Fantasia escrita por Suzana San


Capítulo 27
Capítulo 19 – Lágrimas


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora. Fim de ano no trabalho foi uma correria. Mas estou de férias e pretendo enviar o capítulo 20 em breve. Boa leitura!



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Capítulo 19 – Lágrimas

“Se eu posso ver dor em seus olhos, compartilhe comigo suas lágrimas. Se eu posso ver alegria em seus olhos, compartilhe comigo o seu sorriso.” (Santosh Kalwar)

O dia chegava ao fim. Keiko desviou os olhos do pôr do sol e respirou fundo algumas vezes para conter a ardência em seus olhos. Amanhã, a essa mesma hora, estaria se arrumando para o baile, e ela sabia que seriam suas últimas horas ao lado de Kakashi. As lágrimas que ela estava tentando segurar correram livres pelo seu rosto.

Nos últimos dias, eles tentaram de todas as formas fingir que aquele momento não estava chegando. Gastaram horas no tatame da academia, passearam sem rumo pela cidade em cima da moto de Kakashi, se divertiram vendo filmes, tentaram cozinhar o jantar... Na maioria das vezes eles conseguiram manter os corações leves, mas sempre havia uma sombra de tristeza espreitando num canto escuro, pronta para, num momento de fraqueza, atacar.

Ela ouviu o clic da porta quando Kakashi entrou no quarto, recém-saído do banho. Limpou as lágrimas rapidamente, mas o movimento não passou despercebido por ele. Duas mãos protetoras pousaram em seus ombros e lábios mascarados beijaram seu pescoço. Ela se virou e afundou o rosto em seu peito, deixando o choro fluir livre, sem conseguir mais se conter.

 Kakashi sabia, mais uma vez, porque ela estava chorando. Em momentos assim, ele desejava não ser um shinobi. Desejava não ter um compromisso de honra com sua vila e com seus compatriotas. Vê-la sofrer o destruía por dentro, mas, mesmo assim, ele precisava se manter firme em seu caminho ninja.

— Que tal se pedirmos uma pizza? – Ele disse, tentando suavizar o momento.

Quando a sombra da tristeza se abatia sobre eles, sempre encontravam um jeito de se distrair e desviar a atenção do que os atormentava, e evitavam falar sobre o assunto. Mas o silêncio dela, de alguma forma, o fez sentir que dessa vez era diferente. A dor estava mais evidente nas lágrimas que ela derramava, e sua tentativa de animá-la fracassou.

Ele permaneceu em silêncio por um tempo, abraçado a ela, acariciando seus cabelos e beijando o topo de sua cabeça. Quando o choro ficou mais baixo, e os soluços diminuíram, ele fez com que ela erguesse o rosto delicadamente, levantando seu queixo com a ponta dos dedos.

— O que mudou? – Sua voz grave e profunda transparecia preocupação.

Ela suspirou.

— Amanhã você encontrará o autor dos livros.

Ele franziu as sobrancelhas.

— Mas isso não é uma novidade, Aka-chan.

Ela apertou mais os punhos que seguravam a frente da camiseta dele.

— Eu sei, mas... É como se... Sinto como se você fosse...

Kakshi colocou uma mão de cada lado do seu rosto e a encarou.

— Ainda não é a resposta de como voltar para Konoha.

O calor que emanava das mãos dele era maravilhoso, e os olhos de Keiko se fecharam instintivamente. _ Como você pode saber? – Ela perguntou baixinho.

Ele deixou escapar um suspiro.

— Já fiz muitas investigações antes. Interrogatórios, entrevistas, encontros... Nem sempre fui bem sucedido na primeira tentativa.

— Mas você já foi alguma vez? – Ela ergueu os olhos e o encarou, perscrutando as profundezas do escuro de suas íris.

Ele devia ter imaginado que ela não desistiria tão fácil. Com um suspiro resignado, respondeu:

— Sim.

Um sorriso triste apareceu no rosto dela, enquanto desviava os olhos para as mãos que ainda seguravam a camiseta dele.

— E se isso acontecer amanhã? E se você conseguir a resposta que você quer na primeira tentativa?

Ele não tinha pensado nisso. Não tinha pensado porque, no fundo, não queria que isso acontecesse. Sempre se imaginava conversando com o autor dos livros, conseguindo alguma pista, seguindo essa pista, encontrando outra, depois outra e assim sucessivamente, protelando sua partida por mais um tempo, adiando seu retorno para Konoha com uma justificativa plausível de que estava investigando um modo de voltar. Mas se ele conseguisse a resposta de imediato, não teria mais nenhuma desculpa para ficar mais tempo no mundo de Keiko.

Agora que ela havia tocado no assunto, ele se sentiu mal porque aquele pensamento provavelmente a atormentava há dias, enquanto ele se agarrava à expectativa de que poderia permanecer em Tóquio um pouco mais.

— Você entende agora? – A voz doce de Keiko o tirou de seus pensamentos, mas não lhe devolveu a paz de espírito.

— Entendo... – ele depositou um beijo no topo de sua cabeça e a aninhou mais fortemente em seu abraço.

—x-x-x-

Naquela noite, Kakashi demorou a dormir.

“E se isso acontecer amanhã? E se você conseguir a resposta que você quer na primeira tentativa?”

E se ela estivesse certa? E se Kishimoto lhe dissesse como voltar para Konoha? E se essa fosse a última noite ao lado de Keiko? Sem que pudesse se conter, lembrou dos momentos que viveram juntos e olhou para a mulher que dormia ao seu lado. Alguns fios vermelhos caíam sobre sua testa franzida e, com uma frequência que o estava preocupando, ela tinha sobressaltos antes de virar-se na cama. Ele sabia  que ela não estava tendo um sono tranquilo.

Se ao menos ele pudesse fazê-la parar de sofrer... Keiko havia se tornado uma de suas pessoas preciosas, e não queria vê-la assim. Será que havia conseguido fazê-la feliz nesses dias que ficou ao lado dela? De repente, sentiu-se angustiado e ansioso. Pareceu-lhe que poderia ter feito muita coisa diferente, que todo o tempo que ficou com ela não foi suficiente, que talvez as horas de treino na academia tivesse sido inúteis, que não deveriam ter passado tanto tempo dando voltas de moto pela cidade...

Ele nem mesmo havia lhe mostrado o seu rosto...

Kakashi se sentou na cama e passou uma mão pelos cabelos. Ele se apaixonou apenas uma vez em toda sua vida e sofreu muito quando as coisas terminaram tragicamente. Depois disso, ele manteve seu coração fechado – deliberadamente - focando apenas em seu caminho ninja, cuidadosamente selecionando as emoções que se permitia sentir.

Mas com Keiko... como permanecer imune ao seu jeito tímido, à cor rosada das maçãs do seu rosto quando ele a fazia corar, ao seu sorriso, ao seu cheiro, ao seu olhar... Ele virou o rosto para observá-la mais uma vez e não conseguiu conter um sorriso bobo. Como ficar imune, até mesmo, àqueles cabelos de duas cores, castanhos nas raízes, como seus olhos amendoados, e vermelhos ao longo dos fios, como suas bochechas?

Ela se virou na cama mais uma vez, ficando de costas para ele, e o lençol escorregou um pouco pelas suas pernas, expondo a curva bem desenhada do seu quadril. Ele lembrou das vezes em que deslizou as mãos pelo corpo dela, sentindo sua pele arrepiar-se sob seu toque, e de como seu coração parecia explodir com um sentimento diferente do que o que ele estava acostumado. Como ficar imune à capacidade que ela tinha de acender nele a chama do desejo, de uma maneira muito mais intensa do que uma simples necessidade física?

O destino era cruel. Ele já tinha se resignado com uma vida amorosa insalubre, efêmera, sem raízes. Até já havia se acostumado à solidão. Então, por que isso tudo estava acontecendo?

— Mas que droga... – Seu punho fechado afundou no colchão com um baque surdo, num gesto automático.

Keiko se mexeu ao seu lado, e ele acariciou suas costas levemente, para que ela não despertasse.

O que ele podia fazer agora? Não adiantaria nada ficar remoendo sentimentos, então tomou uma decisão. Se aquelas fossem as últimas horas ao lado dela, ele iria aproveitar cada segundo. Quando voltasse para Konoha, tudo o que lhe restaria seriam as lembranças, e ele queria ter muitas delas, por que depois de tanto tempo, ela era a primeira mulher pela qual ele nutria aquele sentimento.

Olhou mais uma vez para Keiko e deitou-se ao seu lado, abraçando-a carinhosamente. Ela se remexeu um pouco, virando-se para ficar de frente para ele e sussurrou com a voz abafada de sono.

— Kakashi... aconteceu algo? Você está inquieto...

Ele beijou sua testa.

— Não aconteceu nada, não se preocupe.

Uma mão delicada encontrou a curva do seu maxilar e o acariciou delicadamente.

— Tem certeza? Podemos conversar, se você quiser...

Ele pegou a mão dela e beijou-lhe a palma, depois segurou-a na altura do peito, sobre o coração.

— Não é nada... Volte a dormir...

Pouco tempo depois, a respiração dela ficou regular, emitindo um som baixinho quando saía de seus lábios entreabertos. Ele se concentrou naquele som e naquele ritmo e, finalmente, adormeceu.

—x-x-x-

Keiko sentiu que estava despertando, mas ela não queria acordar ainda. A noite havia sido pesada e ela tinha a sensação de que não tinha dormido quase nada. Virou-se de lado e esticou um braço, tateando em busca de Kakashi, mas ele não estava na cama. Abriu só um pouquinho os olhos, e viu que o dia ainda não havia clareado por completo e o quarto estava mergulhado na penumbra azulada que antecipava o amanhecer.

Uma silhueta em frente à janela do quarto lhe chamou a atenção. Kakashi estava de costas, e fitava a paisagem com as mãos enterradas nos bolsos da calça de moletom que usava. Ela sabia que ele não havia dormido bem, porque notou as diversas vezes em que ele se virou, inquieto, na cama. Sabia, também, que o que havia lhe dito sobre Kishimoto mexeu com ele e que essa era a razão de sua insônia.

Keiko observou-o por um tempo, fitando seu porte firme, esguio e alto. Ele não usava camiseta, mas seu pescoço estava coberto pelo tecido escuro da máscara. Ela sentiu um aperto no peito. Kakashi ainda não havia lhe mostrado o rosto e ela não questionava seus motivos, mas, de certa forma, mesmo que respeitasse sua posição, ela se sentia triste. Esperava que ele abrisse os seus sentimentos para ela, como ela havia feito com ele.

Mas aquele não era o momento de pensar nisso. Kakashi devia estar cansado da noite mal dormida e tudo o que ela mais queria era confortá-lo. Silenciosamente, deslizou sob os lençóis e caminhou até ele, abraçando-o por trás e deitando a cabeça em suas costas largas. Mãos grandes e quentes afagaram as suas.

— Que tal pedirmos uma pizza? – A voz dela estava sonolenta, mas conservava um tom brincalhão.

Ele sorriu.

— Essa fala é minha.

— Não sou tão boa nessa história de consolar, então tento me espelhar em você. – Ela beijou o espaço entre seus ombros e o ouviu suspirar.

— Está me dizendo que eu pareço desconsolado? – Ele disse depois de um tempo, tentando soar indignado, mas ela conseguiu perceber a nota de divertimento em sua voz.

— Hmm... vejamos... – Ela ergueu uma das mãos na frente dele e começou a numerar com os dedos: - Noite mal dormida; - dedo indicador para o alto - fitando o horizonte antes do amanhecer; - dedo médio se juntando ao indicador - vagando sozinho pelo quarto; - dedo anelar adicionado ao conjunto - cabelo desgrenhado e ar pensativo - dedos mindinho e polegar esticados. - Pra mim você parece desconsolado, sim.

Ele passou uma das mãos no tufo de cabelos prateados.

— Ei! Meus cabelos não estão desgrenhados!

Keiko não conseguiu evitar de sorrir e ele se virou para ficar de frente pra ela. O brilho brincalhão em seus olhos escuros aos poucos deu lugar a um ar mais sério.

— Estive pensando no que você me disse, Aka-chan. - Era o que ela havia deduzido no início. – Estive pensando em muitas outras coisas, também.

Keiko permaneceu em silêncio, mas como ele não prosseguiu, ela perguntou:

— Que outras coisas?

Ele suspirou e apoiou o queixo no topo de sua cabeça.

— Há tantas coisas que eu gostaria de ter feito com você.

Ela entendia aquele sentimento perfeitamente. Mas enveredar por esse caminho só tornaria pior o inevitável sofrimento futuro.

— Não podemos nos ater a isso, Kakashi... – Keiko repetiu para ele o mantra que vinha dizendo para si mesma há alguns dias.

— Eu sei... De qualquer forma nem todo o tempo do mundo seria suficiente pra fazer tudo o que eu gostaria com você.

Ela sentiu seu coração martelando forte no peito. Ele voltou a encará-la e acariciou seu rosto, deslizando a ponta dos dedos pelo contorno dos seus lábios.

— Mas ainda há tempo para fazer algo que eu já deveria ter feito.

Keiko não fazia a mínima ideia do que ele estava falando e seus olhos estavam fixos nos dele, tentando encontrar uma resposta. Ela aguardou que Kakashi lhe dissesse o que ele gostaria de fazer, mas ele não disse nada. Ao invés disso, ele pegou sua mão direita e a ergueu, direcionando-a para o tecido da máscara.

O coração de Keiko falhou uma batida. Ele não precisava mais dizer nada, e não faria muita diferença, pois ela duvidava que fosse capaz de processar qualquer informação naquele momento. O mundo ao redor deles saiu de foco e ela só conseguia se fixar no sorriso leve que se delineava embaixo do tecido.

Os olhos dele tinham um brilho diferente, e ela sentia como se seu peito fosse explodir com a enxurrada de sentimentos que faziam seu sangue correr mais rápido nas veias. Esse gesto dele... significava para ela mais do que todas as palavras que ele pudesse lhe dizer. Mostrava para ela o que ele sentia de verdade.

Kakashi fez com que ela deslizasse um dedo por baixo da máscara. A mão dela tremia e se não fosse a mão firme de Kakashi sustentando seu pulso, ela não teria tido forças para mantê-la erguida. Seus olhos se encheram de lágrimas que turvaram a sua visão, e quando ela piscou, as lágrimas caíram pelo seu rosto. Keiko ficou um bom tempo assim, em estado de torpor, com os lábios levemente entreabertos, as lágrimas caindo abundantes dos olhos e um dos dedos tocando a pele por debaixo do tecido escuro.

Ele esperou pacientemente. Sabia que revelar seu rosto para ela seria uma prova do que sentia, e até conseguia prever a felicidade que ela sentiria, mas não imaginou que ela ficaria assim, tão extasiada, e aquilo encheu seu peito de ternura. Ele se inclinou e beijou suas bochechas, secando suas lágrimas com o tecido da máscara.

— Acorde, Aka-chan... – disse baixinho, roçando os lábios em sua orelha e se afastou novamente para fitá-la.

Parecendo despertar, ela respirou fundo e. devagar, puxou o tecido para baixo, expondo a pele que antes havia somente sentido. Baixando o tecido um pouco mais, vislumbrou o nariz afilado, só um pouquinho saliente na ponte, sinal de uma fratura que aconteceu em alguma luta do passado.

Ela continuou a puxar a máscara para baixo, revelando a boca bem desenhada, com o lábio superior um pouco mais fino que o inferior. Com um último roçar de dedos, ela tirou a máscara completamente, expondo aquele rosto tão amado, que ela já havia sentido inúmeras vezes, mas que via pela primeira vez.

 Kakashi sentiu o toque delicado das mãos dela acariciando sua pele desnuda, tracejando o contorno do seu rosto. Os olhos amendoados de sua Aka-chan voltaram a se encher de lágrimas e quando uma delas caiu, ele limpou com o polegar e a puxou para um beijo.

Os primeiros raios da aurora clarearam ainda mais o quarto. Quando seus lábios se separaram, ele disse:

— Quero que me prometa uma coisa. - Ela o olhou com curiosidade. -_ Não vamos nos preocupar com o que vai acontecer hoje à noite, tudo bem? O amanhã é uma sombra difusa e eu não quero mais ver você chorando.

Keiko se apressou em secar os rastros que as lágrimas haviam deixado em seu rosto.

— Eu não estava chorando de tristeza...

Ele deu um sorriso indulgente e acariciou seus cabelos.

— Eu não estava falando desse choro...

A lembrança da noite anterior veio à mente de Keiko, quando ela não conseguiu segurar as lágrimas de angústia e tristeza diante dele. Não seria fácil engolir o bolo que se formava na sua garganta sempre que pensava na sua partida, principalmente agora que o dia havia finalmente chegado. Mas Keiko compreendia o que ele desejava, e se fosse para vê-lo feliz, ela enterraria sua tristeza no fundo do coração enquanto ele estivesse ao seu lado, e deixaria para chorar tudo depois, quando ele tivesse partido.

Com um leve sorriso e um breve aceno de cabeça, ela aceitou o desafio e se permitiu não pensar em mais nada quando ele a puxou para si e a beijou novamente.

—x-x-x-

(Continua no próximo capítulo...)


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Notas finais do capítulo

Vejo vocês em breve! :*



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