2012 escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 44
Cara a cara com a Morte


Notas iniciais do capítulo

O capítulo ficou loooongooooo! Mas se eu dividisse ao meio, muita gente ia me matar por causa do suspense.



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No capítulo anterior, Agnes se deu conta de que não teria mais ninguém para acompanhá-la no novo mundo e ela teve que deixar seu passado para trás.

5 DE JULHO DE 2012

Ele não tinha conseguido conciliar o sono durante a noite. E quando conseguiu cochilar um pouco, ainda acabou sonhando com ela. Que diabo! Será que ele não ia conseguir tirar aquela garota da cabeça nunca mais? Apesar de estar fazendo frio, Titi levantou-se da cama e foi procurar algo para fazer e ocupar sua mente. Não resolveu muito. A todo instante, lembranças dos dois juntos invadiam sua mente e ele acabava se perdendo em devaneios, lembrando dos bons momentos que eles tiveram na infância e também na adolescência.

Ela era romântica, carinhosa e procurava sempre ficar bonita para ele. Era divertido sair com ela, eles davam risadas e quase sempre brigavam porque ela o pegava olhando outra menina. Em sua cabeça, aquilo não tinha nada de mais. Ele podia até flertar com outras garotas, mas seu coração seria sempre dela. Por que ela nunca foi capaz de entender isso?

Então ele decidiu que queria ter sua liberdade, poder ficar com quem quisesse sem dar satisfações a ninguém. Mas de vez em quando a saudade apertava e ele ficava pensando se valia mesmo a pena ter todas as garotas que quisesse e acabar ficando sem a que ele gostava de verdade. Ficar com outras garotas era bom, mas no fim sempre restava aquele vazio. Cada um ia para um lado e muitas vezes nem se falavam mais. Mesmo que algumas continuassem atrás dele, Titi não sentia nada por elas e tentava não lhes dar falsas esperanças. Será que aquela vida estava mesmo valendo a pena?

O rapaz resolveu sair um pouco para refrescar a cabeça. Por toda parte que ia, ele acabava vendo o rosto dela. Não importava se a garota era loira, ruiva ou morena. Ele sempre via longos cabelos castanhos e aqueles lindos olhos que sempre o encantaram. Que saudade!

“Caramba... será que ela tá mesmo feliz com o Jeremias? Aposto que não, ela gosta mesmo é de mim, sempre gostou! Aposto que se eu me esforçar, ainda posso ter uma chance!” ele se animou um pouco. Desde aquele incidente desagradável na frente da casa dela, ele nunca mais tentou fazer nada para reatar o namoro. Ele tinha ficado terrivelmente ofendido por ela tê-lo trocado por outro, seu ego foi ferido e aquilo foi difícil de aceitar. Com o tempo, depois que a raiva passou, ele acabou chegando a conclusão de que ela não estava errada no fim das contas.

“É... quem não dá assistência, perde pra concorrência! Eu marquei muita bobeira deixando a Aninha largada por aí! No lugar dela, eu teria feito a mesma coisa. Só que agora eu quero ela de volta, poxa!” parte dele queria mesmo procurá-la para se desculpar por tudo e pedir que ela voltasse para ele, mas outra parte ainda insistia em manter o orgulho. Sem saber o que decidir, Titi continuou andando a esmo, oscilando entre duas vontades conflitantes. Por que tudo tinha que ser tão complicado?

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Tália , junto com as outras ninfas, estava de olho nela para evitar qualquer deslize. Nina estava sentada a beira do lago tentando manter sua cabeça no lugar. Suas amigas estavam certas, ela não podia contar nada para ninguém e só lhe restava esperar pela hora fatídica. Ainda assim, aquilo era tão triste!

Quanto mais a hora se aproximava, mais seu coração apertava.
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Mais uma vez ela checou a lista para ver se não tinha nenhum erro. Aquele caso ainda lhe incomodava muito. Geralmente Serafim não costumava fazer muito mistério, mas daquela vez ele se recusou a revelar qualquer coisa.

Olhando para os dois nomes na sua lista, ela se perguntou por que tinha que levar alguém cuja a hora ainda não tinha chegado. O fato de ela estar no lugar errado e na hora errada não queria dizer nada. Durante seu trabalho, ela viu pessoas sobreviverem em condições muito piores.

“Só espero que o Serafim não esteja aprontando, senão eu vou arrancar as asas dele, ah se vou!” ela chutou uma lata para longe. Seu humor estava realmente péssimo naquele dia.

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- Fica bem bonzinho aqui, tá bom? Eu vou no shopping e volto já, é rapidinho.
- Você traz daquele doce pra mim?
- Trago, meu xodozinho. Você vai querer de morango ou baunilia?
- Eu gosto do de morango.
- Tá bom. Fica aqui vendo desenho que eu não demoro.

Ela se despediu do primo com um beijinho no rosto e foi até o carro, onde o chofer a aguardava. Que coisa chata... ela tinha aprendido a dirigir muito bem e no fim acabaria não ganhando seu carro.

- Vamos passar na casa da minha amiga. Ela deve estar me esperando.
- Sim senhorita.

Durante o trajeto, Carmen foi olhando pela janela. Tudo parecia tão tranqüilo e seguro que ela se recusava a acreditar que dentro de pouco tempo aqueles prédios seriam destruídos. Seria mesmo possível algo ser tão grande assim a ponto de acabar com tudo?

Olhando para o céu, ela lembrou-se do seu estranho sonho. O céu estava limpo e ela ficou se perguntando se realmente havia ali os anjos de asas negras.

“Que coisa, eu acabei não podendo perguntar nada pro Ângelo. Ah, depois eu falo com ele.”

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09:45 da manhã

“Deixa eu ver... carteira de identidade, CPF... é tá tudo aqui. Melhor correr que logo a Carmen chega pra me pegar.”

- Aninha, você vai mesmo fazer aquele curso bobo? – sua mãe perguntou.
- Não é um curso bobo, mãe! É uma coisa muito importante!
- Importante é você parar com essas besteiras de cursos e pensar em casamento! Você fica aí com essas manias de independência e vai acabar morrendo solteirona!
- Ah, mãe! Deixa disso! Eu não vou morrer e muito menos ficar solteira. Estou namorando o Jeremias, esqueceu?
- E trate de segurar muito bem esse rapaz!

Ela deu uma risada ao ver como sua mãe tinha gostado do Jeremias e parecia empolgada com o namoro dos dois. Ela nunca tinha gostado muito do Titi, que sempre mostrou suas tendências galináceas desde cedo. Ainda assim, Aninha sempre se pegava pensando nele de vez em quando. Era difícil esquecer alguém que tinha sido tão importante durante toda sua vida! Às vezes ela sentia saudades dos bons momentos que eles tinham passado juntos.

Apesar disso ela não pensava em reatar o namoro com Titi. Pelo menos não enquanto ele continuasse com aquele comportamento. Não dava para garota nenhuma ser feliz com alguém como ele, que era infiel e galinha por natureza. Ela consultou o relógio. Faltavam dez minutos para as dez horas e ela resolveu ir para o portão da sua casa ou a Carmen ia fazer o coitado do chofer apertar a buzina feito maluco e os vizinhos não gostavam. 

- Tchau, mãe! Vou esperar a Carmen lá fora.
- Tá bom. Você vem almoçar?
- Venho sim, não se preocupe. 
- Então não se atrase. Vai com Deus.

A jovem pegou sua bolsa, despediu da sua mãe com um beijo no rosto e correu para o lado de fora da casa. Quando saiu pelo portão, ela teve a surpresa de ver Titi no outro lado da rua olhando para ela.

Ele também foi pego de surpresa porque não esperava vê-la por ali. Naquela hora ela costumava estar fazendo algum curso ou coisa parecida. E agora, o que fazer? Falar com ela? Ir embora? Só ficar ali olhando? O rapaz ficou indeciso. Minutos atrás, Titi se sentia seguro e confiante para falar com ela, mas depois de vê-la, toda sua segurança tinha ido para o espaço dando lugar a um grande nervosismo. E se ela fosse grosseira? E se não quisesse mais falar com ele? Foi muita burrice ele ter falado aquelas coisas no outro dia. Antes de mais nada, ele teria que se desculpar.

Aninha ficou onde estava olhando para ele e pensando se devia entrar ou continuar ali. Talvez não houvesse perigo nenhum, já que Titi estava quieto, não falava nada e não parecia ter vindo para brigar. Enquanto continuasse assim, não haveria problemas.

Por fim, ele se decidiu e foi até ela. Ao ver que a garota ficou nervosa com sua aproximação, ele procurou tranqüilizá-la.

- Calma, eu só quero conversar.
- É que eu estou esperando a Carmen...
- A gente conversa enquanto ela não chega. Relaxa, eu não vou brigar.
- Tá bom. O que você quer falar?

Ele olhou para o chão, arrastou um pé, pigarreou um pouco para limpar a garganta e perguntou.

- Como vai indo o seu namoro com o Jeremias?
- Vai indo bem... parece que você fez as pazes com ele...
- Heim? Mais ou menos, sei lá.
- Vocês pareciam bem lá na festa da Carmen.
- A gente tinha tomado muita cerveja, isso não conta.
- Os dois sempre foram tão amigos...
- Isso antes de ele me apunhalar pelas costas namorando com você!

Aninha deu um suspiro desanimado. Será que ele só estava ali para acusar o amigo?

- Olha, Titi, não sei se a gente devia estar falando disso...
- Não mesmo, eu vim falar de outra coisa.
- De quê?

As palavras embolaram na sua boca e Titi não conseguiu falar nada. Por ter sido pego de surpresa, ele não tinha ensaiado nenhum discurso e não sabia o que dizer a ela. Talvez fosse melhor deixar aquilo para depois. Assim ele poderia se preparar melhor e falar tudo com mais calma. E para seu alívio, o carro da Carmen tinha chegado. Salvo pelo gongo.

- Er... a Carmen já chegou.
- Pois é.
- A gente se fala mais tarde, agora eu tenho que ir.
- Tranqüilo.

Ao vê-la se afastando, ele sentiu um aperto no coração e teve vontade de chamá-la de volta. O dia estava frio, porém bonito. Eles podiam dar um passeio e conversar. O compromisso dela com a Carmen podia ficar para depois, não? Antes de ela entrar no carro, ele chamou.

- Aninha!

Ela parou e olhou para ele.

- O que foi? – suas pernas tremiam ao ver que ele a olhava daquele jeito apaixonado de antigamente.
- Eu... er... nós... (glup) – o corpo dele também tremia e ele acabou fraquejando. – Nada não, depois a gente se fala com mais calma.
- Então tá. Tchau.
- Tchau...

“Seu burro, idiota, bundão, por que você não falou com ela? Por quê? Seu cagão de meia tigela!” ele ficou xingando a si mesmo em pensamento enquanto via o carro se afastando. Bem... o dia estava começando e ele pensou que ainda tinha muito tempo para falar com ela depois. Ele se acalmou. Por que ter pressa? O mundo podia estar perto de uma grande tragédia, mas aquilo não ia acontecer de uma hora para outra. Ainda havia tempo e ele resolveu que ia fazer tudo bem feito, convidando para jantar em um lugar bem bacana, talvez lhe dar um anel. Mulheres adoravam jóias. Então ele ia propor que eles reatassem o namoro. Não tinha como dar errado.

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- O que ele queria com você? – Carmen perguntou enquanto remexia sua bolsa a procura de sabe-se lá o quê.
- Não sei, ele não disse.
- Aposto que ele quer reatar o namoro.
- Você acha? Só que agora eu estou namorando o Jeremias.
- Isso é, mas aposto que você ainda tem uma quedinha dele. E como não ter? Viu só aqueles músculos? Ai, eu não me canso de olhar pra ele!

Aninha respirou fundo, tentando não ter um ataque de ciúmes. Afinal, eles não eram mais namorados.

- Você nunca mais tentou ficar com ele... – ela falou tentando mostrar naturalidade.
- Claro que não! Foi ele quem me deu o fora, então é ele quem tem que vir me procurar! Uma Frufru que se preze jamais fica correndo atrás de ninguém!

Ela não pode deixar de achar engraçado. Carmen era mesmo uma pessoa estranha e cheia de contradições. Podia ser solidária e esnobe, inteligente e burra, corajosa e fresca. Tudo dependia da situação. Ainda assim ela preocupava em como a amiga ia conseguir sobreviver depois que tudo acabasse.

- Eu tô doida pra fazer aquele curso, mal posso esperar. Até já arrumei as coisas!
- Já? Pra quê? O curso só vai começar na semana que vem.
- Mas eu tô muito ansiosa! Já coloquei todo o material necessário na mochila: barraca, saco de dormir, lanternas, repelentes para inseto, creme hidratante e um estojo de manicure.
- E o que você vai fazer com um estojo de manicure no meio do mato, Carmen?
- Vou fazer as unhas, ué! Pra quê mais seria? Acha mesmo que fim do mundo é desculpa pra eu relaxar com a minha beleza? Nunca! Esses cachos não se mantém hidratados sozinhos.

Para dar ênfase a última frase, Carmen sacudiu sua longa cabeleira macia e bem cuidada graças aos produtos caros e os competentes profissionais dos salões de beleza. Aninha balançou a cabeça achando aquilo ao mesmo tempo cômico e trágico. Olhando melhor, Carmen parecia uma boneca Barbie. Se o cabelo fosse liso, a semelhança seria perfeita. Ela estava sempre bem maquiada, com a produção impecável e usando roupas na última moda. Sua pele bonita e acetinada mostrava que ela gastava mais tempo com cremes do que com livros. E suas mãos macias deixavam claro que ela nunca tinha sequer pegado em uma vassoura em toda sua vida.

Aquele corpo delicado e franzinho parecia não ser capaz de não agüentar nada e ela se perguntava como aquela garota conseguia andar com uma mochila pesada nas costas sem se partir ao meio. Era bem provável que não houvesse quase nada dentro da mochila, só alguns poucos itens para tratamento de beleza. Isso explicava muita coisa.

- Chegamos! Tomara que não tenha nenhuma fila, eu odeio esperar! Meus pezinhos delicados de princesa não agüentam.

O local para a inscrição ficava em uma agencia de turismo, que tinha oferecido aquele pacote de viagens juntamente com um curso de acampamento. Algumas pessoas estavam sendo atendidas no balcão pelas recepcionistas que vestiam uniformes impecáveis da empresa. Apesar dos resmungos de Carmen, as duas se sentaram em cadeiras que tinha lá dentro para esperar o atendimento. Elas não podiam passar na frente das pessoas que tinham chegado ali primeiro.

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“Por que a Nina tá daquele jeito? Puxa, será que o troço é tão grave assim?” Ângelo foi pensando enquanto andava pela calçada usando seu sobretudo. Ainda bem que fazia frio, assim ficava mais fácil usar aquele disfarce. Ela tinha saído com outras ninfas para resolver um assunto e ele ficou pensando com seus botões o que a deixava tão aflita.

O problema era que ela não podia falar nada, por isso ele não insistiu. Não era justo deixá-la em uma situação ruim só para satisfazer sua curiosidade. Era preciso esperar para saber o que ia acontecer e ele pensou que poderia ser algum grande derramamento de petróleo, talvez um acidente nuclear nas usinas de Angra I ou Angra II. Aquilo podia ser um grande problema. Ou quem sabe alguma queimada de proporções imensas? Não havia como saber.

- Oi, Ângelo!
- Iai! – ele deu um salto com a chegada repentina da moça, que disparou a rir com o susto dele.
- Puxa, você tava distraído, heim?
- Foi mal, Dorinha. Eu só estava pensando umas coisas aqui.
- Algum problema?
- É a Nina... Ela tem andado muito triste nos últimos dias, mas não pode me falar o que é porque não tem permissão.
- Que complicado...
- Eu tenho feito de tudo pra animá-la, só que nada funciona!
- Então deve ser muito sério!
- Será? De repente pode ser um pouco de exagero por parte dela.
- Ela nunca foi exagerada, você sabe.
- É... De noite eu vou levá-la pra passear, isso deve ajudar um pouco. E você, tá fazendo o quê por aqui?
- Vai ter um conserto no teatro da cidade e eu não quero perder. Dizem que um maestro muito famoso vai reger a orquestra.
- Então vai ser legal. Quer que eu te acompanhe até lá? Não tô fazendo nada mesmo.
- Quero sim. Você bem que devia assistir também, a entrada é franca.
- Sei lá, não tô com bom estado de espírito pra essas coisas.
- A gente tem que aproveitar, Ângelo. O tempo passa depressa e num segundo tudo pode acabar. “Viva o hoje, pois o ontem já se foi e o amanhã talvez não venha.”
- Frase legal. É de quem?

A moça se surpreendeu.

- Ué, foi você quem deu essa frase pra Aninha.
- Eeeuuuu? Como assim?
- Naquele biscoito da sorte!
- ??? – ele arregalou os olhos, sem ter a menor idéia do que Dorinha estava falando.

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A hora estava quase chegando e as pessoas estavam nos lugares certos, inclusive as duas amigas de Ângelo. D. Morte olhou para elas sentindo pena de ambas, especialmente daquela que ainda ia ter mais tempo de vida. Ela ainda podia viver por muito tempo, mas estava prestes a ter sua vida interrompida a qualquer momento.

- Ai, meus sais! Será que vão nos atender ainda hoje? Eu tenho hora marcada no salão de beleza, preciso fazer minha limpeza mensal de pele! E depois tratar os cabelos, fazer as unhas... ai, tem uma promoção naquela joalheria do shopping que eu não quero perder!
- Calma, não faz nem vinte minutos que a gente tá aqui!
- Vinte? Pra mim parece que se passou o dia inteiro!

As atendentes tentavam manter a paciência com aquela patricinha enjoada. Só porque era rica, ela se achava no direito de ter tratamento preferencial e passar por cima de todos, mas elas não podiam permitir aquele tipo de coisa.

D. Morte também franziu o nariz para aquela garota e torceu para não ter que ouvir aquela voz irritante na hora de ceifar sua vida. Ela dava cada agudo que fazia seus ouvidos doerem. 

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Enquanto isso, Dorinha tentava descrever a Ângelo o embrulho onde ele tinha colocado o biscoito da sorte para Aninha.

- Ela disse que foi um embrulho todo branco com um laço preto e o biscoito estava lá dentro.
- Peraí, Dorinha! Eu não dei biscoito da sorte pra Aninha não! Na verdade, eu não dei nenhuma pista pra ela!
- Não? Então quem deu aquele biscoito pra ela? A Aninha falou que viu um vulto atrás dela e depois o embrulho apareceu assim do nada.
- Mesmo? – ele ficou sério de repente, sentindo uma coisa ruim dentro de si. – aqui, repete aquela frase do biscoito. Como era?

A moça recitou novamente a frase, falando devagar para que ele pudesse entender aquelas palavras.

-“Viva o hoje, pois o ontem já se foi e o amanhã talvez não venha.”
- E estava numa caixa branca com um laço preto?
- Estava... Ângelo, o que tá acontecendo? – ela perguntou ao sentir que o rapaz tinha ficado tenso de repente.
- Caramba! Dorinha, eu tenho que ir agora, é urgente!
- Tudo bem... ai! O que tá acontecendo?

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No seu laboratório, Ângelo viu que a agulha do sismógrafo tinha dado um salto, deixando o rapaz apavorado.

- Essa não! Já começou! – o local tremia levemente, derrubando algumas coisas no chão e ele saiu dali com medo de algum desmoronamento.

Do lado de fora, as pessoas corriam desesperadas para se proteger. Havia muito pânico e todos gritavam apavorados.

Mônica e as outras garotas também estavam com medo ao sentirem o chão tremendo debaixo dos seus pés e elas não sabiam o que fazer e nem para onde fugir. Várias casas tremiam e as pessoas corriam apavoradas para a rua.

Cebola e Cascão ajudavam suas famílias a saírem de casa com medo de um desmoronamento e os pais da Mônica tentavam telefonar para a filha desesperadamente, já que ela tinha saído com as amigas. A padaria de Quim também tremia e as prateleiras com bolos, biscoitos e ingredientes caiam no chão sob o olhar desesperado do seu Quinzão que tentava salvar o que podia.

- Deixa isso, pai! Vamos sair daqui!

Pai e filho saíram da padaria e correram junto com as outras pessoas que também estavam desesperadas.

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- Gente, o que é isso? – Aninha gritou ao sentir o chão tremer. Elas mal conseguiam se manter de pé e tudo estava caindo. O tremor era forte demais. De repente, as paredes começaram a desmoronar, juntamente com o teto e as pilastras. As duas tentaram correr para fora da agencia e a entrada tinha sido bloqueada por uma coluna de cimento que tinha se soltado do teto.

Carmen gritava histericamente, com medo por si mesma e pelo seu primo, que estava em casa longe da sua proteção.

- Aninha, a gente tem que sair daqui!
- Como? A porta foi bloqueada. Vamos pro outro lado!

Ela tentou ir para onde estavam outras pessoas e Carmen teve um pressentimento ruim.

- Não, vem cá! A gente tem que ficar perto da porta!
- Tá doida? A gente vai morrer!

Aninha soltou a mão dela e correu mais para dentro da agencia, achando que podia se abrigar debaixo de alguma mesa. Carmen tentou alcançá-la e antes que pudesse pegar novamente seu braço, uma grande e pesada pilastra de cimento caiu em cima da amiga, bem no meio das suas costas.

- Aninha? Ai não!

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Ângelo pegou Dorinha em seus braços e procurou levá-la para longe dali. Se a deixasse sozinha, ela não teria como se salvar.

Ao sobrevoar o bairro, ele viu Mônica e as outras garotas correndo pelas ruas.

- Ângelo! – Mônica chamou, chorando de medo assim como as outras. – O que tá acontecendo?
- Gente, calma! Tentem encontrar a família de vocês e por favor, levem a Dorinha pra casa dela. Alguém aí sabe onde a Aninha está?

Elas logo ficaram preocupadas e Marina respondeu.

- Acho que ela foi no shopping com a Carmen pra se inscrever num curso... – ela mal terminou de falar e Ângelo saiu voando dali a toda velocidade. Era exatamente no shopping onde o tremor foi mais forte.

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O tremor de terra, que não havia durado nem um minuto inteiro, havia parado. O escritório da agencia, antes limpo, bonito e bem decorado, agora estava um grande caos. O teto havia desmoronado soterrando a maioria das pessoas que estavam ali dentro. 

Aninha estava deitada de bruços com aquele grande peso esmagando suas costas e ela mal conseguia falar. Carmen se desesperou e começou a gritar por socorro. Ninguém atendeu. Todos pareciam ter sido soterrados e a saída estava bloqueada. Como ninguém atendia seu pedido de socorro, ela resolveu tentar tirar a pilastra de cima da amiga, sem nenhum sucesso. Aquilo devia pesar mais de cem quilos e ela não era a Mônica, que conseguia carregar aquelas coisas como se fossem feitas de isopor. Ainda assim ela não desistiu e continuou tentando erguer o grande bloco, ferindo as mãos e quebrando as unhas.

Outros pedaços de cimento e madeira foram caindo em cima da pilastra e por serem mais leves, Carmen conseguiu tirá-los. Ela tentou mais uma vez tirar o bloco maior e acabou se ferindo com um dos vergalhões que estava projetado para fora do cimento.

- Aninha, acorda! Fala alguma coisa! – ela gritava e chorava para a amiga, que tossia cuspindo sangue e não conseguia falar nada. Seu corpo doía e ela sentia seus pulmões sendo invadidos pelo seu sangue. Sua visão foi ficando cada vez mais turva e ela mal conseguia ouvir os gritos de Carmen.

Mesmo impressionada com a persistência daquela patricinha. D. Morte resolveu acabar logo com aquilo e se tornou visível.

Carmen sentiu um arrepio em seu corpo e ao olhar para trás, seus olhos arregalaram e um grito de pavor saiu da sua garganta ao ver na sua frente a mulher que aparecia nos seus sonhos. A mesma roupa, o mesmo rosto pálido e a mesma foice. Então aquela era a morte? Ela estava sonhando com a morte durante aquele tempo todo? Suas pernas falharam e ela caiu de joelhos ao lado de Aninha, tentando proteger a amiga com seu corpo.

- Não! Ela ainda tá viva e precisa ir pro hospital!

Ela olhou para a moça com um olhar frio e cortante e disse.

- Vá embora. Se você fugir, eu não a seguirei.

Por um instante, Carmen pensou em fugir dali mesmo e até chegou a se levantar. Mas ao ver o corpo de Aninha sob aquela pilastra, ela não conseguiu sair do lugar e voltou para o lado dela.

- Eu tenho que chamar a ambulância, ela precisa de ajuda!

A morte balançou a cabeça. Aquela moça não ia sobreviver nem se fosse socorrida naquele instante. Seu destino já estava selado. Como não estava com muita paciência, ela apontou sua foice na direção de Carmen e falou com a voz ameaçadora.

- Saia agora mesmo. Ela já está morta.
- Não está não, mentira! Ela ainda tá respirando! – Carmen gritou tentando envolver Aninha ainda mais. – Deixa eu chamar a ambulância, ela precisa de um médico!

Seu humor não estava nada bom naquele dia e D. Morte acabou perdendo a paciência, pegando o braço de Carmen com força e tirando-a dali num puxão só. Carmen gritou de dor ao sentir as unhas da morte entrando em sua carne e ela apertava seu pulso com tanta força que a moça chegou a sentir os ossos estalarem. No auge do desespero, ela segurou o braço da D. Morte com a outra mão livre e cravou o os dentes com toda a força que pode reunir. Como a região da mordida não estava protegida pelo tecido da sua roupa, D. Morte deu um grito ao sentir os dentes da loira praticamente entrando em sua pele. Ela tinha mordido com tanta força que acabou ferindo o local e um líquido preto jorrou dali sujando o rosto da moça.

Ela deu um forte safanão, fazendo com que Carmen caísse para trás. Ao olhar o local da mordida, que tinha marcas de dentes que pareciam mordida de tubarão, ela se enfureceu de tal forma que acabou perdendo o bom senso e foi para cima da Carmen e a ergueu do chão segurando seus cabelos com força.

- Se você quer assim, então vou te levar primeiro! – ela rosnou entre dentes apontando a foice para o seu pescoço e se preparando para dar o golpe fatal. 

Ao ver a lamina daquela foice indo em direção ao seu pescoço, Carmen esqueceu todo o medo e segurou o cabo com força, impedindo que D. Morte avançasse.

- Escuta aqui, sua baranga horrorosa! – ela falou fuzilando a morte com o olhar. – Ninguém puxa o meu lindo cabelo a não ser o meu cabeleireiro, ouviu? Ninguém!
- Como é?

Carmen deu um chute na canela da outra e depois partiu para cima dela, derrubando-a no chão e enchendo seu rosto de tapas. D. Morte tinha sido pega de surpresa e lutava para tirar aquela garota de cima dela.

- Sua bruxa horrorosa, você não vai levar a minha amiga, não vai! – Carmen gritava feito louca enquanto enchia o rosto da morte de tapas. Um soco foi desferido diretamente em seu rosto e D. Morte agarrou a gola da sua blusa e a atirou para longe.

Ela levantou-se rapidamente e com um gesto, fez com que sua foice voltasse para sua mão e já recomposta ela caminhou para a direção de Carmen, que estava jogada no chão atordoada com a pancada que tinha levado em seu rosto.

- Agora chega de brincadeiras, mocinha. – ela falou quase tocando o seu corpo com a foice e parou de repente ao ver respingos de um líquido escuro no rosto dela. Era o mesmo que escorria do seu ferimento. Um pouco daquilo tinha ido parar nos lábios da moça e ela certamente deve ter engolido. Era esse o plano de serafim? Então ela se deu conta de que ele não queria que Carmen fosse levada. Os planos dele eram outros.

- D. Morte! – uma voz gritou atrás dela.
- Ângelo?

Ele correu para perto de Carmen, tentando reanimá-la. Ao ver que a garota estava bem, ele foi para perto de Aninha e viu que ela não teve a mesma sorte.

- Ah, não! Isso não! D. Morte, por quê?
- Mantenha essa patricinha irritante quieta ou eu não respondo por mim. – ela falou com o rosto endurecido e trincando os dentes.

Ângelo nunca tinha visto aquela fisionomia no rosto da morte e pela primeira vez ficou com medo dela, por isso fez conforme ordenado sem discutir. De qualquer forma, Carmen ainda estava grogue por causa do soco e não ia mais dar trabalho. A morte chegou perto de Aninha e a tocou com sua foice, terminando o serviço. Um emissário apareceu e levou sua alma embora, juntamente com as outras vítimas do desmoronamento. Seu trabalho ali estava acabado. Antes de ir embora, ela deu uma última olhada em Carmen, que estava começando a acordar.

- Aninha! A gente tem que chamar a ambulância!
- Não, Carmen... não dá mais... – ele falou com a voz triste.
- Como assim não dá mais? Eu posso pagar o melhor hospital pra ela!
- É que... que...

Carmen saltou dali e correu de volta para junto da amiga e viu que ela não se mexia e nem respirava mais. As lágrimas brotaram em seus olhos e ela começou a chorar desesperadamente, gritando pelo nome dela com a esperança de que aquilo fizesse a amiga acordar novamente.

D. Morte foi embora dali apertando seu ferimento, deixando que Ângelo cuidasse do resto.


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