Ponto de vista de Clarisse

Como eu imaginava aquela nossa visita a Héstia não foi de nenhuma ajuda para a missão. Como Quíron poderia ter imaginado que aquela deusa em forma de menina iria nos dar alguma informação útil? Só o que tínhamos agora era um sátiro medroso mais amedrontado do que nunca. Grover já não era de grande ajuda na missão, agora que sabíamos que ele era o único que nos faria chegar ao acampamento Júpiter a situação havia piorado consideravelmente. Com o peso dessa responsabilidade nas costas o menino-bode estava visivelmente mais paranoico e nervoso do que de costume. Eu estava era com vontade de dar uns cascudos nele para ver se o sátiro parava com tanta frescura. Mas eu já antevi as reprovações vindas de Annabeth, Chris e companhia quanto a isso. Então tentei apenas ignorar a criatura enquanto procurávamos um hotel barato onde pudéssemos acomodar nove pessoas por aquela noite.

- Vamos mandar uma mensagem de Íris a Quíron – informou Annabeth enquanto fazíamos o check-in num hotel que encontramos próximo a rodoviária onde havíamos desembarcado mais cedo – Ele deve saber o que fazer com a informação que Héstia nos deu. Afinal foi ele que nos mandou aqui.

- Espero que esteja certa, Anna – respondi a ela com uma expressão de total desânimo – O mínimo que eu espero é que Quíron tenha uma boa razão para ter nos mandado vir até aqui ouvir isso!

- A informação não foi de todo inútil – Dean se aproximou de nós e entrou na conversa sem ser convidado. Eu já estava estranhando o fato de ele não estar colado em Annabeth como sempre – Pelo menos agora sabemos que Grover poderá nos conduzir até esse tal acampamento romano.

- Você acha mesmo que isso irá nos ajudar, calouro? – perguntei a ele enquanto indicava com a cabeça o sátiro que se encontrava encolhido em uma poltrona olhando para o nada – Confie em mim quando digo que o que Héstia nos disse e nada é a mesma coisa! De que adianta alguém que possa nos guiar se não sabemos para onde estamos indo?

- Dean só está tentando ser otimista, Clarisse – interveio Annabeth quando percebeu que o novato havia ficado intimidado com a minha reprimenda – Lembre-se de que é a primeira missão dele e faz apenas alguns dias que ele foi sequestrado por monstros mutantes e descobriu ser um semideus. Então se puder pegar leve com ele, eu agradeceria.

- Está tudo bem, Annie – disse Dean antes de mim, como sempre parecendo o amigo mais íntimo de Annabeth – Não tenho que ficar opinando em nada. Vocês são as experts nessa coisa de missão, meu papel é só estar a disposição, tentar ajudar no que for preciso e não fazer nenhuma burrice.

- Só de ter se oferecido para vir já é um grande gesto Dean – respondeu Annabeth que nitidamente estava caindo naquela conversa fiada do semideus. Ele estava apenas tentando impressioná-la e parecia que estava conseguindo. De alguma forma ele parecia saber o que dizer e até mesmo parecia se esforçar para continuar muito parecido com Percy em vários aspectos. Eu começaria a suspeitar dele nesse momento se não estivesse muito ocupada sentindo ânsias de vômito com aqueles dois – E claro que irá ajudar muito ainda.

- Se você diz – disse Dean com um sorriso – Estamos nessa juntos – ele então segurou a mão dela e continuou com aquele sorriso bobo na cara.

- Argh! Por favor, não sou obrigada a assistir isso – disse quebrando completamente o clima dos dois – Vou sair daqui antes que me façam vomitar um arco-íris em cima de vocês!

Eles me olharam assustados enquanto eu me afastava deles. Fiquei sem saber o que haviam achado da minha reação. Eu esperava que ao menos Annabeth se desse conta do quanto Dean estava se jogando para cima dela. Fui me sentar num dos sofás da recepção do hotel enquanto esperava que liberassem os nossos quartos. Como sempre, ficamos separados entre garotos e garotas. Drew e Travis queriam pegar um quarto só para eles, mas essa opção foi totalmente descartada. Não tínhamos dinheiro suficiente para isso e todos concordaram que eles não poderiam ter esse privilégio, afinal estavam em uma missão não em uma lua de mel. Os garotos, por estarem em maior número, tiveram ainda que se dividir em dois quartos diferentes. Assim ficamos uniformemente divididos em grupos de três pessoas.

Mesmo não achando que as minhas companheiras de quarto eram as melhores do mundo, eu me sentia satisfeita de poder ter enfim um momento de privacidade. Longe de todos aqueles garotos eu podia ficar mais relaxada. Mesmo sabendo que um deles era meu namorado. Toda garota precisa de um descanso dos homens de vez em quando. Isso fora uma das coisas que a Silena me ensinou sobre relacionamentos. Devemos respeitar o espaço um do outro para evitar conflitos bobos. Aproveitamos então do nosso momento “feminino” para descansar e claro, falar sobre coisas que normalmente não falamos na frente dos garotos. Até mesmo para mim era inevitável participar daquilo. Por mais que não tivesse nenhum um pouco a ver com a minha personalidade. Por nada no mundo eu perderia a chance de ficar por dentro daqueles assuntos. E obviamente Drew foi quem começou a conversa.

- Pobre Percy, além de não fazer ideia de que tem uma namorada que está procurando por ele, ele também não faz ideia de que esta sendo passado para trás! – a filha de Afrodite soltou o comentário como quem não queria nada.

- O que quer dizer com isso? – perguntou Annabeth que visivelmente não gostou nada da indireta da outra semideusa. Assim como Anna, também preferia que as coisas fossem ditas diretamente, e não através de comentários sarcásticos como aquele.

- Ora, só alguém muito estúpido não perceberia que Dean está louquinho por você! – afirmou Drew num tom exageradamente alto. Tentei disfarçar para não demonstrar que eu concordava com ela – Ele não sai da sua cola e está sempre se mostrando mais prestativo do que o normal para um garoto. É obvio que ele está querendo tomar o lugar do filho dos mares!

- Que bobagem! – respondeu Annabeth parecendo ofendida com a insinuação – Dean é apenas um garoto prestativo que está tentando nos ajudar a encontrar Percy. Ele se sente grato por termos salvo sua vida, só isso – a forma como a filha de Atena se defendeu deixava escapar uma ponta de culpa, como se na verdade ela também já tivesse pensado naquele assunto e desconfiado das intensões de Dean.

- Se é isso então porque ele não é desse jeito com todos nós? – rebateu Drew parecendo super segura do que estava dizendo – Convenhamos que fora o fato de seu namorado estar ausente, todos sabemos qual das três garotas desse grupo é a que mais chamaria a atenção de um garoto? – eu senti de vontade de rir, tamanha era a falta de modéstia da filha da deusa do amor e da beleza – Então temos que concordar que ele estar assim tão interessado em você indica que realmente existe muito mais do que uma simples intenção de tentar ajudar com a missão!

- Isso é ridículo, Drew! Não é só por que uma pessoa é legal e simpática que ela está afim de você. Não é mesmo Clarisse?

Eu não estava esperando que elas me incluíssem na conversa. Estava ali apenas de expectadora, disfrutando enquanto a discussão pegava fogo. Quando Annabeth se dirigiu a mim, fiquei meio sem reação. Não sabia o que responder. Não queria mentir para ter que concordar com ela. Mas também não queria dizer a verdade e admitir que concordava com Drew. De uma forma ou de outra minha resposta me deixaria em uma péssima situação. Então resolvi improvisar.

- Nós não íamos mandar uma mensagem de íris para Quíron? Acho melhor nos apressarmos, ou não o encontraremos acordado! – elas ficaram com aquelas caras de dúvida me olhando enquanto eu pegava minha mochila e saia do quarto.

***

Encontramos os garotos perto da piscina do hotel. Chris nem se deu ao trabalho de ser discreto quando veio até mim, me abraçou e me deu um beijo. Fiquei corada por estar na frente de todos naquele momento, mas não o repreendi por isso. Eu também já estava sentindo falta dele, e perto de Drew e Travis nós com certeza parecíamos o casal mais discreto do mundo. Utilizados a fonte que havia na piscina para criar o pequeno arco-íris e enviar a mensagem ao acampamento meio-sangue. Por sorte conseguimos encontrar Quíron na casa grande, e ao que parecia ele estava se preparando para ir dormir. Contamos a ele o que Héstia havia nos dito e para nosso descontentamento Quíron não sabia o que aquilo significava. Ele se desculpou dizendo que achava que a deusa da lareira poderia colaborar de uma forma melhor. Acabamos não descontando a nossa frustração no centauro que estava apenas tentando nos ajudar, afinal.

Annabeth aproveitou para perguntar como andavam as coisas no acampamento e com a construção do “Argos II”. Quíron contou que os ciclopes das forjas de Poseidon haviam ajudado muito. Quando Anna perguntou por Tyson, meio irmão de Percy, Quíron disse que ele não havia vindo e que não tinha notícias dele, o que deixou a filha de Atena um pouco preocupada.  Nos despedimos depois de prometer mantê-los informados quanto a busca. Depois que a mensagem desapareceu nenhum de nós parecia ter intenções de voltar aos quartos. Ficamos quietos por um momento apenas refletindo sobre o que iríamos fazer a seguir. Foi quanto Grover, antes tarde do que nunca, resolveu se manifestar.

- Pessoal, sei que estão esperando uma atitude da minha parte – começou o sátiro num tom tão melancólico quanto sua expressão facial – Héstia disse que apenas sátiros e semideuses romanos podem chegar até o acampamento Júpiter, então vocês esperam que eu os leve até lá. Mas a verdade é que eu não tenho ideia de como fazer isso. Não tenho ideia de onde fica este lugar. Portanto creio que agora sou tão inútil na missão como sempre tenho sido...

- Que bom que admite – falei sem pensar que aquilo poderia magoar o homem-bode. Só percebi minha mancada quando todos me lançaram um olhar de repreensão. Dei de ombros em resposta a eles, afinal eu não ia ficar sendo falsa quanto ao que eu pensava nem ia ficar omitindo minha opinião nas coisas. De que adianta querer ser legal só pra poupar os outros do sofrimento. É melhor encarar a verdade nua a crua de uma vez.

- Clarisse! Vê se pega leve! – foi Connor que resolveu sair em defesa do sátiro.

- Ela tem razão – disse Grover parecendo ainda mais triste e desanimado – Estou aqui com vocês porque quero encontrar Percy. Mas todos sabem que na maioria das vezes eu mais atrapalho do que ajudo!

- Ok, chega! – interveio Annabeth que parecia furiosa comigo e com Grover também – Ninguém aqui é simplesmente um peso morto. Todos tem um papel nessa missão. Ficar se menosprezando e menosprezando os outros não nos ajuda em nada – ela fez questão de olhar para mim e para o sátiro enquanto falava aquilo – Vamos precisar das habilidades de todos aqui se quisermos ter uma chance de encontrar o caminho para o acampamento romano...

- Esperem um pouco – interrompeu Dean – Héstia disse que um semideus romano poderia encontrar o caminho para o acampamento também, certo?

- Certo – respondeu Butch que assim como os demais tentava entender aonde o calouro queria chegar com aquela pergunta – Mas isso não nos ajuda em nada, a não ser que você conheça algum que possa nos apresentar.

- Bom, não conheço. Mas e se... – ele fez uma pausa enquanto olhava para os lados pensativo – E se eu for um semideus romano? Vocês me encontraram e me levaram até o acampamento meio-sangue. Mas e se eu não tivesse que ser levado para lá? E se eu for filho da uma forma romana de um deus e por isso não fui reconhecido ainda?

- Dean, sua lógica pode até fazer sentido, mas... – respondeu Annabeth insegura – eu sinceramente acho pouco provável. Já conhecemos um semideus romano, Jason. E ele tem características muito peculiares. Creio que saberíamos se você também fosse um deles. Mas mesmo que fosse, daria no mesmo você fazer o papel de guia ou então Grover fazer. Ambos não sabem nem por onde começar a procurar.

- Bom, talvez fosse mais fácil pra um semideus do que para um sátiro. Talvez de alguma forma os romanos sejam atraídos para lá – continuou especulando Dean, porém ao ver que ninguém parecia botar muita fé no que ele dizia, o semideus novato se deu por vencido – Está bem, não fui de muita ajuda. Acho que só nos resta tentar procurar nos livros de história aspectos sobre Roma e os deuses romanos que nos ajudem a deduzir onde é ou pelo menos como pensam esses semideuses.

- Claro, porque ler livros é tudo o que precisamos agora! – tirou sarro Drew. E eu por um momento quis rir daquilo por que realmente Dean estava começando a fazer papel de bobo com todas aquelas ideias e hipóteses furadas.

- Esperem, ele pode ter razão – voltou a intervir Annabeth – Sempre procuramos analisar a parte grega da história e dos mitos. Mas agora que estamos procurando o acampamento Júpiter vamos ter que nos aprofundar muito mais nesse mundo! Talvez não seja má ideia dar uma boa pesquisada no que os humanos registraram sobre a época do domínio romano. Se soubermos a forma como eles pensavam e agiam, será mais fácil descobrir suas ideias e estratégias e até mesmo onde eles considerariam ser o melhor lugar para construir um acampamento para semideuses.

***

- Acha que teremos alguma sorte com essa nova estratégia que o Dean propôs? – Me perguntou Chris. Alguns minutos depois daquela última reunião em grupo que tivemos nós dois resolvemos dar uma escapada para ficarmos sozinhos um pouco. O Hotel tinha uma área verde com um playground e alguns bancos em volta. Nos sentamos em um deles ficando um pouco afastados das outras pessoas que também disfrutavam daquele espaço tranquilo.

- Pra falar a verdade não. Mas ainda assim, acho que qualquer coisa é melhor do que ficarmos esperando que um sátiro medroso nos guie até o acampamento romano – dei uma risada leve ao dizer aquilo.

- Pega leve com ele, vai – disse Chris num tom brincalhão – Imagina se Héstia tivesse nos dito que a única pessoa que poderia encontrar o caminho para lá fosse você? Aposto que estaria tão perturbada quanto ele.

- É. Pode ser que você tenha razão – Chris sempre tentava me fazer ver as coisas de uma perspectiva totalmente diferente e dessa forma quase sempre conseguia me convencer de que estava certo – Mas ao menos eu tentaria entender e descobrir o que isso significava. Não iria me abster de arcar com essa responsabilidade.

- Claro, porque ao contrário de Grover, você é uma semideusa corajosa e destemida! – me elogiou ele com um sorriso. Senti que meu rosto corava enquanto eu tentava não parecer tão lisonjeada com aquele agrado. Chris, em resposta, apenas me beijou.

Deixei meus braços envolverem o pescoço dele enquanto ele segurava minha cintura com as mãos e me puxava gentilmente para mais perto dele. Ficamos conversando e nos beijando por mais alguns minutos até que eu me dei conta de que estava ficando tarde. Tive que usar todos os argumentos possíveis para convencer Chris de que estava na hora de cada um ir para o seu quarto. Precisávamos descansar para seguir viagem no dia seguinte. Ele me levou até a porta do quarto das garotas e se despediu depois de um longo beijo. Eu entrei e fui direto colocar um pijama para poder dormir. Naquela noite eu tive um sonho muito estranho e assustador, até mesmo para uma semideusa filha de Ares. Acordei, já na manha seguinte, sobressaltada e fui diretamente acordar Annabeth para lhe contar o que havia sonhado.