Senti a razão esvaindo de meus pensamentos com aquela memória esquecida que agora pairava sobre meu olhar. Como eu havia trancado tal aspecto horrível de minha infância? Como havia conseguido apagar de minha memória o rosto ameaçador do ser pálido à minha frente, que agora delineava-se sobre minhas pálpebras todas as vezes que eu fechava os olhos?

Antes que meus pensamentos mergulhassem ainda mais nas ideias mórbidas que voavam em minha mente, a cena mudou, como se fosse um filme antigo que saltasse repentinamente para outro cenário, preparando uma nova paisagem pavorosa.

Agora eu me encontrava em uma sala iluminada e colorida, vários desenhos infantis estavam pendurados nas paredes amareladas por um barbante, presos com pequenos prendedores de diversas cores, um quadro branco pairava em toda a extensão de uma das paredes, esperando para ser escrito.

Pequenas cadeiras brancas estavam espalhadas pelo local, com crianças delicadas e alegres sentadas em cada uma, todas conversando e sorrindo enquanto se debruçavam sobre as mesas à sua frente, pegando seus lápis coloridos e pintando o papel que ali estava.

O som de seus risos levitavam no ar fresco, dando uma atmosfera tranquila e inocente para a pequena sala de aula. Olhei para a mulher no canto do local, que observava os pequenos com um leve sorriso no rosto, e deduzi que ela fosse a professora.

Percebi seu olhar correndo sobre todas as crianças, até que parou em um canto afastado da turma, sua expressão no mesmo deixando os vestígios da alegria simples que ali estava para mergulhar em uma tristeza cercada de pesar.

Dirigi meus olhos para o local e notei uma garotinha sentada em uma cadeira no canto mais distante dos outros garotos risonhos, seus cabelos negros caiam como uma cortina sobre seu rosto, movimentados por sua ação de abaixar a cabeça em direção ao seu desenho, que jazia delicadamente pousado em seu colo.

A mulher foi em direção à garota, seus cabelos castanhos dançando por suas costas enquanto andava, no mesmo momento em que ela lançava olhares meigos para as crianças que chegavam à ela perguntando sobre seus trabalhos.

- Você fez muito bem, querida - ela disse a uma garotinha, recebendo um sorriso orgulhoso da pequena.

Qunado a criança voltou saltitando para o seu lugar, a professora voltou seus olhos claros novamente para a menina que estava quieta e distante com seu desenho terminado.

- E então, Emily? O que você desenhou? - perguntou a mulher carinhosamente, agachando ao lado da garota.

Tentei evitar o arrepio que percorrera por meu corpo quando ela disse meu nome.

- E-Eu desenhei... - a garota murmurou, hesitando no mesmo momento enquanto suas mãos delicadas traziam o papel para perto de seu peito, impossibilitando a professora de ver seus rabiscos.

- Deixe eu ver, querida - insistiu a maior, tentando pegar a folha, recebendo uma negação que a garotinha fez com a cabeça, o que fez seus longos cabelos negros voarem ao seu redor por um momento.

- Não... É feio - a menina sussurrou novamente, abraçando o desenho mais forte.

- Ah, tenho certeza que não - a professora disse sorridente - Deixe-me ver.

- Dá medo - a garotinha continuou a negar, porém afrouxou suas mãos para que a professora pudesse pegar o papel.

- Obrigada - a mulher respondeu, rindo carinhosamente para a pequena.

Sua risada descontraída extinguiu-se segundos depois, a expressão em seu rosto contraíndo-se e denunciando seu medo, enquanto seus olhos queimavam em preocupação e descrença.

- O que é isso, Emily? - ela perguntou, com a voz entrecortada e a respiração irregular.

- É meu sonho ruim - a garota respondeu - Mamãe disse que eles eram só a imaginação de nossa cabeça. Professora, por que minha imaginação começou a me visitar à noite?

A garota encarou a maior com seus olhos escuros e indagativos, seu rosto marcado pela delicada inocência de uma criança que não entendia a perigosa situação em que estava.

Bem que você a avisou que o desenho dava medo. A voz rouca inundou minha mente novamente, fazendo-me sobressaltar enquanto assistia a cena da professora ainda encarando aterrorizada a pequena a sua frente.

Em um instante a paisagem mudou novamente, desaparecendo com os rostos delicados das crianças que ainda desenhavam calmamente na pequena sala, e deixando-me em um completa escuridão.

Olhei para os lados, tentando distinguir alguma silhueta em meio a todo aquele negrume, porém o cenário escuro engolia toda a cor que pudesse ter a minha volta. As risadas inocentes dos pequenos ainda ecoavam em minha mente, diminuindo até serem totalmente derrubadas pelo silêncio opressor que me observava.

Senti algo em minha mão, e por um momento assustei-me a ponto de querer tirar o membro do local, porém a lembrança do quarto esverdeado em que eu havia estado voltou à minha memória, recordando-me de todo o pânico e do pequeno ato de proteção que Mikael havia feito ao pegar minha mão.

Não acabou ainda, querida. A voz voltou à minha mente, rasgando todos os pensamentos aconchegantes que eu tentava construir para acalmar meu corpo nervoso, e fazendo uma onda de raiva e pânico inundar e misturar-se por meu raciocínio.

Ainda preciso te dar um pequeno aviso... Nós iremos atacá-los em breve, e não terá luz o suficiente que irão os proteger. A criatura sussurrou, fazendo ecoar uma pequena risada maldosa por meus pensamentos.

Depois de suas palavras finalmente se extinguirem de minha mente, as luzes à nossa volta voltaram repentinamente, lançando a luminosidade de tal modo que tive que fechar meus olhos ainda acostumados com a escuridão que nos cercara.

- Aí pessoal, problema resolvido - ouvi a voz de Tariq ecoar pelos cômodos, fazendo-me pensar se realmente haviam achado a solução, e não entrado em um problema ainda maior.