2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 43
Deixando o passado para trás




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No capítulo anterior, Penha quis se vingar da Mônica e do Cebola fazendo com que eles fossem humilhados, mas tudo terminou de uma forma surpreendente.

4 DE JULHO DE 2012

Há dias ela estava assim e Ângelo não sabia mais o que fazer. Sempre que se encontravam, Nina caia no choro e por mais que ele perguntasse, ela nunca dizia o que estava acontecendo.

– Nina, por favor! Se você não me falar o que está acontecendo, não vou poder ajudar!
– E-eu sei... é que... que... – ela voltou a chorar, deixando-o muito preocupado.

As outras ninfas olhavam o casal de longe, com medo de que ela acabasse fraquejando e falando o que não devia e Ângelo percebeu que não era somente Nina que escondia alguma coisa. As outras ninfas também pareciam guardar um segredo entre elas.

– Eu quero falar, Ângelo, quero mesmo!
– Então por que fala? Vocês estão com algum problema?
– Não se trata da gente... se trata...
– Nina! – uma delas chamou ao longe, com as mãos na cintura. Ela chorou mais ainda e tentou explicar.
– Sinto muito, Ângelo, mas eu não posso dizer o que está acontecendo! Ninguém aqui pode! Recebemos ordens para não falar nada!
– Sério? Caramba... mas é muito grave?
– Ela não pode falar e ninguém aqui vai dar com a língua entre os dentes. – Tália disse com um tom enérgico.
– Por que vocês não podem falar?
– Ordens de Serafim e você sabe que não podemos desobedecer. É por isso que ela chora tanto. Nina quer te falar, mas não pode.
– Não é justo! Ele precisa saber! – ela gritou assustando a todos ao seu redor. Aquele tipo de atitude não era comum nela. – Eu não posso continuar guardando isso! Ângelo...

Ele colocou dois dedos sobre seus lábios, pedindo que ficasse em silêncio.

– Não, linda. Não me fale nada. Se vocês não têm permissão para falar, então é melhor guardar segredo.
– Mas se eu não contar, você vai me odiar para sempre!
– Não vou, eu prometo. Sei muito bem como são essas coisas e sei que quando recebemos ordem para não revelar algo, temos que seguir a risca. Não seria justo se eu ficasse zangado com você por causa disso. Por favor, não chore assim. Vai ficar tudo bem, vem cá.

Ela se aconchegou em seus braços ainda soluçando e as outras ninfas se tranqüilizaram sabendo que se dependesse de Ângelo, a informação continuaria guardada até o momento certo.

D. Morte os olhava de longe, sentindo-se triste pelo rapaz. Como ele ia lidar com aquilo?

“Pobre rapaz... o pior é que eu nem posso falar nada, senão é capaz de ele tentar me impedir e isso não seria bom.” A última coisa que ela queria era ter que brigar com o único amigo que tinha lhe sobrado. Por outro lado, ele poderia acabar brigando com ela de qualquer jeito. A morte saiu dali contrariada com tudo aquilo. Sua vida era basicamente a mesma coisa. Pessoas iam e vinham e no fim, ela sempre ficava sozinha. E mesmo jurando a si mesma nunca mais se apegar a ninguém, em pouco tempo ela acabava fazendo as mesmas coisas e se ferindo novamente. Vida de ceifadora era mesmo uma droga, por isso ela não pretendia de forma alguma resolver aquele assunto pendente que Serafim tanto pedia. Se dependesse dela, aquilo não ia se resolver nunca.

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Agnes percorria cada cômodo da sua casa evocando as lembranças do passado. Seu trabalho com a Carmen tinha terminado e ela não podia mais ficar na Terra. Dentro de pouco tempo, os emissarios de Serafim iam buscá-la e ela resolveu aproveitar seus ultimos momento na Terra para visitar sua antiga casa. O local estava abandonado, coberto de poeira e uma porta estava quebrada. No chão, partes de um móvel estavam espalhadas aqui e ali, resultado do arrombamento que Mônica tinha feito há muito tempo antes.

No porão havia o lugar onde ela guardava as gaiolas com seus passarinhos. Todas estavam quebradas e havia um buraco no chão que Mônica tinha feito para escapar pelo esgoto. Seu rosto encheu de tristeza ao lembrar da sua infância, quando ela colecionava pássaros para poder ouvir seu canto. Ela simplesmente os adorava, por isso queria mantê-los por perto. Então apareceu aquela garota enxerida junto com o pestinha do seu primo e estragou tudo.

Naquela época ela vivia com o fantasma dos seus pais, que cuidavam dela e sempre a lembravam de tomar seus remédios. Quando foi invocada pela Penha, ela tinha esperança de poder voltar a viver em sua antiga casa junto com seus pais, como uma família. Nada disso aconteceu.

“Não tem jeito... vou ter que me virar sozinha porque todo mundo me deixou na mão. Bando de traidores!”

Primeiro foi Sofia, que acabou ficando do lado da Mônica. Uma amiga a menos. Depois a Penha. Agnes achou que se a avisasse sobre a tragédia, a francesa teria chances de se salvar e viver uma vida tranqüila, que lhe permitiria ser exilada para o mesmo mundo que ela. Isso também não aconteceu porque aquela garota mimada e egocêntrica teve que estragar tudo por causa daquele plano de vingança. Penha acabou comprometendo a si mesma e quase leva Agnes junto. Se ela não tivesse agido rápido avisando a irmã do Cebola para trocar o dinheiro de lugar, ela estaria em sérios apuros.

Felizmente a menina tinha acatado seu conselho e tudo terminou bem, embora lhe causasse repulsa pensar que tinha ajudado a Mônica e os amigos dela. Foi um mal necessário.

E como se aquilo não fosse suficiente, ela também teve a desilusão de encontrar seus pais só para descobrir que eles estavam completamente malucos e desvairados. Serafim a levou até onde eles estavam e ela quase chorou de desgosto ao ver o estado em que eles estavam. Os dois viviam em um lugar sujo, cheio de lama e mato seco, mas acreditavam piamente que ainda estavam morando na antiga casa, com sua filha e os passarinhos dela.

– Agnes, vá tomar seus remédios. – sua mãe falava o tempo inteiro para um monte de barro que ela acreditava ser sua filha. – Vista um agasalho, você não pode se resfriar.

Seu pai não estava em melhor estado e também delirava o tempo inteiro.

– Preciso limpar as gaiolas dos pássaros. Filhinha, você quer ver os passarinhos cantarem?
– Não pode deixá-la tocar nesses bichos sujos, ela é muito doente!

E os dois seguiam travando diálogos com sua filha imaginária. Sua mãe também limpava a casa fazendo gestos como se estivesse varrendo, tirando o pó ou lavando a roupa. Seu pai agia como se estivesse cuidando dos pássaros e falando com sua filha. Nenhum dos dois a reconheceu e ainda gritaram para ela ir embora porque seus pés estavam sujos e podiam contaminar a casa e agravar a doença da filha.

– Serafim... por que eles ficaram desse jeito?
– Quando eles foram embora da sua antiga casa, nós tentamos resgatá-los. Mas eles nunca quiseram vir conosco porque são muito apegados a antiga vida que tiveram e não aceitam que agora vivem em outro plano.
– Não dá pra fazer nada por eles?

O anjo balançou a cabeça.

– A única solução para eles é fazê-los renascer em outro mundo a fim de acabar com esse desequilíbrio do espírito deles.
– Então eles podem ir para o mesmo mundo que eu!
– Não, não podem. Seus pais estão perturbados demais e não podem ir para o mesmo lugar que você. Eles serão mandados para um mundo primitivo e ficarão ali até conseguirem se reequilibrar de novo.
– Então eu nunca mais vou vê-los?
– Talvez daqui a uns séculos, quando estiverem equilibrados o suficiente para serem enviados ao seu mundo.
– Isso vai demorar muito!

Ele a olhou bem nos olhos e disse.

– Você pode ir com eles.
– Ir com eles?
– Sim. No momento, você está mais equilibrada do que eles e poderá ajudá-los.
– Você quer que eu vá pra um desses mundos primitivos? Quer que eu passe os próximos séculos vivendo entre selvagens no meio da sujeira?
– Seria para ajudar seus pais. Isso os ajudaria a se recuperarem mais rápido e também seria um grande salto para a sua própria evolução.
– Não mesmo! Você prometeu que eu ia para um mundo um pouco mais evoluído!
– E pretendo cumprir a promessa, mas seria interessante se você pensasse na possibilidade de...
– Pra mim isso não é possibilidade! É um absurdo.

O rosto dela, normalmente bonito e tranqüilo, se contorceu de uma maneira assustadora e tentáculos começaram a sair do seu corpo. Sempre que se enfurecia, ela retornava a sua forma original. Serafim não se alterou porque sabia que ela não tinha como lhe fazer mal, mas ficou com muita pena daquela garota que ainda tinha o coração endurecido demais para sentir compaixão por qualquer pessoa, mesmo que fossem seus pais. Agnes não sentia amor por ninguém, não se importava com as outras pessoas e só enxergava seus próprios interesses. Definitivamente, ela ainda tinha muito que aprender.

Ela foi para o andar de cima da casa, onde ficava o seu antigo quarto. Os móveis estavam basicamente no mesmo lugar, apesar de sujos de poeira. Os tecidos tinham se deteriorado, sobrando apenas farrapos. Alguns poucos brinquedos ainda estavam nas prateleiras. Não era muita coisa porque ela era alérgica a praticamente tudo. Por instantes, ela sentiu vontade de chorar e acabou engolindo o choro.

Dentro de alguns dias, aquela casa seria destruída, seus pais enviados para longe, Penha não poderia mais acompanhá-la e não havia a menor chance de Sofia ir com ela. Sua raiva aumentou novamente e ela perdeu sua forma humana. Seus pais estavam num estado de demência total, não podiam fazer nada. Mas Penha tinha condições de avaliar os seus atos e acabou estragando tudo de propósito. Embora não tivesse nenhum sentimento de afeição pela francesa, Agnes queria que ela também fosse para o novo mundo para lhe fazer companhia. Mas não, tudo deu errado e no fim ela teria que ir sozinha.

– Maldita Penha! Por que você foi fazer isso comigo? Eu te avisei!

Um tentáculo acertou a cama, quebrando-a em vários pedaços. Outro destruiu uma prateleira espalhando os brinquedos no chão. Ela pegou uma boneca, a sua boneca preferida e a partiu ao meio sentindo-se quebrando toda por dentro. Todo seu passado estava terminado e sua presença naquele mundo ia ser esquecida para sempre. Tudo aquilo que ela amava tinha terminado.

Só lhe restava sentar e esperar pelo fim. Não havia mais nada a se fazer. Seu trabalho com Carmen também tinha terminado e ela tinha recebido ordens para voltar ao outro mundo de onde seria encaminhada para um lugar adequado.

Aos poucos ela foi voltando a sua forma humana. Grande parte da raiva tinha passado e ela sabia que dentro de pouco tempo os emissários de Serafim iam buscá-la. Após dar uma última olhada em seu quarto, agora destruído, ela saiu dali sem olhar para trás e procurando esquecer de tudo o que tinha vivido naquela casa. Seu passado estava morto para sempre.

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Mônica, Cebola, Magali e Cascão estavam sentados a mesa de uma lanchonete quando Sofia chegou e se juntou a eles. Após os cumprimentos, Cebola perguntou.

– E aí, tá sabendo de alguma coisa?
– Ela vai embora na sexta-feira.
– Ainda faltam dois dias! – Mônica falou cerrando os punhos. Parecia pouco, mas ela sabia que aquela doente poderia acabar aprontando algo.
(Magali) – Sei lá, acho que ela já deve estar satisfeita e não vai mais amolar a gente.
(Cebola) – Ainda assim, a gente tem que seguir com o plano. Ela tem que pensar que venceu e que a gente ficou sem dinheiro nenhum.

Por medo de que Penha voltasse a tentar algo contra eles, Cebola teve a idéia de espalhar que os quatro tinham perdido todo o dinheiro. Ele até pediu que Denise publicasse em seu blog na esperança de que Penha visse tudo. Eles também procuravam fingir tristeza, medo e desespero para tornar a farsa mais realista. Depois que ela fosse embora, aí sim eles poderiam dizer a verdade para o resto da turma. Em se tratando de alguém como a Penha, todo cuidado era pouco.

– Eu ainda não acredito que a Agnes ajudou vocês! – Sofia falou tomando um grande copo de Milk-shake. – Sempre achei que ela tava do lado da Penha!
(Mônica) – Eu também, mas se não fosse por ela, a gente tava encrencado agora. Vai ver ela não era tão ruim quanto a gente pensava.
(Cascão) – Sei lá... de repente ela só quer salvar a gente pra vir puxar nosso pé depois!
(Magali) – Ai, credo Cascão!
(Cascão) – Relaxa, Magá! Tô só brincando!
(Magali) – Nhé, eu toscão!

Ele deu uma risada e depois perguntou.

– E aí, quando é que a gente vai levar os seus gatos pro louco? Ele vai nesse domingo, você tem que aproveitar a carona!
– Ele disse que o vôo tá marcado para uma da tarde. Então a gente tem que passar na casa dele de manhã com os gatos. Eu já tenho uma caixa de transporte pra cada um!

Ao ver que Magali estava muito aflita por causa dos seus gatos, Cebola resolveu conversar com Licurgo para ver se ele não podia levá-los com ele. Felizmente, o louco aceitou fazer esse favor deixando Magali com grande alívio.

(Cebola) – Você já conseguiu os documentos?
– Já sim. A dona lá do pet Shop onde eu trabalho conhece um veterinário que aceitou fazer esse favor pra mim.
(Mônica) – Ela sabe por que você tá mandando os seus gatos pro Mato Grosso?
– Tentei falar, né... mas ninguém acredita na gente. Acham que eu fiquei maluca.
(Cascão) – Bem vinda ao clube dos malucos, hahaha!

Eles deram uma risada e continuaram planejando como iam fazer para levar os gatos da Magali para a casa do Licurgo. Por mais que partisse seu coração ficar longe dos seus gatinhos, Magali sabia que era para o bem deles. Se ela e sua família não conseguissem escapar, pelo menos eles estariam salvos e seriam bem cuidados pelo Licurgo.

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Carmen entrou em seu quarto com o corpo banhado em suor por causa da corrida que ela tinha feito pela propriedade. Seus pés estavam doloridos e suas costas doíam um pouco. Luisa e Felipe estavam com ela, ambos também suando muito e com a língua de fora.

– Credo, eu tô ensopado de suor!
– Eu também, viu? Carminha, a gente tem mesmo que ficar correndo com essas mochilas nas costas?
– Temos sim, é preciso treinar bastante!
– Não sei como você agüenta!
– Querida, se eu consigo andar sobre pedregulho usando salto tamanho 10 e fazer depilação completa sem gritar de dor, correr com essa mochila nas costas não é tão difícil assim!

Os dois se jogaram no chão e Carmen colocou a mochila em seu lugar e foi falar com Fabinho, que brincava no chão com um brinquedo que ela tinha lhe dado alguns dias antes.

– Xodozinho, cadê a titia?
– A mamãe saiu. Todo mundo saiu.
– Aff! Eles não param mais em casa, que coisa!

Ela olhou para os primos que ainda estavam estirados no chão e resolveu tomar um banho enquanto eles ainda se recuperavam. Antes, ela pegou o celular e discou um número.

– Alô?
– Aninha? É a Carmen. Tô ligando pra saber se eu posso te pegar na sua casa amanhã pra gente ir fazer a inscrição.
– Pode sim, mal posso esparar!
– Tá bom, lá pelas dez da manhã eu passo aí de carro.

Quando ela desligou o celular, Luisa perguntou.

– Eu heim! Você tá levando isso muito a sério! Curso de sobrevivência?
– É mais um curso de acampamento, mas quebra o galho. E a gente tem que se prevenir, né? Por que vocês dois não vão também?
– Embrenhar no meio do mato pra ser devorado por mosquitos canibais? Tô fora! – Felipe falou tirando os tênis e impregnando o ar com o mal cheiro que saia dos seus pés. – A gente não vai precisar disso não, você é que tá cismada a toa.
– Vocês é quem sabem.

Ela entrou no banheiro e depois de encher a banheira e colocar os sais de banho, Carmen ficou pensando naqueles sonhos malucos que lhe perseguiam durante dias. Depois daquela festa na sua casa, ela ainda não teve a chance de falar com Ângelo e várias perguntas ainda povoavam sua cabeça. Perguntas que teriam de ficar para depois, porque no momento ela só queria relaxar e sentir o aroma dos sais importados de Calcutá.


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