– Lia, Lia... você tá indo pra pracinha? – Dinho corria atrás dela enquanto ela já estava saindo da escola com algumas latas de tinta e pinceis.
– É, por quê? Ah, Adriano nem vem querer trocar favorzinho porque eu não arrumo aquela bagaça lá sozinha, sem chance...
– Relaxa, eu só pensei que a gente podia ir juntos já que a gente vai pro mesmo lugar. – Dinho tinha em mãos a mochila e uma vassoura.
– Juntos? – Perguntou Lia desconfiada.
– É, juntos. – Lia não curtiu nada a ideia, mas acabou aceitando. O caminho foi silencioso, até porque eles não tinham nenhum assunto em comum e Lia nem queria ter assunto com Dinho, apesar dele ficar tentando puxar assuntos banais o tempo todo, do tipo: “Não estão muito pesadas essas latas?” “Quer uma ajuda, Lia?” “Tá calor hoje, né?” que eram rapidamente respondidos e já cortados por Lia que estava obviamente obstinada a não ter nenhum tipo de assunto com Dinho.

Quando chegaram à praça, acharam algum banco para depositar os materiais da escola e também os que usariam no trabalho e depois foram dividir as tarefas: enquanto Dinho varria as folhas que caíram das árvores e sujaram toda a praça, Lia ia pintando o que desse dos balanços.

– Você tem certeza? – Perguntou Dinho – É um trabalho mais pesado, se quiser, eu posso fazer.
– Só porque você é garoto e eu sou uma garota? Tu tá brincando comigo, né? – Liu riu – Os dois trabalhos são fáceis, Adriano. Vamos logo com isso.

Dinho se incomodava pelo fato de ser sempre gentil com Lia e ela o cortar como se tivesse realmente nojo dele. O que tinha acontecido com aquela garota que foi – uma vez – sua melhor amiga? Será que ela tinha esquecido de tudo que eles tinham se prometido? Por que agora agia tão friamente sempre que estava perto dele? Todas essas perguntas rondavam sem resposta pela cabeça do garoto e quanto mais ela o ignorava, mais ele tinha vontade de descobrir todos os 'porquês' de suas dúvidas.

– Ei, Lia... – Ele a chamou. Achou engraçado o fato de ela estar com uma das bochechas sujas de tinta e começou a rir.
– Do que você está rindo, garoto? – Lia perguntou mal humorada.
– De você toda suja de tinta.
– Nossa, deve estar super engraçado mesmo. – Ela foi irônica.
– Eu to ficando cansado...
– Ah, eu também, mas relaxa ainda tem mais quatro dias. – Mais ironia.
– Eu não estava falando disso – Ele disse irritado – Lia, por que você fica agindo assim? – Ele largou a vassoura em um canto e foi até ela.
– Assim como? – Lia perguntou assustada.
– Você esqueceu do que a gente foi no passado? – “Infelizmente não” pensou Lia.
– A gente, no passado? – Lia riu nervosa – O que “a gente foi”? Não sei do que você tá falando não.
– Caramba, Lia. A gente era melhor amigo, como você pode não lembrar? – “Ele ainda lembrava? Como assim?” ela pensou.
– Ah, é... a gente era melhor amigo. Mas, ah Adriano, a gente tinha sei lá 7 anos.
– Não foi bem assim, você sabe que a gente não tinha apenas 7 anos quando a gente se....
– Aê, tá ficando tarde... tenho que ir pra casa, tchau. – Ela pegou sua mochila e saiu correndo.

“Querido Diário,

Já não basta eu ter que ver ele todos os dias desde que tudo aconteceu, já não basta ele ter que morar no mesmo condomínio que eu, já não basta ele estudar na mesma escola em que eu estudo, já não basta ele ser e ter sido meu colega em todos os anos que sucederam aquele ano idiota ele ainda tem que ficar de castigo na mesma pracinha que eu? E ainda se fazendo de idiota como se não soubesse o quanto me machucou? Eu quero dizer, qual o problema dele? Eu já não consigo esquecer todo o mal que ele me causou por ter que ver ele todos os dias e ele ainda por cima veio fazer essa tortura emocional comigo, hoje? Você não sabe o quanto foi difícil olhar nos olhos dele e negar que eu não me lembrava da coisa que mais me machucou nesse mundo. Perder o meu melhor amigo me machucou muito, mas perder meu melhor amigo da forma como eu perdi foi uma das coisas – se não a mais – dolorosas da minha vida. :/

Em breve mais catástrofes da minha confusa vida,
Lia.”

Lia guardou o diário e foi dormir se sentindo realmente muito mal.