Eu estava de frente com uma parede cheia de relógios. O tempo passava igualmente para todos, exceto para dois que estavam parados, manchados de sangue. As batidas do que ainda funcionavam pareciam me pressionar. Pareciam gritar comigo, dizendo que aquilo tinha que parar de acontecer. Tampei os ouvidos, tentando abafar o som. Eu não entendia isso.

E então eu o vi. Novamente aquele estranho ‘’eu’’ vermelho, com o sorriso metido estampado no rosto. O estranho que sempre estava ali quando ela morria.

– Duas vezes, dois relógios. – Ele falou, como se fosse uma coisa óbvia e olhou a parede. Vi suas mãos sujas de sangue, e soube de imediato de quem era.

Tive vontade de perguntar quem ele era e porque estava fazendo isso. Mas eu não podia. Minha voz não saia.

Ele apenas olhou pra mim e seu sorriso se alargou quando viu minha cara de pavor.

Quando todos os relógios estivessem parados e manchados não teria mais volta. Aimi morreria, de uma vez por todas. Mas eu não estava disposto a deixar isso acontecer.

***

Acordo subitamente, sentando na cama de imediato, sem sequer olhar no relógio do celular. Eu sabia exatamente que dia era, que horas eram.

Troco de roupa e saio de casa correndo, ainda ajeitando meu casaco, correndo feito louco pelo caminho que eu conhecia tão bem.

Fui até onde sabia que você me esperava. Não dei tempo o suficiente pra você me cumprimentar, quando te puxei pela mão, lhe forçando a se levantar e correr junto comigo.

– Yosuke! – Você me chamou – O que está acontecendo? – Você perguntou ainda correndo, preocupada.

– Não há tempo pra explicações – Eu disse, subindo apressadamente as escadas que dariam para um pequeno parque infantil.

E o garoto vermelho estava encostado no muro dali. Ele olha pra mim com o mesmo sorriso de sempre, o que começa a me dar náuseas e medo. Quando ele aparecia sempre...

Não pude concluir o pensamento. Apenas senti a mão de Aimi escorregar da minha. Viro para trás, na tentativa de agarrá-la novamente, mas já era tarde. Ela caiu escadaria abaixo.

E eu novamente vi seu sangue. Você havia quebrado o pescoço durante a queda. Você estava morta novamente.

Ouvi a risada do garoto encostado na parede branca próxima a mim, mas assim que me virei para olhar pra ele, ele já havia sumido. Eu já sabia que há essa hora, o terceiro relógio já estava pintado com o sangue dela.

Simplesmente deixo meus joelhos fraquejarem e ir ao encontro do chão frio, enquanto afundava o rosto em minhas mãos. Quantas vezes eu terei que ver isso?