2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 80
A espera


Notas iniciais do capítulo

Foi mal, gente... era pra ter acabado a história semana passada, mas é que eu não fiquei satisfeita com algumas coisas e precisei mudar. Agora a coisa vai andar direito.



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No capítulo anterior, Franja estava tendo dificuldades para consertar o comunicador. Enquanto isso, o estado de Fabinho piora aos poucos.

- Ei, pirralha. Acorda! Argh, que nojo! Você está babando o travesseiro!
- Heim? Já abriram o shopping? Eu preciso comprar sapatos novos... – Carmem falou ainda grogue de sono e a morte lhe deu um puxão de cabelo para fazê-la acordar de vez.  

A loira esfregou os olhos, se espreguiçou, resmungou alguma coisa que D. Morte não conseguiu entender e perguntou.

- Tá me acordando por quê? Ai meu santo! O sol já nasceu?
- Não. Ainda são quatro da manhã. Eu te acordei porque estou morrendo de tédio nesse quarto espremido e sem nada pra fazer.
- E você me acordou do meu sono de beleza só por causa disso?
- Não. O garoto está respirando com dificuldade. Vá arrumar uma infusão de eucalipto para ele agora mesmo ou eu não terei como esperar até o nascer do sol.

Carmen saiu dali correndo feito maluca e voltou minutos depois trazendo o eucalipto na água fervente.

- Ai, ele ainda continua com dificuldade pra respirar! Agüenta só mais um pouco, Xodozinho, só mais um pouco! O Franja tá tentando chamar o Astronauta.
- E ele conseguiu alguma coisa?
- Nada... – Ela respondeu triste e desanimada. – Tá difícil colocar aquele... aquele treco pra funcionar porque não tem luz elétrica e falta um monte de coisas.
- Você quer dizer que faltam peças.
- É!

Mesmo sabendo que Carmen não saberia responder, D. Morte perguntou assim mesmo.

- Quais peças faltam?
- Acho que ele precisa de uns negocinhos vermelhos, outros azuis com pontinhas e mais um aparelhinho pra não sei o quê... ele também falou que falta uns trequinhos pra colocar não sei onde.

Ela bateu na própria testa impressionada com a burrice daquela criatura que não foi capaz de guardar o nome das peças nem com a vida do seu primo dependendo disso.

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Do lado de fora do quarto, Titi segurava uma xícara com chá de canela e respirava fundo várias vezes tentando criar coragem. Do lado dele, Jeremias balançava a cabeça.

- Cara, você vai mesmo entrar ali? Tu é doido!
- A D. Morte tá lá dentro, esqueceu? – Nimbus falou também sentindo uma ponta de medo.
- Eu é que não entro aí nem que a vaca tussa! – Xaveco disse e Lucas o apoiou.
- Nem eu, tá doido! Vai que ela corta a minha cabeça com aquela foice!
- Pois eu quero entrar! Me dá essa xícara aí que eu levo! – DC pediu e levou uma cotovelada do irmão para tomar um pouco de juízo.

Ele acabou perdendo a paciência e mandou os rapazes calarem a boca.

- Bah, vocês estão fazendo drama a toa cambada de frouxo! A Carmem tá lá com ela e até agora não morreu! Pois eu vou entrar.

Quando ele bateu na porta, os outros se afastaram e ficaram olhando de uma distância segura. A porta se abriu e todos suspiraram de alívio por Carmem ter atendido.

- Er... eu trouxe chá de canela pro Fabinho... tá tudo bem com ele?
- Tá sim, obrigada. Você não quer entrar?

Se não fosse o seu grande controle sobre a bexiga, ele teria molhado as calças na mesma hora. Ele trincou os dentes, rezou em pensamento e entrou junto com Carmem evitando encarar D. Morte com medo de perder a cabeça. E felizmente ela também não falou nada com ele.

- Xodozinho, ora do chá!
- Meu nariz tá entupido... tá doendo aqui. – ele falou apontando para o próprio peito.
- Eu sei, lindinho. Esse remédio vai te ajudar a ficar bom. Me ajuda, Titi.

O rapaz levantou o menino para que ela pudesse lhe dar o chá. Eles conversaram um pouco e ele saiu dali se esforçando para demonstrar uma tranqüilidade que não sentia.

- Que rapaz bobo... até parece que eu vou mordê-lo!
- Mas ele é um gato, não é?

A morte deu de ombros.

- Muito novo. Nunca gostei de rapazinhos. Dá muito trabalho pra ensinar e eu não tenho paciência.
- Heim? Ensinar o quê?
- Aff, eu não acredito! Vai me dizer que você nunca... nunca... – ela segurou um palavrão ao ver que Fabinho ainda estava acordado. Para sua sorte, Carmem acabou entendendo.
- Eu não... meu último namorado foi o Titi e depois disso não fiquei com ninguém. Ai, peraí! Quer dizer que você já fez isso?
- Não, sua anta. Eu sou mais velha que a raça humana e ainda sou virgem. Argh, você é sem noção mesmo, viu?

Carmem ficou pensativa por um tempo e depois falou fazendo careta.

- Ai meu santo! Essa imagem nunca mais vai sair da minha cabeça!

D. Morte perdeu a paciência, pegou a moça pelos cabelos e a levou até a porta do quarto.

- Vai pegar mais água quente com folhas de eucalipto, vai!
- Essa ainda não esfriou!
- Vai assim mesmo! – ela botou a moça para fora do quarto e fechou a porta. Depois sentou-se na cama e começou a rir. Aquela loirinha era mesmo uma figura!

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- Água, água! – Cebola saiu esbaforido do quarto do Franja.
- Calma aí, Cebola! Foi só um curto-circuito! – o cientista ralhou indo atrás do careca antes que ele jogasse um balde de água no seu equipamento.
- Você não conseguiu nada, Franja? – Mônica perguntou.
- Nada... eu já nem sei mais de onde tirar peças. O carro do Licurgo tá todo desmontado e não tem mais nenhum equipamento eletrônico na pousada que a gente possa aproveitar.

Cebola, já mais calmo, perguntou.

- E os celulares?
- Não, eles não têm peças que sirvam. Eu preciso de resistores, relés, alguns capacitores e também diodos. Não tem nada disso aqui!
(Magali) – E a televisão do abrigo?
- Já pensei nisso, mas aí vai todo mundo me matar!
(Cascão) – Ué, a TV não tá mais funcionando mesmo, então não vai fazer falta nenhuma!

Eles foram conversar com Licurgo e ele autorizou os rapazes a usarem a televisão do abrigo. Todas as emissoras tinham sido destruídas, os satélites não funcionavam mais, então era bobagem tentar manter ali um aparelho que não transmitia mais nada. Depois eles tentariam arrumar outra.

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- Mamãe?
- Hum? – D. Morte deu um pequeno sobressalto ao ouvir o murmúrio do menino.
- Cadê a mamãe? – ele voltou a perguntar com a voz chorosa e respirando com dificuldade.

Como sabia de qual mãe ele estava falando, ela ficou sem saber o que responder. Era bem provável que Carmem ainda não tivesse falado nada com ele sobre o que aconteceu com seus pais e não era ela quem ia lhe falar a verdade.

- Carminha...
- Ela não está.
- Oi D. Ambrosina... a Carminha saiu?

Ela fez um esforço para não soltar uma careta por causa daquele nome ridículo e respondeu.

- Fique bem quieto. Vou buscá-la.

Após certificar de que o garoto não ia sair da cama, D. Morte deixou a foice encostada em uma parede e saiu do quarto pisando duro, espantando todos que estavam no meio do caminho. Ela foi até Cotinha, que estava de plantão no lado de fora do quarto, e falou rispidamente.

- Vá olhar o garoto. Agora! – a mulher tratou logo de obedecer e a morte foi atrás de Carmen que estava na cozinha. Raquel, que tinha acordado no meio da noite por causa da movimentação anormal e foi vigiar a cozinha, saiu dali correndo apavorada.

- Por que tá demorando, pirralha?
- Eu heim! Não tem nem cinco minutos que eu saí! E foi você quem me botou pra fora!
- Então volta logo que o garoto está te chamando.
- Você deixou ele sozinho?
- Não. Mandei aquela mulher tomar conta dele.

As duas retornaram para o quarto e ao ver que Cotinha tremia de medo e mal conseguia se concentrar em Fabinho, Carmem a liberou.

- Ocê tem certeza?
- Tenho sim. Até o nascer do sol ele vai estar bem. Eu fico aqui.
- Tá bão... – a pobre mulher saiu dali se esforçando para não chorar e as duas ficaram sozinhas com Fabinho novamente.
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O tempo foi passando e o estado de Fabinho piorava aos poucos. Franja e Cebola faziam de tudo para consertarem o comunicador e esbarravam em muitas dificuldades por causa da falta de peças.

Na nave Hoshi, Zé Luis tentava de tudo para rastrear o sinal do Franja, sem sucesso. Era preciso que o sinal fosse constante para que os equipamentos pudessem rastreá-lo. Ele continuava acordado, só esperando por qualquer tentativa de contato para assim poder descobrir onde Franja estava.

Ao ver como o planeta estava devastado, Astronauta mandou uma nave-patrulha para tentar avaliar melhor os danos e enviou uma mensagem de socorro ao planeta de Usagi Mimi. Depois de toda aquela tragédia, seria preciso muita ajuda para reconstruir a humanidade.

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Carmen acordou com o primo tossindo e ela viu que ele respirava com dificuldade.

- Carminha... cadê a mamãe?
- E-ela ainda não veio, Xodozinho! Tenta não falar, por favor!
- Eu quero a mamãe!

Ela olhou para D. Morte como que pedindo ajuda. Definitivamente aquele não era o melhor momento para dizer a verdade ao garoto.

- Tente fazê-lo se acalmar. Quanto mais ele falar, pior vai ser.
- Eu quero a mamãe! – ele repetiu já chorando. – Por que ela nunca fica comigo? Ela não gosta de mim?

Foi preciso muito jogo de cintura para fazer o menino ficar quieto e parar de chorar. Ao olhar para o relógio, Carmen viu que eram cinco e meia da manhã. Faltava pouco mais de uma hora para o sol nascer e o tempo estava esgotando. Da esperança, ela foi para a angústia e desespero ao ver que Cebola e Franja não tinham conseguido consertar o comunicador e nem pedir ajuda. Sem aquilo, não tinha como salvar Fabinho.

D. Morte acompanhava a aflição da moça sem falar nada. Ela tinha presenciado aquele tipo de cena milhares de vezes e era sempre triste. Por que as pessoas se apegavam tanto umas as outras? Ela não sabia e nem podia criticar já que tinha a mesma fraqueza. E era aquela fraqueza que lhe trazia tanto sofrimento quando via seus amigos partirem e os bons momentos se acabarem restando somente o vazio e a solidão. Talvez estivesse na hora de ela acabar com aquilo.

“Não vale a pena... definitivamente não vale a pena!” ela pensou vendo como Carmem chorava e se afligia diante da iminência de perder seu primo.

Aquela garota tinha vivido a vida inteira cercada de luxo, apegada a aparências, dinheiro e bens materiais. E tudo se acabou. Agora ela vivia como uma moça comum, tendo que trabalhar e enchendo as mãos de calos. Não tinha mais seus pais para lhe proteger e estava para perder o único parente que tinha sobrado. A vida era mesmo estranha. Quando as pessoas se apegam, se acostumam e passam a sentir afeto por algo ou alguém, a vida tratava de lhe tirar tudo.

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Eram seis da manhã. Ao ver que não tinha mais como consertar o equipamento, Franja caiu de joelhos no chão se sentindo o maior fracassado do mundo. Suas invenções não serviam para nada, sempre davam defeito e ele não conseguia resolver nenhum problema. Seus amigos estavam certos o tempo inteiro, ele era um inventor fajuto de meia tigela.

Cebola esfregava o rosto também desanimado. Ele estava exausto, frustrado e triste em saber que eles estavam prestes a sofrer mais uma perda.

Do lado de fora do quarto de Carmem, Cotinha e Tonico se abraçaram esperando receber más notícias a qualquer momento. Dentro de alguns minutos o sol ia nascer e tudo estaria acabado.

- E se eu entrasse lá e desse uma surra nela? – Mônica falou torcendo as mãos angustiada.
- Não faz isso, Mô! – Magali pediu preocupada com a amiga. – Não vai adiantar de nada!
- Droga!

Olhando pela janela, Cotinha viu que o horizonte estava começando a clarear, anunciando o nascer do sol. Ela começou a chorar desesperada e só não entrou no quarto para implorar pela vida do seu filho porque Tonico não deixou. Ele tinha perdido dois filhos, estava para perder o terceiro e ele não estava disposto a perder a esposa também.

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- Carminha, não chora...
- Não dá pra evitar, Xodozinho! Não dá! Me desculpa! Eu fiz tudo o que pude!
- Eu vou ver a mamãe?
- ...

Sua garganta apertou e ela não conseguiu falar mais nada. Fabinho voltou a tossir e seu rosto estava ficando levemente arroxeado, indicando que ele não conseguia respirar direito. D. Morte levantou-se da cama e falou.

- Está na hora.

Carmem pegou o menino no colo e o abraçou afetuosamente, enchendo o rosto dele de beijos.

- Valeu a pena?
- O quê? – ela perguntou entre lágrimas olhando o rosto de D. Morte que estava de pé diante deles.
- Você não conseguiu evitar. Eu o levarei de qualquer jeito. Valeu a pena todo esse esforço? Você sofreu ao lado dele, esperou, teve esperanças e acabou se frustrando. Agora, ele está para morrer.
- Claro que valeu a pena! Pelo menos eu tentei fazer alguma coisa! Se não deu, é porque não deu mesmo e não porque eu não fiz nada!
- Você é mesmo uma boba.
- Boba por quê? Só porque eu tentei fazer alguma coisa por ele?
- Porque você se apega demais a coisas e pessoas. Todo seu sofrimento vem do apego que você tem por esse garoto. Entenda que tudo nessa vida acaba um dia, nada é para sempre. Família, amigos, dinheiro, bons momentos... tudo sempre acaba. Não vale a pena se apegar a nada.

Ela enxugou as lágrimas, ajeitou Fabinho em seu colo e falou olhando para D. Morte com um ar muito sério.

- E daí que tudo passa?
- Como é?
- Só porque as coisas passam, a gente não vai aproveitar nada?
- Isso tem um preço. De que adianta aproveitar agora e sofrer a perda no futuro?
- De que adianta não aproveitar nada se tudo vai acabar de qualquer forma?

A morte não teve como responder.

- Eu tive uma vida boa. Vestia as melhores roupas, os melhores sapatos, ia ao salão de beleza toda semana e meus pais me davam tudo o que eu queria. Foi bom, eu aproveitei sim e não me arrependo. Se não tivesse aproveitado nada, tudo teria acabado do mesmo jeito e eu ficaria aqui arrependida pelo que eu deixei de fazer.
- Mas...
- Se as coisas boas acabam, então aí é que a gente tem que aproveitar mesmo! Quando acabar, pelo menos a gente aproveitou! E depois vêm outras, e mais outras! Sempre vem!
- É pouco provável que você venha a ter novamente a mesma fortuna que antes. – D. Morte falou para provocá-la.
- Posso ter outras coisas! Eu aprendi que dinheiro não é tudo, sabia? Antes eu achava que era, agora sei que não é mais! Vou ter outras coisas sim.
- Quem te garante?
- Eu não sei. Mas se eu deixar de aproveitar as coisas boas só porque vão acabar, então minha vida vai ficar muito triste! Não vou ter boas lembranças e nem uma esperança de que tudo vai melhorar. Minha vida vai ficar vazia e sem graça. Não quero viver assim.

D. Morte virou de costas para os dois e ficou remoendo seus pensamentos.

- Eu vou perder meu priminho, não vou? Sei que vou... Mas vou lembrar dele com carinho. E dos meus pais também. Eles não foram os melhores pais do mundo, mesmo assim foram meus pais. Vou levar todos eles no coração. E vou ficar bem porque pude aproveitar cada coisa.

A morte continuou em silêncio.

- Você disse que tudo passa, mas esqueceu que as coisas vão e também vêm! Quando elas vêm, a gente aproveita. Quando vão, a gente guarda o que ficou de bom e espera pela próxima.

Pela janela, as duas viram que o sol tinha nascido. Carmem parou de falar e voltou a beijar o rosto do seu primo para se despedir e depois falou.

- Ele melhorou um pouquinho e não está sofrendo tanto. Aproveita agora e por favor, toma cuidado pra ele não sofrer, tá? E leva ele pra um lugar bom... pede pro Ângelo cuidar dele!

Ela parou de falar e seu corpo voltou a ser sacudido pelos soluços. D. Morte continuou imóvel e a sua mão apertou com força o cabo da foice. Por fim, ela virou-se de volta para os dois e aproximou-se do garoto, colocando a mão em sua testa com suavidade. Fabinho tossia muito e seu peito chiava. Seu corpo magro e franzino tremia com a tosse e Carmem percebeu que ele estava perto do fim.


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