2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 81
O nascer do sol


Notas iniciais do capítulo

Último capítulo será postado amanhã!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/279654/chapter/81

No capítulo anterior, Carmem tentou de tudo para salvar seu primo, mas pelo visto a morte ia levá-lo de qualquer jeito.

D. Morte manteve a mão sobre a testa do menino por alguns segundos. Ela não falava nada e parecia se concentrar. Seu rosto estava todo coberto pelo capuz, deixando a mostra apenas a boca. Olhando melhor para seu rosto, Carmem teve a impressão de ter visto uma lágrima escorrendo e até perdeu a fala tamanha foi a surpresa. Teria sido mesmo ou foi só impressão sua?

Quando ela pensou que tudo ia se acabar ali mesmo, Fabinho começou a tossir de novo e voltou a respirar normalmente. Seu rosto perdeu aquele arroxeado e o menino abriu os olhos, olhando ao seu redor sem entender nada. D. Morte tirou sua mão da testa dele e levantou-se novamente. Carmem perguntou, com o corpo tremendo e a voz embargada.

– O... o que você fez? Ele... ele tá...
– Ele vai se salvar. – Ela falou com a voz baixa e num tom que Carmem nunca tinha ouvido antes. – Dentro de algumas horas, Franja conseguirá consertar o aparelho e chamar ajuda. O garoto irá receber tratamento adequado e ficará bem.

Carmem voltou a chorar de novo, só que dessa vez de alivio e alegria.

– Eu nem sei como agradecer, minha nossa! Por que você salvou ele?

Pela primeira vez, D. Morte lhe deu um sorriso sem aquele sarcasmo ou cinismo de sempre.

– Conte a verdade pro garoto. Sabendo explicar, ele irá entender.
– Ele vai me odiar!
– É um risco. Grande parte do sofrimento dele vem de pensar que está sendo rejeitado pelos pais. Contando a verdade, você acabará com esse sofrimento dele.

Ela respirou fundo e agradeceu.

– Obrigada! De verdade! Eu não sabia que você podia fazer isso...
– Acredite, pirralha, você nem imagina as coisas que eu posso fazer. Agora eu vou, meu trabalho aqui está terminado. De vez em quando eu volto pra puxar essa palha de milho que você chama de cabelo. E também para tomarmos um bom trago.

A morte estava indo embora quando parou e voltou-se para Carmem novamente.

– Se quer mesmo me agradecer, pede para aquela mulher parar de espalhar por aí que eu como crianças com batatas! Eu sequer como carne!

Dito aquilo, D. Morte desapareceu no ar, deixando Carmem sozinha no quarto. Ela pegou o menino no colo e abriu a porta. Todos olharam ansiosos esperando por más notícias. Cotinha e Tonico se aproximaram deles apreensivos.

– Cotinha, dá pra dar um banho no Fabinho? Ele tá precisando.

A mulher levou um susto.

– Ara, a muié di preto num levô ele?

Seus amigos se aproximaram, juntamente com Licurgo. Carmem respondeu.

– Ela deu mais tempo de vida pra ele.

Licurgo arregalou os olhos e não acreditou.

– Como assim? Ela não ia levá-lo ao nascer do sol?
– E tava quase levando. Mas aí ela resolveu não levar mais ele. Não é demais?

Tonico suspirou aliviado, seus amigos comemoraram batendo palmas e Cotinha pegou o menino nos braços, também chorando emocionada por não ter perdido seu filho.

– Intaum vamo tomá banho, sô! – ela falou levando Fabinho para fora. – Dispois ocê vai cumê arguma coisa pruquê saco vazio num pára di pé!

Todos a cercaram cheios de perguntas. Especialmente Licurgo, que mal podia acreditar que D. Morte tinha poupado uma pessoa.

– Ela realmente deu mais tempo de vida a ele? – louco perguntou incrédulo – Assim de graça?
– É, de graça! Não falei que ela é legal? Agora o Franja vai ter mais tempo pra consertar a máquina!

Marina bateu palmas e falou.

– Então eu vou agora falar com ele, nossa! Isso é bom demais! – ela saiu correndo dali, junto com o resto do pessoal. Todos queriam dar a boa notícia. Mas Licurgo ainda estava preocupado.

Quanto tempo a mais de vida a morte tinha dado ao garoto? Seria suficiente para esperar que Franja consertasse o comunicador? E como consertar o comunicador sendo que faltavam peças de todos os tipos? Não teria sido crueldade da morte dar a todos aquela esperança só para depois se decepcionarem?

– Ai, fica assim não professor! Vai dar tudo certo!
– Eu ainda não sei... faltam muitas peças. Franja é um gênio, mas não é santo pra fazer milagre.
– Se for preciso, eu vou até a cidade e tento arrumar as tais peças, faço qualquer coisa.

Ele sorriu com a ingenuidade daquela moça e não falou nada. Talvez fosse bom deixá-la acreditar um pouco que um milagre tinha acontecido. Também não foi possível evitar um pequeno sentimento de inveja. A morte tinha poupado aquela criança, mas levou quem ele mais amava no passado sem dar a ela nem mais um minuto de vida.

“Vá entender aquela criatura... talvez ela não seja tão ruim afinal de contas.”

__________________________________________________________

De onde estava, D. Morte acompanhou o restante do nascer do sol. As lágrimas tinham secado, seu rosto estava tranqüilo e ela se sentia muito mais leve. Será que aquela pirralha tinha visto alguma coisa? Ela procurou cobrir bem o rosto com o capuz para evitar qualquer situação desagradável. Ainda assim a garota pode ter visto algo. Apesar disso, ela não se importou.

– Agora eu sei por que Serafim colocou aquela pirralha no meu caminho. Anjo safado aquele! – ela falou consigo mesma, quase arrependida por ter depenado suas asas. Quase.

Um novo dia estava começando, para ela e para a humanidade também. Aquela pirralha estava certa, não fazia sentido deixar de aproveitar os bons momentos só porque eles acabavam. O que seria da sua vida sem as boas lembranças? Pelo menos elas tornavam seu trabalho menos doloroso e mais tolerável.

Não tinha como gostar daquele trabalho, mas ela sabia que podia aprender a aceitar. E sabendo aproveitar cada bom momento que surgisse em sua vida, ela poderia até ser feliz ainda que dentro das suas limitações.

– Como será que o pessoal está indo? Acho que vou fazer uma visita pra eles. E pro Matusalém, aquele velho sem vergonha! Será que ele ainda sabe dançar?

Ela levantou vôo dali, sentindo a brisa da manhã batendo em seu rosto. Pelo menos o pior tinha passado.

__________________________________________________________

Ele voava rapidamente, vasculhando o local com os olhos procurando pelo local do abrigo. Fazia algumas horas que ele estava voando e suas asas doíam um pouco. Depois de muitos dias longe, Ângelo sentia falta dos seus amigos. Momentos antes, ele tinha falado com Nina e certificou-se de que ela estava bem depois de um trabalho longo e exaustivo evitando que vazamentos de petróleo e usinas nucleares causassem um desastre ecológico. Elas também tiveram um trabalho monumental para evitar que as cinzas expelidas pelos vulcões de todo o mundo envolvessem a Terra impedindo a passagem da luz do sol e fazendo com que o planeta entrasse em uma era do gelo.

Pelo menos a situação ao redor do globo estava se estabilizando. Os terremotos cessaram e as águas estavam recuando, expondo os locais antes inundados com toda a sua devastação.

“Deixa eu ver... onde fica mesmo o abrigo do Licurgo? Caramba, devia ter guardado um mapa! Ah, peraí! Acho que fica mais pra lá...”

Como estava cansado, Ângelo pousou sobre uma colina para descansar as asas um pouco e tentar lembrar onde era a localização do abrigo. Que ironia um anjo não saber para onde ir!

__________________________________________________________

A bateria do celular estava relativamente baixa e Xaveco tentava discar o número várias vezes, sem sucesso.

– Tá fazendo o quê, gato? Ligando para alguma piriguete? – Denise falou debochada, sentando-se ao lado dele.
– Eu tô tentando ligar pra Xabéu, mas o celular não funciona!
– Claro que não! O Franja falou outro dia que as operadoras foram destruídas, esqueceu? Sem operadoras, não dá pra fazer ligações.
– Sei disso, só pensei que de repente teria sobrado alguma, sei lá! Argh, porcaria! A Xabéu chegou e eu nem posso falar com ela!
– Se o Franja conseguir consertar aquele aparelho...
– Que Mané consertar! Ele tá quebrando a cabeça com isso desde ontem e até agora não conseguiu nada! Ainda bem que a D. Morte deu mais tempo de vida pro Fabinho, senão ele tava mortinho a essa hora.

Ela passou a mão nos cabelos do rapaz tentando acalmá-lo.

– Fica assim não, fófis. O importante é que sua irmã já chegou. Uma hora eles encontram a gente.
– É... só que seria mais fácil se a gente conseguisse entrar em contato.
– Ela tá com o celular dela?
– Tá.
– Então vamos falar com o Franja. De repente ele dá um jeito de conseguir fazer seu aparelho ligar pro dela.

Mesmo não acreditando naquela possibilidade, Xaveco seguiu Denise só para não ter que discutir. Quando ela queria alguma coisa, ele quase nunca tinha forças para recusar.

Em seu quarto, Franja estava sentado no chão com a cabeça entre as mãos, remoendo sua raiva e frustração por não conseguir nenhum resultado positivo. Cebola estava cochilando em um canto para descansar da noite mal dormida. Já era quase onze da manhã e eles ainda não tinham conseguido nada.

Quando viu o estado do amigo, Xaveco pensou em recuar e sair dali, mas Denise insistiu e entrou no quarto.

– O que vocês querem? – ele perguntou de mal humor.
– A gente queria saber se não dá pra você fazer o celular do Xavequinho aqui ligar pro da Xabéu.

O inventor levantou a cabeça e arregalou os olhos.

– Celular? A Xabéu tem um celular? – Xaveco respondeu.
– Tem. Sempre que chega na Terra, a Xabéu me liga com ele e...
– Ela tem um celular? Sério?
– Er... mas ele só funciona quando ela tá na Terra e...

Ele bateu na própria cabeça várias vezes.

– Burro, burro, burro! Droga, eu não acredito que não pensei nisso antes! É tão simples! Cebola, acorda aí criatura! Anda, temos trabalho a fazer!
– Hmmmm... só mais cinco minutos... – ele resmungou virando-se para o outro lado. Franja lhe deu um cutucão com a ponta do pé e ameaçou.
– Levanta daí ou eu falo pra Mônica vir te acordar.

Num segundo ele já estava de pé.

– O que foi? O mundo tá acabando de novo?
– Não, acontece que eu tive uma grande idéia!

Sob o olhar confuso de todos, ele voltou a mexer no equipamento alterando algumas peças e trocando os fios. Quando se deu conta de que ninguém estava entendendo nada, ele explicou.

– A nave Hoshi usa alta tecnologia em seus comunicadores e para conseguir reproduzir o comprimento de ondas que eles usam é preciso uma aparelhagem muito sofisticada. Mas os celulares se comunicam com ondas de rádio, que são mais simples de serem reproduzidas!

Mais uma vez ninguém entendeu nada. ele continuou falando mais para si mesmo do que para os outros.

– Se eu conseguir produzir uma boa quantidade de ondas de rádio, eles irão nos localizar com os equipamentos da nave.
– Acha mesmo que eles vão fazer isso? – Cebola perguntou já entendendo melhor o raciocínio do amigo.
– Vão sim, eles devem estar rastreando a Terra procurando por qualquer sinal. Se conseguirmos enviar um sinal de rádio, eles vão nos encontrar. E a freqüência das ondas de rádio é mais fácil de reproduzir do que a freqüência do comunicador deles. As peças que temos são suficientes.
– Dá pra gente ajudar em alguma coisa? – Xaveco quis saber já mais animado.
– Precisamos de celulares! Eles emitem ondas de rádio. Quanto mais, melhor!
– Estão todos sem bateria. – Denise falou.
– Não tem importância. Agora com o sol quase a pino, posso usar energia solar com todos eles. Vamos, arrumem todos os aparelhos que vocês conseguirem!

Os dois saíram correndo e procuraram pelo resto da turma, pedindo que cada um entregasse o seu celular. Quando conseguiram um número suficiente, Franja ligou todos em sua bateria solar para que pudessem funcionar e emitir ondas de rádio.

– Como eles vão emitir essas ondas? – Cebola perguntou.
– Telefonando. Vamos colocar todos eles pra discar o número da Xabéu. Isso deve chamar a atenção deles. Cara, eu nem acredito que o Xaveco me deu essa idéia brilhante!
– Aê, grande Xaveco! – os outros o cumprimentaram e ele mal continha a grande satisfação de ser o centro das atenções e o herói da turma.


__________________________________________________________
– Aff! Finalmente! – Ângelo falou aliviado por finalmente ter encontrado o abrigo. O local nem era tão isolado assim, ele é que acabou se confundindo no meio do caminho. Com toda aquela transformação da Terra, ele acabou ficando meio perdido que com o senso de direção prejudicado.

Dorinha estava sentada junto com DC, esperando que o equipamento do franja desse algum resultado quando de repente a moça teve um sobressalto.

– O que foi? – ele perguntou.
– O Ângelo chegou! Ele tá lá fora! Vem, vamos receber ele!

Ela foi correndo para o lado de fora, seguido por DC e Nimbus.

– Ângelo! Rapaz, você não morre mais! – Nimbus o saudou. – Onde você se enfiou, criatura?
– Ih, nem te conto!
– Ah, conta sim! – DC falou também feliz em ver o amigo. – A gente quer saber tudo!
– Cadê o resto do pessoal?

Nimbus contou a eles o que tinha acontecido nos últimos dias e também falou sobre o caso do Fabinho e das tentativas do Franja de consertar o comunicador para entrar em contato com a nave Hoshi e pedir socorro.

(Dorinha) – Ainda bem que a D. Morte poupou ele! Senão não teria dado tempo!
– A D. Morte é muito gente fina, o povo é que fica com medo dela sem razão! Anda, vamos falar com o pessoal que eu tenho novidades!

Eles entraram fazendo a maior festa e Ângelo também foi saudado pelo resto da turma, que o encheu de várias perguntas ao mesmo tempo, mal dando ao rapaz tempo de respirar.

– Calma aí, gente! Uma coisa de cada vez!
(Mônica) – O que aconteceu com a Keika e o Tikara? Nossa, a gente tá morrendo de preocupação por causa deles.

O anjo sorriu, fazendo um pouco de suspense e depois relatou a história fazendo um pouco de drama.

– Foi por pouco, viu? Quase que não deu!
(Cebola) – Mas e aí, o que houve?
(Cascão) – Não enrola não, cara!
– Depois de passarmos sobre a ilha de Madagascar, os motores da nave deram problemas. O Tikara falou que foi por causa da alta radiação emitida pelo sol. Como o campo magnético da Terra tinha praticamente desaparecido, a nave ficou desprotegida e os equipamentos danificados.

Sem que ninguém visse, Franja suspirou aliviado ao saber que não tinha sido problemas do seu projeto.

– Então a nave teve que fazer um pouso forçado no mar. Pra nossa sorte, a gente não tava muito longe do litoral. A nave tinha sido projetada para poder andar no mar e mesmo com os motores danificados, deu pra chegar até o litoral de Moçambique.
(Franja) – Vocês não foram atingidos pelas tsunamis?
– Fomos atingidos por algumas ondas sim, mas elas não tinham muita força e não afundaram a nave. Aí conseguimos chegar ao litoral e lá deu pro Tikara e sua equipe fazer alguns reparos. Depois disso voamos mais para o interior.

Todos ouviam atentamente, não perdendo nenhum detalhe e vibrando de alegria ao saber que seus amigos tinham conseguido escapar. Ângelo continuou.

– A África foi assolada pelos terremotos sim, mas não foi inundada, então foi muita sorte mesmo! Vocês sabiam que aquele continente até se elevou?
(Marina) – Ai, que bom! Então eles estão bem?
– Estão sim. Quer dizer, dentro do possível porque a situação lá também tá bem difícil porque o povo foi muito afetado e eles estão passando dificuldades. Mas todos estão vivos.
(Franja) – Eu estou tentando entrar em contato com a nave Hoshi. De repente, eles resgatam o Tikara e o resto do pessoal e trazem pra cá!

Todos voltaram a comemorar e Franja continuou enviando as ondas de rádio. Ângelo ficou sobrevoando o local do abrigo para ver se avistava a nave Hoshi. A esperança tinha voltado para todos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "2012" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.