolou na toalha e começou a enxugar-se. Ela simplesmente decidiu que era preciso pensar em uma coisa de cada vez... e isso que a faria sobreviver ao seu pequeno Inferno particular. Enfiou-se em um short curto e em uma camisa mais larga que seu diminuto corpo e torceu a toalha nos cabelos, mantendo-os bem presos e finalmente recolhendo suas coisas e deixando o cômodo. Para encontrar Ken do lado de fora, esperando por ela.

–Oi... sente-se melhor?

Abria um sorriso doce, assentindo. –Bastante... correr sempre ajuda a colocar as idéias no lugar...

Ele não falou nada por alguns segundos, antes que a puxasse para um abraço carinhoso. –Se eu fosse um pouco mais atento você não precisaria correr.

–Se fosse de tal forma, seria diferente do que é, e sendo diferente do que é, deixaria de ser você mesmo... então talvez eu não o amaria... –respondeu se aconchegando nos braços dele.

–Nem você entendeu metade do que acabou de dizer...

–Não mesmo... –ela riu, logo sendo acompanhada por ele.

–Bem... vou te dedicar todo o meu tempo hoje para compensar, certo?

–Certo... a partir de agora?

–A partir do momento que levar suas roupas para o seu quarto e voltar lá para baixo... –deu um peteleco no nariz dela. –Está bem assim?

–Ótimo... –ela passou os dedos pelo nariz endireitando-se e lhe dando um beijo na boca, antes de se dirigir ao seu quarto. Viu o rapaz loiro se afastar, e quando se virou novamente, deu de cara com Nicolas, que deixava o seu próprio aposento, aparentemente disposto a voltar para o jogo no andar de baixo. Ele parou de imediato, observando-a de frente... Kit viu um brilho de reconhecimento em seu olhar... algo tão estranho, que não conseguiu definir naquela hora. Viu ele abrir um tímido sorriso e menear a cabeça em sua direção.

–Kit...

–Nicolas...

Ela se sentia estranha perto dele... não sabia se a razão era o fato de tê-lo encontrado meses atrás, com a roupa suja de sangue e a mente embotada pela dor, quando chegaram do Caminho da Ilusão. Ainda se lembrava daquele dia... e se lembrava que não lhe dera a merecida atenção. Podia ter abaixado e lhe dado um abraço... podia ter lhe oferecido palavras gentis... podia ter perguntado o que estava havendo, já que naquele instante ninguém sabia ao certo que a Equipe tinha sido obliterada, a não ser ele. Mas não fez coisa alguma.

Talvez fosse isso... embora ainda parecesse algo mais interno... como um reconhecimento. Como se já o tivesse visto em algum lugar, e isso era importante. Balançou a cabeça lentamente, se livrando de seus devaneios.

–Você ficou chateada, não é?

A pergunta a pegou de surpresa, forçando-a a encará-lo de frente. Ele era mais alto, o que a fazia erguer o queixo para observá-lo.

–...

–Com a história... sobre Haradja.

–Ahn... sim... acho que fiquei sim.

Não dava para simplesmente ignorar isso... era uma grande verdade.

–Eu compreendo... não deveria ter lhe dito daquela forma. –desviou os olhos para uma das portas fechadas do corredor. –Eu também fiquei assim. Naquela época. Eu não consegui compreender de maneira rápida... e quando me convenci, já era muito tarde.

Ela sabia que de alguma forma tinha sido pior pra ele. Porque eles eram amigos... eles conviveram com uma Haradja boa, gostaram dela, e depois as coisas se inverteram para um caos total. Agora eles tinham de caçá-la... e ela destruíra seus amigos... e cada segundo tudo virava uma bola de neve que crescia mais e mais e que, em um dado momento, iria acabar soterrando alguém. Suas sobrancelhas se uniram e Kit desceu os olhos para o chão por algum tempo, antes de dar dois passos em direção a ele e passar os braços em volta de seu corpo.

–Eu entendo... eu sinto muito... de verdade...

Sentiu que o corpo dele ficara rígido no primeiro momento, mas depois relaxou, e ele também passou os braços pelas suas costas delicadas. Mais uma vez, sentiu aquela sensação estranha... de dívida... não, não era apenas dívida... era algo muito mais complexo. Imaginou que, se tivesse um irmão, com toda a certeza sentiria algo assim por ele...

–Seja forte, pequena...

–Eu serei... tudo vai dar certo...

Não ouviu concordância ou discordância da parte dele, mas mesmo assim soube que tinha feito a coisa certa. Então o soltou, puxando-o pela mão e começando a levá-lo através do corredor. –Vamos... vamos ganhar algumas partidas, okay?

–Estou logo atrás de você.

E pela primeira vez desde que vira o Senhor do Palácio de Granito, conseguiu distinguir um sorriso sincero em sua face.

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Mitaray, Hiei e Ézio finalmente estavam de volta ao mundo material, depois de anos de um treinamento puxado... Era chegada à hora de ambos começarem o trabalho para o qual tinham sido forjados. Eles foram ensinados, moldados e testados, e ganharam o acolhimento que necessitavam onde nenhum mortal deveria ir...

A Mitaray foi dada uma foice, uma arma de aparência sombria e letal, que contrastava bastante com sua personalidade atual... ele crescera e tornara-se o perfeito cavalheiro. Sua arma era a mais afiada, e sua determinação o maior de seus dons.

Hiei ficou com um bastão... apesar de parecer algo sem valor, ele tinha precisão para atravessar o ponto fraco de seu oponente com muita facilidade. Perdeu sua arrogância e assumiu um bom humor adorável, tornando-se a alma do grupo. Seu dom era a abnegação... seu altruísmo, que o fizera dar a mão a um rival e crescer junto a ele.

Ézio ganhou de sua protetora um tridente. Ele era o mais rápido e célere, e sua personalidade tornou-se esquiva e distante... tinha o dom da fidelidade, e nunca abandonava quem quer que precisasse de ajuda. Apesar de fechado, era aquele que todos podiam contar... e seu tridente estocava com uma precisão impressionante.

Eles foram instruídos a continuar o treinamento em Diamante, e certo dia conheceram Aragorn, um esgrimista nato, com habilidades fabulosas e um domínio fantástico sobre qualquer tipo de arma... e então, eles retornaram para Vadolfer e se instalaram no templo dele.

Mas eles descobririam que o trabalho não era fácil... nem um pouco fácil. Monstros modificados vinham surgindo com cada vez mais freqüência, e chegavam boatos de um grande mal que se refugiara em Soledad. E com o passar dos meses e anos, houve o primeiro encontro com Gaia, o Capitão dos Esqueletos Vivos.

O embate saiu caro para ambos os lados... o esqueleto amaldiçoado perdeu o seu exército todo, e não havia mais nenhum osso que pudesse usar contra eles... mas ele não podia ser derrotado, mesmo com as armas da Morte. E os caçadores foram forçados a deixá-lo ir embora...

Ézio foi gravemente ferido na batalha e seu corpo precisou ser mantido em hibernação nos Campos da Morte, onde se encontra até hoje... a sua Mestra olha por ele, dia após dia, a espera que abra seus olhos e possa mais uma vez completar o seu trio de Caçadores.

Ela sabe que essa hora está chegando...

Depois de deixarem seu companheiro sob cuidados especiais, os dois Caçadores que restaram foram atrás de informações concisas sobre o que estava de fato acontecendo... eles conheceram um elfo de humor ácido, conhecido como Alberich entre os seus, e logo após uma garota baixinha e espevitada, cuja hiper-atividade era tão grande que podia gerar uma quantidade enorme de energia, e os olhos pareciam o pôr-do-sol. Haviam encontrado Dayana. E logo, se tornariam amigos chegados da antiga Equipe Black...

O que eles nunca esperariam era que fariam parte dela de fato. E que se envolveriam numa guerra de proporções épicas, que poderia custar muito mais que apenas as suas vidas. Agora, os dois apostam tudo o que tem para não perder seu lar... para preservar a família que custaram tanto a conseguir novamente... para tornar seus laços inquebráveis... Para manter cada um deles vivo.

   

A noite chegou e a chuva ainda não tinha cessado. Kit abriu os olhos, ouvindo o vento bater contra a janela do seu quarto, e se enroscou ainda mais nos braços protetores de Ken. Estava esfriando consideravelmente. Ela sabia que devia sair dali para poder jantar com os outros, mas estava muito confortável, e quente, e ela podia ficar ali até a manhã seguinte...

Mas decidiu-se finalmente por erguer seu corpo e se desvencilhar dele, que como prometera, dedicara o resto do dia completamente para ela, quando o jogo de cartas chegou a um desacordo tão grande que era melhor parar por ali antes que alguém saísse realmente machucado.

Ouviu-o resmungar alguma coisa em seu sono, e deixou um beijo em sua boca antes de se levantar completamente e colocar a camisa larga novamente sobre o corpo... foi até o armário e pegou um moletom, que jogou por cima do que estava usando, sem se incomodar se era ainda maior que a camisa, e quase chegava aos joelhos. Pôs os cabelos para trás, olhando-o uma ultima vez. Ele parecia tão em paz que achou certa a decisão de não acordá-lo. Abriu a porta do quarto com cautela, fechando-a atrás de si e descendo as escadas.

Ao chegar à sala, os outros pareciam ainda mais sonolentos do que ela... perguntou se haveria algum “pó do sono” no ar, mas Salem garantiu que só usava isso quando Iris se recusava a ir dormir depois de sabe-se lá quantas noites acordada. O que fez alguém lembrar que ela ainda não tinha voltado. Nicolas também não estava por perto. Deveria ter retornado ao seu quarto, ou estar nos andares inferiores, cuidando do Olho. A fixação dele para que o artefato ficasse seguro parecia meio fora de propósito, já que a sede era a maior e melhor fortaleza do Reino todo... mas ninguém estava a fim de discutir isso com ele.

Sacha adentrou o local afirmando que a janta estava pronta, o que não aumentou em nada a velocidade dos outros... eles realmente estavam parecendo zumbis. De alguma forma a comida animou um pouco o grupo, porque a conversa já estava começando novamente.

–Mas sério... por que o Nick e a Iris brigam tanto? –Sacha pergunta, ousando chamar o rapaz pelo apelido e voltando sua atenção para aqueles que os conheciam a mais tempo na mesa, que se resumiam em Crós, Hiei e Mitaray. Eles trocaram olhares entre si, e o segundo resolveu se manifestar.

–Quem sabe... eles se conhecem a anos... desde crianças, creio...

–Desde crianças. Eles são noivos.

Kit sentiu-se engasgar com a almôndega que estava mastigando e precisou virar todo o copo de suco para conseguir respirar novamente. –Noivos? Tipo... noivos?

–Tipo casamento armado. –continuou Crós, levando um dedo aos lábios para demonstrar que o fato não deveria ser citado. –Os pais de ambos concordaram em casá-los quando tivessem idade. Mas os progenitores de Iris morreram, e a mãe de Nicolas também... o pai sumiu... no fim das contas, poderia ter sido desfeito o noivado. –ele continuou, voltando sua atenção para o prato.

–E não foi...? –perguntou Kit, recuperando-se do susto anterior.

–Todos os dois ainda usam as alianças... –argumentou Mitaray dando de ombros. –Não sei o que quer dizer, realmente... depois de tudo... não imagino que...

Deixou a frase no ar por alguns segundos, mas logo desistiu do que ia dizer e levou o copo a boca. Kit ficou tentada a falar algo mais, no entanto decidiu que não tinha nada a ver com isso...

O bipe agudo que reverberou nos ouvidos deles forçou o fim da conversa... provavelmente era alguma coisa a ser feita, e muitos tiveram que engolir rapidamente a comida para se dirigir a sala dos computadores. Ao adentrá-la, eles chegaram a péssima conclusão que correram a toa... só havia uma mensagem, provavelmente um fax, a vista, que Kira fez questão de puxar e passar os olhos rapidamente, logo franzindo o cenho.

–Que estranho... não diz nada de relevante...

–O que é?

Ela limpou a garganta e recitou claramente as palavras que Iris endereçara a todos.

–Problemas burocráticos a serem resolvidos... só poderei retornar amanhã, à noite. Todos devem estar reunidos quando eu chegar. Informações de extrema importância... P. S...

Estreitou os olhos para ler o final.

–... Kit Black deve estar presente. Obrigatoriamente.

A jovem sentiu o sangue parar de fluir para os seus membros... o que tinha dado de errado agora? Por que Iris insistia em falar com ela?

Tinha certeza que não era algo bom... e a certeza martelava em sua cabeça segundo a segundo, até mesmo quando se retirou para voltar a seus aposentos, deitando-se e voltando a se enroscar como uma bola. Estava impossibilitando-a de dormir. Mais uma vez, sua noite seria péssima...


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